COMENTÁRIO HISTÓRICO DO ANTIGO TESTAMENTO
PROVÉRBIOS VOLUME II Provérbios 10-15 de James Alfred Loader
COMENTÁRIO HISTÓRICO DO ANTIGO TESTAMENTO *** PROVÉRBIOS VOLUME II PROVÉRBIOS 10-15
COMENTÁRIO HISTÓRICO DO ANTIGO TESTAMENTO
Equipe editorial: Carly Crouch (Nijmegen, Holanda) Bénédicte Lemmelijn (Leuven, Bélgica) Gert T.M. Prinsloo (Pretória, África do Sul) Klaas Spronk (Amsterdã, Holanda) Wilfred G.E. Watson (Newcastle, Reino Unido)
PROVÉRBIOS VOLUME II PROVÉRBIOS 10-15
por James Alfred Loader
PEETERS LEUVEN – PARIS – WALPOLE, MA 2022
Um registro de catálogo para este livro está disponível na Biblioteca do Congresso. Design da capa por Dick Prins. ISBN 978-90-429-4838-9 eISBN 978-90-429-4839-6 D/2022/0602/84 © 2022 — Peeters, Bondgenotenlaan 153, B-3000 Leuven (Bélgica) Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em um sistema de recuperação ou transmitida, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão prévia por escrito do editor.
CONTEÚDO
PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
VII
ABREVIATURAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
IX
BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
XV
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §1. Usando o Comentário: Notas Práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §2. A estrutura do livro e a questão dos grupos de provérbios. 2.1 As Principais Divisões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2 Ditados Únicos ou Grupos de Provérbios?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2.1 A Literatura de Frases como Dizer Independente. . . 2.2.2 Grupos de Provérbios na Literatura de Frases . . . . . . . . 2.2.3 Uma Moeda de Duas Faces . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §3. Linha, Paralelismo e Ritmo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.1 Linha (= Ponto) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2 Paralelismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3 Ritmo e Compasso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §4. A Data e Contexto Social do Livro e seus Materiais Diversificados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §5. A Ordem do Texto Massorético e as Versões. . . . . . . . . . . §6. A Relevância dos Provérbios: Considerações Teológicas e Éticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §7. Ensaios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §7.1 Virtude entre Comando e Conselho. . . . . . . . . . . . . . . . 7.1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.1.2 Provérbios como Manual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.1.3 Educação em Chaves Diferentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.1.4 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §7.2 Aprendizagem no Indicativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.2.2 O Imperativo, o Indicativo e a Definição de Vida . . . 7.2.3 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . §7.3 Leituras Metafóricas e Literais de Aforismos em Provérbios 7.3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.3.2 Evidência do Material Textual. . . . . . . . . . . . . 7.3.3 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1 1 4 5 6 7 13 21 24 24 26 29 31 35 35 39 40 40 41 44 56 57 57 58 64 65 65 66 74
VI
Conteúdo COMENTÁRIO
A SEGUNDA PARTE DO LIVRO DE PROVÉRBIOS PROVÉRBIOS 10:1–22:16* ESSENCIAIS E PERSPECTIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
79
CAPÍTULO 10
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tradução e Exegese. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
85 85
CAPÍTULO 11
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tradução e Exegese. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
206 210
CAPÍTULO 12
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tradução e Exegese. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
315 320
CAPÍTULO 13
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tradução e Exegese. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
410 413
CAPÍTULO 14
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tradução e Exegese. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
490 494
CAPÍTULO 15
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tradução e Exegese. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
584 588
ÍNDICE DE AUTORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
663
ÍNDICE DE FONTES RABÍNICAS E PATRISTAS. . . . . . . . . . . . . . .
671
* Este volume do comentário cobre metade da Segunda Parte do Livro de Provérbios (10:1–15:33). A outra metade abrirá o próximo volume do comentário de Provérbios em HCOT, começando em 16:1.
PREFÁCIO
No prefácio de Provérbios 1-9, que é o primeiro volume deste comentário sobre o livro bíblico também conhecido por seu título hebraico de Mishle, fiz uma série de observações que também valem para o segundo volume sob o título de Provérbios 10. -15. Entre elas estão as questões sobre a justificativa de outro comentário sobre o Livro dos Provérbios, assunto que não precisa ser discutido em um segundo volume do mesmo comentário. Uma questão que vale a pena apontar no prefácio de um segundo volume, são as exigências feitas ao autor de um comentário no qual os curtos ditos que começam no capítulo 10 estão envolvidos. Os ditos curtos precisam ser tratados de acordo com as mesmas linhas que regem todos os volumes da série Comentário Histórico do Antigo Testamento. • O texto hebraico é primeiramente traduzido, seguido de breves observações sob os seguintes títulos: • “Essenciais e Perspectivas” que visam oferecer aos leitores uma orientação geral para as perícopes a serem comentadas. • No desenho da série que é seguida por uma “Introdução à Exegese”, que foi identificada como “Exposição I” no primeiro volume de Provérbios. • Por último, segue a exegese detalhada, anteriormente sob o título “Exposição II”, que contém o esteio do comentário. • Os dois primeiros também são fornecidos com uma pequena lista de literatura relevante para aquela seção específica. Eu segui esse padrão o mais próximo possível no primeiro volume do comentário, o que pode ser feito porque ele se preocupa com os textos extensos que compõem os poemas encontrados nos capítulos 1-9. Mas no presente volume uma organização tão estrita não é possível. Aqui temos a ver com ditos únicos, cada um exigindo sua própria interpretação em termos de forma e conteúdo, ou seja, cum grano salis, como capítulos em miniatura em seu próprio direito.1 É lógico que cada um não pode ser tratado como se fosse um capítulo completo, cada um contendo os títulos dos parágrafos adequados para textos extensos. Mas tentei atender às questões exigidas pela série Historical Commentary on the Old Testament, e fazê-lo de maneira adequada ao tratamento de frases curtas. 1
Isso continua verdadeiro, apesar do fato de que alguns foram editados juntos para formar o que veio a ser chamado de “clusters”. Minha opinião sobre a interpretação de provérbios curtos por conta própria, permitindo a existência de grupos e pares, é apresentada na Introdução e ficará óbvia ao longo do comentário.
VIII
Prefácio
Este volume demorou muito para chegar, um pouco como o primeiro - e em grau considerável por razões semelhantes. Espero sinceramente que o terceiro volume não siga o mesmo padrão. Isso simplesmente não serve, mesmo que eu não tenha mais o luxo de assistentes a quem gostaria de agradecer novamente, como Frau Katja Bachl, Frau Helene Lechner, Frau Esther Scheuchl, Herr Björn Bergh, Frau Nayomi Lara Keller ou Herr Ferenc Susmaier. No final desta etapa, expresso no entanto palavras de gratidão. Em primeiro lugar, ao editor da série Historical Commentary on the Old Testament, que mais uma vez demonstrou a paciência e a compreensão que lhe agradeci no prefácio do primeiro volume – e a quem devo o mesmo apreço, mas em grau elevado. À Dra. Margot von Beck, que fez a edição da página e sempre se preocupou com meu bem-estar pessoal. A minha família, especialmente minha esposa, que me apoiou durante o período difícil de escrever não apenas este volume, mas também seu próprio livro. Agradecimentos especiais ao nosso cachorrinho, que deitava em meus pés embaixo da mesa quando não havia mais ninguém em casa. Isso fornecia o calor indispensável para trabalhar no frio alpino. Finalmente, parece que Qohelet estava errado – a produção de livros chega ao fim, pelo menos para indivíduos. No meu caso, se chego ao fim do Volume III ou não. Gostaria de dedicar este volume ao professor Jurie le Roux, em gratidão por ter aprendido muito mais com ele do que ele jamais perceberá. Viena, enquanto o outono invade a última rosa do verão, 2021
ABREVIATURAS
AB AEL AJBI AJSL AnBib ANE ANEM ANET
ANF AnOr AOTC ArTh ArOr AS ATD AThANT AuS BASOR BBRS BDB BEThL BHQ BHS BHTh BIFAO Bib et Or Bibl BINS BK BOT BS BSOAS BTh BThZ BWANT BZAW
The Anchor Bible Lichtheim, M., Literatura Egípcia Antiga I-III, Berkeley 1973-1980 Anual do Instituto Bíblico Japonês Jornal Americano para o Estudo da Religião Analecta Biblica Antigo Oriente Próximo Monografias do Antigo Oriente Próximo Textos Antigos do Oriente Próximo Relacionados ao Antigo Testamento , ed. J.B. Pritchard, Princeton 1955; Suplementos: O Antigo Oriente Próximo. Textos Suplementares e Imagens Relacionadas ao Antigo Testamento, Consistindo em Materiais Suplementares para o Antigo Oriente Próximo em Imagens e Textos Antigos do Oriente Próximo, ed. J.B. Pritchard, Princeton 1969 (página numerada contínua) The Ante-Nicene Fathers Analecta Orientalia Abingdon Old Testament Commentaries Arbeiten zur Theologie Archiv Orientálni Acta Sumerologica Das Alte Testament Deutsch Abhandlungen zur Theologie des Alten und Neuen Testaments Arbeit und Sitte in Palästina I-VII, por G. Dalman, Hildesheim 1964 [Gütersloh 1928ff.] Boletim das Escolas Americanas de Pesquisa Oriental Boletim para Suplementos de Pesquisa Bíblica Brown, F., Driver, S.R. & Briggs, C.A., léxico hebraico e inglês do Antigo Testamento. Com um apêndice contendo o aramaico bíblico, Oxford 1966 Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium Biblia Hebraica Quinta, Parte 17, ed. J. de Waard, Stuttgart 2008 Biblia Hebraica Stuttgartensia, Parte 12, ed. J. Fichtner, Stuttgart 1974 Beiträge zur Historischen Theologie Bulletin de l'Institut Français d'Archéologie Orientale Biblica e Orientalia Biblica Série de Interpretação Bíblica Biblischer Kommentar De Boeken van het Oude Testament Biblische Studien Bulletin da Escola de Estudos Orientais e Africanos Teologia Bíblica Berliner Theologische Zeitschrift Beiträge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament Beihefte zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft
X CBM CBOT CBET CBQ CBQMS CL CM COS CTA EE EHLL EJ ETL EvTh FAT FB FCB FThSt FZPhTh GKC GTJ HALOT HAT HAW HSAT HCOT HdO HS HSAT HSM HTS HUCA IBHS IBT Int Int ICC IEJ JAAR
Abreviaturas Monografias de Chester Beatty Coniectanea Biblica, Série do Antigo Testamento Contribuições à Exegese e Teologia Bíblicas Trimestral Bíblico Católico Trimestral Bíblico Católico Série de Monografias Linguística Cognitiva Monografias Cuneiformes O Contexto das Escrituras I-IV, ed. W.W. Olá & K.L. Younger, Leiden 2002-2016 Corpus de tabuletas cuneiformes alfabéticas descobertas em Ras Shamra-Ugarit, 1929 a 1939, ed. A. Herdner, Paris 1963 M.V. Fox (ed.), Provérbios. Atlanta 2015 Encyclopaedia of Hebrew Language and Linguistics I-IV, Leiden & Boston 2013 Encyclopaedia Judaica I-XXII, 2nd Edition, New York, London 2007 Ephemerides Theologicae Lovanese Evangelical Theology Researches into the Old Testament Bible Research The Feminist Companion to the Bible Freiburg Theological Estudos Freiburg Jornal de Filosofia e Teologia .E. Cowley, Oxford 1910-1966 Grace Theological Journal The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament por L. Köhler & W. Baumgartner, Leiden and Aramaic Dictionary of the Old Testament by E. König, Leipzig The Holy Scriptures of the Old Testament, ed . E. Kautzsch et al., 18941923 Comentário Histórico sobre o Antigo Testamento Manual de Orientalismo / Manual de Estudos Orientais Estudos Hebraicos As Sagradas Escrituras do Antigo Testamento Monografias Semíticas de Harvard HTS Estudos Teológicos Hebrew Union College Annual An Introduction to Biblical Hebrew Syntax, de B.K. Waltke & M.P. O'Connor, Winona Lake 1990 Interpretação de Textos Bíblicos Instituto Cristão Religioso por João Calvino, Genebra 1559 Interpretação. Um Comentário Bíblico para Ensino e Pregação O Comentário Crítico Internacional Israel Exploration Journal Jornal da Academia Americana de Religião
Abreviações JAOS JBL JETS JHNES JNSL JPSV JQR JR JSem JSOT JSOTSup JSQ JSS JTS KAHAL KAI KBL KCAT KeHAT KHCAT KTU LAI Leš LTh LUÅ MPG MPL NAB NCBC NEB NIB NIDB NICOT NIV NKJ NPNF NRSV NTS NZSTh OBO OEBE OLP
XI
Journal of the American Oriental Society Journal of Biblical Literature Journal of the Evangelical Theological Society Johns Hopkins Near Eastern Studies Journal of Northwest Semitic Languages Jewish Publication Society Version Jewish Quarterly Review The Journal of Religion Journal for Semitics Journal for the Study of the Old Testament Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series Jewish Studies Journal of Semitic Studies Journal of Theological Studies Edição concisa e atualizada do Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, ed. W. Dietrich & S. Arnet, Leiden & Boston 2013 Inscrições cananeias e aramaicas, editado por H. Donner et al, Wiesbaden 1962-1969 Lexicon in Veteris Testamenti Libros, de L. Köhler & W. Baumgartner, Leiden 1958 Comentário conciso sobre o Antigo Testamento Manual exegético conciso sobre o Antigo Testamento Comentário abreviado sobre o Antigo Testamento Os textos alfabéticos cuneiformes de Ugarit, editor M. Dietrich et al., Neukirchen-Vluyn 1976 Biblioteca do Antigo Israel Lešonēnu Literatura e Teologia Lunds Universitets Årsskrift Patrologiae Cursus Completus. Série Graeca, editor J.-P. Migne, Paris 1844-1864 Patrologiae Cursus Completus. Série Latina, edição J.-P. Migne, Paris 1857-1866 A Nova Bíblia Americana O Comentário Bíblico do Novo Século A Nova Bíblia Genuína A Nova Bíblia do Intérprete O Novo Dicionário da Bíblia do Intérprete O Novo Comentário Internacional sobre o Antigo Testamento Nova Versão Internacional Nova Versão King James The Nicene and Post- Nicene Fathers New Revised Standard Version New Testament Studies New Journal of Systematic Theology and Philosophy of Religion Orbis Biblicus et Orientalis The Oxford Encyclopedia of the Bible and Ethics, ed. R.L. Brawley, Oxford e Nova York 2014 Orientalia Lovaniensia Periodica
XII OLZ OTE OTL OTP OTS OTWSA PNWCJS POT PSAT PTh RB RDLW REB RES RGG4 RTB SANT SAT SBLDS SBS SBEC SBT SEL Sem Str-B SJSJ SNT SPSM SUNT SuR SVT TANZ that THOTC ThW ThWAT ThWNT TThZ TynB UCOIP UET UF UTB
Abreviaturas Orientalistische Literaturzeitung Ensaios do Antigo Testamento Biblioteca do Antigo Testamento Antigo Testamento Pseudepigrapha I-II, Garden City 1985 Oudtestamentische Studiën Journal of Die Ou-Testamentiese Werkgemeenskap in Suid-Afrika Anais do Nono Congresso Mundial de Estudos Judaicos De Prediking van het Oude Testament Poetologische Studien zum Teologia Pastoral do Antigo Testamento Revue Biblique Reallexikon der Deutschen Literaturwissenschaft, ed. K. Weimar et al., Berlin 1997-2007 Revue English Bible Revue des Études Sémitiques Religion in Past and Present, 4th edition, ed. H.D. Betz et al., Tübingen 1997-2007 Livro histórico-religioso sobre o Antigo Testamento, ed. E. Beyerlin, Berlim 1978 Estudos sobre o Antigo e o Novo Testamento Os escritos do Antigo Testamento A Sociedade de Literatura Bíblica Série de Dissertações Stuttgart Bible Studies Studies na Bíblia e Estudos Primitivos do Cristianismo em Teologia Bíblica Studi Epigrafici e Linguistici Semitics Strack, H.L. & Billerbeck, P., Commentary on the New Testament from Talmud and Midrash I-VI, Munich [1926-1961] 1965 Supplements to the Journal for the Study of Judaism Supplements to Novum Testamentum Studia Pohl, Series Major Studies on the Environment of the Novo Testamento Fim da Idade Média e Suplementos da Reforma para Vetus Testamentum Textos e Obras sobre a Era do Novo Testamento Dicionário Teológico do Antigo Testamento, ed. E. Jenni & C. Westermann, Munique e Zurique 1971-1984 Os Dois Horizontes Comentário do Antigo Testamento Ciência Teológica Theological Dictionary of the Old Testament, editado por J. Botterweck, H. Ringgren & H.-J. Fabry, Stuttgart e.a. 1973-1995 Theological Dictionary of the New Testament, ed. G. Kittel & G. Friedrich, Stuttgart 1933-1969 Trier Theological Journal Tyndale Bulletin The University of Chicago Oriental Institute Publications Ur Excavations: Texts Ugarit research Uni paperbacks
Abreviações VeE VT VTS VWGTh WAS WBC WCG WdF WiBiLex WJTh WMANT WUNT WZKM YJS ZÄS ZAW ZDMG ZRG ZThK
XIII Verbum et Ecclesia Vetus Testamentum Suplementos ao Vetus Testamentum Publicações da Sociedade Científica de Teologia de Viena Estudos do Antigo Testamento Palavra Comentário Bíblico Fragmentos de sabedoria do Cairo Geniza Modos de pesquisa O léxico bíblico científico na Internet Anuário de Teologia de Viena Monografias científicas sobre o Antigo e o Novo Testamento Estudos científicos sobre o Novo Testamento Jornal vienense para o conhecimento do Oriente Série Yale Judaica Jornal para língua egípcia e arqueologia Jornal para a ciência do Antigo Testamento Jornal da Sociedade Oriental Alemã Jornal para história religiosa e intelectual Jornal para teologia e igreja
SIGLAS RABÍNICAS Bahya Gerondi Hame'iri Mezudat David Malbim Nahmias Radaq Ralbag Ramaq Rambam Rashi Riyqam Saadia Vilna Gaon
Bahya ben Asher ibn Halawa (1255-1340) Jonah Gerondi (1180-1263) Menachem b. Shelomo Hameir (c. 1249-1316) Comentário de David Altschuler (século XVIII) Meir Loeb b. Yechiel Michael (= Meir Löw, 1809-1879) Joseph ben Joseph Nahmias (século XIV) David Kimhi (c. 1160-1235) Levi b. Gershom (= Gersonides, 1288-1344) Moses Chimhi (= Remak, c. 1190) Moses ben Maimon (= Maimonides, c. 1135-1204) Shelomon b. Isaac (1040-1105) Joseph Kimhi (c. 1105-1170) Saadia ben Joseph Gaon (882-942) Elias b. Shelomo Zalman (= Grande, 1720-1797)
NOTA SOBRE FONTES RABÍNICAS E CRISTÃS PRÉ-CRÍTICAS Para os comentários rabínicos tradicionais mencionados no texto pelo nome dos autores, fiz uso principalmente da edição anotada מקראות גדולות de משלי de A.J. Rosenberg ([1988] 2001), que também reflete a consulta das edições Rashi de Salonica (1515), Vilna (1839) e Varsóvia (1862-1866). Para o משליComentário de Pseudo-Ibn Ezra, usei a edição Oxford de S.R. Driver (1880), e para o פירוש על ספר משלי de Yosef Nahmias, a edição de Berlim de M.L. Bamberger e S. Poznanski (1911). Muitas vezes consultei o compêndio de comentários rabínicos
XIV
Abreviaturas
sobre o texto hebraico de Provérbios, traduzido com notas por E. Ginsburg ([1998] 2009) e E. Ginsburg & Y. Weinberger (2007). Para o uso cristão primitivo do Livro de Provérbios, usei MPG e MPL (respectivamente grego e latim), com referências regulares às séries mais acessíveis ANF e NPNF (tradução em inglês). Além disso, sou grato aos ensaios em R.E. A coleção de estudos de Murphy sobre a exegese medieval da literatura de sabedoria por Beryl Smalley (1986 [na verdade, 1987]). Para o comentário de Provérbios de João Crisóstomo, também consultei a edição traduzida com notas úteis de R.C. Colina (2006). Por fim, o excelente trabalho de J.M. Gohl sobre os Provérbios Scholia de Evagrius of Pontus (Gohl 2017), que só se tornou disponível após a publicação do Vol. I deste comentário, foi valioso para acessar as visões do monge do deserto Nitrian. Na forma de escólios, ou seja, não um comentário contínuo, mas notas interpretativas sobre provérbios por direito próprio, ele deixa muitos provérbios sem tratamento, que também se adequaram à obra de Melanchthon mais de um milênio depois. Gohl fornece cada número de escólio, seguido pelo texto da Septuaginta, depois os escólios de Evagrius em grego e então a própria tradução de Gohl deste último. Na ausência de comentários de Provérbios de Lutero ou Calvino, a atenção sustentada ao Livro de Provérbios por Philipp Melanchthon, um colaborador próximo de Lutero, é ainda mais proeminente. Das quatro edições de sua explicação do livro (1524, 1529, 1531 e 1550 – todas revisadas repetidamente), usei a versão de 1550. Como a principal fonte de referências ao uso do Livro de Provérbios por Calvino, usei sua opus magnum, a Institutio Christianae Religionis (Institutos da Religião Cristã). Consulte a Lista de Abreviaturas e a Bibliografia para mais detalhes, quando aplicável.
BIBLIOGRAFIA
Albright, W. F. Alonso-Schökel, L. Alster, B.
Alter, R. ––– Ansberry, C.B. Anthonioz, S.
Doutor, M. Attridge, H.W.
Avishur, Y. Baron, S.W. Barrett, C. K. Barr, J. Barucq, A. Bauks, M. Beckman, J.C. Becker, J. Behnke, P. Ben Zvi, E.
[1955] 1969. “Algumas fontes cananeias-fenícias da sabedoria hebraica”, SVT 3, 1-15. 1982. “ישרjāšar III,” ThWAT III, 161-169. 1996. "Aspectos literários dos provérbios sumérios e acadianos", em M.E. Vogelzang, & H.L.J. Vanstiphout, (eds), Mesopotamian Poetic Language: Sumerian and Akkadian (CM 6), 1-21. Groningen, 1-21. [1985] 2011. A Arte da Poesia Bíblica, Nova York. 2010. Os Livros da Sabedoria. Jó, Provérbios e Eclesiastes. Uma tradução com comentários, Nova York e Londres. 2011. Seja sábio, meu filho, e alegre meu coração: uma exploração da natureza cortês do livro de provérbios (BZAW 422). 2014. “Water(s) of Abundance in the Ancient Near East and in Hebrew Bible Texts: A Sign of Kinship,” in E. Ben Zvi, & C. Levin, (eds), Pensando na água no início do período do Segundo Templo (BZAW 461), Berlin, 4168. 1953. “The Teacher in Talmud and Midrash,” em M. Davis (ed.), Mordecai M. Kaplan. Volume do Jubileu por Ocasião de seu Septuagésimo Aniversário, Nova York, 35-47. 2006. “The Cubist Principle in Johannine Imagery: John and the Reading of Images in Contemporary Platonism”, em J. Frey, J.G. van der Watt, & R. Zimmermann, (eds), Imagens no Evangelho de João. Termos Formas, Temas e Teologia da Linguagem Figurativa Joanina (WUNT 200), Tübingen, 47-60. 1971-1972. “Pares de palavras sinônimas no estado de construção (e em Hendiadys aposicionais)”, Sem 2, 17-81. 1972. História Judaica Antiga e Medieval, New Brunswick. [1955] 1967. O Evangelho segundo João. Uma introdução com comentários e notas sobre o texto grego, Londres. 1962. Palavras Bíblicas para o Tempo (SBT), Londres. 1975. “Ba'areṣ–Molis: Prov. XI.31, I. Pet. IV.18,” JSS 20, 149-164. 1964, Le Livre des Provérbes, Paris. 2015. “Erkenntnis und Leben in Gen 2-3. Zum Wandel eines ursprünglich weisheitlich geprägten Lebensbegriffs,” ZAW 127, 20-42. 2013. “Cláusula Concessiva: Hebraico Bíblico,” EHLL I, 537-540. 1965. Gottesfurcht im Alten Testament (AnBib 25), Roma. 1896. “Primavera. 10,1. 25,1,” ZAW 16, 122. 2014. “Thinking of Water in Late Persian/Early Helenistic Judah: An Exploration,” em E. Ben Zvi & C. Levin,
XVI
Berger, K. ––– ––– Berlin, A. Bertheau, E. Bickell, G. ––– Black, J.A., Cunningham, G., et al. (eds) Bonhoeffer, D. Borowski, O. Boström, G. Boström, L. Brenner, A. Bretzke, J.T. Brewer, D.
Brewer, D. J. & Teeter, E. Broshi, M. & Finkelstein, I. Brown, W.P. ––– –––
Bibliografia (eds), Pensando na Água no Período Inicial do Segundo Templo (BZAW 461), Berlim, 1128. 1989. A sabedoria escrita do Cairo Geniza. [Primeira edição, comentário e tradução] (TANZ 1), Tübingen. 1990. “O Significado do Novo Testamento da Redescoberta Cairo Geniza Sabedoria,” NTS 36, 415-430. 1991. “O significado da sabedoria redescoberta do Cairo Geniza para o Antigo Testamento,” ZAW 103, 113-121. [1985] 2008. A Dinâmica do Paralelismo Bíblico (Edição Revisada e Ampliada), Grand Rapids & Cambridge. [1847] 1883. As palavras de Salomão (KeHAT), Leipzig. [A segunda edição de 1883 revisada por E. Nowack freqüentemente difere da primeira por Bertheau]. 1880. "A métrica hebraica", ZDMG 34, 557-638. 1891. “Elaboração Crítica dos Provérbios,” WZKM 5, 79-102; 191-214. 1998-2006. The Electronic Text Corpus of Sumerian Literature (http://etcsl.orinst.ox.ac.uk), Oxford. [1949] 1966. Ethics (ed. E. Bethge, trad. N. Horton Smith), Londres. 1998. Todas as coisas vivas. Uso diário de animais no antigo Israel, Londres e Walnut Creek CA. 1928. Paronomasi i den äldre hebreiska maschalliteraturen med särskild hansyn até Proverbia (LUÅ NF I 23/8), Lund. 1990. O Deus dos Sábios. Um Retrato de Deus no Livro de Provérbios (CBOT 29), Estocolmo. 1993. “Provérbios 1-9: An F Voice?”, em A Brenner & F van Dijk-Hemmes, (eds), On Gendering Texts, Leiden, 113-130. 2003. Frases Consagradas. Um dicionário teológico latino. Expressões latinas comumente encontradas em escritos teológicos, Collegeville, MN. 2002. “Caça, Criação de Animais e Dieta no Egito Antigo”, em B.J. Collins (ed.) Uma História do Mundo Animal no Antigo Oriente Próximo (BTE 64), Leiden, Boston e Colônia, 427-456. 2002. Egito e os egípcios, Cambridge e Chicago. 1992. “A população da Palestina na Idade do Ferro II,” BASOR 287, 47-60. 1996. Personagem em Crise: Uma Nova Abordagem à Literatura de Sabedoria do Antigo Testamento, Grand Rapids. 2014. Maravilha da Sabedoria. Caráter, Criação e Crise na Literatura de Sabedoria da Bíblia, Grand Rapids e Cambridge. 1990. “O significado social de Salomão como patrono da sabedoria”, em J.G. Gammie, & L.G. Perdue (eds), The Sage in Israel and the Ancient Near East, Winona Lake, 117-132.
Bibliografia Brueggemann, W.A. Bryce, G. E. Bühlmann, W. Burkert, W. Carasik, M. Carr, D.M. Carrigan, H. L. Chaney, M. L.
Ceresco, A. R. Clemente, R. E. Clifford, R. J. ––– Coleman, S.M. Collins, B. J.
––– (ed.) ––– ––– Collins, T. Conybeare, F.C., Rendel Harris, J., & Smith Lewis, A.
XVII 1992. “A Fé Corporal e o Corpo Político,” in id. e P. D. Miller (ed.), Teologia do Antigo Testamento. Ensaios sobre estrutura, tema e texto, Minneapolis, 67-94. 1972. "Outro 'Livro' de Sabedoria em Provérbios", JBL 91, 145-157. 1976. Vom rechten Reden und Schweigen: Studien zu Proverbien 10-31 (OBO 12), Freiburg. 1991. “Oriental Symposia: Contrasts and Parallels,” em W.J. Slater (ed.), Dining in a Classical Context, Ann Arbor, 7-24. 2000. “Os Limites da Onisciência”, JBL 119, 221-232. 2011. A Formação da Bíblia Hebraica: Uma Nova Reconstrução, Nova York. 2010. Subida do Monte Carmelo – João da Cruz, Brewster, MA. 2014. “A Economia Política da Pobreza Camponesa. O que os profetas do século VIII presumiram, mas não declararam”, em R.A. Simkins & T.M. Kelly, (eds), A Bíblia, a Economia e os Pobres (RLSS 10), Omaha, 34-60. 1978. “A função de Quiasmo na Poesia Hebraica, CBQ 40, 1-10. 1996. “O Conceito de Abominação em Provérbios”, em M.V. Fox e outros. (eds), Texts, Temples and Traditions: A Tribute to Menahem Haran, Winona Lake, 211-225. 1998. A Literatura de Sabedoria (IBT), Nashville. 1999. Provérbios. Um comentário (OTL), Louisville, Londres e Leiden. 2016. A alternância de transitividade do hebraico bíblico na perspectiva linguística cognitiva (dissertação CUA), Washington. 2002. “Animals in Hittite Literature,” em B.J. Collins (ed.), A History of the Animal World in the Ancient Near East (HdO 64), Leiden, Boston & Köln, 237250. 2002. A History of the Animal World in o Antigo Oriente Próximo (HdO 64), Leiden, Boston e Köln. 1991. Revisão de Berger (1989), JBL 110, 148-150. 1992. Revisão de Rüger (1991), JBL 111, 705-707. 1978. Linha-Formas na Poesia Hebraica, SPSM 7, Roma.
1913. A história de Aḥiḳar das versões aramaico, siríaco, árabe, armênio, etíope, turco antigo, grego e eslavo, Cambridge. Cook, J. 1993. “A Datação dos Provérbios da Septuaginta,” ETL 69, 383-399. ––– 1997. A Septuaginta de Provérbios. Provérbios judaicos ou helenísticos? Sobre uma Coloração Helenística dos Provérbios LXX (SVT 69), Leiden. Cotterell, P. & Turner, M. 1989. Linguística e Interpretação Bíblica. Londres.
XVIII Cowley, A. Craigie, P.C. Crenshaw, J. L. ––– ––– ––– Crown, A.D. Crüsemann, F. Dahood, M. ––– ––– Dalman, G. Delekat, L. Delitzsch, Franz ––– Delkurt, H. Dell, K.J. De Meulenaere, H. De Rossi, J.B. De Sales, F. D'Hamonville, D.-M. Dobbs-Allsopp, F.W. Döderlein, J.C. Dollimore, J. Donner, H.
Motorista, G. R. ––– ––– –––
Bibliografia [1923] 1967. Aramaic Papyri of the Fifth Century a.C., Oxford. 1979. “Sabedoria Bíblica no Mundo Moderno, I. Provérbios,” Crux 15, 7-9. [1981] 1986. Sabedoria do Antigo Testamento – uma introdução, Atlanta. 1985. “Educação no Antigo Israel,” JBL 104, 601-615. 1995. Aconselhamento urgente e perguntas de sondagem. Coletânea de Escritos sobre a Sabedoria do Antigo Testamento, Macon, GA. 1998. Educação no Antigo Israel: Através do Silêncio Mortífero, Nova York. 1974. “Mensageiros e Escribas: O ספר e מלאך no Antigo Testamento,” VT 24, 366-370. 1996. A Torá. Teologia e História Social da Lei do Antigo Testamento, Minneapolis. 1960. “Imortalidade em Provérbios 12,28,” Bíblia 41, 176-181. 1963. Provérbios e Filologia Semítica do Noroeste, Roma. 1982. “The Hapax ḥārak in Proverbs 12,27,” Bibl 63, 6062. [1928–1941] 1964. Arbeit und Sitte in Palästina, I–VII, Hildesheim. 1972. “Zum ugaritischen Verbum,” UF 4, 11-26. 1874. Comentário Bíblico sobre os Provérbios de Salomão I, II (traduzido por M.G. Easton), Edimburgo. 1885. Comentário sobre o Cântico dos Cânticos e Eclesiastes (trad. M.G. Easton), Edimburgo. 1993. Ethische Einsichten in der alttestamentlichen Spruchweisheit, Neukirchen-Vluyn. 2006. O Livro de Provérbios em Contexto Social e Teológico, Cambridge. 1986. “Une famille sacerdotale thébaine,” BIFAO 86, 135142. 1798. Scholia Critica in Veteris Testamenti Libros, Parma. [1616/1884] 1997. Tratado do Amor de Deus. Londres. 2000. La Bible d'Alexandrie: Les Proverbes. Paris. 2015. Sobre Poesia Bíblica, Oxford. 1786. Sprüche Salomos [neu übersetzt mit kurzen erläuternden Anmerkungen, 3. verb. Ausg.], Nürnberg. 1998. Morte, Desejo e Perda na Cultura Ocidental, Nova York. 1994. “Der Spruch über Issachar (Gen. 49,14-15) als Quelle zur Frühgeschichte Israels,” em ibid., Aufsätze zum Alten Testament aus vier Jahrzehnten (BZAW 224), Berlin, 180188. 1932. “Problems in Proverbs, ” ZAW 50, 141-148. 1934. “Notas Hebraicas”, ZAW 52, 51-56. 1940. “Notas Hebraicas sobre Profetas e Provérbios,” JTS 41, 162-175. 1951. “Problemas no Texto Hebraico de Provérbios,” Bib 32, 173-197.
Bibliografia ––– ––– Driver, S.R. (ed.) Driver, S.R Ehrlich, A.B. Ellingsen, M. Emerton, J.A. Ewald, H. Fensham, F.C. Fides, P. S. Fitzgerald, J. T.
Foster, B. R. Fox, M. V. ––– ––– ––– –––
––– ––– Fox, M.V. e outros (eds) ––– et al. Frankenberg, W.
XIX 1954. "Problemas e Soluções", VT 4, 223-245. 1967. “Revisão de A.L. Oppenheim et al., Dicionário Assírio do Instituto Oriental da Universidade de Chicago Vol. IIB,” JSS 12, 105-109. 1880. Um Comentário sobre Provérbios atribuído a Abraham Ibn Ezra, Oxford. 1913. Introdução ao Antigo Testamento, Edimburgo. [1913] 1968. Marginal Notes on the Hebrew Bible, VI, Hildesheim, 1983. 'Lutero como exegeta narrativo', JR 63(4), 394–431. https://doi.org/10.1086/487063 1964. “Uma Nota sobre Provérbios xii.26,” ZAW 76, 191-193. 1837. Os Livros Poéticos da Antiga Aliança. quarta parte. Provérbios de Salomão. coquetel. Adições às partes anteriores e conclusão, Göttingen. 1962. “Viúva, Órfão e Pobre na Literatura Legal e de Sabedoria do Antigo Oriente Próximo”, JNES 21, 129-139. 2013. Vendo o mundo e conhecendo a Deus: a sabedoria hebraica e a doutrina cristã no contexto moderno tardio, Oxford 2008. “Provérbios 3:11-12, Hebreus 12:5-6 e a tradição do castigo corporal”, em P. Gray & G. R. O'Day, (eds), Escrituras e Tradições: Ensaios sobre o Judaísmo e o Cristianismo Primitivos em Honra de Carl R. Holladay (NTS 129), Leiden & Boston, 291-318. 2002. "Animais na literatura mesopotâmica", em B.J. Collins (ed.), A History of the Animal World in the Ancient Near East (BTE 64), Leiden, Boston & Cologne, 271-288. 1994. "A Pedagogia dos Provérbios", JBL 113, 233-243. 1996. "A localização social do Livro dos Provérbios", em M.V. Fox e outros. (eds), Textos, templos e tradições: Uma homenagem a Menahem Haran, Winona Lake, 227-239. 1997. “Quem Pode Aprender? Uma Disputa na Pedagogia Antiga”, em M.L. Barré (ed.), Sabedoria, você é minha irmã. Festschrift para R.E. Murphy (CBQMS 29), Washington DC, 62-77. 2000. Provérbios 1-9. Uma nova tradução com introdução e comentários (AB 18A), Nova York. 2003. Revisão de K.M. Heim, como uvas de ouro colocadas em prata: uma interpretação dos cachos proverbiais em Provérbios 10:1–22:16 (BZAW 272), Berlim 2001, HS 44, 267272. 2009. Provérbios 10-31. Uma nova tradução com introdução e comentários (AB 18B), New Haven. 2015. Provérbios. Uma edição eclética com introdução e comentário textual (A Bíblia hebraica: uma edição crítica nº 1), Atlanta. 1996. Textos, templos e tradições: uma homenagem a Menahem Haran, Winona Lake. 2004. “Essays on the Art of the Aphorism,” JSOT 29, 131242. 1898. Die Sprüche (HAT), Göttingen.
XX Freuling, G. ––– Fuhs, H.F. ––– Garr, W.R. Geiger, A. Gemser, B. ––– Gerstenberger, E. ––– Gese, H. Gianto, A. Ginsberg, H.L. ––– Ginsburg , E. ––– & Weinberger, Y. Glueck, N. Goering, G.S. Gohl, J.M. Golka, F.W. –––
––– ––– Goossens, L.
Gordon, R.
Bibliografia 2004. “Quem cava uma cova ...,” A conexão entre fazer e viver e sua mudança na literatura de sabedoria do Antigo Testamento (WMANT 102), Neukirchen-Vluyn. 2008. "Conexão ação-ação", WiBiLex, link permanente: https://www.bibelwissenschaft.de/stichwort/36298/ 2001a. O Livro dos Provérbios (FB 95), Würzburg. 2001b. Provérbios (NEB), Würzburg. 2004. “Hçn,” RB 111, 321-344. [1857] 1928. Original e tradução da Bíblia, Breslau e Frankfurt am Main. 1953. “A Importância da Cláusula Motriz na Lei do Antigo Testamento” (SVT 1), Leiden, 50-66. [1937] 1963. Sayings of Solomon 2ª edição (HAT 16), Tübingen. 1965. Natureza e origem da “lei apodítica” (WMANT 20), Neukirchen. 1984. “ תעבtcb pi. abomino,” ISSO II, 1051-1055. 1958. Doutrina e Realidade na Sabedoria Antiga. Estudos sobre os Provérbios de Salomão e o Livro de Jó, Tübingen. 1995. “Uma Nova Edição de Textos Aramaicos do Egito,” Bibl 76/1, 85-92. 1945a. “O mito cananeu do norte de Anath e Aqhat,” I, BASOR 97, 3-10. 1945b. “O mito cananeu do norte de Anath e Aqhat”, I, BASOR 98, 15-23. [1998] 2009. Mishlei Volume I. Capítulos 1-15, Nova York. 2007. Mishlei Volume II, Capítulos 16-31, Nova York. [1927] 1961. A palavra ḥæsæd no uso do Antigo Testamento, como comunhão humana e divina, Gießen. 2009. Raiz da Sabedoria Revelada. Ben Sira e a Eleição de Israel (SJSJ 139), Leiden e Boston. 2017. Evágrio de Ponto, Scholia on Provérbios. Tradução e Notas. 1986. "A Escola de Sabedoria Israelita ou 'A Roupa Nova do Imperador'", VT 33, 257-270. 1989a. "As Manchas do Leopardo: Sabedoria Bíblica e Africana em Provérbios", em R. Albertz, F.W. Golka, & J. Kegler, (eds), Criação e Libertação: Para Claus Westermann em seu 80º aniversário, Stuttgart, 149-165. 1989b. “Os Reis e Veredictos da Corte da Sabedoria Israelita,” VT 36, 13-31. 1993. As Manchas do Leopardo: Sabedoria Bíblica e Africana em Provérbios, Edimburgo. 1995. "Metaphtonymy: A interação de metáfora e metonímia em expressões figurativas para ação linguística", em L. Goossens et al. (eds), By Word of Mouth: Metáfora, Metonímia e Ação Linguística em uma Perspectiva Cognitiva. Amsterdam & Philadelphia, 159-174 (publicação original em CL 1/3 [1990], 323-340). 1975. “Motivação em Provérbios,” BTh 25, 49-56.
Bibliografia Gossberg, D. Graetz, H.
Verde, D. A. Greenfield, J.C. ––– ––– Greenstein, E.L. Gregório, B. C. Grintz, J. M.
Hartenstein, F. & Janowski, B. Hatton, P.T.H. Hausmann, J. Healey, J.F. Heaton, E.W. Heiligenthal, R.
Heim, K. M. ––– –––
XXI 1994. “Dois tipos de relações sexuais na Bíblia hebraica,” Hebrew Studies 35, 7-25. 1892. Alterações em livros plerosque Sacrae Scripturae do Antigo Testamento, versões da segunda edição nec non auxiliis criticis caeteris adhibitis, Breslau (ed. W. Bacher New York). 2011. O Aroma da Justiça. Perfume e sedução na vida e literatura rabínicas, University Park, PA. 1959. “Lexicographical Notes II (The Root)שׂמח,” HUCA 30, 141-151 1971. “The Background and Parallel to a Proverb of Ahiqar,” in A. Caquot & M. Philonenko (eds), Tributes to Andrew Dupont- Verão, Paris, 49-60. 1985/8 “Os Sete Pilares da Sabedoria (Provérbios 9:1). A Mistranslation,” JQR 76, 13-20. 1982. “Como significa o paralelismo?” em S.A. Geller (ed.), A Sense of Text: The Art of Language in the Study of Biblical Literature, Winona Lake, 41-79 (realmente publicado em 1983). 2014. “Aspectos sociais e teológicos da fome em Sirach”, em S.E. De acordo com McGinn e cols. (eds), By Bread Alone: The Bible through the Eyes of the Hungry, Minneapolis, 89-110. 1968. “Uma Revisão Comparativa do Estudo de Caso: Uma Revisão Abrangente da Epidemiologia da Catástrofe,” Les 33, 243-269. “Os Provérbios de Salomão: Esclarecimentos sobre a Questão da Relação entre as Três Coleções no Livro dos Provérbios Atribuídos a Salomão”, trad. por DC Snell as (com retenção dos números das páginas originais), em D.C. Snell, Twicetold Proverbs and the Composition of the Book of Proverbs, Winona Lake, 87-114. 2012. Os Salmos (BK XV/1), Neukirchen-Vluyn. 2008. Contradição no Livro dos Provérbios. As Águas Profundas do Conselho, Aldershot. 1995. O Estudo da Imagem Humana do Velho Weisheit (FAT 7), Tübingen. 1991. O Targum de Provérbios (A Bíblia Aramaica 15), Collegeville. 1994. A Tradição Escolar do Antigo Testamento. As Palestras Bampton de 1994, Oxford e Nova York. 1992. “The Weisheits Scripture from the Cairo Geniza and the Judas Brief: Uma comparação entre um judeu excluído e uma escritura judaico-cristã,” ZRG 44, 356-361. 2001. Como uvas de ouro colocadas em prata: uma interpretação dos cachos proverbiais em Provérbios 10:1–22:16 (BZAW 272), Berlim. 2008. “Uma olhada mais de perto no porco em Provérbios xi22,” VT 58, 13-27. 2013. Imaginação Poética em Provérbios. Repetições Variantes e a Natureza da Poesia (BBRS), Winona Lake.
XXII Held, M.
––– Hermisson, H.-J. Hildebrandt, T. ––– ––– Hill, R.C. Hitzig, F. Ho, A. Hoffmann, F. & Quack, J.F. ––– Holt, E. K.
Hrushovski (= Harshav), B. Huxel, K. Irwin, W.A. Jacobs, L. Janowski, B.
Jansen-Winkeln, K. ––– Jastrow, M.
Bibliografia 1962. "A sequência yqtl-qtl (qtl-yqtl) de verbos idênticos no hebraico bíblico e ugarítico", em M. Ben-Horin, B.D. Weinryb, & S. Zeitlin, (eds), Estudos e Ensaios em Honra de Abraham A. Neuman, Leiden, 281-290. 1965. “A Sequência de Ação-Resultado (Fativo-Passivo) de Verbos Idênticos no Hebraico Bíblico e Ugarítico,” JBL 84, 272-282. 1968. Estudos em provérbios israelitas (WMANT 28), Neukirchen-Vluyn. 1988. “Pares proverbiais: Unidades de composição em Provérbios 1029,” JBL 107, 207-224. 1990. "Cordas proverbiais: Coesão em Provérbios 10," GTJ 11, 171-185. 1992. “Motivação e Paralelismo Antitético em Provérbios 10-15, JETS 35, 433-444. 2006. São João Crisóstomo, Comentários sobre os Sábios II. Comentário sobre Provérbios. Comentário sobre Eclesiastes, Brookline, MA. 1858. Os Provérbios de Salomão, Zurique. 1991. ṣedeq e ṣedaqah na Bíblia hebraica, Nova York. 2007. Antologia de literatura demótica (introduções e textos de origem para Egiptologia 4), Berlin & Munster. 1966. “A recuperação das passagens poéticas de Jeremias”, JBL 85, 401-435. 2005. “A Fonte de Água Viva e o Riacho Enganoso. “The Pool of Water Metaphors in the Book of Jeremiah,” em P. van Hecke (ed.), Metaphor in the Hebrew Bible, Leuven, 99-118. 2007. “Prosódia Hebraica,” em EJ 16, 595-623. 2005. “O Fenômeno do Medo. Um estudo em antropologia teológica,” NZSTh 47, 35-57. 1984. “A metáfora em Provérbios 11:20,” Bíblia 65, 97-100. 1972. “The qal va-ḥomer Argument in the Old Testament,” BSOAS 35, 221-227. [1994] 1999. “O ato retorna ao perpetrador. Questões não respondidas no contexto da 'conexão fazer-exercitar', in id., A justiça salvadora. Contribuições à Teologia do Antigo Testamento 2, 167-191. Neukirchen-Vluyn (publicado pela primeira vez ZThK 91 (1994), 245-271). 1999. Frases e máximas nas inscrições privadas do período tardio egípcio (escritos de Achet sobre egiptologia, série filológica 1), Berlim. 2001. Inscrições biográficas e religiosas do período tardio do Museu Egípcio do Cairo, Parte 1. Traduções e comentários, Wiesbaden. [1903] 1950. A Dictionary of the Targumim, the Talmud Babli and Yerushalmi, and the Midrashic Literature I-II, New York.
Bibliografia Jenni, E. ––– Jepsen, A. Kaiser, O. Kautzsch, E. Kayatz, C. ––– Kellenberger, E. Keller, C.A. & Wehmeyer, G. Klopfenstein, M.A. ––– ––– Klopper, F. Koch, K.
Kramer, S. N. Krause, M. Krispenz, J. ––– Kruger, P.A. Kruger, Th.
––– ––– –––
XXIII 1971. “' אהבhb love,”THE I, 60-73. 1992. As Preposições Hebraicas Volume 1: A Preposição Beth. Estugarda. 1965. “צדק e צדקה no Velho Testamento,” em H. Graf Reventlow, (ed.), Palavra de Deus e Terra de Deus. Festschrift para Hans-Wilhelm Hertzberg, Göttingen, 78-89. 1993. O Deus do Antigo Testamento. Teologia do Antigo Testamento Parte 1: Fundação (UTB 1747), Göttingen. 1894. Lago Steuernagel. 1966. Estudos sobre Provérbios 1-9. Uma investigação sobre a história da forma e do motivo, incluindo material comparativo egípcio (WMANT 22), Neukirchen-Vluyn. 1969. Introdução à Sabedoria do Antigo Testamento (BS 55), Neukirchen-Vluyn. 1982. ḥäsäd wä'ämät como expressão de uma experiência de fé (AThANT 69), Zurique. 1971. “ ברךbrk pi. abençoe,” ISSO I, 353-376. 1964. A mentira segundo o Antigo Testamento: seus termos, seu significado e sua avaliação, Zurique. 1971. “בגדbgd age traiçoeiramente,” ISSO I, 261-264. 1991. “Kohelet e a alegria da existência,” TThZ 47, 97107. 2002. Oë into the wild. O funksie religioso van fonteine en putte no Hebreeuse Bybel. 'n Godsdienshistoriese studie, Diss. Unisa, Pretoria. [1955] 1972. “Existe um dogma de retribuição no Antigo Testamento?”, em K. Koch (ed.), Um das Prinzip der Retribution in Religion und Rechts des Alten Testaments (WdF 125), Darmstadt, 130-180 . 1949. “Schooldays: A Sumerian Composition Relating to the Education of a Scribe,” JAOS 69, 199-215. Ver Müller, H.-P. & Krause, M. 1989. Dizendo composições no livro Proverbia, Frankfurt am Main. 2004. “De quantas árvores o paraíso precisa? Considerations on Gen ii 4b-iii 24,” VT 54, 301-318. 1987. “Promiscuidade ou fidelidade matrimonial? Uma nota sobre Prov 5:15-18,” JNSL 13, 61-68. 1995. “Composição e Discussão em Provérbio 10,” ZThK 92, 413-433. 1997. Sabedoria Crítica. Estudos sobre a Sabedoria Crítica da Tradição no Antigo Testamento, Zurique. 2000. Eclesiastes (Pregador) (BK), Neukirchen-Vluyn. 2009. O Coração Humano e a Direção de Deus. Estudos em Antropologia e Ética do Antigo Testamento (AThANT), Zurique. 2019. “On the Sense of Balance in the Hebrew Bible,” em A. Schellenberg & Th. Krüger, (eds), Sounding Sensory Profiles in the Ancient Near East, Atlanta, 87-97.
XXIV Kselman, J. S. ––– Kugel, J. L. Kuhn, G. Kuropka, N. Labuschagne, C.J.
Lam, J. Lambert, W.G. Landy, F. Lang, B. ––– Lange, A. Lemaire, A. ––– Leuenberger, M. Levy, J. Lichtheim, M. Lillas, R. Lindenberger, J.M. Loader, J.A. ––– ––– ––– –––
Bibliografia 1977. "Semantic-Sonant Chiasmus in Biblical Poetry," Bibliography 58, 219-223. 2002. “Ambigüidade e jogo de palavras em Provérbios XI,” VT 52, 545-547. [1981] 1998. A Ideia de Poesia Bíblica. Paralelismo e sua história, Baltimore e Londres. 1931. Contribuições para a explicação do Livro de Salomão (BWANT 57 = Terceira Série No. 16), Stuttgart. 2002. Philipp Melanchthon: Ciência e Sociedade. Um estudioso a serviço da igreja (1526-1532) (SuR NR 21), Tübingen. 1966. "A ênfase em partícula gama e suas conotações", em W.C. van Unnik, & A.S. van der Woude, (eds), Studia Biblica et Semitica Theodoro Christiano Vriezen Dedicata, Wageningen, 193-203. 2016. Padrões de Pecado na Bíblia Hebraica. Metáfora, Cultura e a Criação de um Conceito Religioso, Nova York. [1960] 1975. Literatura de Sabedoria Babilônica, Oxford. 1984. “Poética e Paralelismo. Alguns comentários sobre The Idea of Biblical Poetry, de James Kugel, JSOT 28, 61-87. 1972. O Discurso da Sabedoria. Um exame de Provérbios 1-7 (SBS 54), Stuttgart. 1986. Sabedoria e o Livro dos Provérbios, Nova York. 1998. “Recepção de Kohelet e dos Textos de Sabedoria de Qumran”, em A. Schoors (ed.), Qohelet no Contexto da Sabedoria (BEThL 136), Leuven, 114-160. 1981. Les Écoles et la training de la Bible dans l'ancien Israel, Fribourg. 1984. “Sagesse et écoles,” VT 34, 270-281. 2008. Bênçãos e Teologias da Bênção no Antigo Israel. Estudos sobre suas constelações e transformações históricas religiosas e teológicas (AThANT 90), Zurique. [1924] 1963, Dicionário do Talmudim e Midrashim I-IV, Berlim, Viena e Darmstadt. 1973-1980. Literatura Egípcia Antiga Volumes I-III, Londres & Berkeley [I 1973, II 1976, III 1980; I-III na nova edição 2006]. 2012. Hendiadys na Bíblia Hebraica. Uma Investigação das Aplicações do Termo, Diss., Universidade de Gotemburgo. 1983. Os Provérbios Aramaicos de Ahiqar (JHNES), Baltimore. 1971. O stam qrb como termo religioso no Ou Testament en the daarvan afhanklike Semityse literatuur. Diss., Universidade de Pretória. 1979. Estruturas Polares no Livro de Qohelet, (BZAW 152), Berlim. 1990. Um conto de duas cidades. Sodoma e Gomorra no Antigo Testamento, tradições judaicas e cristãs primitivas (CBET I), Kampen. 1996. “Learning in the Indicative,” JSem 8/1, 21-33. 1999. “Sabedoria por (o) Povo para (o) Povo,” ZAW 111, 211-233.
Bibliografia ––– ––– ––– ––– ––– ––– ––– ––– ––– ––– Lohfink, N. Longman, T. Lowth, R.
Lucas, E. C. Luchsinger, J. Lunn, N.P. Luxúria, L. Luther, M. Lyu, S.M. Maekawa, K. Maier, C. (1999).
Marcus, R.
XXV 2001a. “Ao preço da justificação de Deus no Antigo Testamento,” BThZ 18/1, 3-23. 2001b. encontro com Deus. Estudos coletados no Antigo Testamento (WAS 3), Frankfurt, Berlim, Oxford e Viena. 2002. “A vida como uma responsabilidade de sabedoria,” OTE 15/3, 715-738; = em E. Herms, (ed.) 2004, Life: Understanding. Ciência. Tecnologia, Gütersloh. 2011. “Schön/Schönheit,” em M. Bauks, K. Koenen, & S. Alkier, (eds), The Scientific Bible Lexicon na Internet, http://www.bibelwissenschaft.de/. 2012a. "Memória protética no Antigo Testamento", OTE 25/3, 583-597. 2012b. “Beleza entre bênção e salvação”, ZAW 124, 163-179. 2012c. “O problema do dinheiro nas mãos de um tolo”, HTS 68/1, 1a-9b; Eletrônica: a1266. 2013. “A Bipolaridade da Teologia Sapiencial,” OTE 26/2, 365-383. 2014a. “Forgiveness and Reconciliation,” OEBE I, 296304. 2017. “Die gestaltes van Philipp Melanchthon se Spreukekommentaar,” HTS 73/4, 57-65; Eletrônica: a4642. https://doi.org/10.4102/hts.v73i4.4642 1990. “Qohélet 5:17-19—Revelação pela alegria,” CBQ 52, 625-635. 2006. Provérbios, Grand Rapids. [1787] 1835. Palestras sobre a Poesia Sagrada dos Hebreus, Londres et al. As palestras originais começaram em 1741, publicadas em latim como De Sacra Poesi Hebraeorum 1753, trad. por G. Gregory e publicado em inglês 1787, 3ª edição 1835. 2015. Provérbios (THOTC), Grand Rapids. 2010. Poética da Sabedoria Proverbial do Antigo Testamento (PSAT 3), Stuttgart. 2006. Variação de ordem de palavras na poesia bíblica. Diferenciando Pragmática e Poética. Eugênio, OR. 1990. “J.F. Schleusner and the Lexicon of the Septuagint,” ZAW 120, 256-262. [1530] 1909. “Uma missiva D.M. Luteros: De intérpretes e intercessão dos santos”, na edição de Weimar 30/2, 632-646. 2012. Justiça no Livro dos Provérbios (FAT II.55), Tübingen. 1997. “Os Textos Agrícolas de UR III Lagash do Museu Britânico (XI),” AS 19, 113-145. 2012. “Provérbios: Como a sabedoria feminina surge”, em L. Schottroff & M.-Th. Wacker, (eds), Interpretação Bíblica Feminista. Um compêndio de comentários críticos sobre os livros da Bíblia e literatura relacionada, Grand Rapids & Cambridge, Reino Unido, 255-272. 1943. "A Árvore da Vida em Provérbios", JBL 62/2, 117-120.
XXVI Margolis, M.L. McCreesh, T.P. McKane, W. McNutt, P.M. Meier, S.A. Meinhold, A. ––– Melanchthon, P. Mettinger, T.N.D. Michaelis, W. Mieder, W. ––– ––– & A. Dundas (eds.) Millar, S.R. –––
Miller, C. L.
Mondin, B. (ed.) Moriarty, F.L. Moss, A. Mouser, W.E.
Murphy, R. E.
Bibliografia 1911. "The Place of the Word-Accent in Hebrew", JBL 30, 29-43. 1991. Som e Sentido Bíblico. Padrões de som poético em Provérbios 10-29 (JSOTSupp 128), Sheffield. [1970] 1977. Provérbios. Uma Nova Abordagem (2ª ed.) (OTL), Londres. 1999. Reconstruindo a Sociedade do Antigo Israel (LAI), Londres. 1988. O Mensageiro no Mundo Semítico Antigo (HSM), Atlanta. 1991a. Die Sprüche. Parte 1: Linguagem Capítulos 1-15 (Zürcher Bible Commentary), Zurique. 1991b. Die Sprüche. Parte 2: Linguagem Capítulos 16-31 (Zürcher Bible Commentary), Zurique. 1550. Explicatio proverbiorum Solomonis in Schola Witembergensi recens dicta to Philippo Melanthone, Frankfurt. 1972. "O padrão nominal qetulla em hebraico bíblico", JSS 16, 2-14. 1954. "O κ.τ.λ." ThWNT V, 42-118. 1993. The Proverbs of Never Out of Season, Nova York. 2004. Provérbios. Um Manual. Westport. 1981. A Sabedoria de Muitos: Ensaios sobre o Provérbio, Nova York. 2018. “Quando uma estrada reta se torna um caminho de jardim: a 'condução falsa' como estratégia pedagógica no livro de provérbios”, JSOT 43, 67-82). 2020. Gênero e Abertura em Provérbios 10:1–22:16 (Israel Antigo e sua Literatura 39), Atlanta. (Nota: Este importante estudo só se tornou disponível quando o Volume II deste comentário já havia sido concluído. Portanto, só pude fazer uso dele em uma escala limitada.) 2005. “Ellipsis Involving Negation in Biblical Poetry”, em R.L. De acordo com Troxel et al. (ed.), Buscando a Sabedoria dos Antigos. Ensaios oferecidos em homenagem a Michael V. Fox por ocasião de seu sexagésimo quinto aniversário, Winona Lake, 37-52. 2005. S. Tomás de Aquino, Comentário sobre o Corpus Paulinum (Exposição e Leitura das Super Epístolas Apostólicas Pauli) Vol 1. Lettera ai Romani, Bologna. 1974. “Palavra como Poder no Antigo Oriente Próximo”, em H.N. De acordo com Bream et al. (eds), Estudos do Antigo Testamento em homenagem a Jacob M. Myers, Filadélfia, 345-362. 2015. Provérbios (Leituras), Sheffield. 1995. “Preenchendo o vazio. Paralelismos antitéticos assimétricos”, em R.B. Zuck (ed.), Aprendendo com os Sábios: Estudos Selecionados sobre o Livro dos Provérbios, Grand Rapids, 137-150. 1998. Provérbios (WBC 22), Nashville.
Bibliografia Nänny, M. Nel, P.J. Niccacci, A. Niemeier, S.
Nissinen, M.
O'Connor, M.P. Oesterley, W.O.E. Ogden, G. S. Otto, E. Otto, R. Pardee, D. Park, Sung Jin Paterson, J. Pedersen, J. Perdue, L.G. ––– ––– Perry, T.H. Petersen, S. Pilch, J.J. Pinkuss, H. (1999).
Plath, S. Plöger, O. Preuss, H.D. –––
XXVII 1988. “Chiasmus in Literature: Ornament or Function?”, Word & Image 4, 51-59. 1982. A estrutura e ethos das Admoestações de Sabedoria em Provérbios (BZAW 158), Berlim. 1990. A Sintaxe do Verbo na Prosa Hebraica Clássica, transl. W.G.E. Watson (JSOT Supl. 86), Sheffield. 2003. “Straight from the Heart – Metonymic and Metaphorical Explorations”, in A. Barcelona, (ed.), Metaphor and Metonymy at the Crossroads. Uma Perspectiva Cognitiva, Berlim, 195-213. 2014. “Sacred Springs and Liminal Rivers: Water and Prophecy in the Ancient Eastern Mediterranean,” in E. Ben Zvi & C. Levin, (eds), Thinking of Water in the Early Second Temple Period (BZAW 461), Berlin 2948. 1980. Estrutura do Verso Hebraico, Winona Lake. 1929. O Livro dos Provérbios. Com introdução e notas (Comentários de Westminster), Londres. 1984. "Qoheleth xi 7-xii 8: convocação de Qoheleth para diversão e reflexão", VT 34, 27-38. 1994. Theologische Ethik des Alten Testaments (ThW 3,2), Stuttgart. 1924. Das Heilige. Über das Irrationale in der Idee des Göttlichen und sein Verhältnis zum Rationalen, Stuttgart. 1988. Paralelismo poético ugarítico e hebraico: um corte experimental (CNT e Provérbios 2) (SVT 39), Leiden. 2017. Tipologia na métrica hebraica bíblica. Uma Abordagem Métrica Generativa, Lewiston, NY. 1961. A Sabedoria de Israel, Londres. [1926-1940] 1959. Israel. Sua vida e cultura I-II, III-IV, Londres e Copenhague. 1977. Sabedoria e Culto, Missoula. 1994. Sabedoria e Criação: A Teologia da Literatura de Sabedoria. Nashville. 2000. Provérbios (Int), Louisville. 1993. Literatura de Sabedoria e a Estrutura dos Provérbios. Parque Universitário, PA. 2008. Brot, Licht und Weinstock. Intertextuelle Analysen johanneischer Ich-bin-Worte (SNT 127), Leiden & Boston. 2016. O Cenário da Vida Cultural dos Provérbios, Minneapolis. 1894. “Die syrische Übersetzung der Proverbien: textkritisch und in ihrem Verhältnisse zu dem masoretischen Text, den LXX und dem Targum untersucht,” ZAW 14, 65-141, 161-222. 1963. Furcht Gottes (ArTh II.2), Stuttgart. 1984. Sprüche Salomos (Proverbia) (BK 17), NeukirchenVluyn. 1970. “Erwägungen zum theologischen Ort altestamentlicher Weisheitsliteratur,” EvTh 30, 393-417. 1974. “Alttestamentliche Weisheit in christlicher Theologie?” ETL 23, 165-181.
XXVIII ––– ––– Price, J.D. Radden, G.
Reider, J. Reiterer, F.V. Rendsburg, G. A.
Richardson, H. N. Richter, W. Ricoeur, P. Riede, P.
Ringgren, H. Römheld, D. Rosenberg, A.J. Rudnig-Zelt, S.
Rüger, H.P. Rylaarsdam, J.C. Sæbø, M. –––
––– Saggs, H.W.F.
Bibliografia 1987. Introdução à Literatura de Sabedoria do Antigo Testamento (UTB 383), Stuttgart. 1991. Teologia do Antigo Testamento I. Ação eletiva e obrigatória de YHWH, Stuttgart. 1990. A Sintaxe dos Acentos Massoréticos na Bíblia Hebraica (SBEC 27), Lewiston. 2004. “The Metonymic Folk Model of Language,” em B. Lewandowska-Tomaszczyk & A. Kwiatkowska, (eds), Imagery in Language: Festschrift in Honor of Professor Ronald W. Langacker, Frankfurt am Main, 543-565. 1952. "Estudos Etimológicos em Hebraico Bíblico", VT 2, 113-130. 1989. “פוחpwḥ”, ThWAT VI, 538-543. 2015. “Assuntos Literários e Linguísticos no Livro de Provérbios”, em J. Jarick, (ed.), Perspectivas sobre a Sabedoria Israelita. Proceedings of the Oxford Old Testament Seminar, Oxford, London et al., 111-147. 1955. “Algumas notas sobre ִליץ e seus derivados”, VT 5, 163179 + 434-436. 1966. Direito e Ethos. Tentativa de localizar a advertência de sabedoria (SANT 15), Munique. 1976. Teoria da Interpretação. Discourse and the Surplus of Meaning, Fort Worth TX. 2002. “'Mas pergunte aos animais, eles vão te ensinar', Animais como Tipos e 'Mestres' do Homem no Antigo Testamento,” em id., No Espelho dos Animais. Estudos sobre a relação entre humanos e animais no antigo Israel (OBO 187), Freiburg & Göttingen, 1-28. 1966. Provérbios (ATD 16.1), Göttingen. 1989. Caminhos da Sabedoria. Os Ensinamentos de Amenemopes e Provérbios 22:17-24:22 (BZAW 184), Berlim e Nova York. [1988] 2001. Mishle-Provérbios. Uma nova tradução para o inglês. Tradução de Texto, Rashi e outros Comentários (Mikraoth Gedoloth), Nova York. 2017. Fé no Antigo Testamento: Um estudo histórico conceitual com referência especial a Isaías 7:1-17; Dtn 1-3; Números 13-14 e Gen 22:1-19 (BZAW 452), Berlim. 1991. A sabedoria escrita da geniza do Cairo: texto, tradução e comentário filológico (WUNT 53), Tübingen. 1964. Os Provérbios, Eclesiastes, o Cântico de Salomão. Richmond, Vá. 1971a. “castiga יסרjsr,” ISSO I, 738-742. 1971b. "יעלjcl oi. Benefício," ISSO I, 746-748. 1986. “Da Coleção ao Livro: Uma Nova Abordagem à História da Tradição e Redação do Livro de Provérbios,” PNWCJS Div. A, 99-106. 2012. Provérbios (ATD 16.1), Göttingen. 1966. A Grandeza que era a Babilônia. Uma pesquisa da antiga civilização do vale do Tigre-Eufrates, Londres.
Bibliografia
XXIX
Sandoval, T. J.
2006. O Discurso da Riqueza e Pobreza no Livro dos Provérbios (BINS 77), Leiden & Boston. 1984. “ תעהtch to stray,” ISSO II, 1055-1057. 1904. “Geniza Fragments”, JQR 16, 425-442. 1993. "Conselho positivo de Qohelet", OTE 6/2, 248-271. 1999. A palavra sábia e seus efeitos. Uma investigação sobre a composição e edição de Proverbia 10.1 - 22.16 (WMANT 83), Neukirchen-Vluyn. [1820-1821] 1822. Novus thesaurus philologico criticus, sive léxico em LXX et reliquos interpreta graecos ac scriptores apocryphos veteris testamenti, cinco volumes, originalmente Leipzig, reimpresso em Glasgow. 2012. Hermenêutica da Torá. Estudos sobre a história da tradição de Prov 2 e sobre a composição de Prov 1-9 (BZAW 432), Berlin & Boston. 2013. “Quando a sabedoria não é suficiente! O Discurso sobre Sabedoria e Torá e a Composição do Livro de Provérbios”, em B.U. Schipper e D.A. Teeter, (eds), Sabedoria e Torá. A Recepção de 'Torá' na Literatura de Sabedoria do Período do Segundo Templo (SJSJ 163), Leiden, 55-80.
Sawyer, J.F.A. Schechter, S Scheffler, E.H. Scherer, A. Schleusner, J.F.
Schipper, B.U. –––
Schipper, BU & Teeter, D. A. (ed.). Schmid, H. H. ––– ––– Schultens, A. Schwab, Z. Schwarz, A. Schwienhorst Schönberger, L. Scoralick, R. Scott, R.B.Y. ––– Seitel, P.
2013. Sabedoria e Torá. A Recepção de 'Torá' na Literatura de Sabedoria do Período do Segundo Templo (SJSJ 163), Leiden. 1966. Natureza e história da sabedoria: Uma investigação sobre a antiga literatura de sabedoria oriental e israelita (BZAW 101), Berlim. 1968. Justiça como Ordem Mundial. Antecedentes e história do conceito de justiça do Antigo Testamento (BHTh), Tübingen. 2018. Provérbios (Provérbio). Volume 1: Provérbios 1.1-15.33 (BKAT XVII/1), Göttingen. 1748. Proverbia Salomonis Versionem Integram ad Hebraeum Fontem expressit atque Commentarium adjecit, Leiden. 2013. “O temor do SENHOR é a fonte da sabedoria ou vice-versa?” VT 63, 652-662. [2003] 2007. “Speech Act,” RDLW III, 484-486. 2008. “O Livro dos Provérbios” em E. Zenger et al., (eds), Introdução ao Antigo Testamento, Stuttgart. 1995. Ditado individual e coleção: Composição no Livro de Provérbios Capítulos 10-15 (BZAW 232), Berlin & New York. [1965] 1981. Provérbios. Eclesiastes. Uma nova tradução com introdução e comentários (AB 18), Garden City. 1972. “Sábios e Tolos, Justos e Iníquos,” SVT 23, 146-165. [1969] 1981. “Provérbios: Um Uso Social da Metáfora”, em W Mieder & A Dundas (eds.), A Sabedoria de Muitos: Ensaios sobre o Provérbio, Nova York, 143-161.
XXX Sekine, S. Shupak, N. ––– Silver, M. Ska, J.-L.
Skehan, P. W. ––– Skladny, U. Smalley, B. Snell, D.C. ––– Stähli, H.-P. ––– Steinmann, A.E. Stendebach, F.-J. Steuernagel, D. Stewart, A.W. História, C.I.K. Rua, G.C. Strack, H.L. Stuart, D.K. Stupperich, R. Tan, Nam Hoon N. Tauberschmidt, G. Taylor, A.
Bibliografia 2002. “Provérbios como um catálogo de virtudes: uma comparação com a ética a Nicômaco,” AJBI 28, 55-86. 1984/85. “מטבעות לשון ורישומים בחכמה המקראית,” Tarbiz 54, 475-484 (“Termos e Características Egípcias no Hebraico Bíblico”). 1993. Onde a Sabedoria pode ser encontrada? A linguagem do sábio na Bíblia e na literatura egípcia antiga, Göttingen. 1983. Profetas e Mercados. A Economia Política do Antigo Israel, Haia, Boston e Londres. 2008. “Genesis 2–3: Some Fundamental Questions”, em K. Schmid, & C. Riedweg, (eds), Beyond Eden: The Biblical Story of Paradise (Genesis 2–3) and Its Reception History, Tübingen, 1- 27. 1947. “As sete colunas da Casa da Sabedoria em Provérbios 1-9,” CBQ 9, 190-198 (= Skehan 1971, 9-14). 1948. “Um Único Editor para todo o Livro de Provérbios,” CBQ 10, 115-130 (= Skehan 1971, 15-26). 1962. Die ältesten Spruchsammlungen in Israel, Göttingen. [1949] 1986. Medieval Exegesis of Wisdom Literature, Atlanta (ensaios de 1949 e 1950, publicados em janeiro de 1987). 1983. “‘Levando Almas’ em Provérbios XI 30,” VT 83, 362-365. 1993. Provérbios contados duas vezes e a composição do livro de provérbios, Winona Lake. 1971. “יעץjcs raten,” ISSO I, 748-753. 1984. “פחדpḥd beben,” ISSO II, 411-413. 2002. Revisão de K.M. Heim, como uvas de ouro colocadas em prata: uma interpretação dos cachos proverbiais em Provérbios 10:1-22:16, Berlim 2001, JBL 121/3, 546-549. 1995. “ ָשׁלוֹםšālôm,” ThWAT VIII, 12-46. [1910] 1923. Die Sprüche (HSAT 2), Tübingen. 2016. Ética Poética em Provérbios. Literatura de Sabedoria e a Formação do Eu Moral, Nova York. 1945. “O Livro dos Provérbios e a Literatura Semítica do Noroeste”, JBL 64, 319-337. 1999. A Mulher Estranha: Poder e Sexo na Bíblia, Louisville. 1888. Die Sprüche Salomos (KCAT 6,2), München. 1976. Estudos na métrica hebraica antiga, Missoula. 1975. “Melanchthons Proverbien-Kommentare,” em A. Buck & O. Herding (eds), Der Kommentar in der Renaissance, Boppard, 21-34. 2008. A Estrangeira da Mulher Estrangeira em Provérbios 19. Um Estudo da Origem e Desenvolvimento de um Motivo Bíblico (BZAW 381), Berlin & New York. 2004. Paralelismo Secundário: Um Estudo da Técnica de Tradução em Provérbios LXX, Atlanta. [1962] 1981. “The Wisdom of Many and the Wit of One”, em W. Mieder & A. Dundas (eds.), The Wisdom of Many: Essays on the Proverb, Nova York.
Bibliografia Teeter, E. ––– Terrien, S. ––– Thomas, D.W. ––– ––– ––– ––– Thompson, J.M. Tomoda, A. et al. Toperoff, S. P. Tournay, R. ––– Tov, E.
Brinquedo, C. H. Trible, P. Tsumura, D.T. Tuinstra, E.W. Umbreit, F.W.C.
XXXI 2002a. “Animals in Egyptian Literature,” em B.J. Collins, (ed.), A History of the Animal World in the Ancient Near East (HdO 64), Leiden, Boston & Köln, 251-270. 2002b. “Animals in Egyptian Religion,” em B.J. Collins, (ed.), A History of the Animal World in the Ancient Near East (HdO 64), Leiden, Boston & Köln, 335-360. 1962. “Amos and Wisdom”, em B.W. Anderson & W. Harrelson, (eds), Herança profética de Israel. Essays in Honor of James Muilenburg, New York & London, 108-115. 1985. Até o coração cantar. Uma Teologia Bíblica da Masculinidade e da Feminilidade, Filadélfia. 1934. “The Root ydc em hebraico”, JTS 35, 236-238. 1963. “Blycl no Antigo Testamento”, em J.N. Birdsall, & R.W. Thomson, (eds), Biblical and Patristic Studies in Memory of R.P. Casey, Freiburg, 11-19. 1964. “Notas adicionais sobre a raiz ydc em hebraico”, JTS 15, 54-57. 1965. “Notas sobre algumas passagens no livro de Provérbios,” VT 15, 271-279. 1969. “Notas Textuais e Filológicas sobre Algumas Passagens do Livro de Provérbios,” SVT 3 (2ª ed.), 280-292. 1974. A Forma e Função dos Provérbios no Antigo Israel, Paris. 2009. “Volume de substância cinzenta cortical pré-frontal reduzido em jovens adultos expostos a punições corporais severas,” (NeuroImage 47 Supl 2), T66-T71. 1985. “A formiga na Bíblia e Midrash,” Dor le Dor 12, 179-185. 1962. “Relectures biblique concernant la vie future et l’angélologie,” RB 69, 481-505. 1973. Revisão de G. von Rad, Weisheit em Israel, RB 80, 129-131. [1990] 1999. “Diferenças Recensuais entre o Texto Massorético e a Septuaginta dos Provérbios,” em E. Tov, The Greek and Hebrew Bible. Ensaios reunidos por Emanuel Tov, Leiden, 419-432. [= H.W. Attridge, J. J. Collins, & T. H. Tobin, (eds), Of Scribes and Scrolls. Estudos sobre a Bíblia Hebraica, Judaísmo Intertestamentário e Origens Cristãs apresentados a John Strugnell por ocasião de seu sexagésimo aniversário, Lanham, 43-56, 1990.] [1899] 1914. Um Comentário Crítico e Exegético sobre o Livro de Provérbios (ICC) , Edimburgo. 1975. “A sabedoria constrói um poema: a arquitetura de Provérbios 1:20-33,” JBL 94, 509-518. 2005. Criação e Destruição. Uma reavaliação da teoria de Chaoskampf no Antigo Testamento, Winona Lake. 1996. Spreuken I (POT), Baarn. 1826. Philologisch-kritischer und philosophischer Commentar über die Sprüche Salomo's, Heidelberg.
XXXII Vance, D.R.,
Bibliografia 2001. A questão da métrica na poesia hebraica, Lewiston, NY.
Van der Merwe, C.H.J. e outros 1999. Uma Gramática de Referência Hebraica Bíblica. Sheffield. Van der Watt, J. G. 2000. Família do Rei. Dinâmica da Metáfora no Evangelho segundo João (BINS 47), Leiden, Boston & Köln. ––– 2006. “Ethics Alive in Imagery”, em J. Frey, J.G. van der Watt, & R. Zimmermann, (eds), Imagens no Evangelho de João. Termos Formas, Temas e Teologia da Linguagem Figurativa Joanina (WUNT 200), Tübingen, 421-448. Van Leeuwen, R.C. 1988. Contexto e Significado em Provérbios 25-27 (SBLDS 96), Atlanta. ––– 1992. “Riqueza e Pobreza: Sistema e Contradição em Provérbios,” HS 33, 25-36. ––– 1997. O Livro dos Provérbios (NIB V), Nashville. Vayntrub, J. 2016. “O Livro dos Provérbios e a Ideia da Antiga Educação Israelita,” ZAW 128, 96-114. Visotzky, B. L. 1992. O Midrash em Provérbios (YJS 27), Londres e New Haven. Volz, P. 1911. Weisheit (Das Buch Hiob, Sprüche und Jesus Sirach, Prediger), (SAT III/2), Göttingen. Von Rad, G. 1953. “Josephsgeschichte und ältere Chokma,” SVT 1, 120-127. ––– 1970. Weisheit em Israel, Neukirchen-Vluyn. tradução em inglês por JD Martin, Wisdom in Israel, Londres 1972. Wagenknecht, C. [2003] 2007. “Wortspiel,” RDLW III, 864-867. Waltke, B. K. 2004. O Livro dos Provérbios. Capítulos 1-15 (NICOT), Grand Rapids. ––– 2005. O Livro dos Provérbios. Capítulos 15-31 (NICOT), Grand Rapids. Washington, H. C. 1994a. Riqueza e Pobreza na Instrução de Amenemope e os Provérbios Hebraicos (SBLDS 142), Atlanta. ––– 1994b. “A estranha mulher de Provérbios 1-9 e a sociedade pós-exílica da Judéia”, em T.C. Eskenazi & K.H. Richards, (eds), Second Temple Studies 2, Sheffield, 217-242. Watson, W.G.E. [1984] 2007. Poesia Hebraica Clássica. Um guia para suas técnicas (JSOTSup 26), Sheffield, Londres e Nova York. ––– 1994. Técnicas Tradicionais em Verso Hebraico Clássico (JSOTSup 170), Sheffield. ––– 2017-2019. “The Etymology of Ugaritic ypḥ and Hebrew yāpîaḥ, ‘Testemunha’,” SEL 34-36, 83-92. Watters, W.R. 1976. Formula Criticism and the Poetry of the Old Testament, Berlin. Weeks, S. [1994] 2007. Early Israelite Wisdom, Oxford. ––– 2007. Instrução e Imagens em Provérbios 1-9, Oxford. ––– 2010. Uma introdução ao estudo da literatura de sabedoria, Londres e Nova York. Weigl, M. 2010. Die Achikar-Srüche aus Elephantine und die altestamentliche Weisheitsliteratur (BZAW 399), Berlin.
Bibliografia Weiner, I.B. Weitzman, MP Westermann, C.
––– ––– ––– ––– ––– Whybray, R.N. ––– ––– ––– ––– ––– Wildeboer, G. Williams, J.G. Winton Thomas, D. Yoder, C.R. ––– Zehnder, M.P.
Zimmerli, W. Zunz, G.
XXXIII 2008. Princípios da Interpretação de Rorschach, Mahwah, NJ e Londres. 1999. A Versão Siríaca do Antigo Testamento, Cambridge. 1971. “Sabedoria em Provérbios”, em K.-H. Bernhardt, (ed.), Schalom: Estudos sobre a fé e história de Israel Alfred Jepsen 70º aniversário oferecido por amigos, estudantes e colegas, Stuttgart, 73-85. 1984. “ נֶ ֶפשnpš soul,” ISSO II, 71-96. 1985. Teologia Básica do Antigo Testamento, 2ª edição (ATD Supplementary Series 6), Göttingen. 1990a. Raízes da sabedoria: os ditos mais antigos de Israel e outros povos, Göttingen. 1990b. "Sabedoria e Teologia Prática", PTh 79, 515524. 1991. História da Pesquisa em Literatura de Sabedoria 1950-1990, Stuttgart. 1974. A Tradição Intelectual no Velho Testamento (BZAW 135), Berlin & New York. 1979. “Yahweh-sayings and their Contexts in Provérbios, 10:1-22:16,” em M. Gilbert, (ed.), La Sagesse de l'Ancien Testament, Leuven, 153-165. 1982. "Qoheleth, Preacher of Joy", JSOT 23, 87-98. 1990. Riqueza e pobreza no Livro de Provérbios (JSOTSupp 99), Sheffield. 1994. A Composição do Livro de Provérbios (JSOTSup 168), Sheffield. [1972] 1994. Provérbios (NCBC), Grand Rapids. 1897. Os provérbios (KHCAT XV), Leipzig & Tubingen. 1980. “O Poder da Forma. Um Estudo de Provérbios Bíblicos,” Semeia 17, 35-58. ver Thomas, D.W. 2001. Sabedoria como uma mulher de substância: uma leitura socioeconômica de Provérbios 1-9 e 31:10-31 (BZAW 304), Berlim e Nova York. 2009. Provérbios (AOTC), Nashville. 1999. Metáforas de caminho no Antigo Testamento: uma investigação semântica do Antigo Testamento e lexemas de caminho oriental antigo com referência especial ao seu uso metafórico (BZAW 268), Berlim e Nova York. 1933. "Sobre a Estrutura da Sabedoria do Antigo Testamento", Crenshaw 1976, 175-207. 1956. “The Antinoepapyrus of the Proverbia and the Prophetologion,” ZAW 68, 124-184.
INTRODUÇÃO
1. UTILIZAÇÃO DO COMENTÁRIO: NOTAS PRÁTICAS 1.1 De acordo com o plano da série, o comentário é concebido da seguinte forma: A introdução contém a discussão das questões habituais da estrutura do livro, a data das seções e a redação, a proveniência de os poemas e ditos, a relevância teológica do livro, o texto e as versões; uma coleção de ensaios (que se tornou convencional em comentários recentes sobre Provérbios, cf. Murphy, Fox, Waltke e antecedentes anteriores). Eles foram abreviados para fins de inclusão no volume, mas, no entanto, mantêm uma certa independência como textos de direito próprio. Como tal, talvez pudessem inculcar um sentimento por unidades independentes posteriormente incorporadas a um todo maior, como temos no próprio Livro dos Provérbios. Organicamente pertencem ao todo, mas apresentam, no entanto, sinais literários de uma existência outrora autónoma (neste caso, provêm de um único autor!). O comentário propriamente dito mantém o esboço da série tanto quanto possível, embora deva ser feita uma concessão para os requisitos especiais de uma coleção de ditos individuais. Uma tradução do texto hebraico em stichs e hemistichs é fornecida, porém não da mesma forma que no vol. Eu (veja abaixo). O recuo é usado para indicar os hemistíquios. Um parágrafo sobre “Fundamentos e Perspectivas” nos Caps. 10-22 é dado no início do comentário sobre o cap. 10. Visto que, na maioria das vezes, não trataremos de poemas mais longos, as seções do vol. II não são tão facilmente recortados para exposição como são onde poemas como os dos caps. 1–9 estão preocupados. Porque a tarefa de comentar sobre provérbios isolados, às vezes em justapostos e ocasionalmente em grupos de ditos, não é compatível com a aplicação rígida do esquema de série usado no vol. Eu, “Fundamentos e Perspectivas” não consigo acompanhar regularmente todas as traduções. No entanto, tentei indicar as principais questões em traços gerais e forneci uma breve bibliografia da literatura pertinente à parte relevante da antologia (excluindo comentários) onde parecia possível e útil, o que também pretendo fazer no vol. III em interlúdios regulares. Como no vol. I, esta informação não pretende ser um
2
Introdução resumo popularizado da exegese detalhada e a lista de literatura não sugere integridade ou que tal literatura pertence exclusivamente a essa seção. Não exclui nem pressupõe estar especificamente envolvido nas discussões e notas de rodapé que se seguem. Sob o título “Introdução à Exegese do Capítulo Z” discuto questões gerais de estrutura e crítica literária, organizadas sob os subtítulos “Temas e Motivos”, “Organização dos Capítulos” e “Antecedentes Sociais”. Aqui também a organização e a apresentação são ditadas pelas exigências do caráter dos provérbios nos caps. 10–29. O comentário principal de cada capítulo é intitulado “Tradução e exegese do capítulo…” e dá uma exegese detalhada de cada provérbio. Às vezes, subdivisões são indicadas na exegese, principalmente para acomodar unidades mais longas (a maioria das quais são discutidas no Vol. III) ou onde grupos de provérbios estão claramente ligados (alguns tratados aqui, mas a maioria no Vol. III, como os quatro grupos de provérbios associados provérbios no capítulo 26). Para o excursus ocasional, um tipo menor é usado. Isso também é usado em todo o comentário para discussão técnica colateral ou argumento de apoio. O tipo pequeno, no entanto, não se destina a distinguir entre comentários “gerais” e “acadêmicos” e o status acadêmico reivindicado para ambos é o mesmo. A disposição do vol. II do comentário não pode simplesmente emular o do Vol. I em Provérbios 1–9. Enquanto os meticulosos poemas da primeira parte do livro exigem ser lidos, traduzidos e interpretados como unidades mais longas, isso não ocorre nos caps. 10–29. Nesses capítulos, os aspectos da forma, bem como o conteúdo, muitas vezes se relacionam tanto com os provérbios como ditos únicos em si mesmos quanto com as relações redacionais entre eles ou alguns deles em uma determinada passagem. Visto que esses fatores pertencem tanto à exegese quanto à tradução, é tão conveniente quanto oportuno manter a tradução dos ditos e sua exegese em estreita proximidade. Procedimento padrão no vol. II do comentário será, portanto, oferecer traduções dos ditos individuais, enquanto uma tradução estendida é dada no caso de poemas como os dos caps. 30–31 ou onde as características redacionais do texto o exigirem. Por essas razões, discutirei as questões mais amplas sob a rubrica padrão da série “Introdução à Exegese …” (como de costume no Vol. I), enquanto a discussão mais detalhada e a tradução1 são reservadas para o comentário estendido sobre os próprios provérbios em “ Tradução e Exegese…”. Uma vez que a série Comentário Histórico do Antigo Testamento visa dar atenção à recepção do texto, isso é feito regularmente no corpo do comentário. No entanto, em termos de gênero, o livro é um
1 Às vezes é sensato traduzir e focar em um grupo de provérbios juntos, mas principalmente em um único provérbio de cada vez.
Introdução
3
comentário sobre o texto hebraico e não uma monografia sobre a história da recepção do livro bíblico. Portanto, a história da recepção não se torna um fim em si mesma e permanece subserviente ao objetivo geral do comentário. No caso de Provérbios, isso se torna um encargo bastante especial. Por um lado, o livro como tal não teve a influência no pensamento teológico do judaísmo ou do cristianismo como o desfrutado por, digamos, o Pentateuco, os Salmos ou Isaías. Portanto, a recepção do livro é principalmente refletida em referências à literatura rabínica e cristã primitiva. 1.2 Uso a seguinte terminologia para as unidades poéticas do texto: Este termo refere-se às unidades primárias de acordo com a divisão massorética de pesūqīm, cada uma marcada por um sōph pāsûq e numerada nas edições impressas da Bíblia. Embora a palavra em si seja um termo poético por origem (“verso” em oposição a “prosa”), convencionalmente passou a indicar uma unidade numerada de texto na Bíblia, seja poesia ou não. Stich: Derivado do grego stichos, o termo refere-se a uma linha poética. Via de regra, corresponde às linhas impressas em edições críticas de Provérbios na Bíblia Hebraica, como BHS e BHQ. Hemistich: Derivado do grego hemi + stichos, metade ou parte de um stich (cf. latim semi), o termo refere-se às unidades individuais que compõem um bistich ou um tristich.2 Dístico: Dois stichs intimamente associados (duas linhas completas, não confundir-se com um bistich de uma linha). Terceto: Três pontos intimamente associados (três linhas completas, por sua vez, não confundir com um trístico). Quadra: Quatro pontos intimamente associados.3 Verso:
2 Um hemistich às vezes também é chamado de “versículo” ou parte constituinte de um verso (assim Alter [1985] 2011, 19 e passim) e Waltke (2004, 41 e passim), o que concorda com minha visão de um hemistich como parte de uma linha. Greenstein às vezes parece empregar – pelo menos em parte – a terminologia que eu uso (cf. 1983, 45s.). 3 Em comentários onde um hemistich/versículo é chamado de “linha”, uma combinação de dois deles é chamada de “dístico”, uma combinação de três hemistichs é chamada de “trístico” e uma combinação de quatro de “quadra”. Embora esta terminologia seja compreensível (especialmente para os aforismos de 10:1 em diante), ela requer que um verso como unidade fundamental da poesia consista em uma única unidade rítmica e seja sempre um monostich. Mas isso faz pouca justiça ao efeito de combinações rítmicas próximas (cf. Par. 3 abaixo) dentro das linhas, por ex. unidades arranjadas como 3+2, 2+3 (ou Fünfer [Fivers]) em vez de meramente uma sequência de quatro monósticos consistindo em respectivamente 3, 2, 2 e 3 unidades acentuadas. Além disso, os monósticos são relativamente raros e, quando ocorrem, têm uma função específica (como uma fórmula introdutória para o discurso direto, por exemplo, 4:4a).
4
Introdução
1.3 O caráter de um comentário não é o mesmo de uma monografia. Uma vez que um comentário deve lidar com o amplo espectro de questões apresentadas pelo texto, muitos tópicos especializados só podem ser tratados de forma resumida e/ou como referência posterior. Tentei (parcialmente) compensar isso incluindo alguns ensaios sobre tópicos relevantes que parecem merecer mais atenção. No entanto, isso também permanece dentro das restrições impostas por um comentário e pelas diretrizes da série às quais ele deve aderir. O sistema de referência faz uso da liberdade concedida aos contribuidores da série. Usei essa liberdade – ocasionalmente talvez à custa de uma consistência estrita – a serviço da economia de espaço. No entanto, nas notas de rodapé, as obras de alguns autores são ocasionalmente mencionadas pelo nome, e não apenas por suas datas, se isso tiver um propósito (por exemplo, Melanchthon; Von Hoffmann). A linha entre um trabalho historicamente interessante e uma publicação de pesquisa a ser tratada em termos de convenções atuais nem sempre é fácil (por exemplo, Schultens; Ewald). Na maioria das vezes, apenas os sobrenomes dos autores são usados, mas às vezes também as iniciais quando exigido pelo tipo de referência ou pela necessidade de identificar claramente os autores (como Boström). Comentários sobre o Livro de Provérbios não são citados com detalhes completos e/ou data, uma vez que tais referências são facilmente identificáveis como o comentário citado in loco. As obras de referência padrão são citadas da maneira convencionalmente aceita e podem ser identificadas na tabela de abreviaturas. Detalhes completos de todas as publicações são fornecidos na bibliografia.
2. A ESTRUTURA DO LIVRO E GRUPOS DE PROVÉRBIOS4
O
PERGUNTA
DE
Existe um amplo acordo entre os comentaristas sobre a estrutura geral do livro. As diferenças de opinião não dizem respeito tanto à existência das principais coleções5 da antologia, mas à questão da organização dos materiais dentro delas. A discordância sobre esse tópico é tão ampla quanto o consenso sobre a estrutura geral e tornou-se uma característica principal da pesquisa recente de Provérbios. As principais coleções ou divisões contêm subdivisões e, em caso afirmativo, como isso deve ser entendido? Para os capítulos inicial e final, a resposta é bastante direta, pois os caps. 1–9 e 30–31 consistem em unidades poéticas mais longas e não em ditos individuais. Mas para os caps. 10–29, o fato de serem compostos de ditos individuais levanta outras questões. Os provérbios são apenas provérbios isolados ou existem grupos de provérbios relacionados 4 5
Cf. as notas acima no Par. 1.1 e vol. I, Introdução Par. 3. Eles são chamados de “divisões” no comentário e são identificados com algarismos romanos.
Introdução
5
nesses capítulos? Em caso afirmativo, como identificar tais grupos, quão extensos são e como interpretar as relações entre os provérbios que os constituem? Além disso, talvez existam ligações entre provérbios em diferentes subdivisões ou mesmo conexões que atravessam todo o livro? Se houver, esses grupos ou unidades constituem blocos de construção interconectados da antologia como um todo? Vários estudiosos argumentam nessa linha, mas outros negam a existência de tais grandes esquemas redacionais (veja a visão geral abaixo). 2.1 As principais divisões Quanto à questão menos controversa das principais divisões do livro, também existem diferenças de opinião entre os estudiosos, mas estas não são essenciais. Normalmente são identificadas sete divisões principais, mas alguns encontram oito6 ou nove7 na forma final do livro hebraico. Isso, por sua vez, se relaciona com a dimensão diacrônica do processo redacional. Mas se partimos da perspectiva sincrônica (sem negar os estágios anteriores de crescimento), os cabeçalhos8 como estes aparecem na redação final de Provérbios fornecem indícios da composição criada pelo redator que montou toda a antologia. Surge a seguinte arquitetura: I II III IV V
1:1–9:18 10:1–22:16 22:17–24:22 24:23–34 25:1–29:27
VI 30:1-33 VII 31:1-31
Os provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel Os provérbios de Salomão Provérbios dos sábios9 Os seguintes também vêm dos sábios Os seguintes são provérbios de Salomão, que os homens de Ezequias, rei de Judá, editaram As palavras de Agur, filho de Yakeh As palavras de Lemuel, rei de Massa, que sua mãe lhe ensinou
As seções 30:15-33 e 31:10-31, que são claramente identificáveis, conforme reconhecido pela maioria dos comentaristas, carecem de legendas e no conceito do redator fazem parte, portanto, das passagens de Agur e Lemuel. A Divisão I se destaca do resto em virtude de seu gênero, principalmente poemas mais longos na forma de lições e poemas de sabedoria. O restante está organizado em duas coleções substanciais de “provérbios de Salomão” (10:1–22:16 e 25:1–29:27), cada uma delas seguida por duas coleções menores atribuídas a outros sábios (22:17). –24:22; 24:23-34; 30:1-33; 31:1-31).10 A formação geral é assim: 6
Yoder (2009, xxiii). Whybray ([1972] 1994, 19-20). 8 Cfr. Scoralick (1995, 13). 9 A legenda foi integrada com a advertência do primeiro ponto; na Septuaginta, a ordem das palavras mantém a legenda como as duas primeiras palavras do versículo. 10 Da mesma forma Plöger (1984, xiv). 7
6
Introdução
EU
1:1–9:18
Coleção introdutória de poemas
II
10:1–22:16 III 22:17–24:22 IV 24:23-34
Primeira coleção principal de provérbios Apêndice i Apêndice ii
V
25:1–29:27 VI 30:1-33 VII 31:1-31
Segunda coleção principal de provérbios Apêndice i Apêndice ii
Os colchetes no esboço acima indicam certa simetria na disposição das principais divisões do livro de Provérbios. Isso expressa duas observações básicas sobre o material que começa em 10:1, bem como uma conclusão sobre a função introdutória dos caps. 1–9 produzido pela exegese desses poemas: • A primeira é a observação quantitativa de que as Divisões II e V, marcadas como estão pelas legendas em 10:1 e 25:1, são longas, enquanto III, IV, VI e VII são bastante breves em comparação. • A segunda é a observação formal de seu arranjo: uma coleção longa é seguida por duas coleções mais curtas. • Em terceiro lugar, o argumento desenvolvido no vol. I deste comentário, que não apenas a introdução propriamente dita (1:1-7), mas toda a Divisão I estabelece as bases para os ditos que se seguem de 10:1 em diante,11 é representado acima pelo colchete que liga as duas coleções principais mais seus apêndices com caps. 1–9. Portanto, pode-se dizer que a estrutura geral da antologia é bem concebida. Mas isso por si só não nos autoriza a supor que um grande e sofisticado esquema de composição deva atingir os detalhes das coleções de provérbios ou ser o portador de "significados reais" ocultos. Tais alegações precisariam de argumentos e testes de comprovação cuidadosos. 2.2 Ditados Únicos ou Grupos de Provérbios? No entanto, os provérbios dos caps. 10 a 29 existem em um ambiente literário. Eles foram editados (e parcialmente pré-editados) em coleções ou seções. Por terem sido escritos lado a lado, os provérbios associam-se entre si a nível literário. Da mesma forma, também as próprias coletâneas ou seções existem em associação literária entre si, ou seja, a filiação constituída entre as partes de um livro editado. Portanto, tanto os ditos individuais quanto as seções têm um “contexto literário”. 11 Ver vol. I, 52-53, 377 e passim; para as primeiras opiniões sobre o caráter introdutório dos caps. 1–9, cf. Delitzsch (1874, 207), que os considera uma introdução “desproporcionalmente longa” em relação ao restante do livro, e Bertheau ([1847] 1883, XXXIX).
Introdução
7
Isso levanta o que já apontei como uma das características proeminentes do discurso acadêmico recente sobre o Livro dos Provérbios, ou seja, a questão do caráter compositivo desses capítulos dentro do livro. O debate abrange toda a escala cromática. • De um lado estão os comentaristas que negam a existência de unidades compostas por grupos de provérbios ou que de fato ignoram completamente o assunto.12 • No outro extremo da escala estão aqueles que identificam, não apenas grupos de ditados, mas composições intrincadas no arranjo dos provérbios. • Entre esses pólos externos, vários comentaristas afirmam a existência de agrupamentos ou grupos de provérbios no livro, mas divergem entre si sobre onde e com que frequência essas unidades podem ser encontradas, bem como sobre o tamanho e o grau de complexidade do design de unidades poéticas. • Uma quarta avaliação considera que, quando os ditos ocorrem em grupos ou grupos de tipo comparável, eles devem ser interpretados em ambos os níveis, isto é, como ditos individuais e também como parte do edifício literário particular em que foram inseridos construído. Neste comentário, estarei trabalhando nesse sentido, quando apropriado (veja abaixo). 2.2.1 A literatura de frases como provérbios independentes Começando no extremo anterior do espectro, a visão de que a literatura de frases consiste principalmente em sequências de provérbios independentes é adotada por vários comentaristas. Ernst Bertheau13 afirma que os provérbios de 10:1 em diante “ficam frouxamente lado a lado”. Ele está preparado para aceitar que os ditos possam ocorrer em pares marcados por palavras-chave e ele lista exemplos disso, mas isso não influencia sua exegese dos ditos individuais. Da mesma forma, Franz Delitzsch14 aceita a visão de Bertheau de que os ditos estão lado a lado de acordo com “certas características”, mas, ao mesmo tempo, Delitzsch exige uma exposição acadêmica para “renunciar a combinações reproduzidas de pensamento” nos adágios. Quaisquer semelhanças ou ideias comuns que possam existir entre os provérbios são, em sua opinião, apenas externas e não têm influência na exegese dos ditos, pois “[t]aqui não há um plano abrangente, ... o desdobramento progressivo não segue nenhum esquema sistemático, mas brota continuamente”. De acordo com Delitzsch, cada provérbio deve ser lido e entendido apenas em seus próprios termos. Também 12 Para pesquisas convenientes da literatura relevante, cf. Fox (2009, 477-483); Heim (2001, 5-66); Waltke (2004, 14-28); também os resumos anteriores de Krispenz (1989, 9-15); Scoralick (1995, 13-52, em relação a 10:1–22:16). Veja também as referências em Weeks ([1994] 2007, 2040), onde ele apresenta seu próprio argumento ao invés de apenas uma pesquisa. 13 Bertheau ([1847] 1883, XII-XIII); a primeira edição desta obra foi publicada em 1847 e influenciou Delitzsch (ver abaixo). 14 Delitzsch (1874, 208).
8
Introdução
Gerrit Wildeboer15 aceita o reconhecimento de palavras-chave de Bertheau, mas nenhuma ordem na forma como as sentenças foram reunidas. Isso significa que o compartilhamento de palavras de ordem não contribui para o significado dos provérbios e pode, na melhor das hipóteses, ter valor mnemotécnico (o que, pode-se observar, sugere a questão de por que isso seria necessário em um texto escrito, já que escrever é em si uma ajuda para a memória). O contemporâneo de Wildeboer no mundo de língua inglesa, Crawford Toy,16 está profundamente ciente das repetições dentro e entre as divisões maiores do livro, mas considera o fato da repetição como prova de que divisões como 10:1–22:16 e 22:17 –24:22 eram originalmente coleções independentes cujos autores eram desconhecidos uns dos outros.17 A abordagem mais consistente dos provérbios como ditos individuais em seu próprio direito é o trabalho inicial de Paul Volz.18 Ele considera cada aforismo completamente por si só , lista-os em sua própria ordem de acordo com o assunto temático que identifica neles (por exemplo, verdade, honestidade, amizade, tranquilidade, reconciliação etc.) e os trata sem recorrer ao seu Sitz im Text (localização no texto). No entanto, ele os trata em comparação com os mesmos temas que ocorrem na Sabedoria de Ben Sira. Claramente, a dimensão literária do Livro dos Provérbios é tão sem importância para Volz que ele pode até reunir materiais de dois livros sob o título de “as palavras dos sábios” para focar no aspecto temático de provérbios individuais (principalmente para Provérbios, mas frequentemente também para Ben Sira).19 W.O.E. Oesterley pensa que os provérbios foram “reunidos de maneira um tanto aleatória, sem qualquer tentativa de agrupamento de assuntos”. ser discernido aqui e ali; mas, de um modo geral, os provérbios são reunidos de maneira muito aleatória nesta coleção. Ele acha que basicamente o mesmo se aplica às partes (ou “algumas partes”) do livro como um todo.21 Em uma famosa monografia datada de 1970, Gerhard von Rad estuda a sabedoria de Israel em geral e, naturalmente, presta muita atenção ao Livro de Provérbios. Como seria de esperar em uma monografia desse tipo, ele estrutura o estudo com base em conceitos como “conhecimento”, “temor a Deus”, “ordem” 15
Wildeboer (1897, XI). Brinquedo ([1899] 1914, vii-viii). 17 Cf., ao contrário, o trabalho pioneiro sobre as repetições em Provérbios de Jehoshua Grintz (1968) e o maior estudo do fenômeno de Daniel Snell (1993), ambos considerando as repetições como indicadores de composição; Veja abaixo. 18 Volz (1911, 157-229). 19 Há uma tendência semelhante no comentário de Moss e, até certo ponto, também de Clifford (ver abaixo). 20 Oesterley (1929, 73); mais tarde, ele o chama de “muito aleatório” (1929, 125). 21 Oesterley (1929, 77). 16
Introdução
9
e temas que ele considera como “sujeitos individuais de instrução” (“einzelne Lehrgegenstände”), como causa e efeito, tempo, criação etc. Embora isso não seja um comentário, ele discute o provérbio único como uma obra de arte literária22 como bem como outras formas sapiênciais,23 mas também em sua obra o contexto literário não tem efeito sobre a leitura e a compreensão dos ditos. Isso é dito inequivocamente em uma declaração como a seguinte: Achamos particularmente agravante a falta de qualquer ordem determinada pelo assunto, de quaisquer arranjos na coleção de sentenças e ensinamentos. Raramente o leitor se depara com um grupo de provérbios nos quais o material relacionado foi reunido. Para a compreensão das frases como um todo, esses pequenos arranjos ordenados não têm importância, pois aparecem muito esporadicamente.
Isso o coloca inequivocamente no grupo dos estudiosos que negam qualquer impacto do contexto editorial em que os provérbios se encontram no livro. No mesmo ano, outra negação altamente influente de unidades contextuais na literatura de sentenças de Provérbios foi apresentada no comentário de William McKane. a sentença de sabedoria individual é uma entidade completa.” Sua declaração é tão categórica que assume que ser uma entidade por direito próprio exclui fazer parte de um contexto. Também assume que a concatenação de tais “entidades” escritas não é ou não pode fornecer um contexto. Mas a suposição não é expressa ou fundamentada, nem são eliminadas possíveis objeções. Por exemplo, nenhum argumento é oferecido sobre por que uma sequência escrita de pontos não pode ser um contexto,25 particularmente quando eles estão interconectados pela forma literária compartilhada da poesia, a estrutura binária dos versos e características estilísticas comuns, como especialmente o paralelismo. Além disso, mesmo que se possa dizer que a adição das palavras “na maior parte” qualifica formalmente a posição de McKane, isso não tem efeito sobre seu tratamento da literatura de sentenças. Portanto, sua admissão de que havia alguns “princípios editoriais” em ação permanece ineficaz, pois ele imediatamente a qualifica alegando que esses princípios têm um “caráter secundário” tal que “não contradizem a afirmação de que há, em sua maior parte, nenhum contexto na literatura de sentenças.”26 Ele classifica os ditados em grupos próprios e os marca 22
Von Rad (1970, 41-53; tradução para o inglês: 1972, 25-34). Von Rad (1970, 53-73; 1972, 34-50). Cf. R.B.Y. Scott (1965, 130-131), cuja posição é semelhante. 24 McKane ([1970] 1977, 10-14). Para uma crítica detalhada, cf. Heim (2001, 9-12). 25 Cf., como ilustração, o fato de que um expoente de uma abordagem de grupo (por falta de um termo melhor) como Scoralick (1995, 13) não tem problema em admitir que os ditos individuais em 10:1–22:16 são “ independente” (selbständig). O próprio título de seu livro, Einzelspruch und Sammlung (“Ditado e Coleção Individual”) mostra que sua tese postula a compatibilidade dos conceitos de ditos independentes e o contexto de uma unidade literária maior. 26 À luz desse argumento, deve ficar claro que Hildebrandt (1988, 207) e Whybray (1990, 156-157) estão certos ao chamar a posição de McKane de “atomística”, mas Hildebrandt é certamente 23
10
Introdução
de acordo com seu conteúdo (Classe A: ditos antigos preocupados com a educação do indivíduo; Classe B: ditos preocupados com a comunidade e não com o indivíduo e principalmente de caráter negativo; Classe C: ditos que expressam um moralismo javista).27 McKane em seguida, organiza centenas de páginas de comentários de acordo com seus próprios agrupamentos e, assim, trata os ditos sem levar em consideração sua localização nos capítulos (um tanto – mutatis mutandis – como Volz). O interesse em provérbios individuais motivados pelo interesse crítico da forma na paremiologia das tradições orais, conforme defendido por Claus Westermann e Friedemann Golka,28 é discutido no primeiro ensaio (“On the Social Setting of Wisdom”) no vol. I deste comentário.29 J.M. Thompson30 forneceu o termo usado por Ted Hildebrandt31 para rotular esse tipo de tipificação da relação dos ditos. De acordo com Thompson, “eles [isto é, os provérbios] são misturados indiscriminadamente em coleções”, o que levou Hildebrandt a agrupar alguns dos comentaristas mencionados acima e outros32 como “defensores quer queira quer não”. Esse talvez seja um rótulo um tanto pesado porque vários desses comentaristas, ao contrário de Thompson, não aceitariam a descrição dos provérbios como um baralho de cartas embaralhadas e, em vez disso, sustentam que quaisquer conexões que possam ser encontradas são técnicas, como palavras de ordem e semelhanças ocasionais em o conteúdo não é significativo para interpretá-los.
não justifica incluir o próprio Whybray neste grupo, apelando como o faz para uma observação de Whybray (1974, 67) onde este último acidentalmente compara Jó com Eclesiastes, ambos contendo “muitos provérbios curtos semelhantes aos encontrados no Livro de Provérbios. ” Scoralick (1995, 132) talvez não seja muito convincente ao afirmar que isso é um “mal-entendido”. Se houver um mal-entendido, deve ser procurado no esforço de explicar a própria caracterização de McKane da literatura de sentenças. Ele próprio refere-se continuamente à “maneira aleatória pela qual as sentenças de sabedoria se sucedem em qualquer capítulo” e fala do “caráter atomístico da literatura de sentenças”, bem como de seu próprio método ([1970] 1977, 10; 413). 27 McKane ([1970] 1977, 413ss.). O tratamento do Cap. 10 oferece uma boa ilustração ([1970] 1977, 420-427), onde, por exemplo, o v. 3 é discutido pouco antes do v. 30, e o v. 32 – que é o último versículo do capítulo – várias páginas antes. Ele ainda precisa de um sistema de referências cruzadas em sua tradução ([1970] 1977, 225-258) para permitir que os leitores encontrem as páginas onde versos específicos são comentados. Essa ideia não era nova quando McKane escreveu seu comentário. Já havia sido utilizado por Volz (1911, VI-IX), mas McKane não o cita, nem pelo sistema de referência, nem pelo método de usar sua própria classificação como princípio organizador, nem mesmo pela persistente fragmentação do texto . 28 Westermann (1971; 1991; cf. também 1990b, 515-516); Golka (1986; 1989a; 1989b; 1993). 29 Ver vol. I, 15-19; cf. também Loader (1999, 211-233) para uma discussão mais completa. 30 Thompson (1974, 15). 31 Hildebrandt (1988, 207). 32 Por exemplo J. Paterson (1961, 63); R. Gordon (1975, 49); PC Craigie (1979, 7); J.L. Crenshaw ([1981] 1986, 73); B. Lang (1986, 3); J.C. Rylaarsdam (1964, 48); também uma série de introduções ao Antigo Testamento (Hildebrandt 1988, 208); cf. mais H.D. Preuss (1987, 3233).
Introdução
11
A mesma tendência também é encontrada em vários comentários sobre o Livro dos Provérbios, como os de R.B.Y. Scott, Richard Clifford e Tremper Longman. De acordo com Scott, Prov 10:1–22:16 é “amorfo”, mesmo que às vezes haja “uma aparência de ordem na ocorrência de pequenos grupos de ditos sobre um assunto”. assuntos diversos e a descontinuidade de seu arranjo” falam contra a leitura deles juntos.34 Clifford reconhece “que muitos dos ditos foram organizados por palavra de ordem e tema” e que “há muitas associações interessantes de versos dignos da atenção de um comentarista”. 35 Mas então ele continua: “Ao mesmo tempo, deve-se lembrar que os aforismos são, por definição, concisos e autocontidos. Cada um deve ter permissão para ter sua própria opinião”. Eu concordaria com ambas as afirmações, mas na prática a segunda cancela a primeira no comentário de Clifford, onde ele ignora qualquer impacto significativo das “associações de prisão” na exegese real e, de fato, descarta o problema em algumas linhas. Longman36 também aceita que “provérbios de tópicos semelhantes são ocasionalmente agrupados”. Mas para ele isso não tem importância para a interpretação deles. Ele declara que, apesar de alguns agrupamentos temáticos ocasionais, não há, no entanto, nenhuma “estrutura sistemática para Provérbios”. Um aspecto dos provérbios como ditados individuais é sua classificação em diferentes subgêneros. Alguns são ditos descritivos e alguns são injunções no imperativo ou jussivo.37 Isso não significa, porém, que apenas as injunções ou diretivas possam ser consideradas como material didático. Pelo contrário, a maior parte do material didático está contida em declarações destinadas a aprender e levar a sério. Mas classificar ainda mais os provérbios em diferentes classes de acordo com seu conteúdo temático torna-se ao mesmo tempo mais sofisticado e mais difícil. A “nova abordagem” introduzida por McKane envolveu uma distinção entre três categorias na literatura de sentenças do Cap. 10 em diante. Sua “Classe A” é composta de provérbios preocupados com o indivíduo para uma vida bem-sucedida e colocados no que McKane chamou de “velha sabedoria”. Sua “Classe B” são os 33 Scott (1965, 17). Em um artigo posterior, ele confirma essa visão e chama a coleção de “materiais variados sem conexões contextuais” (Scott 1972, 147); cf. Heim (2001, 7). 34 Scott (1965, 130-131). Ele inclui, no entanto, uma lista de provérbios da divisão agrupados de acordo com sua visão de conteúdo temático, algo como Volz (1911) e Moss (2015), mas, em contraste com eles, Scott deixa seu comentário na ordem tradicional para facilidade de referência. 35 Clifford (1999, 108). 36 Longman (2006, 41), no contexto de um argumento em defesa de um arranjo aleatório (2006, 38-42). 37 Veja abaixo, Ensaio 1, Virtude entre Comando e Conselho para uma discussão e ilustrações.
12
Introdução
provérbios preocupados com a comunidade e, em sua maioria, têm um caráter negativo, pois apontam o mal que pode ser feito à comunidade. “Classe C” são aqueles que expressam moralismo piedoso e contêm “linguagem de Deus”. grupos ou clusters – sobre os quais McKane repetidamente declara seu ceticismo – e estão espalhados pelas coleções de ditos. Bernd Schipper – que presta muita atenção aos agrupamentos de provérbios – também distingue sua própria proposta das “aulas” de McKane, mas, no entanto, oferece uma apresentação de categorias muito semelhantes.40 Ele os chama de “níveis de pensamento sapiencial”, o que, no entanto, não significa que todos os provérbios devem ser entendidos por meio de um sistema de níveis de três níveis, mas um provérbio individual pertence a uma das três categorias, portanto, basicamente nos mesmos termos que McKane. Alguns provérbios são manifestações de um “dito geral de bom senso” (“allgemeine[r] Sinnspruch”). Os provérbios em uma segunda categoria traduzem tais aspectos práticos em termos de conceitos sapienciais e usam terminologia de sabedoria para esse propósito. A terceira categoria é composta por provérbios com uma dimensão religiosa, muitas vezes (mas nem sempre) perceptível por sua linguagem-Deus. Embora Schipper não dependa da tese do desenvolvimento da mesma forma que McKane, há semelhanças no próprio conceito. Suas categorias são esclarecedoras pela lucidez que oferecem sobre a variedade de olhares antigos sobre a realidade. Mas exegeticamente tais categorias não parecem produzir muitos resultados de valor agregado. As categorias útil :: prejudicial, sapiencial :: tolo e justo :: ímpio comparam “mais” contra “menos” e, como tal, devem ter significado muito parecido para os antigos que não dividiam a realidade em sagrada ou religiosamente relevante e secular ou religiosamente irrelevante. É por isso que os mesmos fenômenos cotidianos abordados em tais provérbios também podem se tornar sapiencial e religiosamente relevantes. Portanto, também é compreensível que eles tenham sido mantidos lado a lado e nem todos editados para se tornarem “teológicos”. Além disso, no que diz respeito à sua forma literária, eles não podem ser tão marcadamente diferentes à luz do fundamento hermenêutico que o temor do Senhor é o princípio de todo o conhecimento (1:7; 9:10). No entanto, como apontado acima, Schipper muitas vezes também está preparado para considerar agrupamentos de provérbios por meio de palavras-chave, recursos estruturais e outras técnicas, de modo que ele não pode, de forma alguma, ser considerado um comentarista encadeado.
38
McKane ([1970] 1977, 11. Cf. Scoralick (1995, 35-37). 40 Schipper (2018, 600-602). Isso também é interessante quando se considera que McKane considera irrelevante a ideia de grupos de provérbios, enquanto grupos são importante para Schipper.39
Introdução
13
2.2.2 Grupos de Provérbios na Literatura de Frases No que diz respeito à questão das conexões entre ditos, pesquisas recentes sobre Provérbios, por outro lado, produziram muitos estudos que defendem a abordagem oposta. Os autores que enfatizam conexões entre provérbios têm um precursor em Philipp Melanchthon, que notou nos primeiros anos da Reforma (algum tempo antes de 1529) que a colocação de provérbios específicos adjacentes a outros não pode ser explicada satisfatoriamente por coincidência. Ele tinha um interesse especial no Livro dos Provérbios e muitas vezes dedicou palestras exegéticas ao livro, cujas notas foram preservadas e muitas vezes revisadas.41 Em uma delas, publicada em 1529, Melanchthon afirmou,42 Posteriores duo versiculi interpretantur superiores. Saepe enim Salomon tradita sententia paulo obscuriore subicit aliquanto minus obscuram, qua superiorem velut interpretetur. (A última das duas linhas interpreta a primeira. Pois, para um ditado transmitido de maneira um tanto obscura, Salomão frequentemente atribui um consideravelmente menos obscuro, após o qual o que está em primeiro lugar pode ser interpretado.)
Para Melanchthon, o autor (Salomão) aplicou métodos de composição para organizar a forma literária da antologia. Isso envolveu a adição de provérbios “menos obscuros” aos “obscuros”, de modo que os provérbios difíceis pudessem ser elucidados pelos mais fáceis que se seguem. Melanchthon faz sua declaração como uma observação no nível puramente literário, mas ressoa bem com o que se tornou cada vez mais significativo na tradição interpretativa da Reforma, viz. o lema, Scriptura sacra sui ipsius interpres (a Sagrada Escritura é seu próprio intérprete). ocorrem, mas em seu caso a ênfase difere marcadamente. Ela recai sobre a coerência, o apego e a unidade dos dizeres e não sobre o seu isolamento, distanciamento ou fragmentação. De certa forma, esse estado de coisas é refletido pelo trabalho de Gustav Boström,44 que estudou o que chamou de “paronomásia” nos provérbios. Em seu uso, o termo se refere a todos os tipos de jogo de som, incluindo aliteração, assonância e rima.45 Embora 41
Ver Stupperich (1975, 21-34). Melanchthon (1529, 345); isso se refere às notas para seu segundo semestre de palestras sobre Provérbios, realizadas em 1527-1528 e publicadas em 1529 (Kuropka [2002, 106]); não deve ser confundido com seu comentário sobre os Provérbios de 1550, citado neste volume. 43 No entanto, o axioma é mais antigo que a Reforma e já foi usado por Tomás de Aquino (c. 1225-1274); ver Bretzke (2003, 127). 44 Boström (1928, passim) – em sueco; apenas com dificuldade acessível a mim e, portanto, na maioria das vezes citado indiretamente. 45 Normalmente, o termo “paronomásia” não é usado para incluir semelhanças externas como rima, mas para indicar o jogo de sons com relevância para o significado, isto é, um jogo de palavras que pode ser efetuado pelo uso de homônimos e similares; cf. Wagenknecht ([2003] 2007, 864-867). 42
14
Introdução
este estudo tem sido amplamente citado, seu interesse central não é a disposição dos provérbios em grupos, mas sim o poder que o som tem de expressar uma determinada forma de pensar. No entanto, a ideia de ligações sonoras entre provérbios tornou-se um critério para a identificação de unidades e contextos compositivos. Em uma pequena dissertação de doutorado de 95 páginas, Udo Skladny forneceu outro incentivo para o estudo de grupos coerentes.46 Sua análise dos provérbios começando em 10:1 afirma que semelhanças estilísticas e temáticas podem ser encontradas dentro de divisões específicas do livro. Em Provérbios 10–15 (sua “Coleção A”) ele encontra um paralelismo principalmente antitético expressando uma sabedoria ética sobre o “justo” e o “ímpio”, no qual é expresso um nexo de caráter e consequência, em vez de ação e consequência.47 Em 16:1–22:16 (sua “Coleção B”) os paralelismos de acordo com Skladny são principalmente sinônimos e “sintéticos”, a sabedoria é menos ética, mais preocupada com a sociedade, destinada a funcionários, enquanto o nexo ação-consequência como bem como as preocupações práticas são mais proeminentes.48 A “Coleção C” (25-27) de Skladny contém mais advertências e comparações e grupos temáticos menores principalmente para pessoas simples.49 Na “Coleção D” (28-29) ele encontra semelhanças com A, uma vez que o nexo de caráter ou atitude geral e consequência, o interesse nos tipos “justo” e “perverso”, bem como paralelismos antitéticos, tornam-se proeminentes novamente. Skladny assim articulou o caso contra um agrupamento “quer queira quer não” de provérbios. Embora os detalhes nem sempre sejam convincentes,50 Skladny tem a particularidade de produzir uma tese de doutorado que se tornou uma referência clássica nos estudos sapienciais (embora nunca tenha desenvolvido mais suas pesquisas). Retomando o estudo de Boström, Hans-Jürgen Hermisson desenvolve ainda mais a ideia de links via paronomásia. Segundo ele, é surpreendente que Boström pudesse notar uma conexão entre paronomásia e padrões de pensamento dentro dos próprios ditos individuais, mas não entre eles.51 Ele limita sua investigação a Prov 10–15 e, além da paronomásia, aplica critérios como palavras-chave e associações temáticas para concluir que existem grupos relativamente curtos de ditos nesses capítulos. Ele enfatiza que esta não é uma ordenação sistemática, mas “demonstra em princípio que os elementos de ordem dentro das coleções de provérbios superam o 46 Skladny (1961); a dissertação na verdade data de 1959, mas só foi publicada vários anos depois. 47 Skladny (1961, 21-24). 48 Skladny (1961, 40-46). 49 Skladny (1961, 55-57). 50 Por exemplo, quando os ditos em B podem conter o mesmo impacto ético que em A (cf. provérbios individuais como 16:8 e 10:2, ou agrupamentos como 16:10-15 e 14:27-28). 51 Hermisson (1968, 171-172).
Introdução
15
confusão confusa.”52 Sua conclusão geral é que o único provérbio deve primeiro ser interpretado por si só e então ser verificado quanto a possíveis contribuições para seu significado por outros provérbios relacionados.53 Uma proposta inovadora, feita nos anos quarenta e mantida em os anos setenta por Patrick Skehan, não encontrou seguidores, mas ainda mantém uma presença na literatura acadêmica.54 A tese de Skehan é que todo o Livro de Provérbios foi reunido por um único editor. Ele acha que todo o livro é projetado em colunas no modelo arquitetônico de uma casa, que lembra a Casa da Sabedoria em Prov 9:1, onde a referência aos sete pilares é interpretada literalmente por Skehan.55 As principais objeções à tese são que Skehan tem que reorganizar várias partes do texto para manter suas colunas, que a gematria que supostamente apóia a tese não é convincente,56 que linhas de comprimento variável são consideradas para caber no mesmo comprimento de espaço disponível para colunas simétricas, e que arranjos artísticos de livros em colunas desse tipo só são conhecidos de tempos muito posteriores.57 Um dos proeminentes estudiosos da sapiência das décadas de 1970 a 1990, Norman Whybray, apresentou uma variação interessante da ideia de composição intencional. De acordo com ele,58 os ditos de Yahweh em 10:1–22:16 foram deliberadamente posicionados onde estão agora a fim de fornecer um contexto teológico para os ditos que soam menos teologicamente. Isso permite ao leitor interpretar os provérbios menos teológicos à luz dos teológicos estrategicamente colocados. Uma vez que se tornou insustentável sustentar a visão mais antiga de que uma fase “secular” inicial foi “teologizada” em uma fase posterior de desenvolvimento sapiencial, a tese de Whybray propunha, com efeito, explicar a polaridade secular-religiosa percebida e, simultaneamente, responder à pergunta se contextos propositalmente editados podem ser discernidos no cap. 10 em diante.59 A outra coleção principal do livro (minha Divisão V) também foi examinada em busca de unidades poéticas. Usando crítica retórica e métodos estruturalistas, Raymond van Leeuwen defende a presença de poemas proverbiais em 52
Hermisson (1968, 179). Hermisson (1968, 182); veja o comentário em 10:15. 54 Skehan (1948, revisado: 1971, 15-26; 1967, revisado: 1971, 27-45). 55 Skehan (1947, 190-198); o suporte para sua interpretação dos pilares mencionados em 9:1 como colunas do livro veio de Tournay (1973, 130), mas a ideia já havia sido esboçada no século 19 por Ferdinand Hitzig; cf. a discussão no vol. I, 383. 56 Por exemplo, ele precisa de uma emenda textual de חזקיהto (יחזקיה25:1) para fazer a gematria do nome corresponder ao número de versos em 25-29. 57 Ver mais Waltke (2004, 9-10) e Fox (2009, 481-482). 58 Whybray (1979, 153-165); esta é uma visão cuja essência ele manteve, embora com modificações, até seu comentário, que foi publicado em 1994 (cf. Whybray 1994, 152). 59 Outros estudiosos chegaram a resultados comparáveis, a saber, Scott (1972, 146-165) e Sæbø (1986, 99-106); cf. Scoralick (1995, 132) e Waltke (2004, 18). 53
16
Introdução
Pv 25 e 26.60 Em 25:2-27 ele encontra um “poema provérbio” sobre o tema da posição social e do conflito social contido em uma clara inclusão nos versículos 2 e 27.61 Enquanto 26:1-12 é uma coleção de ditos sobre o tolo , as associações internas na passagem enriquecem o significado para se tornar um “tratado” sobre a verdadeira sabedoria. Novamente, em sua opinião, 26:13-16 é um pequeno grupo de ditos sobre o preguiçoso, mas 26:17-28 e 27:23-27 são poemas unificados. Van Leeuwen concede que 27:1-22 é uma “coleção solta”, mas conclui que isso confirma o “alto grau de unidade literária” nas outras partes examinadas.62 Outra contribuição veio de Ted Hildebrandt, que aplicou critérios linguísticos e estilísticos63 para identificar 62 pares de provérbios em Provérbios 10–29.64 Esses pares são grupos que provam o caráter composicional em oposição ao agrupamento “voluntário” de provérbios em coleções. “Portanto, o 'par proverbial' é proposto como uma forma literária que evidencia a habilidade literária e editorial dos colecionadores proverbiais (Pv 25:1).”65 Ele discute cinco exemplos, mas também dá uma lista completa dos pares. como as outras “unidades unidas”.66 Ele também considera se tais pares fazem parte de agrupamentos maiores com os versículos que os precedem e se juntam a eles e afirma que esse é o caso em vários casos. Achando que o par proverbial é “um elemento molecular no nível da coleção” na transição “da sentença proverbial atomística para a coleção proverbial”,67 ele defende o exame de Provérbios da perspectiva da coleção, bem como da perspectiva sentencial. A deixa oferecida por Hermisson no mundo de língua alemã foi desenvolvida no trabalho de Jutta Krispenz sobre o que chamei de Divisões I e V. encontrando vários deles em todos os capítulos, exceto os caps. 14, 17, 19 e 29. Seu resultado e forma de obtê-lo são criticados moderadamente por Waltke e severamente por Scoralick (ver abaixo). Mesmo que o presente comentário possa chegar a resultados e conclusões diferentes, Krispenz deve ser elogiado por reconhecer que, se os grupos de provérbios devem ser levados a sério como entidades composicionais, eles devem ter mais do que conexões superficiais e devem ser unidades em termos de significado. 60
Van Leeuwen (1988); a dissertação foi concluída em 1984 e publicada em 1988. Para este capítulo, Van Leeuwen se baseia em observações feitas pela primeira vez por G.E. Bryce (1972, 145-157), que usou uma abordagem estruturalista para afirmar que 25:2-27 é uma unidade literária. 62 Van Leeuwen (1988, 125). 63 Hildebrandt chama esses níveis de “níveis” de sua metodologia, ou seja, “fonética, sintática, semântica, retórica, pragmática e temática” (1988, 209). 64 Não apenas em 10:1–22:16, como diz Waltke (2004, 18). 65 Hildebrandt (1988, 208); cf. as observações acima sobre J.M. Thompson. 66 Hildebrandt (1988, 208-218). 67 Hildebrandt (1988, 224). 68 Krispenz (1989); a dissertação foi concluída em 1988, vinte anos após a publicação do estudo seminal de Hermisson, mas publicado em 1989. 61
Introdução
17
Embora reconheça a importância do trabalho de Hermisson, Ruth Scoralick acha seus resultados muito vagos. Segundo ela, Hermisson não fez nenhum progresso real desde o trabalho dos comentaristas do século XIX, tendo em vista que alguns deles também concederam elementos formais compartilhados por ditos, enquanto por sua vez Hermisson insiste que os agrupamentos não são sistemáticos.69 Sua veredicto bastante abrangente assume que apenas a pesquisa que apresenta uma “explicação” consistentemente sistemática (“Deutung”) para as relações entre provérbios é um progresso. Não surpreendentemente, Scoralick é criticado por isso por Scherer,70 que avalia o trabalho de Hermisson como “um esforço concentrado para demonstrar as relações entre os ditos individuais em Prov 10-15”. De fato, Hermisson forneceu um ponto de vantagem a partir do qual ela poderia trabalhar em seu próprio exame de Pv 10-15. Ela usa paronomásia, palavras de ordem e reinterpretações teológicas para isolar cinco segmentos de texto (10:1–11:7; 11:8–12:13; 12:14–13:13; 13:14–14:27; 14:28 –15:32). No entanto, “nem sempre o significado ou o tema dos ditos é favorável à divisão com base em características literárias”. material.”72 Embora Waltke esteja certo ao dizer que “ela não fez nenhuma tentativa de mostrar a unidade do material dentro dessa ampla estrutura,”73 Scoralick contribuiu substancialmente para a crescente percepção de que o aspecto compositivo do Livro de Provérbios não pode ser ignorado . Outra entre as inúmeras dissertações de doutorado que impactaram significativamente o estudo de Provérbios é a de Knut Martin Heim.74 Ele propõe a teoria de que a maneira como os provérbios são lidos varia de acordo com a consciência dos leitores sobre a organização editorial. Aqueles que lêem sem tal consciência podem ler os provérbios atomisticamente e aplicá-los de muitas maneiras. Aqueles que percebem a atividade redacional podem reconhecer que os provérbios são agrupados pelo editor (de Pv 10:1–22:16) de modo a criar contextos conducentes à compreensão dos ditos individuais com um significado enriquecido. Usando critérios linguísticos e estilísticos como a sintaxe e especialmente a repetição de, entre outros, sons e tônicas, ele divide 10:1–22:16 em quatro grupos e vários menores 69
Scoralick (1995, 120). Scherer (1999, 20). Scoralick não é avesso à terminologia crítica severa, por exemplo, autores que “se afogam” em seus próprios dados ou oferecem explicações “fantasiosas” (1999, 126); contraste a maneira irênica com que Waltke (2004, 18) reage às mesmas questões e estudiosos. 71 Murphy (1998, 64; itálico no original). 72 Heim (2001, 58; itálicos meus). Ele fornece uma crítica completa de Scoralick, incluindo seu uso original de repetições (Scoralick [1995, 156-159]) com aplicações nas análises da Parte B de seu livro [1995, 160ff.]). Ela não pôde consultar o estudo detalhado de repetições de Snell, publicado logo após a conclusão de sua própria dissertação (Snell 1993), mas o de Grintz (1968, 243-269) estava disponível muito antes disso. 73 Waltke (2004, 20); cf. em detalhe Heim (2001, 51-59). 74 Heim (2001; o original data de 1996). 70
18
Introdução
grupos dentro de cada um.75 Os grupos não devem ser vistos como marcadores de divisão entre passagens poéticas cuidadosamente estruturadas, mas como grupos de ditos individuais ligados uns aos outros como uvas individuais são ligadas por ramos em um cacho. Eles podem, de fato, ser lidos individualmente e em qualquer sequência, mas devem ser lidos em conjunto. “Essa leitura conjunta permite inferências e referências cruzadas que levam a uma fertilização cruzada e interanimação de significado por meio da combinação criativa das verdades comuns e da linguagem emotiva de todos os membros do grupo.”76 Esse é o atrativo aspecto da obra impressionante de Heim, e também o aspecto questionado por Fox, que usa a metáfora de joias em vez de uvas em sua pergunta retórica: ou dividido em pequenas pilhas organizadas?”77 Uma resposta possível poderia ser que a falta de desenhos simétricos e unidades bem organizadas não importaria muito, mas isso não significa que, naqueles lugares onde tipos semelhantes de diamantes, rubis, safiras ou esmeraldas de fato associados (mesmo que as “pilhas” não sejam tão “limpas”), o leitor pode ver isso como “combinações criativas” feitas pelo editor intencionalmente ou não. No entanto, Heim parece trabalhar com a suposição de que o único contexto literário real dos provérbios é aquele encontrado em grupos cuidadosamente estruturados.78 Como argumentarei abaixo – e o próprio comentário irá ilustrar – o fluxo de ditos não é tão suave suposto pela suposição de que grupos primorosamente construídos são um pré-requisito para ler os provérbios “no contexto”. Com base no trabalho de Hermisson, Krispenz e Scoralick, o trabalho de doutorado de Andreas Scherer deu mais um passo adiante no tópico em seu estudo de 10:1–22:16. Além da paronomásia e dos slogans, ele também trabalha com campos de palavras e tenta definir grupos de provérbios. Ao contrário de Scoralick, ele argumenta que a inter-relação entre provérbios envolve mais do que padrões estruturais e também inclui conexões temáticas significativas. Ele encontra treze unidades em 10:1–22:16, as mais longas das quais geralmente têm categorias didáticas e religiosas em seus primórdios.79 De acordo com Scherer, elas fornecem lemas para estabelecer estruturas interpretativas. Sua tese é que as múltiplas perspectivas entre os provérbios são assim associadas de forma a mostrar a reciprocidade da educação e da fé religiosa. Na estrutura de sua investigação do contexto social em Pv 10:1–22:16, Katharine Dell também presta atenção aos agrupamentos entre os ditos. 75 Heim (2001, 111ss.; [Prov. 10:1–13:25]; 171ss. [Prov. 14-16]; 225ss. [Prov. 17:1–20:4]; 271ss. [Prov. 20:5–22 :16]). 76 Heim (2001, 107). 77 Fox (2009, 481); cf. também a crítica no estilo semelhante de perguntas retóricas usadas na resenha do livro de Heim por Steinmann (2002, 548-549). Por outro lado, Lucas (2015, 15-21) fornece uma defesa cautelosa do princípio do agrupamento de Heim. 78 Cfr. Steinmann (2002, 548-549). 79 Scherer (1999, 334-337).
Introdução
19
Embora em sua opinião “conjuntos de material... em critérios temáticos” sejam importantes, ela pensa (ao contrário de Heim) que a unidade não é a característica identificadora desses capítulos, mas muito pelo contrário, notadamente “fragmentação que revela agrupamentos orais”. 80 Em sua opinião, isso pode ser devido à utilidade dos agrupamentos temáticos orais em uma sociedade que precisava memorizar muito, o que, novamente, pode sugerir que a teoria dos agrupamentos de Heim (ver acima) aponta para um “estágio intermediário” entre os agrupamentos orais e eles estarem comprometidos com a escrita. De qualquer forma, sua conclusão é importante, a saber (a) que existem clusters ou grupos temáticos e (b) que a característica geral de identificação é a fragmentação que revela clusters. Implica que a presença de agrupamentos não exclua a presença da diversidade, mesmo ao ponto da fragmentação. Um artigo hebraico de Jehoshua Grintz só começou a exercer uma influência mais ampla quando foi republicado em inglês. uma relação com a questão da atividade redacional na ordenação dos provérbios. Snell, com base na obra de Grintz, usa o fenômeno de frases e ditos repetidos no livro como critério para a montagem do livro. Suas conclusões confirmam algumas das de Grintz sobre as conexões entre as divisões abrangentes do livro83 e negam ou negam parcialmente outras. O resultado é, como o próprio Snell conclui, uma “incerteza”, mas suas análises meticulosas se mostram muito úteis para uma investigação detalhada, mesmo que ele negligencie outros critérios, como tema e estilo. A visão de que há unidades composicionais significativas no livro já havia sido colocada em prática em comentários antes da enxurrada de estudos publicados na década de noventa. O mais proeminente e consistente deles é o comentário em dois volumes de Arndt Meinhold (1991).84 Ele consistentemente identifica unidades de ditos que, em sua opinião, são coerentes em virtude de seu tema. Apenas em muito poucos casos ele reconhece versículos isolados (10:22; 14:4; 16:16; dois “provérbios de enquadramento” em 22:15 e 16 e dois “provérbios de estruturação” em 28:1 e 29:27). Esta posição e sua aplicação podem ser melhor respondidas em lugares apropriados no próprio comentário.
80
Dell (2006, 63-64). Grintz (1968, 243-269); Tradução para o inglês por D.C. Snell (1993, 87-114). 82 Snell (1993). 83 Estas são as conexões ou falta de conexões entre Pv 1-9 e 10:1–22:16; entre 1-9 e 22:17–23:11, bem como 23:12–24:22; entre 1-9 e 25-27; entre 10:1–22:16 e 22:17–24:34; entre 25-29 e 22:17-24:34. 84 Cfr. também o comentário de Plöger (1984), no qual ele lê os provérbios individuais por direito próprio, mas também encontra alguns agrupamentos de provérbios, principalmente pares (por exemplo, 10:2-3, 24-25, 31-32; 11:10 -11; 21:31-32) e unidades relativamente curtas (por exemplo, 11:3-6, 12-14; 12:13-23; 16:21-24; 18:6-8). 81
20
Introdução
Um expoente rigorosamente consistente da tese da composição é Hans Fuhs, que expôs suas ideias em dois comentários em 2001.85 Sua tese principal incide diretamente sobre a questão da composição. Como o livro como um todo é uma unidade, ele foi cuidadosamente composto. Existem alguns sinais de alguma redação, mas o livro como tal foi composto por um autor com base em um conceito unificado (“geschlossene Konzeption”), que é a ordenação da sociedade com base em uma síntese de fé e sabedoria. Portanto, Fuhs também encontra os ditos individuais cuidadosamente ordenados. Ele é sensível a características literárias, figuras de estilo e afins, mas estes não são tanto critérios para sua ideia de uma composição unificada – a suposição a partir da qual ele trabalha é seu verdadeiro critério – quanto ilustrações dessa unidade conceitual. Christopher Ansberry também procede da suposição subjacente ao trabalho de Fuhs, mas seu estudo original da unidade literária do livro segue em outra direção. Ele não desenvolve o debate sobre clusters ou agrupamentos em oposição a aforismos únicos, mas está interessado na “natureza e função das composições individuais dentro de sua Gestalt editorial final”. as divisões tradicionais do material” e tenta mostrar que as indicações espalhadas por eles atestam a função “cortês” do livro de educar meninos privilegiados no “paradigma deuteronômico de liderança”. 15:33), “intermediária” (Pv 16:1–22:16) e “vocacional” (Pv 22:17–24:34), todas as quais são “rudimentares” vis-à-vis “avançadas” ( Pv 28-29) e sabedoria “aplicada” (Pv 3031). O pressuposto a partir do qual trabalha leva a sério o contexto literário, o que por si só é significativo. Mas funciona sob outra suposição, viz. que educação de classe superior significa educação “cortês”, o que é uma suposição histórica altamente sugestiva. Isso se torna especialmente problemático à luz das datas pós-exílicas para várias fases da redação. Por mais interessante que seja a Gestalt final do livro – o que certamente é, por exemplo na perspectiva teológica – o argumento não contribui para o debate cluster/frase, nem pretende. O trabalho de Bernd Schipper foi discutido acima (Par. 2.2.1) em relação ao trabalho de McKane sobre classes ou categorias de provérbios. No entanto, ele deve ser mencionado em 2.2.2 novamente, uma vez que seu comentário principal não apenas discute os provérbios um por um, mas também presta muita atenção aos grupos e pares de provérbios. Alguns comentaristas defendem fortemente a unidade literária do livro, incluindo os ditos, mas depois os interpretam tematicamente. Para todos os outros 85 Fuhs (2001a, 2001b). O primeiro é um trabalho substancial e o outro uma versão mais curta dentro dos limites da série “Die Neue Echter Bibel”. 86 Ansberry (2011, 9); itálico no original. 87 Ansberry (2011, 188).
Introdução
21
diferenças, há uma curiosa semelhança entre o trabalho de Volz (cf. acima) e o comentário mais recente de Alan Moss. Moss começa do ponto de vista exatamente oposto, dando mais atenção “ao contexto das passagens dentro das seções do livro e dentro de todo o contexto educacional em desenvolvimento”. exige que ele cubra os mesmos capítulos várias vezes para comentar sobre diferentes temas à medida que surgem em outros versículos desses capítulos. Por exemplo, os caps. 10–22 são discutidos na medida em que contêm a ideia de fala,89 então os mesmos capítulos são trabalhados em outra rodada de comentários sobre pobreza e prosperidade,90 e mais uma vez – embora mais curtos – sobre o tema da alegria e tristeza.91 Embora seja importante para Moss que o livro seja visto como um arranjo literário simétrico, seu resultado líquido de temas e sua interpretação parece não ser necessariamente nem essencialmente determinado pela ênfase na unidade e composição literária. padrões de malha, é preciso prestar atenção ao aviso de Fox93 de que, em termos do princípio de Rorschach, alguém necessariamente conseguirá vê-los ou “defini-los à existência”. 2.2.3 Uma moeda de duas faces Este comentário aplicará o que pode ser chamado de abordagem de duas faces. Isso não significa uma simples abordagem aditiva segundo a qual se evita uma decisão à medida que se procede. Pelo contrário, conta com a minha compreensão de um princípio fundamental que rege a série Comentário Histórico do Antigo Testamento. Tanto o aspecto literário quanto o histórico da análise do texto hebraico diante de nós94 são levados em consideração. Para o Livro dos Provérbios, envolve uma aplicação da relevância literária de uma abordagem histórica, ou seja, que a dimensão original de provérbios individuais em seus 88
Musgo (2015, 2). Moss (2015, 79-87). 90 Musgo (2015, 87-93). 91 Moss (2015, 93-95). 92 Cfr. o comentário de Richard Clifford ao qual já me referi acima. Ele reconhece a existência de agrupamentos literários de provérbios, mas na prática os ignora em sua exegese dos ditados individuais (por exemplo, 11:3-6). No entanto, ele não agrupa os ditos de 10:1–22:16 em grupos temáticos próprios com o propósito de interpretar seus conteúdos, como fazem Volz e Moss. Clifford suspeita que “[a] estrutura pode muito bem ser um sistema de ‘marcas do construtor’ concebido por editores, em vez de um sistema destinado a comunicar aos leitores” (Clifford [1999, 111]). O que eles marcariam, com que finalidade e com que significado, não está claro. 93 Fox (2009, 481). Sobre o princípio de Rorschach, cf. abaixo, a Introdução à Exegese do capítulo 12. 94 “Histórico” não é, portanto, entendido como pertencente apenas aos eventos históricos extratextuais referidos no texto ou como material de fundo, mas principalmente ao crescimento histórico do texto, especificamente o dimensão diacrônica de sua redação. 89
22
Introdução
próprios pés95, bem como a dimensão posterior dos provérbios que posteriormente foram reunidos – seja em grupos ou em todo tipo de pensamento associativo, como contrastes instigantes (por exemplo, 26:4-5), corretivos (por exemplo, 14:12 após 14:11) ou mesmo como um livro inteiro. Em ambos os níveis, o provérbio deve ser interpretado sincronicamente,96 isto é, como está em um ponto particular da história de seu uso. A dimensão diacrônica, ou seja, como uma se posiciona em relação à outra, se/como a anterior foi modificada pelo desenvolvimento subsequente e se/como as diferentes fases amplificam o significado umas das outras, só pode ser apreciada quando o caráter literário de todas as fases identificáveis estágios no crescimento do texto foram levados a sério. De qualquer forma, a interpretação deve estar aberta a todas as possibilidades; não se deve presumir que os contextos de provérbios são intimamente ligados e, portanto, necessariamente influenciam os provérbios individuais envolvidos, nem essas possibilidades devem ser excluídas em princípio. Onde os relacionamentos são indiscutivelmente presentes, eles devem ser considerados seriamente. Mas eu sugeriria que o interesse primário deveria ser o provérbio individual, devido à sua “autocontenção” e caráter aforístico como “um lampejo de compreensão”, significando que “nenhum sistema total é alcançado”. A pesquisa dada acima mostra uma tendência entre os estudiosos (mesmo estudiosos céticos em relação a designs sofisticados) de associar certos provérbios a outros por meio de similaridade no material temático, mas também por meio de critérios formais, como padrões de palavras, padrões de som ou palavras-chave. O ponto discutível é o peso a ser atribuído a tais associações, ou seja, se tais arranjos são significativos para “trazer à tona o significado adequado” (para usar a expressão de Weeks). Vimos acima que Weeks não nega, em princípio, o significado semântico da proximidade estrutural,98 mas afirma que o redator estava “mais interessado” na associação externa de provérbios do que em mostrar qualquer “significado adequado” por meio da linguagem formal. alinhamento e organização de provérbios. Sem reivindicar a capacidade de ler a mente do redator, este parece um pronunciamento razoável para mim. No nível da intenção redacional (na verdade, nossa reconstrução dela), significa que o redator não excluiu o(s) significado(s) dos provérbios individuais em 95
Que este é o ponto de partida, é lógico à luz do caráter aforístico da maioria dos provérbios do cap. 10 em diante. Em sua forma comprimida de expressão, o provérbio individual de fato se apresenta como “um momento de insight, um lampejo de compreensão de algum insight universal”, como coloca Millar (2020, 37). Portanto, é lógico fazer dessa pequena unidade autocontida um ponto de partida. 96 O termo “sincrônico” não deve ser tomado como equivalente a “a-crônico”. O primeiro refere-se a um texto como ele se apresenta em um determinado momento, o segundo a trabalhar independentemente da dimensão do tempo e “diacrônico” à dimensão do desenvolvimento ao longo do tempo. 97 Esta frase diz basicamente o mesmo que a formulação em meu manuscrito original, mas pouco antes de ir para a imprensa agora foi imbuída de palavras e frases pelas quais devo agradecer à Dra. Suzanne Millar (2020, 36, 193). 98 semanas ([1994] 2007, 39).
Introdução
23
favor do significado “real” carregado pelo posicionamento dos dizeres. Nem o redator, a meu ver, privilegiou o primeiro em detrimento do segundo. Assim, Hermisson estava certo: primeiro o único provérbio, depois uma verificação para ver se outros provérbios contribuem com uma dimensão adicional.99 Isso também significa que o papel do leitor deve ser respeitado; o leitor tem que aceitar a responsabilidade de levar em conta ambos os níveis e fundamentar cada leitura em seu próprio direito. Com algumas exceções, o agrupamento dos ditos do cap. 10 em diante não é tão estreitamente entrelaçado quanto os poemas completamente estruturados nos caps. 1–9. Freqüentemente, eles podem realmente ser lidos no nível do provérbio individual, bem como no nível de seu contexto entre os provérbios circundantes.100 Pode ser útil pensar em termos de "ligações associativas" entre os provérbios, conforme sugerido por Weeks e Fox .101 Pode haver cadeias de associações de verso a verso sem que o mesmo tema percorra todos eles. Mas também pode haver “mais do que simples associação no trabalho”, como admite Weeks, citando 25:4-5 como exemplo. Da mesma forma, a Fox também aceita tais séries temáticas, por ex. 26:1.3-12, que também contém um elemento associativo não temático no v. 2. Embora ele concorde que tais associações não são concebidas para trazer à tona os chamados significados “reais” ou “mais profundos”, ele adverte corretamente que, “quando temas clusters ocorrem, eles são relevantes para a interpretação”. Que o “pensamento associativo” certamente também pode implicar associações temáticas, mesmo em uma escala relativamente extensa, parece ser apoiado pela tradição sapiencial da onomástica. Textos onomásticos das tradições de sabedoria do Egito, Mesopotâmia e Israel são definidos como o encadeamento de listas de fenômenos que pertencem inerentemente, ou seja, tematicamente. Por exemplo, fenômenos aquáticos, tipos humanos ou características humanas etc. são agrupados em grupos associativos, indicando que existe uma ordem no mundo desconcertante. Esses textos não podem ser considerados como composições poéticas no sentido usual, mas mostram, no entanto, que a tradição sapiencial conhecia e frequentemente se baseava em configurações de cadeias de unidades relacionadas tematicamente umas com as outras. No Antigo Testamento, esse princípio é muitas vezes poetizado em composições como Jó 9:510; 26:5-14; 36:27–37:13; 37:14-24; 38–39; Qoh 3:2-8; Sl 8 e outros.102 Claro, isso não significa que alguém pode simplesmente apelar para tais sequências para declarar que as sequências aforísticas de 10:1 em diante são composições cuidadosas, mas sugere que a tradição sapiencial não é estranha aos textos escritos consistindo em cadeias de sequências/unidades aditivas, mas sensíveis. 99
Veja o parágrafo acima sobre Hermisson. Veja “Fundamentos e Perspectivas” em Pv 10:1–22:16. Para uma ilustração, veja a nota sobre “Variant Repetitions” no comentário sobre Pv 12:15-16. 101 semanas ([1994] 2007, 37-39); seus exemplos são 12:12-14; 14:35–15:2; 15:31-33. Fox (2009, 479-480) ilustra com 19:11-14. 102 Cfr. Loader (2001b, 5-8; 103-110), onde extensa literatura é citada. 100
24
Introdução
Para ilustrar meu ponto, uma comparação concreta pode ser feita cum grano salis com o efeito editorial de uma coleção de ensaios sobre, digamos, o aforismo no Journal for the Study of the Old Testament. O editor diz sobre esta coleção: “[a] força deste grupo de ensaios reside menos na coesão do que na diversidade”. Esses ensaios não são uma mistura aleatória de artigos não relacionados, mas um grupo editado. Isso se manifesta não apenas pelo fato de o editor os identificar como um “grupo” e, assim, implicar certa semelhança entre eles, mas também por compartilharem um interesse central, expresso no título da coleção, “Essays on the Art do Aforismo”. No entanto, o editor também identifica e enfatiza uma diversidade entre os artigos individuais, apesar da condição comum em que eles gravitam. Cada ensaio por direito próprio deve alertar o leitor para as “várias formas” em que a arte do aforismo pode se manifestar e em que os próprios aforismos podem ser lidos e compreendidos (admitindo que os ensaios sobre aforismos não são aforismos). A formulação editorial, “menos em coesão do que em diversidade”103 é bem escolhida, pois diz exatamente isso; há de fato uma coesão na coleção, mas a diversidade é mais saliente. Isso resume e ilustra minha visão da questão geral dos provérbios tanto no nível dos ditos individuais quanto no nível do contexto literário no qual eles foram editados – uma clara inter-relação, mas também uma multiplicidade igualmente clara. A questão dos agrupamentos redacionais e a relação dos provérbios individuais com eles estão, por sua vez, inter-relacionadas com a data e a proveniência dos materiais (cf. acima no trabalho de Katharine Dell), como veremos abaixo no Par. 4.
3. LINHA, PARALELISMO E RITMO Os três termos do título acima representam conceitos distintos, mas estreitamente inter-relacionados. Sendo poesia, os provérbios hebraicos não podem ser adequadamente experimentados nem compreendidos sem levar todos os três a sério. Isso já pode ser apreciado quando se tenta defini-los e descobre-se que eles estão tão estreitamente interligados que a descrição de um dificilmente pode ser dada sem recorrer ao outro. 3.1 Linha (= Stich) Desde o século 18, a tentativa de descrever as linhas do verso hebraico em termos semânticos foi altamente influente na erudição bíblica. A empreitada foi construída a partir do tratamento das linhas como unidades formadas por subunidades com “sinônimos”, 103
Fox e outros. (2004, 132), grifo meu.
Introdução
25
significados “antitéticos” ou “sintéticos”.104 Embora esta abordagem basicamente implique que o uso paralelo de significados determina o que são as linhas, outras abordagens foram baseadas na contagem de sílabas105 ou na análise da gramática, mais especificamente da sintaxe,106 para alcançar o mesmo propósito. Mas essas abordagens foram criticadas tanto por inconsistências quanto com referência à nossa falta de conhecimento sobre o caráter das vogais e sílabas no período pré-massorético, quando a poesia em questão se originou.107 Uma linha ou verso – não no sentido de um segmento numerado de um capítulo bíblico, mas verso “propriamente chamado” (Lowth) – é uma unidade poética definida por ritmo, sintaxe e paralelismo.108 Essa visão da unidade da poesia bíblica foi sucintamente descrita e fundamentada pelo prosodista hebraico Benjamin Hrushovski.109 Evitando atenção unilateral à semântica ou sintaxe e esforços para alinhar a poesia hebraica ao que se tornou um cânone de padrões classicistas derivados da poesia grega e latina, ele procede da “relação íntima, quase inseparável entre a semântica, sintática, e aspectos acentuais de seus padrões rítmicos de linguagem”. Nesta orientação fundamental Hrushovski é seguido por Alter,110 que é o que também aceito por causa de sua incorporação de ênfase/acentuação como o “principal elemento rítmico”111 com significado e sintaxe. Nesta base, uma linha é uma unidade “semântico-sintáctica-acentual” por meio da qual um poema é construído.112 Consiste principalmente em duas subunidades (às vezes mais), que podem ser determinadas pela sinergia de suas e organização rítmica, bem como o seu significado. Eu uso o termo “stich” para uma linha e “hemistich” para uma meia-linha ou verso,113 uma vez que esta terminologia é bem conhecida e não me parece trabalhar sob efeitos negativos apenas porque eles foram derivados da nomenclatura grega clássica. O princípio acróstico, onde cada linha (não todas as linhas) começa com a próxima letra do alfabeto, mostra que também era assim que uma linha/ponto era considerada em Provérbios, onde 104 Mais ou menos “equivalente”, “contrastante”, e “arredondamento” respectivamente. O pioneiro é Robert Lowth ([1787] 1835), cujas palestras clássicas De Sacra Poesi Hebraeorum foram dadas em Oxford de 1741-1753. 105 Por exemplo G. Bickell (1880, 557-563); D.K. Stuart (1976, passim), 106 E.g. Collins (1978, passim); O'Connor (1980, passim). 107 Cfr. a crítica geral de Alter ([1985] 2011, 1-3); também Watson ([1984] 2007, 107-108) sobre aspectos específicos, e a discussão estendida por Dobbs-Allsop (2015, 123-129). 108 Ver acima, Introdução, pp. 2-3. 109 Hrushovski (= Harshav) (2007, 598b). 110 Alter ([1985] 2011, 7). 111 Hrushovski (2007, 599a). 112 Cfr. Dobbs-Allsopp (2015, 123), que faz de “Linha” uma subseção de seu capítulo sobre “Os Ritmos Livres da Poesia Hebraica”. 113 A esse respeito, a terminologia usada no vol. I do comentário permanece o mesmo; cf. acima, par. 1; para um resumo das alternativas, cf. Watson (1994, 331-335); para uma ilustração, cf. Greenstein (1982, 41-79).
26
Introdução
ocorre nas vinte e duas linhas de 31:10-31.114 O mesmo alinhamento é encontrado em Qumran, de onde também temos evidências do posicionamento igual de duas unidades rítmicas paralelas a uma linha.115 Um ponto pode coincidir com um versículo bíblico ou pāsûq (e frequentemente o faz em Provérbios), mas não é necessariamente o caso. Geralmente consiste em duas unidades definidas por ritmo, sintaxe e paralelismo (um bistich116) e ocasionalmente de três dessas unidades (um tristich). Consequentemente, os termos “bistich” e “tristich” referem-se a um ponto contendo duas ou três dessas unidades e não a uma combinação de dois ou três pontos, respectivamente. 3.2 Paralelismo É um ponto bem conhecido que o paralelismo é “básico para” a poesia hebraica, o que é verdade. Mas torna-se enganoso se a afirmação pretende afirmar que o paralelismo é entendido apenas em termos semânticos, em outras palavras, que suas unidades devem ser “sinônimas” ou “antitéticas” ou “sintéticas” em significado. Linhas ou pontos terão então que consistir em uma segunda metade que repete o significado da primeira, contrasta com ela ou arredonda seu significado. Isso tem sido contestado de vários ângulos, e com razão. A maior contribuição de James Kugel a esse respeito é sua demonstração de que o segundo hemistich de um paralelismo “sinônimo” não apenas repete ou equilibra o primeiro, mas vai além dele e tem um efeito amplificador (frequentemente citado, “A é assim, e o que é mais, B”).117 Em diálogo com Kugel, vários estudiosos desenvolveram essa ideia, mesmo que em outros aspectos eles o critiquem severamente. Robert Alter118 aceita o princípio do segundo membro de um paralelismo “que vai além” do primeiro, mas, sob a influência de Hrushovski, o encara como um movimento de sentido que se intensifica, especifica ou focaliza, e deve ser entendido como uma manifestação de o ritmo livre da versificação bíblica. Em seu livro sobre a dinâmica do paralelismo de uma perspectiva lingüística, Adele Berlin presta muita atenção 114 Van Leeuwen (1997, 42), encontra o princípio alfabético nas vinte e duas linhas do cap. 2, embora neste caso apenas o número de linhas coincida com o número de letras do alfabeto (cf. também Pardee 1988). 115 4QProvb, contendo linhas de Prov 13, 14 e 15. Este fato mostra que a forma de linhas de provérbios representadas por edições críticas da Bíblia era conhecida em tempos pré-cristãos e representa uma concepção antiga do que é uma linha ou ponto poético. Portanto, essa forma de escrever o verso hebraico é chamada de “esticométrica”, isto é, as unidades rítmicas paralelas são escritas em uma linha e juntas formam um ponto. 116 Considerando que neste comentário “bistich” se refere a um stich consistindo de dois meio-stichs, alguns comentaristas usam o termo relacionado “distich”, mas o entendem como uma combinação de duas linhas (assim Oesterley, por exemplo, 1929, xi; cf. Toy [ 1899] 1914, ix). 117 Kugel ([1981] 1998, passim); cf. a discussão crítica em Watson (1994, 44-51) e Alter ([1985] 2011, 2-8). 118 Alter ([1985] 2011, 19).
Introdução
27
ao modo como as partes dos paralelismos estabelecem relações de equivalência e oposição. Suas ilustrações de desambiguação de um hemistich por um hemistich seguindo-o119 parecem frutíferas para mim e são aplicadas neste comentário em ambas as direções (A para B e vice-versa), particularmente no que diz respeito a lacunas ou elipses e o impacto da aparente falta de informação.120 Hrushovski121 considera o paralelismo como o “primeiro princípio que domina a poesia bíblica”. As unidades podem ser “paralelas entre si em um ou vários aspectos”, completas ou parciais, envolvendo um hemistich inteiro ou palavras individuais nele, na mesma ordem ou inversa. Pode envolver elementos semânticos, sintáticos, prosódicos, morfológicos ou sonoros. Pode de fato conter elementos sinônimos e antitéticos, mas também ser hierárquico. O ponto é que “nenhum elemento único – significado, sintaxe ou ênfase – pode ser considerado completamente dominante ou puramente concomitante”, e que estes podem mudar de verso para verso. Essa interação de princípios é o que Hrushovski chama de “ritmo livre”,122 mostrando que o paralelismo participa do ritmo tanto quanto o estresse. Isso nos leva ao último aspecto envolvido no sinergismo prosódico em discussão, a saber, a questão do ritmo. Mas primeiro, por conveniência, adiciono aqui um breve esboço de uma forma específica de paralelismo proeminente no Livro de Provérbios e já tratada no vol. I do comentário, notadamente o quiasmo.123 Embora também seja encontrado em textos em prosa, a figura do quiasmo ocorre com frequência na poesia, não menos no Livro dos Provérbios, e será freqüentemente apontada no comentário. Trata-se de um tropo literário em que o paralelismo se caracteriza fundamentalmente pela repetição invertida de seus elementos (A-B, B-A). O padrão básico pode aparecer de várias formas. Pode ocorrer em um ponto ou em um dístico, mas também pode abranger ou enquadrar um texto extenso (como no caso de 1:11, 18: דם- ארב seguido por ארב- ;דם cf. também 1:24-31). Pode até mesmo ser carregado por estrofes inteiras (por exemplo, 1:22-33) e conter outra extensão de 119
Berlim ([1985] 2008, 97-99). Fox (Fox et al. 2004, 165-177) fornece uma consideração completa do tópico, mostrando as várias maneiras pelas quais as informações ausentes podem ser fornecidas (premissas, conclusões ou ambas podem ser lacunas). Ele compara o fenômeno a uma espécie de entimema aristotélico (um silogismo no qual os elementos não são expressos) e chega a uma conclusão fundamentalmente consonante com a proposta por Berlin, viz. que os provérbios que contêm esse fenômeno nos aforismos “não apenas transmitem pacotes de verdades, mas também treinam o leitor em um modo de pensar: identificar comportamentos e associá-los às suas consequências. Em outras palavras, eles treinam o leitor a pensar como um sábio.” Essas contribuições são desenvolvidas criticamente em um grande estudo recente de Millar (2020, passim). Por outro lado, Greenstein (1982, 44) vê o paralelismo através de lentes geométricas como uma repetição de padrões sintáticos. 121 Hrushovski (2007, 598b-599a). 122 Outro aspecto do ritmo livre segue abaixo no Par. 3.3. 123 Ver vol. I, 76-77. 120
28
Introdução
quiasmo dentro dele (por exemplo, 1:24-31 dentro de 1:22-33). Um quiasmo pode ser formado pela repetição de palavras em ordem invertida (às vezes chamado antimetabole, quiasmo puro ou espelhado), mas também pode ser semântico (onde não as palavras exatas, mas seus significados são invertidos, por exemplo, substanciação-ameaça, ameaça-substanciação, como em 1:24-31), sintático (por exemplo, objeto-verbo, verbo-objeto, como em 1:13; o contrário em 1:29) ou estilístico (por exemplo, dístico-quadra, quadra-dístico, como em 1:22-33). Além disso, um padrão quiástico geralmente inclui um ou mais elementos adicionais às quatro unidades básicas (A-B-C, C-B-A, por exemplo, em 3:10; cf. também 8:21). Por outro lado, um padrão que consiste em apenas três elementos às vezes também é chamado de quiástico quando um é repetido de modo que envolve o outro (A-B-A, por exemplo, a angústia parental repetida organizada em torno do filho tolo em 17:25). Um padrão quiástico pode ter vários efeitos. Max Nänny124 lista as várias funções como reversão, equilíbrio, centralização, enquadramento e circulação. Em virtude de ser um padrão, o quiasma tem naturalmente um efeito integrador ou coesivo e une seus elementos ou o texto que enquadra (como em 1:11, 18 referido acima). O fenômeno formal da inversão chama a atenção para o equilíbrio do conteúdo, seja sinônimo ou antitético, por ex. respectivamente 2:20 e 3:33. O próprio caráter de tal cruzamento o torna especialmente adequado para sublinhar um contraste ou tensão no conteúdo (por exemplo, 10:11). Quando há mais do que quatro elementos básicos, um efeito de centralização pode ser alcançado (por exemplo, 3:10, onde a inversão repetitiva de verbo-recipiente-produto direciona o foco para o centro, que é a riqueza que pode ser desfrutada). Onde um elemento não repetido é colocado no meio de um quiasmo (às vezes chamado de padrão de pivô, como em A-B, C, B-A), o efeito é envolvente (por exemplo, o envolvimento do nome “Yahweh” pelo quiasma sintático do verbo-objeto, verbo-objeto em 15:25). Quando o constituinte não repetido não está centrado (por exemplo A, B-C, C-B) o efeito é enfatizado por isolamento (por exemplo 3:20, onde “seu conhecimento” cai fora do quiasma). Ambos os últimos padrões e suas variantes (como A, B-C; A, C-B em 2:2) às vezes também são chamados de quiasmas “parciais”, embora contenham um quiasma completo além do componente extra. Em suma: A função literária fundamental de um quiasma é chamar a atenção por meio de integração conspícua, por meio da qual pode servir a um estilo elevado, impressionar e auxiliar a memória. Seja dando expressão formal ao contraste e oposição ou enfatizando simetria e equilíbrio, os padrões quiasmáticos acentuam o conteúdo e, portanto, aumentam seu significado.125
124
Nänny (1988, 51-59). Para um tratamento exaustivo do tropo, veja o tratamento de Watson ([1984] 2007, 201-208; também 1994, 313-391, especialmente 328-389). 125
Introdução
29
3.3 Ritmo e métrica Na literatura acadêmica, os termos “métrica” e “ritmo” (e seus derivados) às vezes são usados com o mesmo significado. No vol. Neste comentário, também usei “metro” no sentido de “ritmo” descrito abaixo. " em vez de. Ritmo é o termo abrangente e se aplica à fala em geral, incluindo toda a poesia.128 Na verdade, aplica-se a todos os sons quando são repetitivos e ocorrem em um padrão, como na música, mesmo que o padrão não seja estrito. No entanto, a métrica se aplica apenas à poesia e o termo é usado para padrões fixos e repetitivos específicos de sílabas em textos poéticos. Línguas diferentes e até épocas poéticas da mesma língua diferem em seus sistemas métricos (por exemplo, poesia clássica em oposição à poesia latina medieval). as sílabas átonas em um ponto são determinadas.130 Enquanto os massoretas contavam tudo contável para salvaguardar a transmissão do texto, os poetas antigos cujos versos eles transmitiam não contavam as sílabas. O número de tensões em um hemistich não foi fixado. Normalmente, um acento é separado do outro por uma, duas ou três sílabas átonas. Ou, como diz Hrushovski131, “cada acento domina um grupo de 2, 3 ou 4 sílabas”. Exemplo: Um hemistich com três sílabas tônicas (marcadas ▪) pode conter sílabas átonas (marcadas ˇ) como segue:
126 O mesmo é frequentemente encontrado nas obras de poesia hebraica de Watson (por exemplo, 1994, 87-88, 91-93, 98ff. e passim; [1984] 2007, especialmente 91-92 para a antiga métrica semítica em geral; também 330f. e passim). 127 Isso está amplamente documentado na literatura referenciada aqui, mas tem origens anteriores, como exemplificado no slogan do século 19 na crítica literária alemã: “Metro não é nada, ritmo é tudo”. As duas perspectivas de metro e ritmo tornam-se observáveis ainda na antiguidade na formação de tradições opostas dos “metricistas” (μετρικοί, aqueles que privilegiavam uma visão estrutural das sílabas) e dos “ritmistas” (os ῥυθμικοί, aqueles que privilegiavam o elemento temporal de ritmo); cf. RLDLW II, 593. Em contraste, nenhum uso distintivo se aplica aos termos “hemistich” e “verset”, de modo que uma mudança na terminologia referente aos pontos e suas partes é desnecessária (veja acima, Par. 3.1). 128 Cfr. Dobbs-Allsopp (2015, 103): “A métrica aqui é um componente especializado (ou marcado) do fenômeno maior (não marcado) chamado ritmo”. 129 Na poesia clássica grega e latina, as sílabas são contadas de acordo com o arranjo de longas e curtas, enquanto na poesia inglesa elas são contadas de acordo com o arranjo de seus acentos. 130 A métrica silábica acentuada só aparece na poesia hebraica no final do século XIX (Hrushovski [2007, 617a]). A esse respeito, estudiosos que entendem “metro” puramente em termos quantitativos são justificados na afirmação de que não há metro na poesia hebraica clássica (por exemplo, Kugel [1981] 1998, 301; O'Connor [1980, 138] e Dobbs-Allsopp [ 2015, 99-102]). 131 Hrushovski (2007, 599b).
30
Introdução
10:6a berākōt
lerō'š ṣaddîq
ˇ ˇ ▪ ˇ ▪ ˇ unidade de estresse 1 s.u. 2
▪ s.u. 3
(Bênçãos vêm sobre a cabeça de um homem justo) unidades de ênfase: 3 sílabas tônicas separadas por 2, 1 e 1 sílaba átona
As sílabas átonas em um hemistich com quatro acentos podem se relacionar com as tônicas da seguinte maneira: 10:6b ufî rešācîm yekassê ḥāmās (mas a boca dos ímpios encobre a violência) 10:6b ˇ ▪ ˇ ˇ ▪ ˇ ˇ ▪ ˇ ▪ unidades de acento: 4 sílabas tônicas separadas por 1, 2, 2 s.u. 1
s.u. 2
s.u. 3
s.u.4
e 1 sílaba átona
O número de sílabas átonas entre os acentos é tão indeterminado quanto o número de acentos em um hemistich ou o agrupamento de acentos dentro de um ponto inteiro. Portanto, justifica-se chamar tudo isso de “ritmo livre”. Mas isso não significa que não haja um sistema para isso. A liberdade não é a antítese do sistema.132 Existem certos padrões típicos de acentos, como 3 acentos no primeiro mais 3 no segundo hemisfério, indicados como 3+3; além disso 3+4 ou 4+3, 3+2 ou 2+3, 4+4, 2+2+2 (em pontos com mais de dois hemistíquios) e vários outros, em todos os quais a ocorrência de tensões em duas sílabas imediatamente adjacentes são evitadas. Esses padrões, embora preenchidos por muitos arranjos diferentes de suas sílabas, são muito fortes. Portanto, juntamente com os aspectos semânticos e sintáticos discutidos acima, eles suportam o paralelismo. De fato, “[o] ritmo dos acentos maiores é tão forte que às vezes pode ser o único suporte do paralelismo de dois versos, sem nenhuma repetição real de significado ou sintaxe”. pode de fato ser entendido como indicando os padrões de acentuação poética independentemente do número de sílabas átonas em relação às tônicas, de modo que a questão se torna apenas uma questão de terminologia.134 Mas, de acordo com a tendência que se estabeleceu em estudos teóricos, 135 Decidi substituir os termos “metro” e “métrica” usados no Vol. I com os termos mais abrangentes “ritmo” e “rítmico”. Como mostra Hrushovski, o ritmo é um aspecto constitutivo da linha do verso hebraico e entrelaçado com as dimensões semântica e sintática. Portanto, é uma pena que esse aspecto seja negligenciado em muitos comentários sobre Provérbios (o datado, mas 132 Cf. também Collins (1978, 7), embora ele vá em outra direção. Dobbs-Allsopp (2015, 120-177) oferece uma análise completa discussão sobre “os ritmos livres da poesia bíblica”, muito mais do que pode nos ocupar aqui, mas inclui seções sobre ênfase, linha, sintaxe, paralelismo e significado – todos eles importantes para nossa visão geral. Cf. também Vance (2001, 519) 133 Hrushovski (2007, 599b) sobre o ritmo tanto na poesia quanto na prosa. Esse “ritmo” parece ser o que Park (2017, 431-433) chama de “métrica solta”. A palavra-chave é “às vezes” – em certos casos, qualquer um dos aspectos pode ser mais proeminente do que outros. 134 Veja as referências acima ao Vol. I e a Watson, que se refere a trabalhos anteriores sobre o assunto. Hrushovski e, sob sua influência, Alter ([1985] 2011, 5-8) e Dobbs-Allsopp (2015, 99-101).
Introdução
31
comentários ainda muito úteis de Toy e Gemser são exceções notáveis). Por isso, apresentarei regularmente minha opinião sobre a estrutura rítmica de uma linha (ou, em minha terminologia, um ponto).
4. A DATA E O AMBIENTE SOCIAL DO LIVRO E SEUS MATERIAIS DIVERSIFICADOS Questões gerais de datação das seções e da redação, e o contexto social foram discutidos na Introdução ao vol. I, respectivamente Par. 4 e Par. 5, bem como no Ensaio 1 (9-10; 15-19). Mas a datação dos próprios aforismos conforme ocorrem nos caps. 10-29 e a atividade redacional mais antiga envolvendo-os deve ser considerada como um problema em si. Os chamados provérbios reais seriam o ponto de partida natural porque sugerem um contexto em que a monarquia ainda estava intacta. Os ditados que se referem ao rei, à etiqueta da corte e aos perigos reais de estar na corte supõem o tempo da monarquia de Israel (antes de 586 AEC). Eles oferecem conselhos ao rei ou ao próprio futuro rei (por exemplo, 28:16; 20:26, 28; 29:4, 12, 14). De acordo com Weeks,136 tais ditos não provam necessariamente tal data para aqueles provérbios. É imaginável que o rei pudesse ser um monarca estrangeiro cujos súditos os israelitas se tornassem. Mas várias coisas tornam isso improvável. A menção dos “homens do rei” que coletaram e editaram provérbios (25:1) refere-se a um projeto editorial real da corte de Jerusalém ou, pelo menos, a uma consciência de tais atividades sapienciais antes do fim da monarquia. Além disso, alguns ditos revelam uma viva auto-estima dos conselheiros reais (por exemplo, 11:14; 15:22; 20:18; 24:6), o que só faz sentido se realmente houvesse sábios ativos que serviam à corte ensinando e aconselhando a sabedoria de Israel, o que dificilmente seria compreensível no contexto de um tribunal estrangeiro. Por essas razões, é mais provável que tais provérbios venham do Israel monárquico.137 Fox estende o argumento em dois aspectos. Primeiro, ele mostra138 que, se os provérbios reais devem ser datados em tempos pré-exílicos, o mesmo deve se aplicar aos outros ditos nos caps. 10-29 (sem negar que exceções ocorrem). Uma vez que as muitas referências ao rei estão espalhadas ao longo destes capítulos, e uma vez que ocorrem em ditos que não diferem linguística nem estilisticamente de ditos não reais, estes últimos devem datar da mesma época, provavelmente do século VII, talvez começando ainda antes. Em segundo lugar, ele demonstra 139 136
Semanas ([1994] 2007, 52-53). Da mesma forma Scoralick (1995, 1). Ela acha que “algo pode ser dito” sobre a probabilidade de que não apenas Chaps. 25-29, mas também 10:1–22:16 contém material pré-exílico; cf. Schwienhorst Schönberger (2008, 376). 138 Fox (2009, 503). 139 Fox (2009, 504-506). 137
32
Introdução
que a convergência da evidência lingüística apóia uma datação pré-exílica. Com base em extensos estudos linguísticos, ele mostra que várias características do hebraico bíblico clássico (= pré-exílico) são encontradas nos provérbios, mas nenhuma do hebraico bíblico tardio. As características pré-exílicas são: Preferência pelo sufixo verbal sobre a nota accusativi com sufixo. O uso assertivo אְך. ַ Uso do infinitivo absoluto como imperativo. Uso do infinitivo absoluto como gerúndio. A ordem do par ֶכּ ֶסף וְ זָ ָהב em oposição ao hebraico tardio זָ ָהב וְ ֶכ ֶסף.
É improvável que ditos isolados contendo tais características dos tempos pré-exílicos tenham sobrevivido aos eventos catastróficos do exílio em seu estado isolado como tantos provérbios individuais. Portanto, os primeiros trabalhos envolvendo sua coleta e redação devem ter começado antes do fim da monarquia. Há uma tal diversidade de materiais e contextos no livro que seria antinatural supor que todos eles se originaram no mesmo ambiente social. Pode-se afirmar em geral o que Katharine Dell140 diz de 10:1–22:16. Reagindo à teoria do agrupamento apresentada por Knut Martin Heim (2001 passim), ela conclui de seu exame desses capítulos que não a unidade, mas a fragmentação é sua característica identificadora.141 Vinculando sua observação “estrutural” da fragmentação com a questão do contexto social , ela afirma toda uma variedade de configurações sociais para os materiais em Provérbios, como um “contexto familiar/popular/tribal” para grande parte de 10:1–22:16, um contexto educacional em casa ou um ambiente escolar mais formal para Capítulos 1-9; 22:17–24:22; 30:1-14; 31.142 e uma configuração de corte para 31:1-9, bem como 24:23-34; 25-29; 30:15-33 e alguns ditados em 10:1–22:16.143 Ditos que pressupõem uma vida urbana refinada (por exemplo, 10:4; 17:3; 20:15; 22:21; 25:11s.) situação (por exemplo, 11:26) não pode ser imaginada em um cenário folclórico simples. Os provérbios da sabedoria simples do clã foram coletados, editados e complementados da mesma forma que os provérbios sofisticados. Não há razão para que “os homens do rei” não possam ter participado desse processo, conforme afirmado em 25:1.144.
Dell (2006, 63-64). Certamente, essa fragmentação não impede a identificação de grupos de provérbios, mas “revela agrupamentos orais” (Dell [2006, 64]). Se esses agrupamentos devem ser descritos apenas como “orais” é um ponto discutível, uma vez que isso pressupõe (a) um estágio oral necessário no desenvolvimento de provérbios e (b) que o agrupamento no estágio de edição não levou ou provavelmente não levou lugar. 142 Dell (2006, 88). 143 Dell (2006, 89). 144 É argumentado por Rendsburg (2015, 112-113, 131-133), que os homens de Ezequias importaram “material proverbial do norte para Judá”, o que, em sua opinião, justifica a datação de “um pedaço considerável de material... século VIII aC.” Cf. também Carr (2011, 403-431), que argumenta que “o tipo de material visto em Provérbios tendia a ser usado mais cedo em processos educacionais antigos” (2011, 409). 141
Introdução
33
que pesam portadores da tradição sapiencial simples e sofisticados, rurais e urbanos, eruditos e associados à corte. Portanto, o ônus da prova recai sobre aqueles que desejam negar a contribuição de qualquer um desses locais. Levando o exposto (e a discussão na Introdução ao Vol. I)145 um passo adiante, também temos que considerar o cenário dos estágios posteriores da formação do livro. Podemos considerar isso à luz de uma dimensão de pesquisa recente relevante para a redação do livro como um todo. Isso diz respeito ao fenômeno da diversidade e unidade, fragmentação e coesão, ou o que podemos chamar de forças centrífugas e centrípetas que permeiam o encontro dos leitores com o Livro dos Provérbios. Vou esboçar a questão nos seguintes níveis: • A composição é marcada pela tensão da fragmentação e da unidade Em primeiro lugar, recordemos a observação geral da unidade e da diversidade no nível literário que já encontramos em vários pontos acima. Vimos que há uma estrutura clara do Livro de Provérbios como um todo, tanto nos caps. 1-9 e 10-31, bem como seu relacionamento. Mas também vimos que, do cap. 10 em diante, há também uma grande diversidade que dificulta a demonstração de composições poéticas sofisticadas em longos trechos de texto. Se a fragmentação é a característica identificadora (Dell [2006]) dos ditos que, no entanto, foram editados juntos, há uma ambivalência de tendências centrífugas e centrípetas. • Indicações de diferentes vertentes intelectuais na comunidade do Segundo Templo Pesquisas recentes sobre desenvolvimentos teológicos no período do Segundo Templo abriram uma discussão em um nível histórico-tradicional sobre diferentes vertentes intelectuais envolvendo sabedoria, Torá e revelação. Essas modalidades têm a ver com o caráter do Livro dos Provérbios e sua interpretação. Schipper defende a redação do livro como testemunha do desenvolvimento de um discurso teológico em círculos judaicos eruditos (“litterati”) no ambiente do Segundo Templo, que é, portanto, um outro contexto social relevante para a compreensão do livro. Enraizadas como estavam no contexto intelectual dos círculos sapiencial e sacerdotal, essas vertentes estavam preocupadas com a possibilidade do conhecimento humano em um discurso que desenvolveu uma “hermenêutica da Torá”. Uma linha de pensamento a esse respeito estava comprometida com uma orientação sapiencial sobre a relação entre sabedoria e Torá e, portanto, enfatizava a sabedoria quase ao ponto da apoteose (por exemplo, Prov 8). Outra escola de pensamento rebateu isso com uma postura que valorizava apenas a revelação divina em oposição ao conhecimento humano (por exemplo, Prov. 30). E ainda outra facção se aproximou da sabedoria de 145
Consulte o vol. I, 9-10.
34
Introdução
uma perspectiva da Torá (Prov. 2).146 Essas vertentes diferentes são refletidas no próprio livro. Portanto, eles também se inter-relacionam e são, conseqüentemente, teologicamente relevantes (ver abaixo, Parágrafo 5). Novamente observamos diversidade dentro de um produto literário,147 o que é esperado de um processo de repensar, reescrever e editar. • “Coração” como a noção sapiencial central para um conceito diversificado de humanidade Parece-me que esta perspectiva abrangente é confirmada e ilustrada no nível conceitual por um estudo específico de um conceito que é central para a antropologia do Antigo Testamento e vital para o sapiencial tradição, notadamente o conceito de “coração” humano. Discutindo o significado do conceito de coração humano para a antropologia do Antigo Testamento, Krüger148 mostrou que não é apenas a polivalência semântica (“Bedeutungsbreite”) da palavra hebraica para “coração”, לב/ לבב, mas a uso altamente diferenciado feito dela em diferentes contextos que demonstra sua relevância para a antropologia veterotestamentária. A palavra denota o torso interior de um ser humano, ser interior ou vida interior,149 pode dirigir toda a personalidade como o órgão de controle emocional, intelectual e moral – na literatura sapiencial como em outros lugares150 – e pode ser endurecido contra a vontade de Deus. Enquanto de acordo com alguns textos pode receber sabedoria do próprio Deus (cf. Ex 28:3; 31:6), outros textos são céticos quanto à capacidade do coração de responder à instrução de Deus (por exemplo, Dt 29:3; 30:6; 31 :21). Sua capacidade é limitada e é corruptível (por exemplo, Qoh 3:11; 7:7). Isso mostra que Israel não desenvolveu um conceito unificado de humanidade (“Menschenbild”), mas conceitos altamente diversificados e até mesmo contraditórios. No entanto, por isso mesmo, precisamente por sua multiplicidade, o conceito de coração pode se tornar uma entidade antropológica central nos círculos da sabedoria como em outros lugares. A amplitude desse conceito (cf. Pv 4:23) mostra que a interpretação da literatura sapiencial como a busca intelectual dos humanos está fadada a chegar a um acordo com a inter-relação de coesão e diversidade. 146 Ver o capítulo central da monografia de Schipper, (2012, 221-279), e o resumo em alemão e inglês (2012, 281-299). Cf. também um estudo posterior e mais curto de Schipper (2013, 55-80), no qual ele argumenta que o debate teológico pós-exílico sobre sabedoria e Torá se desenvolveu em duas concepções diversas de revelação, viz. por um lado, o ensino de geração em geração e, por outro, que a Torá deve ser colocada no coração humano pelo próprio Deus. Nota: A monografia importante tornou-se disponível como Vol. Eu do meu comentário já estava em edição. Em retrospectiva, fica claro que, considerando o estágio tardio, mesmo um recurso limitado a ele poderia ter beneficiado consideravelmente meu tratamento, particularmente do cap. 2. 147 Esta diversidade não é o mesmo que a “abertura” dos provérbios a diferentes leituras, à qual Millar dedicou um estudo aprofundado (2020), mas é semelhante ao princípio ao nível do livro redigido. 148 Krüger (2009, 91-106); todo o volume e o ensaio que se segue a este também trazem títulos referentes ao coração humano. 149 Krüger (2009, 95). 150 Kruger (2009, 97-99).
Introdução
35
• חכמה faz parte da sabedoria universal e תורה é o aspecto particular de Israel dela. Há também uma dimensão macro para o princípio. Em seu estudo de Ben Sira,151 Goering argumenta fortemente que a associação de sabedoria e Torá naquele livro não é, como frequentemente se afirma, uma identificação dos dois,152 mas fundamentalmente “uma tentativa de relacionar o universal e o particular”. 153 Segundo ele, Ben Sira nem iguala sabedoria e Torá no sentido de uma “nacionalização da Sabedoria” nem no sentido de uma “universalização da Torá”. Em vez disso, é fundada na noção de eleição. Israel foi escolhido por Deus para receber uma sabedoria especial, que é transmitida pela Torá, enquanto esta, por sua vez, “participa da sabedoria geral concedida a todos os seres humanos”. seu próprio dom especial de Deus e, portanto, um aspecto particular da sabedoria. Este é talvez o ponto mais distante ao qual a interação entre diversidade e unidade foi trazida na tradição sapiencial.
5. A ORDEM DO TEXTO MASORÉTICO E AS VERSÕES Sobre o texto hebraico de Provérbios e as versões, veja Vol. I, 10–12. A Septuaginta mostra uma variação particularmente drástica do material contido em 24:23–31:9 do Texto Massorético. Como no vol. I, a tabela comparando a sequência de divisões nas duas formas de texto é fornecida aqui por conveniência. A sequência de divisões de acordo com o Texto Massorético é dada à esquerda e a disposição da Septuaginta à direita: IV V VIa VIb VIIa VIIb
24:23-34 25:1–29:27 30:1-14 30:15-33 31:1-9 31:10-31
(Provérbios dos Sábios) Grego VIa (30:1-14) (coleção de Salomão de Ezequias) Grego IV (24:23-34) (Agur) Grego VIb (30:15-33 (Agur II) Grego VIIa (31: 1 1-9) (a mãe de Lemuel) Gregos V (25:1–29:27) (A esposa virtuosa) Gregos VIIb (31:10-31)
6. A RELEVÂNCIA DOS PROVÉRBIOS: CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS E ÉTICAS O mero fato da influência do Livro dos Provérbios sobre Ben Sira e a Sabedoria de Salomão, bem como seu uso pungente nas disputas cristológicas 151 Goering (2009). Para uma ampla discussão sobre sabedoria e Torá, veja as variadas contribuições de Schipper e Teeter (2013). 152 Goering (2009, 78). 153 Goering (2009, 237). 154 Goering (2009, 238).
36
Introdução
dos tempos patrísticos155 mostram uma forte consciência de sua relevância em diferentes épocas e em diversos contextos. Como no vol. I, a exegese no Vol. Vou me esforçar para mostrar que os temas contidos nos provérbios são de fato teologicamente relevantes e assim foram percebidos por séculos. Isso é negado por Horst Dietrich Preuss,156 para quem o livro contém um substrato secular que foi apenas gradualmente recoberto por uma dimensão teológica e não é utilizável na teologia bíblica. Em oposição a essa posição, pesquisas recentes (ver parágrafo 3 acima) abriram uma nova dimensão, que destacou a importância teológica da sabedoria no período do Segundo Templo. Para ter certeza, isso foi alcançado exatamente pelo que Preuss considerou como um processo negativo de edição teológica, reescrita e interpretação da sabedoria.157 Se a sabedoria fosse tão marginal e teologicamente insignificante, teria sido drenada da tradição. Mas aconteceu o contrário; provocou um discurso cujos vestígios e resultados podem ser vistos em livros sapienciais como Provérbios e Ben Sira. A importância teológica da tradição sapiencial já é visível no fenômeno da tensão entre sua “revelação deficiente”158 e a divina Torá dada a Israel como a Palavra de Deus. Isso se tornou tão atual nos círculos eruditos pós-exílicos que a relação entre a Torá revelada, por um lado, e a sabedoria intelectual dos humanos, por outro, teve que ser levada a sério. A necessidade de resolver a tensão resultou em um discurso teológico para resolver a questão. Como mostrado por Goering (com foco no Livro de Ben Sira) e Schipper (com foco no Livro dos Provérbios), surgiu uma resolução diferenciada na qual a sabedoria de Israel deveria ser entendida à luz da Torá. A partir do capítulo programático em Prov 2, Schipper argumenta que o discurso sobre a sabedoria e a Torá estava fundamentalmente relacionado à questão do conhecimento humano como um empreendimento intelectual humano. Por um lado, havia aqueles que tinham plena confiança na adequação da sabedoria (cf. Prov 8) e, por outro lado, havia aqueles que viam o mero conhecimento humano como deficiente (cf. 30:1-4).159 Mas entre os dois, Prov 2 assume a posição de que o coração humano é capaz de conhecer e cumprir a vontade de Deus.160 A sabedoria pode, portanto, ser lida a partir da perspectiva da Torá. A vibração desse ambiente intelectual mostra como a sabedoria teologicamente relevante era no período em que o Antigo Testamento estava tomando forma. 155 Veja o Excursus sobre a história da recepção no final do comentário do cap. 8 (Vol. I, 367-375). 156 Preuss (1974, 165-181; 1991, 209-220). 157 Ver acima sobre o trabalho de Schipper (2012, 2013) e outros, p. Goering (2009) e Krüger, bem como outros colaboradores do volume Schipper and Teeter (2013). 158 Cfr. vol. I, 28-39. 159 Veja a formulação explícita de Schipper (2012, 264): “No final, a Torá leva a melhor”. 160 Schipper (2012, 259).
Introdução
37
Entretanto, como a exegese histórica requer atenção a todos os estratos representados no livro, não pode haver uma única leitura válida para nossa exegese. Se o livro pode e deve ser interpretado no nível de ditos individuais, bem como no de unidades redacionais, então ele também deve ser interpretado com recurso às diferentes vertentes conceituais que ele contém, incluindo a “hermenêutica da Torá”, para apropriar-se do título do livro de Schipper. A relevância teológica do livro envolve não apenas os temas que evidencia, mas também seu caráter, o que diz e o que é ou não é. Os tópicos a seguir procuram resumir o que me parece ser os principais aspectos da relevância teológica: • O Livro dos Provérbios está de fato “preocupado com uma opção fundamental na vida, e não com ações sábias específicas,”161 mas também está preocupado com a terra. atos práticos. No entanto, como “a sabedoria é tanto uma conquista humana quanto um dom divino” (Clifford),162 é uma perspectiva na qual o mundo das atividades cotidianas constitui o terreno onde o Temor do Senhor é vivido. Isso por si só torna o livro altamente relevante para a teologia, especialmente uma teologia que tem que chegar a um acordo com a Epístola de Tiago (cf. particularmente Tg 2:14-26).163 • Isso também é expresso em termos de “conhecer a Deus” ( por exemplo, 3:6). A pessoa deve conhecer a Deus de todas as maneiras e deve, portanto, buscar constantemente esse conhecimento. Portanto, podemos concordar com Fox que uma manifestação da “fusão de conhecimento, piedade e ação em um princípio” está “no centro da mensagem de Prov 1-9”164 e, eu acrescentaria, do livro editado. Assim, longe de ser mero conhecimento sobre ele, conhecer a Deus implica confiança (3,5) e deve ser expresso em comportamentos concretos. • Da mesma forma, os sábios aceitam que seus preceitos podem ser executados e levar ao sucesso. Isso tem uma implicação significativa para a antropologia teológica – os seres humanos têm potencial, que deve ser reconhecido, respeitado e cultivado positivamente. • Qualquer interpretação teológica do nexo ação-consequência165 subjacente a tantos provérbios deve levar em consideração a mentalidade otimista de Provérbios. O nexo de ação e consequência constitui a base para um bom conselho claro, pois todos aceitam quem ensina as crianças como e por que elas devem aprender.
Clifford (1999, 32-33). Yoder (2009, 34) coloca em termos muito semelhantes: “… a obtenção da sabedoria é uma convergência de esforço humano e dom divino” (veja acima no debate do Segundo Templo). 163 Cfr. Hausmann (1995, 265-276); para a relação dos aspectos de ética e fé em יראת יהוה, veja Hausmann (1995, 267); também Plath (1963, 63, 68) e Becker (1965, 226f.), ambos citados por Hausmann. 164 Fox (2000, 149; cf. 154-155). 165 O termo significa a ideia de que ações sábias/boas têm resultados favoráveis/bons e ações imprudentes/más têm resultados desfavoráveis/maus. Veja a próxima nota. 162
38
Introdução
devem obedecer às regras de trânsito. Representa uma dimensão que não deve ser negligenciada nas polêmicas contra qualquer “teologia da recompensa”. • Ao mesmo tempo, o nexo ação-consequência também é uma expressão da consciência profunda de uma ordem construída na criação. Seja em provérbios com referência explícita a Deus como o agente de tais consequências ou naqueles que sugerem que uma ação carrega em si a semente de sua própria consequência,166 permanece uma tentativa de formular a conclusão à qual inúmeras observações empíricas na natureza, o ser humano a condição e a sociedade trouxeram os sábios. Eles fizeram suas observações no mundo. Uma vez que esta é a criação de Deus (8:22; 14:31), a ordem é sua ordem.167 • Disto segue uma advertência teológica. Os sábios não eram tão arrogantes a ponto de imaginar que tinham a fórmula do mundo. Eles não devem ser equiparados aos amigos de Jó em generalizações fáceis, como se presumissem que sabiam todas as respostas. Pelo contrário, eles estavam bem cientes de que os modos pelos quais a ordem se manifestava eram cheios de enigmas.168 Deve-se ressaltar que o mero fato de tal percepção tem profundas implicações teológicas: em teorias ou manipulados em planos práticos, por mais sábios que sejam. Mas, apesar de suas limitações, ainda precisamos de tais teorias e conselhos para nos guiar – até onde podemos ver. • Entendidos nesta base, os provérbios dão bons conselhos práticos sobre os quais se pode construir a esperança de sucesso, mas são mais do que isso. Eles são profundamente éticos porque visam viver de forma prática o Temor do Senhor (1:7; 9:10). O respeito pelos semelhantes (17:13; 20:22 etc.) anda de mãos dadas com o auto-respeito (11:15; 22:26-27), que juntos podem ser vistos como uma forma de “amar o próximo como você mesmo.” 166
Este último tornou-se uma verdadeira moda após o influente tratado sobre a fronteira entre um papel e uma monografia de Koch ([1955] 1972), no qual ele introduziu a ideia de um “schicksalwirkende Tatsphäre”, isto é, uma esfera na qual uma ação é pensado para gerar suas próprias consequências. A tese foi posteriormente corrigida por outros, como Janowski ([1994] 1999, 245-271, aqui especificamente 255-256), e em uma dissertação amplamente aceita por Freuling (2004). Influenciados pelos desenvolvimentos da egiptologia, eles enfatizam o fenômeno dos processos sociais por meio dos quais o equilíbrio social é reparado de acordo com Provérbios e outras literaturas. Segundo esses intérpretes, é também assim que Deus trabalha, de modo que ele está de fato envolvido no processo, embora não na forma de retribuição ou retaliação. Ao se concentrar nos fenômenos linguísticos e estilísticos em Provérbios, bem como no propósito pedagógico do livro, Freuling (por exemplo, 2008, 6-7) é especialmente útil para entender as declarações contraditórias no livro (cf. os pontos anteriores e seguintes comentando sobre respectivamente ensinando regras de trânsito e enigmas). 167 O estudo de L. Boström sobre “o retrato de Deus no Livro de Provérbios” também relaciona essas questões de maneira bastante próxima: a interpretação não mecânica do nexo ação-consequência, o significado da teologia da criação no livro, a presença de uma dimensão religiosa se há referência explícita a Deus ou não, e o significado da observação sapiencial (Boström 1990, passim; para o último deles, a relação de observação empírica e convicção teológica, ver Ensaio 3 no Vol. I, 28- 39 e Ensaio 2 abaixo). 168 Isso é abordado no vol. I, Ensaio 4.
Introdução
39
• A afirmação muitas vezes repetida de que a sabedoria em Israel, pelo menos conforme expressa no Livro de Provérbios, não funciona com a revelação, deve ser questionada ou pelo menos qualificada do ponto de vista da teologia natural. Em Provérbios, a ideia de revelação pode, no máximo, ser deficiente no sentido de que carece dos modos convencionais de expressão encontrados em outras tradições bíblicas e seus gêneros. Mas quando as expressões de sabedoria como uma apreensão de Deus são comparadas a formas não sapienciais de articular experiências “reveladoras”, parece que as diferenças são variações de grau ou estilo, não dissimilaridade em essência. Se afirmações consideradas reveladas por Deus também são consideradas verdadeiras em termos de percepção humana comum, então sua verdade depende de uma condição natural, seja racional ou intuitiva ou ambas, e não de serem ditas de cima. Esta seria minha apropriação do significado teológico das diferentes opções apresentadas no discurso dos tempos do Segundo Templo acima referido. Fazer isso corroeria a rígida distinção frequentemente feita entre a religião revelada como exemplificada pelos profetas ou as grandes tradições da história de Israel, e a dimensão religiosa da sabedoria.169 A deficiência reveladora da literatura sapiencial pode ser interpretada como uma contribuição salutar para a reabilitação de teologia natural.170 • Relacionado com a questão que acabamos de mencionar, há outro de igual importância teológica. Muitas vezes sinalizada como a ausência da proclamação profética, “Assim diz o Senhor!”, a suposta escassez do Livro dos Provérbios é de fato um trunfo. O pensamento sapiencial de Israel transcende a si mesmo, integrando Israel no mundo e enxertando o mundo em Israel. Sua tela é a criação, o mundo e a humanidade universalmente. Visto dessa perspectiva, o Livro dos Provérbios é pelo menos igual ao Dêutero-Isaías em direcionar o olhar do leitor para além da história da salvação de uma nação.
7. ENSAIOS Conforme prometido no primeiro volume deste comentário,171 adiciono mais alguns ensaios a este volume. Os três ensaios que constituem a última parte da introdução tratam principalmente de questões pertinentes aos ditos de Pv 10 em diante. Embora os ensaios se relacionem entre si, eles são baseados em artigos publicados por direito próprio e em diferentes periódicos.172 Mas eles também pretendem Semanas (2010, 136 e passim). 170 Cfr. o ensaio sobre “A significativa deficiência de revelação em sabedoria”, vol. I, 28-39, para um tratamento mais completo da questão. 171 Veja a Introdução ao vol. I, 15. 172 Os artigos foram abreviados (mas não fundamentalmente revisados) para os propósitos deste comentário e são usados com permissão. Agradeço aos editores dos respectivos periódicos
40
Introdução
expressar minha compreensão de questões específicas relevantes para a leitura de provérbios/Provérbios e, portanto, para o significado da sabedoria. Essas questões são abordadas nos ensaios e referenciadas em lugares apropriados na exegese oferecida no próprio comentário. 7.1 A virtude entre o comando e o conselho 7.1.1 Introdução Pode-se considerar consensual que o Livro dos Provérbios é o livro veterotestamentário por excelência da conduta humana. Uma vez que se trata de comportamento certo e errado, pode-se dizer também que o livro está organizado em torno do tema da virtude. Todas as virtudes, como obediência, diligência, autocontrole, lealdade ou fidelidade, são categorizadas como “sabedoria” e todos os erros, como desobediência, preguiça, impetuosidade, falta de confiança ou desonestidade são atribuídos à categoria de “loucura”. Mas esta não é uma questão tão simples. Embora não se possa negar que os próprios atos sapienciais são manifestações de “virtude” no sentido convencional, e os atos tolos são manifestações de seus opostos, o caráter desse conceito de virtude parece não ser claro ou mesmo fora de foco. Portanto, um debate iniciado por Walter Zimmerli já em 1933 “sobre a estrutura da sabedoria do Antigo Testamento” ainda oferece material para uma discussão frutífera. De acordo com Zimmerli173, a defesa da virtude pela sabedoria não é um comando ou ordem categórica ()מצוה, mas um conselho ou conselho racionalmente considerado ()עצה. Mas a falta de clareza é aparente no próprio fato de que as diretivas sapienciais são explicitamente chamadas de “mandamentos” e “conselhos”,174 de modo que as virtudes são às vezes comandadas e às vezes recomendadas. Consequentemente, a virtude no livro adquire uma ambivalência cujos dois lados correspondem à autoridade e à confiabilidade. Estes podem se sobrepor, mas não são idênticos. Nem sempre se pode confiar naquilo que tem autoridade – como pode ser visto, por exemplo, nas palavras sobre reis poderosos em Provérbios 16:14 e 19:12 ou Eclesiastes 10:20. E quem é confiável nem sempre é reconhecido como tal – como teve de experimentar o sábio de que fala Eclesiastes 9:16. Mas isso não é o que se esperaria de um livro cujo lema é: O temor de Javé é o princípio do conhecimento (Pv 1:7).
para permissão para usá-los desta forma. Eles foram originalmente publicados da seguinte forma: “Virtue between Command and Advice,” OTE 17/3 (2004), 416-434; “Learning in the Indicative,” JSem 8 (1996), 21-33; “Leituras metafóricas e literais de aforismos em provérbios”, HTS 62 (2006), 1177-1199. 173 Zimmerli (1933, 177-204). 174 Por exemplo Pv 6:20, 23; 10:8; 13:13; 19:16 (comando); Pv 1:25; 8:14; 16h30; 19:29; 20:5; 21h30 (conselhos).
Introdução
41
O lema pressupõe a fé em Deus como a mais alta autoridade da sabedoria. Isso significa que as virtudes a serem praticadas são manifestações de fé e juntas constituem uma espécie de índice para uma ética religiosa autoritária da sabedoria israelita.175 Não desejo contestar isso, mas precisa de qualificação. Para alguns, isso não parece particularmente exigir explicação. Embora existam muitas injunções sem fundamentação explícita, às vezes pensa-se que aquelas que são fundamentadas devem ser tomadas como apelos à razão para a aceitação de sua autoridade. Mas isso fica desconfortável com qualquer afirmação de que o conhecimento da sabedoria não é uma questão de fatos, mas sim de um "ethos" autoritariamente revelado. Isso às vezes é afirmado fazendo do Temor de Deus uma espécie de ligação entre razão e revelação.176 É, entretanto, questionável se alguém pode usar esse motivo como um veículo para facilitar a fusão de razão e revelação tão diretamente. Otto (1994, 162) não vai tão longe e a caracterização da ética sapiencial no título de seu capítulo sobre o tema, ‘Ethos e a Ordem Criativa’, é bastante apropriada. Mesmo assim, permanece a questão de saber se o assunto pode realmente ser retratado de forma tão direta e direta. Em ambos os casos, a sabedoria e o conhecimento são identificados um com o outro e reivindicados como “revelação”, cujo objeto é considerado a ordem criacional tanto nas admoestações quanto na “sabedoria mais jovem”. Supõe-se que os sábios entenderam a Ordem apenas porque receberam conhecimento revelado de cima, o que obviamente excluiria todas as formas de teologia natural. Em resposta, deve-se questionar se isso faz justiça aos provérbios individuais e ao livro como uma coleção. No preâmbulo do livro, seu programa sapiencial completo é subordinado ao princípio do Temor de Deus. A questão é se isso realmente significa que a redação final, ou seja, a “sabedoria mais jovem”, viu o empreendimento sapiencial como uma questão de revelação. 7.1.2 Provérbios como Manual No preâmbulo de Provérbios é dado um índice de pressupostos para o aprendizado das virtudes (Pv 1:1-7).177 1 Provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel. 2 Para conhecer a sabedoria e a disciplina, para entender as palavras perspicazes, 3 para obter instrução na conduta sábia, retidão, justiça e honestidade, 4 para dar a simples astúcia, conhecimento e circunspecção aos jovens. 175 As prescrições sapienciais para uma vida correta são frequentemente descritas desta forma, cf. Otto (1994, 117-174). 176 Por exemplo, P.J. Nel (1982, 91): “A ordem criada é compreensível dentro do quadro do yir’at Jahweh. ... Esse ethos é, de fato, o conhecimento revelado da conduta humana justa e tem autoridade em si mesmo, independentemente da resposta do homem a ele. 177 Cfr. a extensa discussão no vol. I, 51-63.
42
Introdução 5 O sábio deve ouvir para expandir o conhecimento e o homem perspicaz para adquirir habilidades, 6 para explicar um provérbio e uma figura, as palavras dos sábios e seus enigmas. 7 O temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os tolos desprezam a sabedoria e a instrução.
A passagem pode ser parafraseada da seguinte forma: A (i) Provérbios de Salomão. (ii) Adquirir todos os aspectos da sabedoria. B O livro oferece expansão didática da sabedoria aos sábios. C O temor de Javé é o princípio da sabedoria. “A” contém o título (v. 1) e uma expansão, qualificando o próprio título e, portanto, especificando o conteúdo do livro à maneira do que chamaríamos de subtítulo (vv. 2-4); “B” é uma injunção resumida que adiciona precisão até mesmo ao subtítulo (vv. 5-6); portanto, “C” é o lema do livro (v. 7). O objetivo da passagem é prefaciar os seguintes poemas, bem como os adágios, tipificando-os como literatura educacional para o benefício tanto dos jovens inexperientes a serem ensinados quanto dos mais maduros que devem ensiná-los. Essa sabedoria é baseada no fundamento religioso do temor de Javé. De acordo com o v. 4, os verdadeiros destinatários do empreendimento sapiencial são פתאים,178 o ingênuo “simples” que pode ser influenciado. Certas qualidades são “dadas” ()לתת a eles, o que não significa apenas que eles são os beneficiários do treinamento, mas também implica uma fonte que transmite as qualidades sapienciais aos receptores. Novamente, isso pode ser lido de duas maneiras; tanto as pessoas que ensinam quanto o próprio livro podem ser tomados como fonte. No presente contexto, este último seria o mais natural. Este livro é para transmitir qualidades sapienciais. Mesmo assim, porém, a associação de disciplina e treinamento com o empreendimento (מוסר ocorre em ambos os versículos anteriores) aponta para a pressuposição de que o Livro de Provérbios deve ser usado por professores para transmitir as qualidades e qualificações em questão. Isso não prova nada no debate notoriamente difícil sobre estruturas educacionais em Israel,179 mas sugere que, na época da redação final do livro – quando o título e o preâmbulo (vv. 1-7) foram colocados em sua posição atual – poderia haver pessoas que precisassem de um livro como este para a instrução dos jovens. Assim, pode-se dizer que o livro é uma coleção de materiais para uso no ensino. 178 Cfr. a ortografia sem aleph nos vv. 22, 32 e GKC 93x sobre a ortografia do substantivo plural. 179 Cfr. Lemaire (1981; 1984, 270-281) para uma resposta positiva à questão, Weeks ([1994] 2007, 132-156) para uma resposta negativa, Crenshaw (1985:601-615; 1998:85-113) cuja resposta positiva resposta é qualificada.
Introdução
43
Que o livro se destina a ser um manual para professores, pode ser visto no versículo 5. Apesar do fato de que o חכםjá tem entendimento ( )נבון, o livro ainda é destinado a ele. Uma vez que este versículo quebra a série de infinitivos na passagem, muitas vezes é considerado uma adição posterior. Seja assim ou não, ainda faz sentido em sua posição atual. O jussivo ישמע não foi inserido desajeitadamente entre os infinitivos, mas é necessário para marcar um novo começo. Desta forma, o leitor atual é agora abordado, o que não é impedido pela terceira pessoa em uma construção jussiva.180 Portanto, este versículo não é parte do subtítulo, mas uma espécie de prefácio em miniatura. Os sábios devem ampliar o insight que já possuem. Portanto, o aprendizado mencionado aqui ( )לקחé recebido de predecessores e transmitido para a próxima geração.181 A próxima palavra também aponta nessa direção: תחבלותé uma palavra rara que significa “habilidades” e indica o uso a que o a tradição sapiencial recebida pode ser colocada no ensino dos jovens – que pode ser adquirida além da sabedoria existente.182 Do que consiste esse “plus” sapiencial, é agora acrescentado. A construção infinitiva להבין é a construção infinitiva Hiphil do verbo בין. Semelhante às formas Qal deste verbo, o Hiphil pode significar “entender” (como no v. 2), mas geralmente ocorre no significado de “trazer ao entendimento”, “transmitir entendimento”, “esclarecer”. O objeto pessoal está no accusativus rei.183 Não faria sentido esperar que um sábio “escutasse” para adquirir competência para entender um provérbio, visto que ele já possui essa capacidade. Mas quando ele “ouvir” no sentido do uso atento deste livro, ele aumentará sua capacidade didática de transmitir os conteúdos de sabedoria. Assim, o professor como um sábio experiente cujo caráter já foi formado pelo לקח transmitido a ele em seu dia, agora faz o mesmo com a próxima geração, para que eles também possam se beneficiar do “plus” do insight. Ou seja, seus personagens são formados e desenvolvidos.184 Se esse argumento estiver correto, foi demonstrado que todo o Livro dos Provérbios se destina a ensinar, ou melhor, a ajudar os professores. Agora este 180
Cfr. GKC 109a e f. A raiz deste substantivo, (לקחreceber, receber) sugere tradição, ou seja: conhecimento que é passado de geração em geração. Cfr. Pv 4:1-4, onde é claramente explicado e associado com מוסר, דעתe (תורהensino). A palavra geralmente está ligada a falar (cf. Prov 7:21; 16:21, 23; Deut 32:2; Jó 29:23f.), que apóia a interpretação de לקח como a transmissão de conhecimento (também). como o entendimento causativo de להבין em 1:6). 182 Cfr. Pv 11:4; 12:5; 20:18; 24:6; Jó 37:1 183 Is 28:9, 19; Jó 6:4; assim, em algumas das principais versões alemãs de Isaías 28:19; Lutero (“Offenbarung deuten”), Elberfeld (“o Botschaft faz sentido”) e a Tradução da Unidade (“das Gehörte eklären”). Também pode ser formulado com (por exemplo, Jó 6:24) ou no acusativo personae (por exemplo, em Isaías 28:9; 40:14; Neemias 8:8), mas não precisa necessariamente ser expresso (por exemplo, Isaías 28:19 ), e o assunto explicado pode ser expresso por (por exemplo, Ne 8:7). 184 A formação do caráter é tratada extensivamente por Brown (2014, 5ss. e passim; também a versão anterior, 1996, 21 e passim) e Stewart (2016, 11-28 e passim). 181
44
Introdução
o ensino é encontrado na forma de poemas nos capítulos 1-9.185 e do capítulo 10 em diante na forma de aforismos. Os provérbios mais curtos são de gêneros diferentes e, portanto, não ensinam no mesmo estilo. Mas isso é negado por Westermann,186 segundo o qual o ensino é dado apenas naqueles provérbios formulados no imperativo e não nos ditos descritivos no indicativo. Isso implica que a virtude só pode ser ensinada prescritivamente – o que é altamente questionável. 7.1.3 Educação em Chaves Diferentes O ensino autoritativo é oferecido tanto na forma descritiva quanto na forma prescritiva. Os seguintes provérbios demonstram que o ensino da virtude não é feito apenas em estilo admonitório, mas também em frases descritivas. • Ditados descritivos Começamos com alguns ditos que obviamente pertencem à categoria de frases de sabedoria de Westermann (“Wahrsprüche”).187 Como a neve no verão e a chuva na época da colheita, a honra não convém ao tolo. (26:1)
Que dimensão atual este provérbio adquire à luz da crise climática de hoje e seus negadores! A ordem meteorológica seria perturbada se o inverno ocorresse em outras estações. Que isso seria absurdo é exemplificado pelo fato de que o segundo hemistich expressa o absurdo em uma comparação – o que confirma a harmonia do padrão normal. O ensinamento é obviamente que, uma vez que a desarmonia na vida humana é tão negativa quanto a desarmonia na natureza, a dissonância social deve ser evitada. Os humanos são, portanto, capazes de perturbar a ordem social ou harmonizar-se com ela. Um dente ruim ou um pé instável, assim é a confiança em uma pessoa infiel em tempos de angústia. (25:19)
A pessoa infiel é semelhante à pessoa não confiável também comparada aos fenômenos climáticos no versículo 14. Uma verdade geral sobre as características humanas é explicada por meio da comparação com os fenômenos físicos, aqui falhando partes do corpo (nuvens vazias e vento no v. 14) . Como dentes e pés defeituosos nunca são confiáveis, a falta de confiança faz parte da natureza das pessoas não confiáveis. Tal declaração é certamente descritiva, mas ao mesmo tempo 185 Estes são chamados de “discursos didáticos” (Lehrreden) por Lang (1972), “instrução” (McKane [1970] 1977 e Fuhs 2001a) ou “palestras” (Fox 2000) . 186 Westermann (1971, 73-85). 187 Para o seguinte, cf. Loader (2002, 715-738), onde alguns destes provérbios são tratados no contexto de uma argumentação sobre uma vida responsável numa perspetiva sapiencial.
Introdução
45
é uma avaliação, e comunicar uma avaliação em um provérbio descritivo implica ensinar o receptor. Um leão que ruge e um urso que corre: um governante perverso sobre um povo pobre. (28:15)
A força e a periculosidade de espécies específicas aqui resumem o poder e a periculosidade de, respectivamente, um rei justo e um rei perverso. Apenas a falta de virtude de um governante embriagado de poder é expressa, mas isso não exclui de forma alguma a função argumentativa do ato de fala. O argumento tem um lado negativo e um positivo necessariamente implícito, e funciona como um alerta para aqueles que servem a tal governante. Isso, por sua vez, é bastante semelhante a um “conselho” formulado no imperativo (“Você deve ter cuidado na presença de alguém assim ...”), mas não é necessariamente uma injunção para um comportamento eticamente responsável. No entanto, o uso de metáforas de animais também pode funcionar como crítica ao mau uso do poder por parte dos fortes, uma vez que este último é identificado como um רשע. O ferro afia o ferro, e uma pessoa a outra. Quem cuida de uma figueira come de seus frutos, e quem cuida de um mestre é honrado. (27:17f.)
Mesmo que o tertium comparationis desses dois provérbios deva ser visto em “corretas relações interpessoais”,188 eles ainda se baseiam nas leis dos fenômenos naturais para esse propósito: características metalúrgicas (v. 17) e o conhecimento agrícola indispensável dos cuidados sazonais. de árvores (v. 18). Não apenas uma bem-intencionada “correção fraternal”189, mas o recíproco aguçamento das capacidades e a formação do caráter entre iguais estão impressos na ordem sócio-psicológica da sociedade humana, assim como as características do ferro estão estabelecidas no domínio dos metais. . A metáfora do versículo 18 não depende da proximidade de significado de seus elementos, mas de seu alinhamento formal – a figueira corresponde ao senhor, o lavrador ao servo, cuidar corresponde a cuidar e comer dos frutos a ser honrado. Assim como o agricultor tem que aplicar seus conhecimentos dendrológicos para cuidar da figueira de acordo com suas necessidades em diferentes estações do ano, o servo deve atender ()שׁ ֵֹמר190 às diferentes necessidades de seu mestre em diferentes momentos para ter sucesso . Portanto, o comportamento adequado às necessidades de um fazendeiro e de um servo é recomendado como virtuoso. Em vez de usar o imperativo, os resultados de tais ações são apresentados como atraentes. A função argumentativa do provérbio transmite 188
Fuhs (2001a). Então Fuhs, que ignora a reciprocidade da metáfora: ambas as facas são afiadas pelo atrito. 190 O verbo שׁ ֵֹמר também é usado na agricultura, tanto para cuidar das plantas (Gn 2:15) quanto para cuidar dos animais (Gn 30:31; 1 Sm 17:20 etc.). 189
46
Introdução
aceitação prática da virtude em contextos específicos e o faz de forma didática mais ágil do que usando um imperativo brando – exatamente como previsto na introdução do livro (Pv 1:5). Pressão no leite produz coalhada, pressão no nariz produz sangue e pressão na raiva produz conflito. (30:33)
Os conhecimentos elementares de ordem bioquímica, fisiológica e psicológica são aqui aplicados numa série de enunciados, cuja paronomásia191 pressupõe que o conteúdo dos dois primeiros enunciados é bem conhecido, centrando-se assim no último. As afirmações categóricas mostram que dizem respeito a leis estabelecidas192 e a associação não problemática dos vários campos exemplificam o fato de que a sabedoria não separa natureza e cultura. A realidade é um todo indivisível. Espera-se que o aluno tire uma conclusão válida do estado factual das coisas. Embora a descrição desse estado não seja “virtude”, a conclusão a que o aluno deve chegar é. Aqui temos uma ilustração clara de como a virtude é alcançada indutivamente a partir da observação empírica da realidade e não dedutivamente por inferência de um grande princípio como a revelação. A simples declaração de como as coisas são permite o ensino de que o conflito pode ser evitado por meio de reafirmação, em vez de pressão sobre uma pessoa irada. Esse tipo de tratamento descritivo com a realidade empírica é encontrado em todo o livro de Provérbios. O indicativo também é usado em outras partes dos ditos curtos em conexão com o motivo de apaziguamento e seu oposto negativo: A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a cólera. (15:1)193
Além desse paralelismo antitético, podemos notar também um paralelismo “sinônimo” contendo uma variante do motivo: Com paciência um governante pode ser persuadido e uma língua macia pode quebrar ossos. (25:15)
Mas esse princípio diz respeito ao rei tanto quanto a seus súditos. Ele também deve se submeter à ordem, como os cortesãos do palácio em Jerusalém perceberam muito bem desde a época de Roboão. A narrativa do fracasso fatídico do jovem rei em aceitar seus conselhos nesse sentido (1 Reis 12) é na verdade uma manifestação desse aspecto do ensino descritivo que encontramos na lista: ֶח ְמ ָאה / ( ֵח ָמהcoalhada), e ( ֶח ְמ ָאהraiva), cf. Jó 29:6; ( ַאףnariz) e ַאף/אפים, ַ (raiva); Whybray (1994, 421) e Plöger (1984, 368) veem apenas o segundo elemento. 192 Sobre a justiça como conceito de ordem em Israel e no antigo Oriente Próximo, cf. Schmid (1968, passim). 193 Cfr. Pv 14:29; 15:18; 29:8, 11.
Introdução
47
provérbios mencionados acima. Uma comparação dessa história com as sentenças sapienciais revela a qualidade didática da apresentação descritiva. Quando seus súditos pedem alívio do fardo sobre eles carregado por seu pai, ele consulta os conselheiros seniores da corte: 6 Então o rei Roboão consultou os anciãos que haviam assistido seu pai Salomão enquanto ele ainda estava vivo, e disse: Como você você me aconselha a responder a este povo? 7 E eles disseram a ele: Se você for um servo para este povo hoje e servi-los e respondê-los gentilmente e falar boas palavras para eles, então eles serão seus servos por toda a vida. (1 Reis 12:6-7)
Se alguma vez houve conselho no sentido clássico, é isso. Os cortesãos mais antigos não usam nem imperativo nem jussivo, mas descrevem em uma cláusula condicional o que se deve esperar quando o rei realmente fizer o que eles exigem em sua protasis quádrupla. Seu argumento é baseado no comportamento que pode ser esperado em termos da natureza humana em uma situação em que um povo precisa de um rei, mas não está disposto a aceitar a opressão. Mas Roboão segue o conselho de seus cortesãos mais jovens, que usam duas vezes o modo de comando direto na segunda pessoa jussiva, mesmo com um provérbio adicionado para uma boa medida, em sua insistência em uma resposta dura: Assim você deve dizer a este povo ... assim você deveria dizer-lhes: Minha pequena coisa é mais grossa do que os lombos de meu pai. (1 Reis 12:10)
Isso significa que rejeito seu pedido e serei ainda mais duro do que meu pai. O resultado está totalmente de acordo com os provérbios citados acima: raiva, rebelião e uma divisão permanente no reino: Quando todo o Israel viu que o rei não os ouvia, o povo respondeu ao rei: Que parte temos nós com Davi? Não temos herança no filho de Jessé. Para as tuas tendas, ó Israel! Olhe agora para a sua própria casa, ó David. Então Israel foi para suas tendas. Mas Roboão reinou sobre os israelitas que viviam nas cidades de Judá. Quando o rei Roboão enviou Adorão, que era capataz dos trabalhos forçados, todo o Israel o apedrejou até a morte. O rei Roboão então montou apressadamente em sua carruagem para fugir para Jerusalém. Assim, Israel se rebelou contra a casa de Davi até o dia de hoje. (1 Reis 12:16-19)
A função da referência à ordem natural das coisas – aqui a natureza típica de uma população – é sugerir ao rei que a consideração social traz naturalmente o sucesso, de modo a persuadi-lo a tomar uma decisão virtuosa. Esses textos mostram que o conhecimento da ordem dos fenômenos é uma pré-condição para o comportamento virtuoso. Esta ordem prevalece em todas as esferas da natureza e da mente, bem como onde os humanos têm de lidar com ambas, isto é, na agricultura, indústria, política, sociedade e cultura. Quem sintoniza, pode esperar sucesso; quem não o fizer, deve esperar um resultado negativo. Os conselheiros seniores da
48
Introdução
A corte de Roboão percebeu as demandas da ordem sócio-psicológica dentro da sociedade, mas os mais jovens entenderam mal a questão. Assim, o conceito da ordem cósmica era inteiramente israelita. Também foi entendido como tal pela Septuaginta, como pode ser visto em sua tradução de Provérbios 25:26, que diz o seguinte no texto massorético:194 Como uma fonte lamacenta ou uma fonte poluída é o justo ()צדיק, que cede diante dos ímpios ()רשע.
Isso é traduzido da seguinte maneira pela Septuaginta: como as fontes de água fluíam da fonte, os justos sem adornos são consumidos diante dos ímpios. (Como alguém que tapa um poço ou corrompe uma fonte de água, assim é desordenado para um homem justo cair diante de um homem ímpio.)
O tradutor considera um ato de ( ֶר ַשׁע em oposição a )צ ָד ָקה ְ como “cósmico” ou “desordenado”, isto é, perturbador da ordem, como a corrupção do fluxo natural da água. À luz do meu argumento acima, isso - embora totalmente compatível com a mente judaica helenística - não deve ser tomado como uma influência importada do helenismo, mas como uma tradução apropriada do princípio básico subjacente à própria sabedoria israelita e do antigo Oriente Próximo.195 Se os humanos são para alcançar o sucesso, eles precisam conhecer a ordem cósmica e agir em conformidade com ela, o que significa ter que moldar a vida de acordo com esse padrão. Pode-se objetar que o comportamento humano dificilmente pode ser chamado de virtuoso em termos de uma ética da responsabilidade se tal comportamento for apenas uma sintonia mecânica com a ordem cósmica, uma vez que isso não pode ser uma resposta a um divino “tu deves”, isto é, a um mandamento da vontade divinamente revelada. Mas este é apenas um lado da questão. A outra é que as pessoas reconhecem a ordem na natureza, mas então na natureza como criação, de modo que não se trata de um processo mecânico sem consideração pelo divino Criador. Mas, da mesma forma, também não se trata de nenhuma revelação divina, nem na forma de uma palavra de Deus, nem de uma audição ou visão de um sábio. A menos que se defina “revelação” de tal forma que não apenas palavras e experiências visionárias, mas também observações da realidade empírica se tornem um veículo de revelação (o princípio de Rorschach), caso em que o debate se torna supérfluo. O conceito de virtude sustentado por essa visão, portanto, situa-se entre a recomendação da ordem cósmica e a exigência de obedecer à vontade divina. 194
Cf. Loader (2002, 724-725), onde o verso é usado no contexto de outro argumento. Tanto quanto posso ver, Cook não se refere a este versículo em seu trabalho sobre Provérbios na Bíblia Grega (a referência “25:25-27, 308” no índice de Cook [1997, 386] é obviamente um erro) . Ainda assim, minha interpretação acima concorda com o resultado alcançado por Cook por meio de uma investigação de várias seções representativas do Livro de Provérbios, notadamente que o(s) tradutor(es?) usou motivos gregos para explicar conceitos já existentes no texto hebraico para uma leitura grega público (Cook 1997, 318-319). 195
Introdução
49
Assim, a Septuaginta representa uma perspectiva judaica tardia que está totalmente de acordo com a consciência de ordem exemplificada pelos provérbios anteriores. Portanto, a divisão entre a ética “indutiva” pré-exílica e a ética “dedutiva” pós-exílica não pode ser tão ampla quanto apresentada por Otto.196 Visto que a Septuaginta é posterior a todas as outras fases de Provérbios na tradição hebraica, é difícil negar ao restante da assim chamada sabedoria “posterior” a mesma abordagem indutiva. Mas nada exige isso. Os exemplos dados acima mostram que a Septuaginta não está absolutamente sozinha nisso e não impôs uma ideia estranha do pensamento helenístico à antiga tradição de sabedoria hebraica, nem em sua forma aforística (como vimos), nem na forma supostamente posterior. de poemas de sabedoria (como será mostrado em breve). Assim, a virtude não é apenas algo atribuído aos jovens por comando, mas também mediada pelo reconhecimento da ordem tal como esta é observada no mundo e apontada por seus mestres. Os exemplos a seguir pretendem demonstrar que o mesmo padrão de pensamento também é encontrado nos textos sapienciais posteriores. O argumento que acabamos de desenvolver também se aplica onde a sabedoria é explicitamente vista como um dom de Deus, como em Provérbios 2:1-6: 1 Filho meu, se aceitares as minhas palavras e entesourars os meus mandamentos, 2 de modo que o teu ouvido esteja atento à sabedoria , e inclina o teu coração ao entendimento, 3 se realmente clamares por discernimento e levantares a tua voz por entendimento, 4 se a buscares como a prata e a buscares como a tesouros escondidos, 5 então compreenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus. 6 Pois o Senhor dá sabedoria e de sua boca vem o conhecimento e o entendimento.
A construção condicional estendida expressa o que acontecerá sob condições específicas. Essas condições mantêm uma relação definida com as consequências. O versículo 6 não precisa significar que a sabedoria é “conhecimento revelado por Deus”,197 pelo menos não no sentido de que o conteúdo do conhecimento é revelado por Yahweh. Os jovens devem primeiro conhecer e demonstrar virtudes como obediência (v. 1), atenção (v. 2), entusiasmo (v. 3) e diligência (v. 4), e só então ( )אז entenderão ( ) בין e encontre o conhecimento de Deus (v. 5). O que é dado não é o conteúdo da virtude – pois isso já existe – mas a capacidade de compreensão. Isso também pode ser simplesmente chamado de “sabedoria” (sabedoria e conhecimento são usados aqui em paralelo com [תבונהinsight]). Mas, na prática, ainda deve ser traduzido em ação. Assim também na sabedoria mais jovem as virtudes sapientes precedem não o próprio temor de Deus (pois isso já existe), mas a compreensão, isto é, a percepção no conhecimento. Portanto, não se pode sustentar que os estágios posteriores da sabedoria tomem o Temor de Deus como ponto de partida, enquanto os estágios anteriores 196 197
Otto (1994, 152-174). Então Otto (1994, 162).
50
Introdução
partir da realidade empírica.198 Que o Temor de Deus é o “princípio” ()ראשית da sabedoria, não significa dizer que Deus revela seu conteúdo, mas sim qual é a condição para a aquisição da sabedoria: Aceitação da autoridade isso não cabe apenas aos pais e professores, mas, em última análise, tem sua fonte em Deus. Isso é identificado inequivocamente perto do final do capítulo 9, enquadrando assim a primeira parte da antologia (Pv 9:7-12; cf. 1:7): 7 8 9 10 11 12
Quem corrige o escarnecedor é insultado e quem repreende o ímpio é manchado. Não repreendas o escarnecedor, para que não te odeie; repreenda o sábio, e ele o amará. Dê ao sábio, e ele se tornará ainda mais sábio; ensine o justo e ele aumentará o aprendizado. O temor de Javé é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é a percepção. Pois por mim seus dias se tornarão muitos e os anos de sua vida se multiplicarão. Se você é sábio, você é sábio por si mesmo; se você zombar, só você vai suportar.
O zombador ()לץ, como exemplo de arrogância, não se submeterá à sabedoria e, portanto, não pode aceitar seu ensino. Ele não cumpre a condição e, conseqüentemente, não pode alcançar a sabedoria. Isso está documentado com a mesma clareza nos ditos curtos, por exemplo, Provérbios 16:18:199. O orgulho precede a destruição e a altivez do espírito precede a queda.
Há tão pouca diferença entre a pessoa arrogante deste provérbio e a do capítulo 9 quanto na estrutura de pensamento dos dois textos. A contraparte positiva é até comparada com o Temor de Deus em Provérbios 15:33: O temor do Senhor é a disciplina da sabedoria, e a humildade precede a honra.
Isso confirma a interpretação do Temor de Deus como disciplina ( )מוסרque conduz à sabedoria. Assim, a estrutura de pensamento dos estágios de sabedoria anteriores e posteriores é a mesma também a esse respeito. De tudo isso devemos concluir que o tema do Temor de Deus e a ideia de Deus como fonte de sabedoria não requerem o conceito de revelação – nem nos ditos curtos nem nos poemas. Portanto, não precisamos encontrar razões para negar à sabedoria posterior a capacidade de partir da realidade empírica. 198 Nesta submissão, seria inexplicável que o Temor de Deus esteja associado à ação humana tanto nos aforismos “empíricos” ostensivamente antigos (cf. Prov 14:26, 27; 15:33) quanto nos poemas de sabedoria (cf. também Prov 8:13) – a menos que se apele ao petitio principii de que tais sentenças devem ser tardias por esse motivo. A alegação de Sekine (2002, 79) de que tais provérbios não estão interessados no “bem ou no mal do comportamento exterior das pessoas, mas em saber se elas têm uma fé que repousa em Deus”, não pode ser mantida. 199 Cfr. também Pv 18:12; 21:4; 29:23.
Introdução
51
Evidências da importância da observação empírica também são encontradas em outras partes da sabedoria pós-exílica. O Livro de Qohelet é uma verdadeira mina de ouro a esse respeito. Na passagem de abertura diz (Qoh 1:3-11): 3 4 5 6 7 8 9 10 11
O que as pessoas ganham com todo o trabalho em que trabalham sob o sol? Uma geração vai e outra vem, mas a terra permanece para sempre. O sol nasce e o sol se põe, e corre para o lugar onde nasce. O vento sopra para o sul, e vai para o norte e volta novamente, e ao lugar onde começou volta novamente. Todos os riachos correm para o mar, mas o mar não enche; para o lugar onde correm os riachos, ali continuam a correr. Todas as palavras são tão cansativas, mais do que se pode expressar; o olho não se farta de ver, nem o ouvido se enche de ouvir. O que foi voltará a ser e o que foi feito voltará a ser feito; não há nada de novo sob o sol. Existe alguma coisa sobre a qual se diz: “Veja, isso é novo”? Já foi, nas eras antes de nós. Os povos de outrora não são lembrados, nem aqueles que ainda virão, nem haverá qualquer lembrança por aqueles que virão depois deles.
Qohelet fundamenta sua conclusão negativa – que é fortemente enfatizada por sua posição como uma pergunta retórica logo no início – por uma observação que abrange fenômenos do que chamaríamos de natureza e cultura. O ciclo da natureza sempre permanece o mesmo, assim como a natureza humana. O “ethos” das frases de sabedoria isoladas, bem como daquelas construídas em poemas maiores, consiste, portanto, em ensinar com base na experiência ou na observação. Que essas frases (“Wahrsprüche”) têm um caráter religioso, é óbvio no nível redacional e, no que diz respeito às unidades individuais, pode ser inferido das referências a Deus, bem como ao Temor de Deus que ocorrem em muitos lugares. Mas que o “ethos” é revelado não pode ser demonstrado – nem em qualquer sentido teológico normal nem em termos histórico-religiosos. • Admoestações como injunções Seria realmente surpreendente se as admoestações sapienciais, não apenas tendo sido transmitidas como foram com, ao lado e entre as sentenças, mas também representando o mesmo “ethos” que as sentenças, contivessem uma orientação religiosa contraditória. As considerações a seguir, no entanto, mostram que não é esse o caso. Injunções admonitórias tanto na forma aforística quanto nos poemas são frequentemente substanciadas, mas as substanciações nunca necessitam da inferência de que seus conteúdos se originam em uma revelação. Como primeira instância entre muitas 200, podemos examinar a dupla injunção de um poema de sabedoria já considerado acima (Provérbios 9:9): Dê ao sábio, e ele se tornará ainda mais sábio; ensine o justo e ele aumentará o aprendizado. 200
Nel (1982, 18ss.) oferece textos relevantes classificados de acordo com tipos sintáticos.
52
Introdução
Como o próprio tema do ensino é o assunto deles, ambas as injunções com imperativo são interessantes. Quem já é sábio deve ser instruído ainda mais para aumentar sua sabedoria (cf. Prov 1:5).201 Aqui nenhuma comprovação técnica (por exemplo com )כי é dada, mas uma construção final é usada em ambos os casos. Portanto, o objetivo da admoestação é aumentar a competência no ensino ( ֶל ַקח é tanto o que é recebido pelo professor quanto o que é dado ao aluno). Na medida em que o objetivo também veicula o motivo da admoestação, também pode ser chamado de motivo ou incentivo para a liminar. Embora dificilmente se possa falar de uma construção final e de uma “declaração factual” ao mesmo tempo,202 o uso dessa construção trai a suposição do sábio: o sábio cresce com a educação contínua. Isso é novamente visto como uma realidade geralmente válida e, portanto, fundamentado na observação da realidade empírica: é sempre assim.203 Sendo essa uma verdade geral, o ensino sobre o ensino dos já sábios faz sentido. Um caso muito simples é o conselho para disciplinar o filho: Discipline seu filho, pois assim há esperança, mas não queira matá-lo. (Pv 19:18)
A esperança para o filho implica que a disciplina é proveitosa para ele, o que por sua vez (seja visto como propósito ou como resultado), constitui a base para a punição paterna. Como também sabem muito bem os pais que nunca tiveram nada a ver com a revelação, a dura experiência da realidade social é a única fonte desse insight. Essa admoestação também é relevante para o nosso tópico por outro motivo, ou seja, porque implica o rigor do meio de ensino. Esse motivo frequentemente recorrente204 só faz sentido se o castigo corporal realmente for tão severo que matar crianças não só seja imaginável, mas de fato deva ser advertido contra. Uma prática de ensino tão rigorosa para nossos propósitos torna supérflua a questão de saber se o vetitivo (אל+ jussivo) é mais brando e o proibitivo (לא+ imperfeito) uma forma mais severa de advertência, respectivamente desencorajamento e proibição. Mais casos do vetitivo são citados abaixo, mas logicamente não precisamos da distinção gramatical para demonstrar que algumas admoestações são conselhos ou encorajamento e outras ordens negativas categóricas. Consequentemente, não precisamos prosseguir com o assunto.205 O conselho a favor ou contra qualquer ação ou atitude é dado com o 201 Aprendizagem ao longo da vida também é um tópico em Ben Sira (por exemplo, Sir 6:18-37); cf. Crenshaw (1998, 178-179). 202 Então Nel (1982, 20). 203 Outras ilustrações dos poemas: Pv 8:32, 33s. 204 Cfr. Pv 13:24; 22:15; 23:13s.; 29:15, 17; Senhor 30:1; Achikar nº 4; cf. Crenshaw (1998, 147-149 [sobre o motivo em textos egípcios]; 203, 281). 205 Cfr. o fato de que tanto o vetitivo quanto o proibitivo podem ocorrer em paralelismo sinônimo, por ex. Prov 22:24 (Nel 1982, 21), e que um vetitivo pode negar o imperativo no mesmo tipo de paralelismo (por exemplo, Qoh 11:6).
Introdução
53
autoridade implícita nesse rigor e no tema recorrente da “disciplina”. A distinção entre conselho e comando na qual estamos focando não é uma questão de rigor ou mesmo de autoridade, mas tem sua base na questão de saber se temos a ver com uma exigência divinamente revelada ou não. À luz do que descobrimos até agora, esta pergunta deve ser respondida negativamente. Em Provérbios 25:8-10 duas admoestações ocorrem lado a lado: 8 9 10
Não vá apressadamente ao tribunal; pois o que você fará no final, quando o seu próximo o envergonhar? Discuta o seu caso com o seu vizinho, mas não revele o segredo de outro, ou alguém que o ouvir pode falar mal de você, e sua calúnia volta contra você.
Ambos os avisos mencionam consequências completamente compreensíveis de se esperar quando alguém não é cuidadoso o suficiente em processos legais. A prática judicial mostra que litígios precipitados facilmente causam a desgraça do litigante. Os versículos 9-10 contêm uma ilustração clara do nexo de ação e consequência. A difamação volta para aquele que a lança no mundo. Assim é simplesmente a realidade empírica e é sensato ter em mente um nexo tão óbvio.206 Por um lado, o motivo da implacabilidade nele contido confirma que o conselho não é uma mera questão de arbitrariedade. Ele vem com a autoridade total do pai ou do professor e, como todos os ditos sapienciais, baseia-se no fundamento do que eles observaram na ordem cósmica atribuída ao Criador. Sua autoridade nada tem a ver com ser revelado ou não.207 Isso se aplica mesmo nos casos em que Javé é explicitamente mencionado. Assim diz em Provérbios 24:21s.: 21 22
Meu filho, tema ao Senhor e ao rei, e não se associe com os rebeldes; pois de repente o desastre pode vir deles, e quem sabe que ruína ambos podem trazer?
O temor de Deus é mencionado junto com o imperativo, de modo que o provérbio não é apenas claramente uma advertência, mas também possui uma qualidade religiosa distinta. Pode ser correto que o Temor de Deus e do rei aqui exemplifique a convicção de que Javé é o principal e o rei o “autor” secundário da ordem mundial. Mas isso não contribuiria em nada para a ideia de um ethos aparecendo nas admoestações (especialmente em suas partes substantivas) que deveria ser considerado como “conhecimento revelado da conduta humana correta”.
Cf. também Pv 23:1-3, 10s.; 25:6s. Cf. Fox (2000, 108), que parece pensar em termos semelhantes. 208 Nel (1982, 30), discutindo a estrutura das admoestações em Provérbios; e Nel (1982, 91) no contexto de um argumento sobre a autoridade das admoestações. 207
54
Introdução
O nexo entre a ação (aqui o lado negativo do paralelismo antitético, v. 21b) e a consequência (aqui a súbita chegada do desastre, v. 22) não é sustentado por um apelo a um anúncio divino, mas é oferecido, como no outro admoestações fundamentadas, como apresentação sucinta de uma verdade geral. Para o sábio, a consequência é um fato empiricamente observável (se a observação sempre pode ser enquadrada com a experiência real – cf. a teodicéia – é outra questão).209 Da mesma forma, a advertência de Qohelet para obedecer ao rei por causa do Godoath não introduz revelação como a fonte para os conteúdos da virtude. Qoh 8:2-5: 2 3
4 5
Cumpra a ordem do rei por causa do juramento de Deus, não se perturbe, saia de sua presença e não fique parado em uma situação difícil, pois ele faz tudo o que lhe agrada. Pois a palavra do rei é poderosa, e quem pode dizer a ele: “O que você está fazendo?” Quem obedece a um comando não encontrará nenhum mal, e o coração sábio conhece o tempo e o julgamento.
Qualquer que seja a interpretação mais provável da difícil declaração sobre o juramento de Deus,210 a fundamentação para a advertência reside na observação do fato de que o rei pode fazer o que quiser. Nesta passagem, onde os motivos da obediência, rei, Deus e revolta voltam a ser associados, o conselho de abster-se da insurreição assenta no facto do poder régio. Isso é pura observação fundada na capacidade de levar em consideração a realidade empírica. Qohelet, como os sábios cujos conselhos são encontrados no Livro dos Provérbios, oferece o seu no gênero da admoestação. Qoh 11:6: Semeie pela manhã a sua semente, e à tarde não deixe sua mão ficar ociosa, pois você não sabe qual prosperará, esta ou aquela, ou se ambas serão igualmente boas.
O primeiro ponto é um paralelismo sinônimo em que uma advertência no imperativo ( )זרע é balanceada por outra na forma vetitiva ()אל־תנח. Qohelet, de acordo com a sabedoria popular, refere-se à prática agrícola claramente visível. 209 Da mesma forma Pv 22:22-23, onde o fato de que o Senhor está do lado dos pobres de forma alguma supõe qualquer comando por ele e pode igualmente ser uma interpretação religiosa da consequência observada. Cf. mais Provérbios 23:17-18: Em uma admoestação aforística, o Temor de Deus é exigido, o que é apoiado por uma consequência geralmente válida. 210 Uma pesquisa é fornecida por Krüger (2000, 277-288).
Introdução
55
A diferença no seu caso não é um ponto de observação da natureza, mas o protesto da ignorância fundamental do ser humano: “porque tu não sabes...” Certamente há uma ordem natural – as sementes germinam e as colheitas são colhidos – mas a essência interna desta ordem é inacessível aos humanos. Por questões de segurança, é melhor trabalhar em horários diferentes. • Uma oração isolada Um terceiro modo sapiencial, depois da descrição e prescrição, ocorre apenas uma vez no Livro dos Provérbios. Na passagem relativamente jovem de Provérbios 30:7-9 encontra-se uma oração solitária: 7 8 9
Duas coisas eu peço a você; não os negues a mim antes que eu morra: afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem pobreza nem riquezas; dá-me o alimento de que preciso, para que eu, se estiver farto, te negue e diga: “Quem é o Senhor?” para que eu, sendo pobre, não roube e profane o nome do meu Deus.
Claro que a oração ressalta a profunda religiosidade do conteúdo. O pedido compreende o aspecto da honestidade, por um lado, e o da frugalidade, por outro. A primeira é uma virtude sapiencial típica;211 a última é conhecida na literatura de sabedoria como respeito pela moderação212 e exemplifica o insight obtido da observação da natureza por muitas culturas “primitivas”, notadamente que a moderação é positiva porque se harmoniza com a ordem natural. 213 A sabedoria da medida certa é boa porque cultiva a fé correta (v. 9). Mais uma vez, a sequência é notável: o sábio não ouve de Deus que a frugalidade é piedosa, mas reza para que Deus mantenha sua vida dentro dos limites dessa virtude já conhecida por ele. Ele deseja moldar sua vida dessa maneira e não de outra, para que possa responder a Deus por esta vida. É particularmente claro nesta passagem que a piedade Yahwística de um sábio orante e a estrutura racional de seu conhecimento da ordem mundial são necessariamente baseadas uma na outra, mas então na sequência: Conhecimento da ordem natural
211
Oração
Cf. Pv 4:24; 10:32; 13:5; 11:3. Cf. Pv 25:16; Qoh 5:11; 6:2. 213 A referência aos San do Kalahari e aos povos indígenas da América do Norte pode ser suficiente para nosso propósito. 212
56
Introdução
e não o contrário.214 O elogio da sabedoria de Qohelet e seu “conselho positivo”215 oferecido apesar de seu humor pessimista fundamental, estão intimamente relacionados ao que encontramos no Livro de Provérbios. Eles são a consequência de um desenvolvimento cujas raízes estão codificadas na própria sabedoria do antigo Oriente Próximo: a observação da realidade empírica, que é então relacionada a Deus. 7.1.4 Conclusão Voltando ao preâmbulo do Livro dos Provérbios, podemos lembrar que o conteúdo de todo o livro está ali resumido como ensino – ditos, admoestações e poemas, observações do mundo empírico e reflexão sobre o Temor de Deus como fé . Supor que o redator não entendeu nada disso é simplesmente irracional. Por outro lado, um desenvolvimento dentro da tradição sapiencial e o reconhecimento de topoi, motivos e formas anteriores e posteriores são tão plausíveis como sempre. Mas isso não requer uma diferença essencial entre uma orientação empírica para a fase anterior e uma orientação em termos de fé na revelação para a fase posterior. Tal bifurcação não é apenas logicamente desnecessária, mas também refutada pelo que vimos nos textos reais de ambos os grupos. Mesmo que a sabedoria “mais velha” e “mais nova” seja encontrada no Livro de Provérbios, tais ditos foram incorporados em um livro por um redator que obviamente não teve nenhum problema em combinar os dois. Isso não é surpreendente, já que a visão de mundo sintética da tradição de sabedoria de Israel não permitia a divisão da realidade em compartimentos. Tampouco, portanto, diferenciou entre a percepção humana da realidade empírica, por um lado, e a fé em um Deus que sustenta essa realidade, por outro. Portanto, poderia desenvolver um cânone de virtudes que não fosse determinado pelo ou-ou do comando como uma questão de revelação e conselho como uma questão de razão. Isso também não deveria nos surpreender na segunda acusação: como vimos, a sabedoria aforística e os poemas sapiencial são compatíveis tanto lógica quanto tematicamente. Por mais diferentes que sejam seus pontos focais e suas manifestações literárias, ambos se propõem a moldar uma vida virtuosa. fato mina o nexo ação-consequência (quanto mais sabedoria, mais bênção, portanto, riqueza). 215 Cf., entre outros, Qoh 8:1 e 3:22; 8:15. O elemento positivo nas reflexões de Qohelet é repetidamente enfatizado em pesquisas recentes; cf. Whybray (1982, 87-98); Ogden (1984, 27-38); Lohfink (1990, 625ss.); Klopfenstein (1991, 98ss.); Scheffler (1993, 248ss.). Continuo não convencido pelos esforços para fazer Qohelet ter uma “mensagem positiva”, precisamente porque tanto seu inegável elogio à sabedoria, trabalho sapiencial e prazer quanto sua observação igualmente clara de “perseguir o vento” na vida, fundamentados como estão em uma fé firme em Deus, como tal radicalizam os pressupostos inerentes à própria sabedoria tradicional (pensar em termos de ordem, o dilema daí resultante, a fé em Deus).
Introdução
57
e ambos fazem isso observando a ordem do mundo e levando-a a sério. Apesar da ausência de revelações de um sujeito divino, ambas as formas ordenam a vida diante do objeto do יראת יהוה. Seja no modo indicativo, jussivo ou imperativo, todas as formas sapiênciais são formas de ensino, oferecendo uma instrução humana, cuja autoridade reside na verdade de sua plena compatibilidade com a ordem natural. Pela mesma razão, esta autoridade também deve ser divina. As declarações desta instrução podem, portanto, também reivindicar a força de um comando, porque o Criador é o subscritor da ordem. Assim, em vez do ou-ou da realidade empírica e revelação para, respectivamente, as fases “primeiras” e “tardias” no desenvolvimento da sabedoria, a mesma lógica indutiva deve ser postulada para ambas, não obstante suas diferenças de grau. Não a sequência dedutiva: eu creio em Javé, portanto x é verdadeiro (embora não me tenham dito que Javé o havia revelado).216
Mas o indutivo: vejo que x é verdadeiro, portanto deve repousar em Yahweh (pois creio nele).
Essa lógica pode ser invertida apenas se alguém for chamado de Eliphaz, Bildad ou Shophar. Mas o próprio Livro dos Provérbios não exige isso. Se a vontade de Deus pode ser avaliada a partir da realidade natural, então a revelação e a observação coincidem. Isso abre a possibilidade de interpretar a religião em termos do julgamento estético. E, se virtude significa fazer o que é certo com base na ordem da criação, então a ação correta é uma ação bela. 7.2 Aprendizado no Indicativo 7.2.1 Introdução “… [nós]”, diz P.J. Nel em um importante estudo sobre Provérbios, “estamos inclinados a discordar de Westermann, que exagera a diferença entre sabedoria dita e admoestação”.217 O que ele quer dizer Isso é que há uma “coerência no conteúdo da admoestação e da palavra de sabedoria”. Isso não deve, penso eu, ser interpretado como uma afirmação de que a admoestação como gênero e o ditado de sabedoria como gênero significam a mesma coisa, mas provavelmente esse espaço deve ser deixado para “a coerência da admoestação e motivação”. Isso parece resumir-se à alegação de que, apesar da diferença formal entre ditos de sabedoria e admoestações, há algum terreno comum entre eles que outras palavras: que Yahweh concede a lógica indutiva. 217 Nel (1982, 75).
58
Introdução
não é contabilizado no exagero de Westermann sobre a diferença entre os dois.218 Se entendi Nel corretamente, concordo. Assim, proponho dar uma olhada no tratamento de Westermann dos dois gêneros em seu estudo sobre a sabedoria no dito sapiencial (Westermann 1971), que há muito foi negligenciado, mas agora está ganhando destaque (cf. o próprio comentário de Westermann a este efeito, 1991:28). 7.2.2. O Imperativo, o Indicativo e o Contexto de Vida Em seu estudo, Westermann desenvolve a tese de que os ditados de sabedoria encontrados em coleções não são mais ditos de sabedoria “reais”. Eles se divorciaram de seu ambiente de vida original ou Sitz im Leben,219 e são desenvolvimentos do estágio do ditado simples (“einfaches Sprichwort”) ao nível do provérbio sofisticado (“Kunstspruch”). Como, portanto, esses provérbios representam o desenvolvimento posterior (“Nachgeschichte”) de um estágio anterior na história sapiencial de Israel, eles precisam ser relacionados a um pano de fundo adequado no qual o dito tenha seu significado real e socialmente relevante (“in dem das Sprichwort seine eigentliche und für die Gesellschaft zentrale Bedeutung hatte”).220 Tal estágio anterior não é encontrado no Antigo Testamento, mas ainda pode ser observado nos ditos de sabedoria dos povos “primitivos”. Portanto, esses ditos de todo o mundo (no caso dele, apenas de uma parte da África) devem ser examinados para fornecer o fundamento que falta. A pedra angular construída nesta tese é que os ditos no imperativo (Westermann não inclui o vetitivo) têm uma configuração de vida totalmente diferente daquela dos ditos no indicativo. Jakob Spieth,222 que coletou 128 ditos de Ho, uma tribo Ewe. Ele atribui importância ao fato de que apenas um deles tem uma forma imperativa, mas imediatamente acrescenta: “Es gibt hier auch Werte, die den Imperativ-Sprüchen des Alten Testaments entsprechen – aber sie kommen nur in direkter Anrede vor, und zwar bei der Ermahnung eines Kindes oder Heranwachsenden. Z.B. bei Spieth S. 634.” Por exemplo: 218 Para não complicar indevidamente o assunto, deixo de lado a afirmação de Nel de que essa “coerência de conteúdo” não “abole” as “diferenças intencionais” entre os dois gêneros. 219 Westermann (1971, 73-74). 220 Westermann (1971, 75). 221 Estarei me referindo, respectivamente, ao gênero da admoestação (Mahnspruch) para o primeiro, e ao gênero do ditado (sabedoria) (Aussagespruch) para o último. Para este propósito, as construções de לאplus imperfeito para o proibitivo e אלplus jussivo para o vetitivo serão incluídas na categoria de admoestação. 222 Westermann (1971, 75); a obra referida, Die Ewe-Stämme, data de 1906 e não me foi acessível.
Introdução
59
Olhe para seus colegas, como eles são diligentes e obedientes, como eles não tomam a propriedade de ninguém, mas trabalham para conseguir algo para si mesmos! Portanto, pedimos a você: também não seja preguiçoso, mas trabalhe com afinco! Então você terá sucesso em tudo para se tornar igual aos seus colegas, fazer tudo e assim agradar as pessoas!
O aluno deve observar a diligência e a honestidade de seus colegas e imitá-los, para que seja bem-sucedido e respeitado. Westermann continua a afirmar que os ditos imperativo e indicativo têm, pelo menos neste exemplo, configurações de vida diferentes.223 Isso é bastante difícil de ver. Mas, à luz das reivindicações de longo alcance que se seguem, merece uma atenção mais cuidadosa. Primeiro, a concessão de que também nesta coleção há pronunciamentos imperativos mina a distinção categórica que Westermann deseja fazer entre provérbios imperativos e indicativos. Em segundo lugar, a tentativa de minimizar o enfraquecimento de seu próprio argumento, apelando para a suposta ocorrência dos imperativos exclusivamente no discurso direto, é malsucedida. Não está claro como o imperativo pode ser usado de outra forma senão no discurso direto, o que por si só anula qualquer significado que pudesse ter sido atribuído à declaração. Além disso, o próprio exemplo que Westermann apresenta contém dois imperativos, um seguindo uma fórmula introdutória e outro não apresentado dessa maneira. Se Westermann entende por “direkte Anrede” (endereço direto) um imperativo precedido por uma fórmula introdutória (como “Então nós te pedimos ...”; cf. linha 5 de sua citação), a referência não significa muito, pois o A primeira linha de sua citação contém um imperativo (“Observe seu grupo de pares”) sem essa fórmula. Mesmo que não fosse esse o caso, ainda não ficaria claro que diferença a apresentação de imperativos no discurso direto introduzido faria para o argumento. • Sitz im Leben: situações iguais e desiguais A pièce de résistance da proposição de Westermann é que a admoestação e o ditado de sabedoria vêm de diferentes contextos de vida. Ele declara claramente que os provérbios no imperativo e os no indicativo têm diferentes contextos de vida e que a injunção pertence à educação, “ao contrário do que” o verdadeiro adágio é um ditado (indicativo):224 223
Westermann (1971, 76). Westermann (1971, 76): “É claro que a advertência tem seu assento original na vida na educação. O imperativo e o indicativo têm... uma posição diferente na vida. A admoestação para agir corretamente pertence à educação, é dirigida a crianças ou adultos. O provérbio real, por outro lado, é um provérbio.” 224
60
Introdução
O ponto discutível não é se as admoestações devem ser localizadas na educação, mas se é verdade que os ditos indicativos de sabedoria não devem ser entendidos como parte desse aspecto da sociedade israelita antiga (e da chamada sociedade “primitiva”). Parece haver várias pontas soltas na maneira como Westermann lida com o assunto. Ele obviamente considera uma distinção rígida entre os dois gêneros como suporte para sua tese fundamental de que as coleções de provérbios devem ser estudadas no contexto de ditos “primitivos” para compensar a perda irreparável do cenário original dos provérbios bíblicos. Não vejo por que isso é necessário. Westermann poderia ter desenvolvido seu argumento225 sem selar este cavalo. O único incentivo que vejo para argumentar nesse sentido é o desejo de salvaguardar os ditos simples de serem incorporados à categoria de instrução (“Lehre”). Esta última é “educação” e, se se pode evitar que a primeira seja entendida também como educação, também se evitará o perigo de ser considerada como parte de um sistema didático sofisticado e de ser associada a escolas,226 ao passo que não seria uma perda tão grande ter que ceder apenas as admoestações à categoria de “Lehre”.227 Em seguida, a exposição de Westermann é pouco lúcida quando vem explicar a intenção dos ditos indicativos em relação às admoestações. Negando que todos os ditos indicativos tenham a função de meramente estabelecer fatos (“die Funktion bloßer Feststellung”), ele continua (Westermann 1971:76): Um grande número desses ditos tem um claro caráter exigente ou mesmo de advertência; mas é essencial que essa exigência ou admoestação seja inferida, deduzida, do indicativo... O dito declarativo diz como é. ([E]ine ganze Reihe dieser Sprüche hat einen ausgesprochen auffordernden oder auch mahnenden Charakter; aber es ist wesentlich, daß diese Aufforderung oder Mahnung aus dem Indikativ zu entnehmen, zu folgern ist ... Der Aussagespruch sagt, wie es ist.)
Faz muito pouco sentido admitir o caráter admonitório das afirmações indicativas e, ao mesmo tempo, reiterar seu caráter descritivo simples. Essas duas declarações não são reconciliadas ao chamar de seminal que o 225 não acho muito convincente nas tentativas do aluno de Westermann, F.W. Golka, de mostrar que nossa compreensão dos provérbios bíblicos é aprimorada por tais comparações com ditos de sabedoria africana (cf. Golka 1986, 1989a, 1993.) Ver Loader (1999, 211-233) para uma discussão detalhada do assunto. 226 Para a oposição de Westermann a esta associação e sua defesa da “escola popular” (que associa a origem de ditados proverbiais com “povo comum”), cf. Fox (1996, 232-234). 227 Zimmerli ([1933] 1976, 180) e Von Rad (1970, 48) apontam a relativa escassez de admoestações diretas em relação ao número total de versículos no Livro de Provérbios. Compare isso, no entanto, com a pesada lista de 103 admoestações, organizadas de acordo com a forma, fornecida por Nel (1982, 65-67).
Introdução
61
a admoestação deve ser inferida do indicativo.228 Isso é exatamente o que qualquer um que desejasse demonstrar a afinidade dos ditos imperativos e indicativos alegaria. Na verdade, a inconsistência no argumento de Westermann revela inquietação sobre a relação entre admoestações e ditos indicativos de sabedoria. Seus exemplos da coleção Ewe ilustram isso: O antílope anão não calça o pé do elefante.
e: A contenda das ovelhas não interessa aos cabritos.
Ambas são obviamente declarações, mas implicam o que deve ser respeitado e feito. Na ordem natural das coisas, o antílope anão não anda com enormes pés de elefante. O oposto seria antinatural, portanto indesejável e, portanto, deve ser evitado. Em outras palavras, os pequenos, humildes ou menos poderosos devem conhecer sua posição e não aspirar a coisas que são grandes demais para eles. A briga entre ovelhas, por exemplo, a competição entre carneiros na época de acasalamento, não tem impacto nas espécies bastante diferentes de cabras. A admoestação implícita é manter-se afastado de conflitos que não dizem respeito a alguém. Ambos os exemplos têm equivalentes na sabedoria bíblica. A admoestação bíblica de não ser presunçoso na presença do rei ou ocupar um lugar entre os grandes (Pv 25:6) e a afirmação de que um homem hábil pode comparecer diante dos reis (Pv 22:29) têm a mesma função. A admoestação aconselha a humildade na alta sociedade e implica que apenas algumas pessoas têm direito a certos estilos de conduta nessa sociedade. O indicativo afirma que apenas certas pessoas têm um certo status e implica que a habilidade deve ser buscada. Outro exemplo: a afirmação de que é tolice se intrometer nas brigas dos outros (Provérbios 26:17) pode ser comparada ao ditado Ewe sobre ovelhas e cabras. Tem a implicação didática de que não se deve preocupar com conflitos entre os outros. A vaga linha divisória entre as admoestações e os ditos indicativos foi sublinhada por Zimmerli já em 1933. ele é mais sensível do que Westermann à distinção frágil entre as admoestações diretas e os ditos de sabedoria com implicação admonitória (Gerstenberger chama isso de “feiner Unterschied”). Gerstenberger certamente está certo ao dizer que a diferença não é erradicada pelo fato de tais ditos indicativos exigirem que o ouvinte infira a advertência implícita, mas a semelhança no impulso também não é erradicada pela diferença na forma gramatical. Compare isso com Bauer-Kayatz (1969, 13-14), segundo quem tanto as admoestações quanto os ditos indicativos pertencem à “sabedoria do clã”. A ideia de Von Rad (1970, 48) de que os ditos de sabedoria contêm um elemento que aponta para além de si mesmos (“etwas über sich Hinausweisendes”), que torna possíveis todos os tipos de associações, pode ser tomada como suporte para a afinidade das duas formas, apesar de suas diferenças gramaticais. diferença. 229 Zimmerli ([1933] 1976, 181).
62
Introdução
possível (cf. suas ilustrações por meio de Pv 16:3, 19:20 por um lado, e 10:2a, 23:4-5 por outro), mas também as “duas formas são frequentemente encontradas juntas em Provérbios em uma unidade verbal” (por exemplo, 23:20-21, 26-27; 24:15-16, 19-20). Hermisson230 também atenta para as formas na fronteira do dizer indicativo e da admoestação. Ele é repreendido por Nel231 por promover a causa daqueles que defenderiam um desenvolvimento genético de sabedoria e admoestação, mas não foi isso que Hermisson de fato fez. Ele apenas demonstrou a área cinzenta entre as duas formas, conforme testemunhado pelo que ele chama de “Übergangsformen”. Estes são ditos de sabedoria nos quais o imperativo é usado, mas que não podem ser entendidos como admoestações diretas para fazer o que foi dito. Por exemplo, Provérbios 22:10a: Expulse o insolente e a contenda desaparecerá.
Na sintaxe do imperativo hebraico, é bem conhecido que ou dois imperativos ou um imperativo e um jussivo232 podem ser relacionados dessa maneira, de modo que “o primeiro imperativo contém, via de regra, uma condição, enquanto o segundo [imperativo ou jussivo] ] declara a consequência que o cumprimento da condição acarretará.”233 Isto é o que pode ser visto aqui (cf. também Is 8:10; 55:2). Não é uma injunção de que se deve agir de determinada maneira em relação a pessoas insolentes, mas uma declaração mostrando o que acontece na presença ou ausência de tais pessoas. Provérbios 20:16 (e seu paralelo em 27:13) também pode ser comparado: Tire a roupa dele, pois ele se comprometeu com um estranho, e mantenha-o como penhor de estranhos.
Esta é uma forma forte de condenar a prática da fiança, não uma advertência sobre o que a pessoa sábia deve fazer com aqueles que se comprometeram. O foco está na demonstração da insensatez de uma prática financeira pouco saudável, e não no dever de punir os outros. Westermann234 admite que um dito no indicativo pode implicar uma advertência, mas os exemplos fornecidos mostram que uma advertência no imperativo também pode, inversamente, implicar uma afirmação. Portanto, o lado formal de seu argumento para a distinção estrita e, de fato, a separação das duas formas é muito fraco. O aspecto lógico de seu argumento também não é convincente. Westermann, como vimos, declara que o ditado admonitório tem sua base de vida em 230 231 232 233 234
Hermisson (1968, 160-162). Nel (1982, 74-75). GKC 110f e 110g. GKC 110f. Westermann (1971, 76).
Introdução
63
“educação” (“Erziehung”). Esta é uma categoria ampla e ainda não aborda a controvérsia da “escola escolar” versus a “escola popular”. , 76): Das eigentliche Sprichwort dagegen ist Aussagespruch. (O verdadeiro ditado, por outro lado [sc. em oposição à advertência que é colocada em “educação”] é uma afirmação factual).
Esta não é uma proclamação, conforme exigido pelo contexto do argumento de Westermann, sobre o Sitz im Leben supostamente diferente do provérbio simples, mas uma sobre sua forma literária. Então ele ainda não diz onde o ditado deve ser localizado, mas a implicação é “não na educação”. É importante para Westermann que o status social implícito daqueles envolvidos na fala e na audição dos dois gêneros seja considerado. Na verdade, este é o argumento mais importante, se não o único, para sua diferença funcional. A admoestação implica, pensa ele, posições sociais desiguais, enquanto o ditado de sabedoria implica igualdade no status do falante e do destinatário. Uma admoestação implica uma posição de autoridade para o orador, portanto aponta para uma relação professor-aluno; portanto, o cenário de vida é “educação”. Um ditado indicativo implica duas partes “auf gleicher Ebene stehend”;236 portanto, não aponta para uma configuração de vida na educação; para onde deveria apontar, se não para a educação, não está claro. No entanto, muito – na verdade, a maior parte – da educação é formulada no indicativo. Se os ditados de sabedoria implicam em alguma coisa, é que eles contêm um conhecimento valioso que necessariamente implica que o falante tenha um conhecimento que o ouvinte não tem. Este é o mais próximo que se pode chegar de uma relação professor-aluno, seja o primeiro um pai, um ancião experiente do clã ou um professor em uma instituição de ensino formal, e seja o ouvinte uma criança, um adolescente, um membro adulto de uma comunidade. o clã do orador, ou mesmo um superior. Além disso, se as instruções de, por exemplo, Provérbios 1–9 podem empregar declarações indicativas, bem como admoestações no imperativo, por que não pode ser esse o caso nos ditos mais curtos do capítulo 10 em diante? McKane237 235 Compare isso com Nel 1982, 79-82, que pensa que o cenário de vida da admoestação é o mesmo do ditado de sabedoria, notadamente “a cidade israelita”, que ele considera abrangente o suficiente para acomodar toda uma série de ethoi, incluindo o ethos familiar e o ethos escolar. Embora Nel seja totalmente parte da “escola escola” (cf. sua dívida com Gese – Nel [1982, v]), sua colocação social do gênero admoestação é tão ampla que mantém a controvérsia da escola popular sem solução. Isso não contribui para seu esforço de avaliar as “duas soluções principais” do problema, viz. os de Gerstenberger (1965, 121) e Richter (1966, 117), que optam, respectivamente, pela família e pela escola como cenário de vida das admoestações. 236 Isto é, estando ou encontrando-se no mesmo nível (Westermann 1971, 77). 237 McKane ([1970] 1977, 7).
64
Introdução
faz vigorosamente este ponto com referência a Provérbios 7:6-23 (cf. 24:30-34), onde encontramos: maior alcance imaginativo e descritivo do que o emprego didático de imperativos e cláusulas motivacionais para inculcar instrução autoritativa. Há antes uma confiança no poder descritivo a fim de obter aquiescência para o ponto que está sendo apresentado.
O próprio Westermann238 refere-se a Provérbios 1–9 a esse respeito e admite que aqui encontramos o pai ou professor ensinando um filho ou aluno. Ele então acrescenta que seus exemplos de sabedoria Ewe mostraram que não se pode tomar provérbios indicativos e imperativos como instrução.239 Non sequitur. 7.2.3 Conclusão A tomada de posição tão cheia de dificuldades de Westermann provavelmente está relacionada à sua orientação básica para a “forma” ao invés do “conteúdo”. O argumento que temos considerado parece antecipar os pensamentos sobre esta questão expressos nos últimos trabalhos de Westermann sobre a sabedoria. e estudá-lo com foco em “gedankliche Inhalte” (ideias). Torna-se um parâmetro para categorizar as “escolas” contemporâneas. Para ele, a escola “Redeformen” coincide com a escola “folk” em oposição à escola “gedankliche Inhalte”, que coincide com a escola “school/court”. Sua própria lealdade ao primeiro leva à sua estrita separação entre os poemas de sabedoria (“Schulweisheit” ou “Lehrweisheit”) e os aforismos (“Volksweisheit” ou “Spruchweisheit”). A primeira é educação pura em situação formal, a segunda não. Em se tratando de sabedoria aforística, a dicotomia forma-conteúdo, especificamente a separação entre forma e conteúdo em detrimento do conteúdo, por sua vez, causa uma distinção exagerada entre provérbios imperativos e indicativos – duas formas que também fazem parte da sabedoria aforística.241 Finalmente, diferentes configurações de vida para diferentes formas devem ser procuradas, o que leva às discrepâncias e obscuridades242 que apontei. Essa conclusão adverte contra a dicotomia de forma e conteúdo. 238
Westermann (1971, 77). Isso é dito como uma crítica a Gese (1958, 5-6), que afirma que as duas formas juntas são constitutivas do gênero de instrução. 240 Westermann (1990a; 1991). 241 Ver o ensaio sobre o conceito de ordem, vol. I, 19-28. 242 Estes incluem o seguinte: as instruções dos poemas diferem fundamentalmente dos aforismos, mas as admoestações aforísticas também são instruções; os poemas têm um cenário de vida na educação, mas as admoestações fundamentalmente diferentes também devem ser localizadas no ambiente educacional; nenhuma atenção é dada ao uso do indicativo em um ambiente educacional; admissão do caráter admonitório de provérbios indicativos ao defender seu caráter descritivo; conclusões são tiradas sem atenção às possibilidades sintáticas. 239
Introdução
65
7.3 Leituras Metafóricas e Literais de Aforismos em Provérbios 7.3.1 Introdução Em sua monografia sobre riqueza e pobreza no Livro de Provérbios, Timothy Sandoval propõe uma tese ousada a partir de uma investigação do que ele chama de “o discurso da riqueza e da pobreza em o Livro dos Provérbios”. Centrando-se na “metáfora” e no “discurso” e dependendo consideravelmente de Paul Ricoeur, ele argumenta que o discurso do livro sobre riqueza e pobreza é “mais coerente do que normalmente se pensa e desempenha um papel integral na construção do livro de uma visão moral para seu leitor ou ouvinte”. Isso é extremamente interessante, pois levanta várias outras questões: • se a coerência percebida, fazendo parte da estratégia de todo o livro na construção de uma visão moral unitária, também pode ser observada em outros discursos encontrados no livro ou em sua apresentação de outros tópicos , como confiabilidade, diligência, a corte real e assim por diante; • se esses discursos são coerentes entre si e entre si; • se os papéis desempenhados por aspectos tão diferentes contribuem em virtude de sua unidade para a visão moral; • em caso afirmativo, o que há de especial no discurso da riqueza e da pobreza e, caso contrário, não se deve esperar uma coerência geral do material argumentativo em um livro do qual se pode afirmar que tem uma “visão moral”? Por ora, não me aprofundarei nessas questões, pois elas fornecem um pano de fundo para o que é especificamente relevante para os propósitos deste ensaio, notadamente outra ideia explorada por Sandoval para o desenvolvimento de seu argumento. Ele continua na revisão de seu procedimento:243 A chave para reconhecer a coerência do discurso de riqueza e pobreza de Provérbios é uma apreciação das possibilidades interpretativas figurativas do texto. O prólogo do livro, que articula as principais virtudes e objetivos de Provérbios, convida o leitor sábio e perspicaz no início da instrução a considerar os tropos e figuras do livro. Com vários meshalim individuais, outras pistas internas, como as dificuldades ou absurdos apresentados por uma interpretação literal, também apontam para as qualidades figurativas do texto.
A pesquisa é desenvolvida de forma consistente no livro e a importância do prólogo como “pista” hermenêutica não é enfatizada coincidentemente. Em uma discussão detalhada de Provérbios 1:2-7, Sandoval244 desenvolve a ideia de que os “tropos e figuras” do versículo 6 pretendem sugerir que os leitores devem ser sensibilizados para encontrar significados “figurativos” em todo o livro. Se isso for verdade, deveria valer para o Livro dos Provérbios como tal e não apenas para o discurso da riqueza e da pobreza. 243 244
Sandoval (2006, 205). Sandoval (2006, 45-57).
66
Introdução
Não contesto a ideia de que o prólogo fornece uma indicação hermenêutica de como o livro como composição redacional deve ser lido. Mas usar esse insight para todos os propósitos práticos como um argumento para inclinar o leitor para uma leitura figurativa do livro como tal, ou pelo menos uma leitura “mais figurativa” do que teria sido o caso, talvez superestime suas possibilidades. Uma interpretação alternativa pode ser encontrada no vol. I deste comentário.245 Para o presente propósito, podemos começar com algumas ilustrações de dificuldades ao tentar ler “excessivamente figurativamente” como uma alternativa ao que Sandoval chama de leituras “excessivamente literalistas”. Como corolário, seguem algumas ilustrações de muitos casos em que leituras literais não são apenas possíveis, mas também necessárias. Juntas, essas considerações mostrarão que uma perspectiva hermenêutica “metafórica” ou “simbólica” tão dominante não é forte. 7.3.2 Evidência do material textual O resultado de minha leitura do “prólogo” do Livro de Provérbios é que “figuras” ou “tropos” podem muito bem ser entendidos no versículo 5, mas que a “deixa” dada não é sobre significados figurativos gerais codificados no livro. Em vez disso, os professores devem entender que o livro se destina a eles, a fim de aumentar sua habilidade na explicação de figuras e tropos e assuntos difíceis comparáveis que precisam de esclarecimento. Portanto, uma forte ênfase está neste versículo como um indicador para ler o livro inteiro com sensibilidade para aforismos e motivos figurativos é exagerado. • O esforço para ler aforismos como se eles “geralmente funcionassem figurativamente” A força da ideia de que o prólogo dá indicações hermenêuticas é que ele destaca o fato de que os aforismos do capítulo 10 em diante são, em sua forma atual, determinados por relações literárias nada menos que os poemas nos capítulos 1–9. É claro que isso pode indicar ou convidar a várias possibilidades de compreensão dos provérbios, incluindo leituras metafóricas. A fraqueza é, no entanto, que a ideia não pode ser generalizada a tal ponto que as leituras metafóricas sejam privilegiadas. Outra afirmação abrangente em apoio a essa tendência também deve ser tratada com cuidado. Sandoval o formula da seguinte forma:246 … os ditados populares são regularmente intencionados e entendidos metaforicamente. Existe um reconhecimento comum de que, embora um enunciado proverbial possa fazer todo o sentido quando tomado literalmente, não deve ser assim entendido porque os provérbios, por sua “natureza” (isto é, seu uso regular), dizem respeito à discussão detalhada do prólogo como oferecido na publicação original deste ensaio, é, portanto, omitido aqui. Consulte o vol. I, 49-63. 246 Sandoval (2006, 11); cf. também pág. 118 e passim.
Introdução
67
dizer algo metaforicamente sobre os seres humanos, o mundo ou os caminhos e preocupações dos seres humanos no mundo. Mais especificamente, eles são usados para dizer algo sobre o mundo e os seres humanos em relação a contextos bastante particulares da vida humana.
Ele busca apoio nas visões de Archer Taylor e Wolfgang Mieder para a afirmação de que “ditados populares são regularmente intencionados e entendidos metaforicamente” e de Peter Seitel que o contexto social mostra “como os provérbios funcionam metaforicamente”. e suas muitas ramificações, devemos ter em mente que muitos aforismos do Livro dos Provérbios não são ditados populares e que todos eles agora fazem parte de um contexto literário, tanto nos poemas, onde muitas vezes são incorporados ditos curtos, quanto nos coleções de provérbios curtos começando no capítulo 10. Parece precário fazer, por um lado, um ponto básico do contexto literário ou “Gestalt” do Livro dos Provérbios à luz do prólogo como uma pista hermenêutica para uma compreensão metafórica, e, por outro lado, para fazer o mesmo ponto em relação (ou pelo menos incluindo) o contexto social de onde os provérbios vieram antes de serem editados em uma antologia literária – a fim de servir ao mesmo propósito. Se tais declarações gerais sobre o caráter do prólogo e dos provérbios aforísticos como são geralmente intencionadas e compreendidas são verdadeiras, então todo o Livro dos Provérbios, não apenas um discurso específico dentro dele, deve ser entendido metaforicamente. Então a alegação tem que ser que o livro como tal é primariamente, se não exclusivamente, metafórico. Mas, embora seja isso que a lógica do argumento parece exigir, Sandoval afirma que não exclui entendimentos não metafóricos e apenas pede mais sensibilidade para o significado metafórico de alguns provérbios.248 Isso parece contrariar a força do argumento controlando suas consequências. É apresentado como uma abordagem equilibrada, mas a evidência parece apresentar um argumento para apenas um lado dela. Podemos agora considerar alguns provérbios representativos à luz da qualidade “geralmente” metafórica que dizem ter os aforismos em virtude de seu suposto parentesco com os ditados populares. Existem muitos aforismos onde uma compreensão metafórica é possível, mas desnecessária e outros onde tal interpretação não é possível. Em Provérbios 5:15 temos um aforismo no contexto de um texto mais longo: Beba água da sua própria cisterna, água corrente do seu próprio poço. 247 Sandoval (2006, 12); cf. respectivamente Mieder (1993, 9), Taylor ([1962] 1981, 6) e Seitel ([1969] 1981, 126-128). 248 Por exemplo Sandoval (2006, 67, 128); apenas uma leitura “excessivamente literal” (p. 130) ou “excessivamente literal” (p. 141) deve ser evitada, o que implica que ele está defendendo uma leitura em que uma medida do literalismo rejeitado, mas não muito dele, é aceitável.
68
Introdução
Este é um provérbio do gênero liminar. Ele pode se manter por si só e ser significativo por si só. Como está no contexto dos versículos 15-20, é claramente parte de uma advertência sobre a satisfação sexual dentro do casamento. A ênfase é que a satisfação sexual deve ser buscada com a própria esposa, não com outras mulheres (v. 20), e que a esposa não é para compartilhar (v. 17). Existem dificuldades notórias na passagem, como a questão de saber se o versículo 16 se refere a uma recompensa ou se deve ser considerado uma advertência ou uma ameaça,249 mas o ponto mais importante para nosso propósito é o fato de que temos aqui claramente uma metáfora em o texto e só pode lê-lo como uma metáfora porque o contexto literário impossibilita outra leitura. Do versículo 15 ao versículo 18, uma série de metáforas de água250 é usada e então explicitamente colocada em um paralelismo com “esposa” (v. 18): Bendita seja a tua fonte, e alegra-te na esposa da tua mocidade.
Portanto, não temos escolha; os conceitos da passagem da esfera da água (beber, água, cisterna, poço, fontes, riachos, fonte) são identificados pelo contexto, que então passa para outro grupo de metáforas do mundo dos animais, novamente identificando explicitamente a corça e a corça com a jovem esposa em oposição a outras mulheres (vv. 19-20; cf. Cant 2:7, 3:5). Mas o versículo 15 é um provérbio típico que, apesar de agora fazer parte de uma unidade literária, pode muito bem permanecer por si só em uma coleção aforística. Trata-se, portanto, de um dito que, na apropriação de Mieder por Sandoval acima citada, é típico daqueles ditos populares que devem ser entendidos metaforicamente porque, por sua própria natureza, “dizem algo metaforicamente sobre os seres humanos, o mundo, ou os modos e preocupações da vida humana”. seres do mundo”. Vamos considerar isso com a ajuda do exemplo diante de nós. O versículo 15 pode muito bem ser entendido literalmente e ainda dizer coisas sobre as preocupações das pessoas no mundo. Por exemplo, em uma terra seca, não é sensato depender de terceiros para o abastecimento de água. Portanto, o homem sábio deve cuidar para que ele tenha seus próprios recursos hídricos. O ditado seria uma injunção à independência econômica e se concentraria nos interesses do indivíduo a quem se fala. Em segundo lugar, se o destinatário dispuser de recursos próprios, não deverá valer-se dos de terceiros. Isso seria uma admoestação no espírito da parábola de Natã, uma idéia dada por certa por Davi, já que ele se irritou com a narrativa de um homem que tinha o suficiente do mesmo recurso e ainda tirou de outro (2 Sm 12:1-6 ), e se concentraria nos interesses da sociedade. Em Provérbios 9:17, a imagem da água é claramente novamente usada a serviço de uma ética sexual. 249 250
Raposa; cf. Murphy, Waltke, Kruger (1987, 68). Cf. Klopper (2002, 184-187).
Introdução
69
A água roubada é doce e o pão comido em segredo é agradável.
Pelo contexto, sabemos que o ditado conciso é falado por Dame Folly para atrair homens imprudentes para ela. Isso em si é metafórico, já que a imagem da solicitação pública de uma mulher na cidade é clara. Significa loucura atraindo homens simples. Como tal, poderia ser entendido metaforicamente para sexo ilícito,251 mas também poderia ser entendido literalmente. O provérbio por si só poderia ser interpretado como uma expressão da mesma lógica usada em Provérbios 20:17: Doce é o pão ganho com engano, mas depois a boca fica cheia de cascalho.
O segundo aforismo usa o chamado dispositivo “sintético” para representar as consequências do roubo por meio de uma metáfora clara para experimentar as consequências desagradáveis do ganho enganoso. O cascalho na boca indica que comer pão no primeiro hemistich também é uma metáfora. Mas, mesmo assim, comer pão pode ser uma referência literal à comida obtida por meios enganosos, cuja consequência pode ser mais apropriadamente indicada por uma metáfora do campo da alimentação literal. O primeiro provérbio, porém, não desenvolve as consequências do prazer do ganho ilícito. No contexto, a sugestividade de Dame Folly é clara, e mais clara ainda no contexto de uma coleção de poemas, incluindo Pv 2:16-19 sobre comportamento sexual ilícito e a imagem da água de Pv 5. Mas se considerarmos o provérbio por si só, 252 pode muito bem ser entendido literalmente. Beber e comer o que alguém ganhou ilicitamente tem obviamente um fascínio, uma vez que atrai as pessoas de forma tão geral que pode-se dizer que sempre fornece a emoção adicional da aventura.253 A expressão repetitiva do princípio no paralelismo não deixa espaço para apontar a conseqüência como em Pv 20:17. Portanto, há uma lacuna no texto, que deve ser preenchida pelo ouvinte.254 Mas nada de absurdo resulta, e o provérbio pode ser tão sugestivo quanto qualquer outro quando tomado literalmente. Como último exemplo deste tipo, podemos considerar Provérbios 24:17-18: Não te alegres quando o teu inimigo cair, nem se alegre o teu coração quando ele tropeçar, para que o Senhor não o veja e se engane em seus olhos, e afaste dele a sua cólera. 251
Cf. Waltke (2004, 40, 445-446 e [em 29:17] 2005, 145-146). Sugerido, mas não seguido por Murphy. 253 Da mesma forma Fox. 254 A mesma lógica é encontrada no provérbio árabe, “Qualquer coisa proibida é doce” (cf. Winton Thomas 1965, 271-279). O convite a pensar mais em linha com o texto sugestivo ocorre também no final do Livro de Jonas e do Evangelho de Marcos, onde o anticlímax também chama a participação do leitor; cf. também as muitas lacunas no Livro de Ester, também convites para contribuir com o significado. 252
70
Introdução
Aqui o aspecto de interesse para nós é se temos uma metáfora na forma como a observação de Deus da conduta humana é descrita. Um ser humano se alegra com a má sorte de um oponente, Deus vê isso e, como resultado, fica do lado do azarão. A fala antropomórfica pode sim ser uma metáfora, ou seja, o provérbio fala de Deus como se fosse humano. Obviamente, isso tem a ver com a ideia de que Deus tem características físicas como os humanos, neste caso, olhos por onde olhar. Mas o provérbio também pode ser entendido literalmente. Isso dependeria do conceito de Deus por trás do provérbio. O Deus mencionado aqui é retratado ingenuamente, o que aconteceu em todo o antigo Oriente Próximo, como um ser pessoal que anda por aí, observa as coisas e toma decisões com base nisso? Se assim for, então o antropomorfismo não é entendido metaforicamente, mas literalmente em termos do conceito antropomórfico de Deus. Se o conceito de Deus por trás do provérbio não é que Deus de alguma forma tem características humanas (cf. Nm 23:19; 1 Sm 15:29; 1 Rs 8:27), então o antropomorfismo representa uma maneira metafórica de falar sobre ele. . Então, pretende dizer algo que deve ser dito, mas só pode ser dito metaforicamente por falta de maneiras de conceituar o inconcebível. Assim, a questão das características metafóricas no texto também pode depender de questões da antiga história religiosa israelita. Em nenhum desses casos há qualquer sinal de um absurdo ocorrendo como resultado de uma compreensão literal dos aforismos quando eles são lidos por si mesmos. O resultado absurdo que Sandoval, seguindo Ricœur,255 atribui aos esforços para entender tais provérbios literalmente, é de se esperar se tanto a forma literária introduzida pela tônica do prólogo quanto a natureza dos aforismos apontarem nessa direção. Mas isso não acontece. Se o absurdo ou a contradição autodestrutiva é um sinal de que uma metáfora está presente, não temos metáforas aqui. Se tais aforismos são uma “dificuldade”, uma vez que carecem de um potencial literal absurdo,256 isso levanta a questão: por que se preocupar em fazer disso uma metáfora? Por que se ater a tal critério? • Aforismos que não podem ser entendidos como metáforas Meu argumento até agora sugere que existem níveis do texto indicando claramente onde as metáforas estão presentes nos aforismos e outros níveis que permitem leituras literais. Isso pode acontecer dentro dos próprios aforismos e, às vezes, no nível dos aforismos em seu contexto. Mas muitas vezes há casos em que os textos não podem ser lidos metaforicamente, a menos que os leitores apliquem o provérbio a uma nova situação e, assim, criem uma metáfora.
255 256
Ricoeur (1976, 50); Sandoval (2006, 7, 10). Sandoval (2006, 10).
Introdução
71
Como uma primeira série de exemplos podemos considerar os aforismos sobre balanças e comércio justo.257 Balanças enganosas são uma abominação para o Senhor, mas um peso cheio tem seu favor. (Provérbios 11:1) A balança e a balança justas são do Senhor; todas as pedras do saco são obra dele. (Provérbios 16:11) Uma pedra e uma pedra, um efa e um efa – ambos uma abominação para o Senhor! (Provérbios 20:10) Uma abominação para o Senhor é uma pedra e uma pedra, e balanças falsas não são boas. (Pv 20:23)
Os dois genitivos epexegéticos מאזני מרמה e מאזני משפט em três desses provérbios exemplificam os opostos nas escalas de medição usadas pelos comerciantes. Eles também podem ser entendidos como genitivos objetivos; balanças que provocam fraudes e balanças que fazem justiça. As pedras são os pesos usados na balança. A repetição “pedra e pedra”, “efa e efa” (Pv 20:10 e 23) implica dois tipos opostos de ferramentas de medição; muito leve para vender e muito pesado para comprar.258 A palavra fortemente moral תועבה é usada para condenar tais práticas comerciais nos termos mais fortes possíveis.259 Toda a questão é distintamente religiosa e, como tal, diz respeito a um valor moral, mas isso não tem nada a ver com a compreensão não literal. O significado é clara e diretamente literal. As escalas, os pesos e as unidades de medida não representam valores “superiores” em oposição a valores “menores” (tão frequentemente distinguidos por Sandoval).260 O significado literal é um significado moral. É claro que o leitor pode aplicar esses provérbios a outras esferas da vida, como não discriminação na política, tratamento igualitário das crianças, critérios justos para avaliação de exames, tratamento igualitário para todos os grupos linguísticos, arbitragem consistente em esportes e assim por diante. Mas isso não declara que o provérbio seja uma metáfora em seu contexto histórico ou literário intencional. Isso mostra a polivalência dos provérbios e até que ponto a recepção literal de Sandoval obviamente tem que tratá-los, uma vez que eles são tão importantes para seu foco em motivos econômicos, embora eles se sintam desconfortáveis com sua tese (cf. Sandoval 2006, 143145). 258 Cfr. Murphy (1998, 151). O mesmo tipo de expressão repetitiva é encontrado em nossa linguagem: existem amigos e “amigos”, significando “alguns amigos são bons e outros são ruins”. 259 Cfr. Dt 25:3-16; para o princípio, cf. mais Lv 19:35-36; Ez 45:10-12; Am 8:5; Mi 6:10-12. 260 Cfr. Sandoval (2006, 92, 130 e passim) em diversos contextos. Um apelo ao prólogo (Pv 1:3) não remove o princípio da justiça social da esfera literal (Sandoval 2006, 145).
72
Introdução
significados é influenciado pelo leitor e destaca a criatividade do sujeito que interpreta. Um segundo grupo de exemplos é retirado dos aforismos sobre a preguiça. Em dois casos, temos metáforas bem definidas, mas a maioria é bastante literal. O caminho do preguiçoso é como uma cerca de espinhos, mas a vereda dos retos é uma estrada. (Pv 15:19)
Neste ditado antitético, há uma metáfora e um símile. O caminho (tanto דרך quanto )ארח é o curso da vida, incluindo a conduta e a experiência dos humanos. Em termos de metáfora, o último hemistich é bastante literal: uma rodovia é um סללה construído, mas por isso estende a metáfora. A metáfora diz que, enquanto a vida do preguiçoso é “espinhosa”, ou seja, pesada, o reto progride com facilidade. O provérbio contém uma metáfora, mas a metáfora não tem nada a ver com preguiça. Isso quer dizer que o aforismo tem algo a dizer sobre a preguiça literal, mas o faz usando a metáfora do caminho. Além disso, um esforço para entender a metáfora literalmente não produz o tipo de absurdo ricoeuriano. É bastante concebível que um viajante preguiçoso pegue um atalho para evitar uma caminhada muito longa ao longo da estrada e se veja impedido por arbustos espinhosos, enquanto um homem sábio que se mantém em uma “trilha batida” mais longa, mas testada, acha mais fácil caminhar até o destino. Assim, embora tenhamos um aspecto metafórico no aforismo, o critério de que sua interpretação literal deve “produzir um absurdo imediato ou inequívoco” não é atendido.261 Sandoval considera isso um “problema”, mas é apenas um problema em termos de sua interpretação de Ricœur que deveria ser. Vá até a formiga, preguiçoso, considere seus caminhos e seja sábio. (Pv 6:6)
Parte da seção 6:6-11 sobre preguiça, este comando é uma injunção sapiencial completa por si só. A formiga é um exemplo de diligência (cf. Pv 30,25), mas a frase não se torna uma metáfora por isso. O preguiçoso deve literalmente estudar a formiga e fazer como ela faz a fim de fornecer comida para o tempo de necessidade.262 Como vinagre para os dentes e fumaça para os olhos, assim o preguiçoso para seus remetentes. (Pv 10:26)
Neste ditado (Wahrspruch) temos uma figura, mas não uma metáfora. É uma comparação direta entre os efeitos de enviar um preguiçoso em uma missão e a experiência negativa e dolorosa de vinagre nos dentes e fumaça 261 262
Sandoval (2006, 13). Cf. Toperoff (1985, 179-185).
Introdução
73
nos olhos. O ponto é literalmente afirmar que o emprego de uma pessoa preguiçosa traz consequências negativas. Cabe ao ouvinte inferir que tal emprego deve ser evitado.263 O preguiçoso diz: “Há um leão na estrada! Há um leão nas ruas!” Uma porta gira em suas dobradiças e um preguiçoso em sua cama. (Pv 26:13-14)
Esses dois aforismos obviamente ocorrem juntos por causa do motivo comum da preguiça. Começando com o segundo, esta também é claramente uma metáfora completa na qual as coisas comparadas são enunciadas,264 mas sem כ e/ou כן. A metáfora exemplifica o fato de que um preguiçoso não chega a lugar nenhum. Seu movimento é como o movimento de uma porta em suas dobradiças, ele permanece apenas onde está. Isso traz um importante elemento de humor ao aforismo, que, novamente, serve para ridicularizar a preguiça. O elemento literal é, no entanto, novamente bastante aparente. O preguiçoso apenas se vira na cama, sem vontade de se levantar e trabalhar. O preguiçoso giratório em sua cama “é” uma porta giratória em suas dobradiças. A única razão pela qual é chamada de metáfora e não de símile é que a partícula de comparação כ está ausente. Mas uma metáfora “completa” mede expressamente a coisa literal em comparação com a figura metafórica. O primeiro dos dois aforismos (Pv 26:13) tem um paralelo no capítulo 22: O preguiçoso diz: “Há um leão lá fora! Serei morto nas ruas!” (Pv 22:13)
Estes são aforismos literais, não metáforas. Se realmente há um leão lá fora é irrelevante, porque a extravagância do motivo de não sair e ser ativo serve para ridicularizar o preguiçoso ao desmascarar o (real) absurdo de suas desculpas para não fazer nada. É humor novamente empregado para evocar uma resposta negativa no ouvinte. Portanto, a compreensão literal das palavras do preguiçoso é necessária para que o ponto do aforismo seja compreendido: os preguiçosos não param por nada para não fazer nada. É então sugestivamente deixado para o leitor fornecer a consequência de que a preguiça deve ser evitada. Podemos continuar nessa linha com muitos aforismos sobre confiabilidade (por exemplo, Pv 11:3; 13:17; 26:6), fala humana (por exemplo, Pv 15:1, 2, 4, 28; 25:15), a corte real (por exemplo, Pv 16:14; 19:12; 20:2), mulheres (por exemplo, Pv 2:16; 5:3-4; 7:5) e assim por diante. A questão de saber se tais aforismos contêm metáforas ou não deve ser distinguida da questão de saber se eles devem ser compreendidos.
Cf. Carregador (1996, 21-33). Cf. Waltke (2004, 39).
74
Introdução
metaforicamente ou não. Mesmo sob a alegação de que esses aforismos são “sobre a virtude e o vício”, não se justifica a conclusão de que isso os torna mais metafóricos265 ou que seus “valores morais” devam ser contrastados com coisas “literais” entendidas como coisas “materiais” ou “menores”. bens”.266 7.3.3 Conclusão Meu propósito neste ensaio foi mostrar que uma reivindicação geral por mais disposição para interpretar aforismos de um discurso ou grupo de discursos “mais” metaforicamente, não pode ser substanciada nem com base no contexto literário geral (a “pista hermenêutica” do prólogo) nem com base em suposições paremiológicas indeterminadas sobre aforismos (que provérbios curtos têm muito em comum com provérbios populares, a maioria dos quais “naturalmente” requer compreensão metafórica). Declarações generalizadas em favor de uma leitura mais metafórica de Provérbios, feitas com base na Gestalt literária da antologia (quer isso seja chamado de perspectiva redacional ou não) têm que ser geralmente aplicáveis ou não. E percepções igualmente generalizadas sobre a “natureza” dos aforismos devem ser igualmente aplicáveis em geral se quiserem ter valor argumentativo. Além disso, esse tipo de argumento corre o risco de aplicar um petitio principii; os aforismos naturalmente tendem a dizer mais do que parecem dizer, então eles fazem isso aqui também. Certamente há uma coerência a ser vista no Livro dos Provérbios, não apenas porque uma estrutura hermenêutica é fornecida pelo prólogo, mas também pode ser observada no uso de perspectivas sapiênciais (como a ordem criacional, o nexo ação-consequência e a dimensão religiosa) e motivos (como o conceito de sabedoria, disciplina e possibilidades humanas). Isso também pode ser visto no impressionante emprego literário de figuras, incluindo metáforas, e de outras possibilidades oferecidas pela poesia, conforme elas ocorrem ao longo do livro. Mas os temas abordados são tão variados que não devemos ceder à tentação de empregar uma estratégia específica para satisfazer uma necessidade de encontrar coerência no livro. Ao contrário, a exegese deve optar por atos interpretativos com possibilidades teológicas criativas. Por exemplo, como Wencislaus Link fez em sua crítica ao fato de o papa negar ao povo a abundância bíblica. Ele é citado:267 O sábio Salomão diz em Provérbios 11: “O povo amaldiçoa o que retém o grão, mas há uma bênção sobre a cabeça do que o vende.”
Neste aforismo literal, as pessoas amaldiçoam os comerciantes por manipularem os preços, retendo os grãos do mercado. O comerciante monopolista torna-se um 265 266 267
Cf. Sandoval (2006, 138). Cf. Sandoval (2006, 118 e passim). Lutero ([1530] 1909, 632). A referência é a Provérbios 11:26.
Introdução
75
metáfora para o papa, sua retenção de grãos metaforicamente representa o papa retendo o pão da vida na Bíblia dos famintos, as pessoas comuns da Europa são mantidas no poder da igreja como a população israelita é mantida no poder do comerciante . Lutero, por outro lado, seria aquele que coloca o alimento à disposição do povo ao traduzir a Bíblia para a língua do povo, e é abençoado por isso. Em um segundo nível, o próprio Link coloca o ensaio de Lutero sobre a tradução da Bíblia à disposição do público, alegando que ele simplesmente não pode retê-lo e também pode esperar a bênção sapiencial em sua própria cabeça. Se alguém concorda com esta aplicação ou não, não é decidido pela questão de saber se o provérbio precisa de uma interpretação “mais metafórica” do que o usual. É decidido pelas opiniões de alguém sobre a Reforma e as questões da autoridade da igreja. Esta não é uma interpretação “correta” que considera razões literárias e paremiológicas para ler metaforicamente. Mas é uma aplicação metafórica legítima de um provérbio literal.
COMENTÁRIO PROVÉRBIOS 10:1–22:16 A SEGUNDA PARTE DO LIVRO DE PROVÉRBIOS
ESSENCIAIS E PERSPECTIVAS
Bibliografia Dell 2006, 51-64; Hausmann 1995, 77-93, 331-344; casa 1996 passim; Hildebrandt 1988; Krispenz 1989, 41-102; Murphy 1998, 260-264; Scoralick 1995 passim; Snell 1993 passim; Semanas 2007, 20-29.
A segunda parte principal do Livro de Provérbios consiste em 10:1–22:16 e contém a primeira coleção de ditos curtos ou aforismos.1 Há um amplo consenso entre os intérpretes de que a coleção termina em 22:16, desde 22:17 introduz um novo grupo de provérbios que começa com um estilo distinto e características diferentes.2 Pode-se observar uma tendência nos estudos recentes de enfatizar agrupamentos ou grupos de provérbios, e esses capítulos fornecem um campo de mineração especialmente adequado para desenvolvê-la. Krispenz3 encontra 30 agrupamentos de provérbios em 10:1–22:16 (embora estes não incluam todos os versos). Scoralick4 limita sua pesquisa aos caps. 10-15 e identifica cinco seções nesses capítulos. Heim5 divide esta coleção em 57 unidades, cada uma com um significado próprio. Por outro lado, Weeks6 argumenta que as divisões não podem ser precisamente demarcadas com certeza. Ele aceita a existência de agrupamentos, mas é cético quanto à noção de uma composição abrangente feita por uma edição meticulosa. Assim como Dell,7 Yoder,8 Fox9 e outros. Por mais importante que seja essa questão, ela não deve ser superexplorada de uma forma ou de outra. Autores que criticam os esforços para encontrar agrupamentos intimamente ligados muitas vezes admitem que certos grupos de provérbios associados podem ser reconhecidos pelo menos em alguns lugares,10 e até onde posso 1 O termo “aforismo” é aqui usado no sentido geral de um expressão independente, perspicaz e muitas vezes provocativa, seja sua declaração assertiva ou lançada na forma de uma pergunta (retórica) (por exemplo, 14:22) ou uma exclamação (por exemplo, 15:23), e independentemente de ser em prosa ou, como sempre no Livro dos Provérbios, poesia; cf. RDLW I, 104-106; Williams (1980, 37-39). 2 Embora, estritamente falando, 22:17 não contenha um cabeçalho, ele faz alusão à legenda clara em 24:23, que se refere aos “sábios”, e usa a mesma palavra para identificar quais palavras devem ser tomadas para coração. 3 Krispenz (1989, 164-176). 4 Scoralick (1995, 161-237). 5 Heim (2001, 109-311). 6 semanas (2007, 26). 7 Dell (2006, 61). 8 Yoder (2009, 118). 9 Fox (2009, 478-482; cf. 2003, 271-272). 10 Incluindo, por exemplo, Dell, Fox, Weeks e até mesmo comentaristas mais antigos como Toy e Gemser, mas não Wildeboer, que apenas se refere aos clusters de Ewald sem comentários. Estes são praticamente ignorados no comentário de McKane.
80
Fundamentos e Perspectivas
veja, nenhum defensor dos grupos nega que os blocos de construção são os próprios ditos individuais. A exegese oferecida abaixo assumirá uma posição semelhante. In nuce já foi formulado há quase meio século por Hermisson,11 segundo o qual os provérbios individuais devem primeiro ser interpretados por si mesmos, após o que deve ser investigado se e como os agrupamentos dentro dos quais eles podem se encontrar contribuem para uma dimensão enriquecedora ao seu significado. Onde os grupos de provérbios parecem ser definidos por mais do que apenas ficar um ao lado do outro, eu os traduzirei juntos e tentarei fundamentar os padrões. Como alguns, na minha opinião, são mais flexíveis do que outros, isso é uma questão de grau e não de princípio. Freqüentemente, tais relacionamentos só podem ser vistos com grande dificuldade e, muitas vezes, de forma alguma, pelo menos não por mim. Nesses casos, traduzirei e discutirei os provérbios individualmente. À luz dessas considerações,12 é melhor, a meu ver, manter a organização do comentário próxima à organização do livro bíblico em capítulos.13 A Divisão II do Livro de Provérbios é composta de dois sub -coleções (10:1–15:33 e 16:1–22:16). A maioria dos comentaristas concorda que a divisão está entre 15:33 e 16:1,14 embora outras linhas também tenham sido traçadas15 em bases temáticas e formais, como palavras de ordem, figuras de estilo e repetições. Um exemplo proeminente deste último tipo é a proposta de Snell,16 segundo a qual a primeira subseção consiste em 10:1–14:25, uma segunda segue de 14:26–16:15, e uma terceira de 16:16– 22:16.17 No entanto, não há limites nítidos entre tais agrupamentos de ditos, como será visto na exegese. Especialmente o esforço para traçar as linhas com a ajuda de critérios temáticos não deve ser aplicado rigidamente, uma vez que os tópicos e motivos 11 Hermisson (1968, 171; 179) concentram-se apenas em 10:1–15:33 (assim como Scoralick, embora ela refere-se a isso como uma subdivisão no todo de 10:1–22:16; cf. Scoralick [1995, 1318]). 12 Cfr. a Introdução, par. 2.2.1 e 2.2.2 . 13 Isso é feito por muitos comentaristas, de Delitzsch, passando por Wildeboer até Murphy, Clifford, Tuinstra, Fox e outros. Cf. Sæbø (2012, 160), que opta por esta forma de organização como auxílio à orientação, mesmo que os capítulos como os conhecemos sejam tardios e mesmo que permaneçam “secundários” (“zweitrangig”) em relação ao “caráter interior dos textos”. No entanto, há algumas indicações de que o que chamamos de capítulos tem raízes antigas (cf. Waltke [2004, 544-545]): não apenas mudanças temáticas (que são sempre difíceis de aduzir como fundamentação, exceto nos casos mais claros), parece haver indicações de que os últimos e/ou primeiros versículos dos capítulos marcam uma cesura (cf. 11:31 e 12:1, 12:28 e 13:1, 17:1, bem como 19:1, onde as mudanças no tipo de paralelismos parecem indicar novas conjunturas). 14 Portanto, a divisão entre Vol. II e vol. III deste comentário também será introduzido nesta cesura. 15 Por exemplo em 15:20, com base em que este versículo forma uma inclusão com 10:1, ou em 15:29, como faz Waltke, agrupando 15:20-29 como uma seção. 16 Snell (1993, 6). 17 Cfr. Whybray (1979, 158 em oposição a 1994, 237s.); Scoralick (1995, 58-62) e Fuhs (2001a, 249-250); Krispenz (1989, 80) considera a possibilidade de um início às 15:33, mas decide contra isso.
Fundamentos e Perspectivas
81
às vezes podem ocorrer em grupos, mas podem ocorrer igualmente entre as seções.18 Além disso, o significado de muitos provérbios não pode ser identificado com tanta clareza, seja por causa de significados genéricos ou por causa da ambivalência. Portanto, várias possibilidades de leitura geram o potencial de associá-los em várias direções. O mesmo vale para os critérios de forma. Provérbios e admoestações não ocorrem em agrupamentos estanques e sua forma não pode, portanto, ser tomada como um padrão para isolá-los em seções e subseções. No entanto, dentro de 10:1–15:33 (e posteriormente) é possível discernir agrupamentos de provérbios comparáveis ou relacionados, tanto em conteúdo quanto em forma. Sem tomar o tema como um critério rigoroso, podemos de fato observar agrupamentos aproximados de provérbios em vários níveis. Mas o próprio fato de que alguns provérbios podem ser interpretados de mais de uma maneira e, portanto, podem “olhar” em várias direções, significa que as coleções ou seções nas quais foram editados podem ser lidas de várias maneiras e, portanto, são apenas vagamente agrupadas. (da mesma forma já Delitzsch). Se o contexto redacional influencia o significado de ditos individuais, então a riqueza dos aforismos também agrega valor aos agrupamentos contextuais. Correspondendo ao que McKane chama de “classes de provérbios” estão os “níveis de pensamento sapiencial” de Schipper, com os quais toda a divisão fervilha. Alguns provérbios são manifestações de um “dito geral de bom senso” (“allgemeine[r] Sinnspruch”). Os provérbios em uma segunda categoria traduzem tais aspectos práticos em termos de conceitos sapienciais e usam terminologia de sabedoria para esse propósito. A terceira categoria é composta por provérbios com uma dimensão religiosa, muitas vezes (mas nem sempre) perceptível por sua linguagem divina.19 Eles ocorrem ao longo das duas metades da Divisão II.
18 Para exemplos, cf. Clifford (1999, 157), que reconhece “uma série de declarações sobre o governo divino” em 15:33–16:9, sem afirmar que isso tem relação com os limites das subseções, enquanto Scherer (1999, 190) vê uma unidade menor em 15:33–16:15. 19 Na apresentação de Schipper, a expansão desses três “níveis” desempenha um papel proeminente (Schipper [2018, 598-605]); veja a Introdução ao Vol. II, par. 2.2.1 (final).
INTRODUÇÃO À EXEGESE DO CAPÍTULO 10
Bibliografia Bostrom 1928, 120-127; Freuling 2004, 45-57; Hatton 2008, 84-98; Heim 2001, 111-134; Hildebrandt 1990, 171-185; Krispenz 1989, 41-48; Kruger 1995, 413-433; Lucas 2015, 16-18; Millar 2020, 121-125, 135-139; Scherer 1999, 48-72; Scoralick 1995, 161-181.
Temas e motivos O capítulo 10 contém um amplo espectro de tópicos: os opostos típicos encontrados na literatura sapiencial, como sabedoria :: loucura (por exemplo, vv. 1, 8, 13-14), diligente :: preguiçoso (por exemplo, v. 4), justo : : perverso (por exemplo, vv. 7, 24-25, 30) etc. Outros temas sapienciais também ocorrem, como a fala e os efeitos das palavras (por exemplo, vv. 6, 10b, 11, 13, 19-21, 31-32) , ódio e amor (v. 12), o nexo de ação e consequência (por exemplo, vv. 3, 24) e tópicos como posses e o manuseio de ativos (por exemplo, vv. 2, 15-16). Isso por si só é motivo suficiente para ver o capítulo como uma espécie de abertura para o que virá nos próximos capítulos (da mesma forma Sæbø). Dois outros aspectos do conteúdo temático confirmam que o capítulo inicial da Segunda Divisão do Livro dos Provérbios introduz o que se espera em 10:1–22:16 ou pelo menos na primeira parte (10:1–15:33). O primeiro aspecto acaba de ser sugerido acima em Essentials and Perspectives, viz. o uso de provérbios representativos dos principais tipos de provérbios encontrados no restante do livro. O segundo é um insight apresentado por Krüger,1 viz. que o agrupamento de provérbios neste capítulo tem o efeito de indicar uma chave hermenêutica para entender o que é oferecido mais adiante. Ele aponta o alto grau de ambivalência dos provérbios no cap. 10, em sua opinião devido aos efeitos do paralelismo. Este é, sem dúvida, o caso, como muitas vezes poderemos observar tanto neste como nos próximos capítulos. Mas também a colocação redacional de provérbios para formar grupos no cap. 10 contribui para a possibilidade de reconhecer a ambivalência, ou mesmo a multivalência de significado (ver abaixo). Os provérbios associam-se uns aos outros de forma mais diligente do que o habitual e, assim, abrem perspectivas ampliadas para considerar um provérbio por si só, bem como em relação aos outros.2 Os temas e motivos deste capítulo carregam assim a função ampliada de sugerir que o curto provérbios no resto do livro são 1
Kruger (1995, 413-433). Portanto, não parece coincidência que eu me encontre identificando mais grupos ou agrupamentos neste capítulo do que nos posteriores. 2
Introdução à Exegese do Capítulo 10
83
na verdade, destinado ao uso por aqueles que desejam expandir seus conhecimentos, como diz o Prólogo do livro.3 Organização do capítulo Em oposição ao ceticismo fundamental sobre a existência de grupos de provérbios do cap. 10 em diante (do qual McKane provavelmente foi o expoente mais consistente nas últimas décadas), várias possibilidades foram propostas para explicar agrupamentos de unidades significativas no capítulo. De acordo com a proposta de Krüger que acabamos de referir, os dizeres do cap. 10 podem ser agrupados para formar grupos nos vv. 1-5; 6-11; 12-18; 19-21; 22-27; 28-32. Isso é feito por meio de vários critérios, como palavras de ordem, padrões estilísticos e figuras, mas também tematicamente. Outras associações também são possíveis, que não precisam necessariamente contradizer esses clusters ou depender dos argumentos propostos por Krüger. Por exemplo, Schipper encontra clusters em vv. 1-5; 6-11; 12-21; 22; 23-30; 31-32. O que ele combina como vv. 12-21 pode, no entanto, ser dividido em um grupo sobre a loucura e sabedoria (vv. 12-18) e um sobre os efeitos das palavras (vv. 19-21). Tanto Krüger quanto Schipper coincidem parcialmente com a divisão anterior de Meinhold – Krüger no vv. 1-21, e Schipper nos vv. 22-32, enquanto Tuinstra concorda completamente com Meinhold. Waltke segue seu próprio caminho: vv. 2-5; 6-14; 15-16; 17; 18-21; 22-26; 27-28; 2930; 31-32 (e então inclui todo o cap. 11, enquanto Scoralick4 encontra uma cesura no final de 11:7). Scherer5 combina a segunda, terceira e quarta unidades de Krüger, que coincidem com a segunda e terceira unidades de Schipper, em uma (vv. 6-21), enquanto vê o final como Schipper, mas para um verso: vv. 1-5; 6-21; 22f.; 24-30; 31-32. Novamente, os dísticos encontrados por Clifford nos vv. 2-3 e 4-5 (diferentes de Schipper) podem fazer parte de um grupo nos vv. 1b-5, enquanto vv. 31-32 pode ser um par proverbial (diferente de Krüger) terminando o capítulo.6 Além disso, Clifford detecta “[alguma] unidade estrutural” nos ditos agora existentes no cap. 10. Quatorze provérbios mencionam órgãos de percepção, expressão ou atividade, e quatorze paralelismos antitéticos contrastam o justo e o perverso. Ele também encontra uma série de “bicola” (“dísticos” na minha terminologia) do v. 2 ao v. 21, que, no entanto, não é compartilhada por muitos comentaristas. Na medida em que tais questões impactam a exegese, elas são assunto para a própria exposição detalhada. Uma contribuição significativa dos agrupamentos de Krüger é a percepção de que os provérbios agora existentes no cap. 10 atingem uma ambivalência fundamental. Veremos que uma abertura para várias possibilidades de compreensão de provérbios individuais surge não apenas de seu caráter paralelístico, mas também de terem sido editados em um contexto literário. Se há um gênero em que essa abertura a vários significados não 3
Consulte o vol. I, 60-62 em 1:5f. Scoralick (1995, 180-181). 5 Scherer (1999, 50-64, resumo na p. 64). 6 Cfr. Heim (2001, 132ff.) e ambas as opções defendidas por Whybray (1994, 96 e em seu comentário). 4
84
Introdução à Exegese do Capítulo 10
não equivale à relutância do leitor em escolher, mas sim ao insight do leitor para poder escolher entre várias opções – então é a antologia sapiencial de pequenos ditos. Krüger refere-se a uma questão com relevância teológica. Ele argumenta que o capítulo atinge um semblante de ambigüidade por meio do enquadramento “teológico” dos três grupos de provérbios no meio do capítulo (vv. 6-21), por três agrupamentos adicionais (vv. 1-5 no primeiro e vv .22-27 mais 28-32 na outra extremidade).7 Uma vez que tanto a ação humana quanto a divina têm a ver com a manutenção de uma ordem justa na vida e no mundo, a questão torna-se premente: o envolvimento de Deus compensa o falha dos humanos em manter a ordem em termos do nexo de ação/atitude e consequência? Ou a justiça divina é realizada precisamente nesses esforços humanos? Segundo ele, essas duas formas de entender o texto (“Verstehensmöglichkeiten”) não se excluem mutuamente. Esta avaliação mostra o caráter programático do cap. 10, com o qual concordo,8 o que se verá nas exposições que se seguem.
Origem social Às vezes, o contexto social das pessoas abordadas no capítulo é visto como o de uma sociedade marcada tanto pela riqueza quanto pela pobreza. Vv. 1-5, 15 e 22 contêm o tema da riqueza, mas isso é menos de um quarto do capítulo. Claro que cálculos quantitativos não são suficientes para decidir tais questões, e um elemento de especulação permanece se quisermos determinar o contexto pretendido pelo colecionador desses provérbios. Também as palavras de presença em casa na esfera das finanças (como [כסףprata] no v. 20, onde é usado metaforicamente) fornecem fundamentos tênues. Além disso, o argumento de que o v. 20 conecta a pobreza com a piedade9 (“Armenfrömmigkeit”, então Schipper) parece questionável para mim, pois depende da interpretação desse versículo como defensor da riqueza “espiritual” (veja a exegese desse versículo). Os provérbios do cap. 10 certamente pode ser bem compreendido em uma sociedade afluente, mas tanto a ambivalência dos provérbios quanto a amplitude do espectro temático (fala, amor, ódio, disciplina etc.) ressoam com o caráter programático discutido no parágrafo anterior. Como abertura para os capítulos seguintes, Pv 10 dá uma amostra de tópicos e perspectivas que devem ser esperados mais adiante, como observações cotidianas (por exemplo, v. 12), ensino sapiencial (por exemplo, v. 14) e declarações teologicamente concebidas (por exemplo, v. 32). Claro que estes não podem ser exaustivos, mas podem introduzir sugestões que orientam o leitor e abrem o apetite. Portanto, as tentativas de esboçar um contexto social para o capítulo permanecem vagas e gerais.
7
Kruger (1995, 331). Para uma fundamentação e ilustração envolvendo todo o livro, veja o Ensaio 4 sobre “‘Retribuição’ e os Limites da Sabedoria,” Vol. I, 39-46. 9 Comentando o cap. 10, Pilch (2016, 35) nem mesmo menciona essa possibilidade ou o próprio verso, embora reconheça o motivo da riqueza no capítulo (2016, 34; cf. sua referência a 216-218). 8
TRADUÇÃO E EXEGESE DO CAPÍTULO 10
Provérbios 10:1-5 1
2 3 4 5
Provérbios de Salomão.10 O filho sábio deleita o pai, mas o filho insensato é a tristeza da mãe.11 Os tesouros da maldade de nada valem, mas a justiça salva da morte. O Senhor não deixa o apetite do justo ter fome, mas o desejo dos ímpios ele repele. Empobrece o que trabalha com mão negligente, mas a mão dos diligentes enriquece. Aquele que ajunta no verão é filho prudente, mas aquele que dorme durante a colheita age de forma vergonhosa.
Bíblico em 1:1-5: Dell 2006, 61; Heim 2001, 111-113; Krispenz 1989, 41-45; Kruger 1995, 417-422; Pilch 2016, 33-34; Scoralick 1995, 169-175; Scherer 1999, 52-53, 64-71.
Os versículos iniciais de Provérbios 10 nos dão a oportunidade de abordar imediatamente a questão dos grupos de provérbios discutidos longamente na Introdução, Par. 2. Muitos comentaristas concordam que os primeiros versos juntos podem ser tomados como tal grupo. Krispenz encontra uma clara linha de pensamento nos vv. 1-712 e grupos Sæbø vv. 1-8 juntos. Mas muitos outros traçam a linha no final do v. 5, como Krüger faz com argumentos detalhados.13 Meinhold notou que o vv. 1b-5 são divididos por um padrão duplamente quiástico na ordem das palavras (veja o esboço abaixo). Além disso, ele também observa que em cada verso o primeiro hemistich é positivo quando o último hemistich do verso anterior é positivo e negativo quando o verso anterior termina negativamente.14 Assim: 10 A inscrição está faltando na Septuaginta, Peshitta e em alguns manuscritos da Vulgata, que de fato liga os capítulos que começam aqui ainda mais perto da legenda salomônica de todo o livro em 1:1. 11 Tanto no Codex Aleppo quanto no Codex Leningradensis, um maqqeph é encontrado antes de אב, o que transforma o primeiro hemistich em uma unidade de três tempos, enquanto o segundo hemistich claramente consiste em quatro (portanto, 3+4). O mesmo acontece no 15:20a idêntico, enquanto o 15:20b ligeiramente diferente também tem quatro tempos. 12 Krispenz (1989, 44). 13 Krüger (1995, 417-422); cf. Whybray, Murphy, Tuinstra, Lucas e Scherer (1999, 5253). 14 Waltke, aparentemente de forma independente, também aponta esses fenômenos, falando deles como emoldurando e costurando o agrupamento; da mesma forma Lucas. O esboço fornecido por Krispenz
86
Tradução e Exegese do Capítulo 10
1b
positivo - negativo15
2
negativo positivo
3
positivo negativo
4
negativo positivo
5
positivo negativo
primeiro hemistich
segundo hemisfério
tipo de בן+ duas palavras;
tipo de בן + duas palavras
duas palavras + tipo de ;בן
duas palavras + tipo de בן
Tais indícios de coesão (laços formais) não comprovam uma composição poética intimamente ligada à coerência (fluxo lógico). Krüger encontra um padrão concêntrico (ABCBA) nos versículos, nos quais os motivos de sabedoria (vv. 1; 5) e riqueza (vv. 2; 4) abrangem o motivo da justiça no v. 3.16 Esses motivos sem dúvida ocorrem nos versículos mencionados, mas também os motivos igualmente proeminentes de retidão/maldade (vv. 2-3) e diligência/preguiça (vv. 4-5) em posições não consistentes com o padrão concêntrico. No entanto, há um grau de homogeneidade temática, uma vez que os ditos podem ser entendidos como sendo sobre sabedoria e sucesso (incluindo seus respectivos opostos). No entanto, isso é muito amplo e tende a ocorrer em uma coleção de ditos sapienciais. Não há desenvolvimento de um argumento ou interdependência das partes necessárias para a compreensão do todo. Mas a coesão mostra que esses ditos foram editados juntos. Isso por si só é significativo o suficiente para ter consequências para a interpretação dos conteúdos. Por exemplo, enquanto pessoas sábias e tolas, como as mencionadas no v. 1b, não podem per se ser equiparadas a pessoas diligentes e preguiçosas, como as mencionadas no vv. 4-5, o contexto do agrupamento mostra que os primeiros tipos antropológicos incluem, respectivamente, os últimos tipos. Da mesma forma, os resultados da maldade e da justiça (v. 2) devem ser atribuídos à intervenção de Deus quando lidos no contexto do v. 3. Em sua revisão do trabalho de Heim sobre aglomerados, Fox concorda com Heim que esses são os efeitos de ler os ditos à luz de cada um (1989, 164) sugere que ela percebe o quadro בן-בן junto com um paralelo de aliteração e assonância entre כסיל e משכיל nos vv. 1b e 5 (embora seu agrupamento termine no v. 7). Scoralick (1995, 171) aponta que a ocorrência de 2× בן em dois hemistíquios só ocorre nesses dois versículos do Livro de Provérbios. 15 “Positivo” e “negativo” aqui se referem a declarações com conteúdo favorável e desfavorável, não à ausência ou presença de uma partícula negativa como לא. Heim (2013, 216), que também percebe o padrão positivo-negativo, perde um símbolo de menos (-) para o v. 1. 16 Van Leeuwen também esboça um padrão ABCBA e percebe outro conjunto de figuras quiásticas em todos os vv. 1-8, mas seu padrão é baseado em outras palavras-chave (ou conceitos) e na extensão do agrupamento até o final do v. 8. Os vários padrões concêntricos e cruzados discernidos pelos intérpretes ilustram novamente as possibilidades geradas por uma coleção de provérbios individuais como este, e o papel do leitor.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
87
outro, e ele encontra o agrupamento de Heim dos vv. 1-5 um de seus agrupamentos “persuasivos”. No entanto, as conexões internas dos vv. 1-5 apontados por Heim e outros antes dele,17 não desempenham nenhum papel no próprio comentário de Fox sobre esses versículos, onde ele conta o v. 6 como parte do grupo. divisões do livro,19 demarca sua primeira seção como 10:1–11:7, em apoio ao qual ela aduz repetições e referências reversas entre 10:2-3 e 11:4-7. Mas há outras repetições dentro desta unidade mais longa, como 11:2b/13:10b, 11:6a/12:6b. Eu preferiria, portanto, trabalhar com o grupo menor dos primeiros cinco versos, ao qual Scoralick atribui uma forma especial (“Gestalt”) como um grupo (“Gruppe”) dentro de sua primeira seção.20 10:1a A legenda A correlação entre a inscrição concisa neste versículo e a mais longa em 1:1 são óbvias. Delitzsch vê uma ligação intencional entre os dois, que coincide com sua visão de Chaps. 1–9 como uma introdução estendida aos ditos curtos que se seguem deste ponto em diante (cf. também o argumento que desenvolvi no Vol. I, 7 e 377). Em 1896, o pastor alemão P. Behnke21 publicou uma breve nota na qual apontava que o valor numérico das letras do nome de Salomão é 375, o que equivale ao número de versos em 10:1–22:16: ש ל מ ה
= 300 = 30 = 40 = 5
Isso não pode ser coincidência e demonstra a associação editorial da coleção “Salomão” com a coleção de poemas anterior. Ele reivindica a mesma autoria salomônica para os provérbios que se seguem. Sobre o significado desta afirmação, que os provérbios “são da natureza sapiencial tradicionalmente exemplificada pelo grande rei sábio”, cf. o comentário sobre 1:1. A Septuaginta, Peshitta e alguns manuscritos da Vulgata omitem a legenda. Isso, assim como a omissão de outros cabeçalhos (com a notável exceção de 25:1), fortalece ainda mais a reivindicação de autoria, pois enfatiza que o título salomônico mais longo em 1:1 deve ser entendido como aplicável a todo o livro ( da mesma forma Plöger, Fox). 17 18 19 20 21
Heim (2001, 112-113); Krüger (1995, 417-422), também Meinhold e, mais recentemente, Waltke. Fox (2003, 270-271; 2009, 510-515). Scoralick (1995, 13). Scoralick (1995, 169-176). Behnke (1896, 122).
88
Tradução e Exegese do Capítulo 10
10:1b-5 Sabedoria e sucesso 10:1b O filho sábio alegra o pai, mas o filho insensato é a tristeza da mãe. O provérbio de abertura tem um quase paralelo em 15:20. É expresso em termos gerais, o que, no entanto, não significa que seja vago ou vago. O ditado é bastante claro, mas deixa espaço para ser aplicado a diferentes situações. Qualquer manifestação imaginável de sabedoria que possa ser mencionada nas palavras a seguir é coberta pela primeira metade do verso e qualquer forma de loucura é julgada pela segunda metade. Toda a coleção de provérbios recebe, assim, um rótulo antecipatório, ou seja, que todas as expressões de sabedoria e loucura são, respectivamente, positivas ou negativas, e que impactam a família. Nos termos clássicos de Lowth,22 o paralelismo entre os dois hemisférios seria chamado de “antitético” porque o filho sábio é a antítese do filho tolo23 e o deleite é o oposto da tristeza. A implicação é que as ações de um filho sábio contrastam com as ações do filho tolo e que o efeito alcançado por um é, portanto, o inverso do outro. O sábio e o tolo representam a maior oposição na antropologia sapiencial. Uma boa ilustração dos dois opostos neste provérbio pode ser vista nos ditos de Ptahhotep, nos quais um pai é tratado em relação a dois filhos contrastantes. Seus respectivos efeitos sobre o pai são extensivamente elaborados.24 Aquele que é “correto”, segue os caminhos de seu pai e ouve as instruções paternas, o que o torna um paralelo do filho sábio no v. 1a. O outro “desvia-se”, transgride e não dá ouvidos às instruções do pai, fazendo dele um paralelo com o filho insensato do v. 1b. Embora a mãe não seja mencionada, a extensão do deleite e da dor que os dois filhos causam é graficamente retratada no ditado de Ptahhotep: O filho sábio deve ser encarregado de assuntos importantes, uma vez que foi gerado pelo ka do pai. Por outro lado, o filho sem piedade filial pode ser rejeitado e até mesmo escravizado, pois não deve ser reconhecido como filho de forma alguma. Os pólos de alegria e tristeza dos pais talvez não possam ser expressos com mais força do que isso.
Mas há mais no contraste do que aparenta. Em primeiro lugar, as duas declarações se complementam de tal maneira que discutem o mesmo ponto, como o 22 Lowth ([1753] 1835, 210: “O paralelismo antitético é ... quando uma coisa é ilustrada por seu contrário sendo oposto a 1b, o paralelismo antitético ou contrastante é totalmente coordenado, mesmo que תוגה, “tristeza”, como substantivo, seja o paralelo oposto ao verbo שמחPiel, “alegrar”, e o sufixo com אמו, "sua mãe" está em lacuna no substantivo paralelo אבsem sufixo (cf. abaixo). Para a única outra ocorrência do substantivo תוגה, cf. 17:21, onde é usado no absoluto e aquele que experimenta a emoção por ter um filho tolo, é o pai. 23 Waltke toma a segunda palavra em בן כסיל como um substantivo em aposição à primeira. Seja tomada como um substantivo em aposição (BDB) ou como um adjetivo (KBL, KAHAL) é uma questão um tanto acadêmica, já que em ambos os casos a segunda palavra qualifica a primeira.24 ANET, 413a.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
89
anverso e o reverso de uma moeda, cujos lados opostos têm conjuntamente o mesmo valor. Dizer que um filho tolo tem um efeito negativo significa essencialmente o mesmo que dizer que um filho sábio alcança um efeito positivo, porque ambos juntos recomendam a sabedoria em detrimento da tolice. Embora não seja falso que as afirmações sejam “antitéticas”, a dificuldade com a terminologia Lowthiana estabelecida é ilustrada pelo fato de que, em um nível mais profundo, os dois hemistichs são “sinônimos”. não tem e o primeiro contém informações que faltam no segundo. Embora nenhum dos enunciados seja o que normalmente chamaríamos de “ambíguo”, eles apresentam lacunas no sentido de que cada hemisfério preenche uma lacuna (fornece o que falta) no outro, de modo que qualquer um pode ser relido à luz do respectivo outro e ter sua informação amplificado.26 À primeira vista, encontramos apenas um pai encantado com um filho sábio e uma mãe triste com um filho tolo. Mas, à luz do paralelismo, a questão é forçada quanto às emoções do pai no caso bastante imaginável de que seu filho não é sábio e os sentimentos da mãe quando seu filho é sábio. Portanto, o paralelismo alerta o leitor do provérbio para um tipo de entimema (onde um elemento está presente, mas não expresso):27 os pais se deliciam com os filhos sábios – expressos [as mães também] se deleitam com os filhos sábios – as mães não expressas sofrem com os filhos tolos – expressos [ os pais também] sofrem por causa dos filhos tolos - não expresso
O fato de o primeiro dito da coleção, um juízo de valor, ser expresso em termos familiares lembra ao leitor que tanto o pai quanto a mãe são mencionados logo na primeira admoestação de todo o livro de Provérbios (1:8).28 25 Portanto, é compreensível que Hill (2006, 221) critique o comentário de Crisóstomo sobre este versículo por “ver contraste onde nenhum é pretendido”. No entanto, é muito duro, pois o provérbio contém um elemento de contraste tanto no texto hebraico quanto no grego (veja abaixo). 26 Em sua seção sobre “desambiguação e ambiguidade” no paralelismo bíblico, Berlin ([1985] 2008, 96-99) diz: “Uma linha paralela... dessa primeira linha, encoraja uma segunda visão das coisas, uma interpretação alternativa”. 27 Isso é claramente visível em miniatura no mesmo versículo, onde o sufixo em אמו, “sua mãe” (versículo b) está ausente no substantivo paralelo אב, “pai” (versículo a). Devido ao paralelismo ocorre a desambiguação: não apenas um pai indeterminado, mas o pai do filho sábio é entendido porque a terceira pessoa do singular masculino pode ser suprida a partir do segundo sufixo referente ao filho tolo. 28 Clifford chama a afinidade de 10:1b a 1:8 “programática” porque destaca a responsabilidade de ensino de pais e mães. Mas ele também se refere corretamente ao fato de que “[o] ditado aponta tematicamente para frente nesta coleção, pois é a primeira de muitas frases sobre felicidade doméstica (ou infelicidade) nas relações familiares – entre pais e filhos (15:20; 17:21, 25; 19:13, 26; 23:22-26) ou marido e mulher (12:4; 14:1; 18:22; 19:14; 21:9, 19).” Tuinstra, que também se refere a 1:8, substancia o caráter programático dos vv. 2-5 com a presença das principais figuras contrastantes nos provérbios (sábio/tolo, justo/mau, trabalhador/preguiçoso) bem como o motivo da educação.
90
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Isso sugere que a educação é principalmente um assunto de família, embora Fox aponte com razão que muitos dos provérbios não foram originalmente compostos para esse propósito. Formalmente, os dois hemistíquios são duas sentenças completas, a primeira uma verbal e a segunda uma sentença nominal. São declarações diretas. Mas sua função pragmática é encorajar a conduta sábia e desencorajar a conduta tola. Portanto, eles ensinam. Sobre ensinar no indicativo em oposição ao imperativo,29 veja a Introdução acima, Ensaio 2. A retórica v. 1b assume que os filhos estão ansiosos para agradar seus pais, pois apresenta pais satisfeitos como um resultado atraente para o qual um filho desejaria esforçar-se e, como resultado, pais infelizes que ele gostaria de evitar. Olha em duas direções: nos pais para ensinar sabedoria e nos filhos para aprendê-la. Hausmann aponta que o foco de interesse não são principalmente os sentimentos dos pais, uma vez que seus sentimentos são usados aqui como um meio para um fim, viz. para motivar30 o filho a um comportamento sábio ou para mantê-lo longe de um comportamento tolo. Por outro lado, se os sentimentos dos pais devem motivar os pais a ensinar, suas emoções devem ser consideradas um poderoso incentivo. É importante ressaltar que Hausmann afirma que o que é elogiado ou criticado no filho permite inferir sobre o que é essencial ao ideal antropológico dos pais israelitas.31 Sendo essa qualidade vital a sabedoria, ela é indispensável para o cultivo do caráter humano na tradição sapiencial de Israel. Várias explicações rabínicas são dadas para a associação do filho sábio e da alegria com o pai no primeiro hemisfério, enquanto o filho tolo e a dor estão associados à mãe no segundo. Como primeira interpretação, o Midrash Mishlei (século IX) declara que o filho sábio se refere a Israel e o pai a Deus, pois Dt 14:1 se refere a Israel como filhos do Senhor. Isso ignora o filho insensato e a mãe, mas outra possibilidade é mencionada, a saber, que o filho sábio é Salomão que “fez alegria a Deus”, enquanto o filho insensato é “o perverso Haman, que ouviu a sua esposa” (Est 5: 14). A esposa parece ocupar o lugar da mãe enlutada. De qualquer forma, o Midrash historiciza o verso. Mas geralmente as interpretações rabínicas estão mais interessadas no aspecto socioeducativo e, portanto, permanecem mais próximas em princípio da intentio textus. Saadia Gaon (século 10) não nega que ambos os pais compartilham a responsabilidade de criar o filho, mas declara que o pai tem melhores contatos fora de casa, onde pode ouvir os elogios de outras pessoas por seu filho. Mas a tristeza é um assunto mais íntimo, que, portanto, primeiro chamaria a atenção da mãe no ambiente doméstico (da mesma forma João Crisóstomo, século IV, veja abaixo). Rashi (século XI) considera possível que o pai se refira a Deus, mas também que a referência possa ser ao pai biológico que sente alegria quando 29
Para uma visão contrária, ver Westermann (1971, 73-85, particularmente 76). Stewart (2016, 110) considera este provérbio como uma expressão da ideia de honra, que – ao lado de “riqueza”, “proteção” e “vida” – é um dos paradigmas usados pelos sábios para motivar os alunos. O filho realmente encontra honra em agradar seus pais, mas também a honra dos próprios pais está pelo menos implicitamente envolvida (cf. 29:15b, onde o oposto de um filho sábio traz o oposto de honra para sua mãe [ בושHiphil ]). 31 Hausmann (1995, 106-107). 30
Tradução e Exegese do Capítulo 10
91
seu filho se senta entre os sábios, enquanto a mãe é quem veria o comportamento de um filho tolo em casa. De acordo com Hame'iri (século 13), um pai não percebe comportamento tolo por parte de seu filho porque o filho respeita a autoridade de seu pai.32 Mas quando o pai morre a mãe não pode impor a mesma autoridade, resultando em comportamento errôneo de o filho e o luto pela mãe viúva (à semelhança de Ralbag, século XIII). Um pouco como Rashi, o Vilna Gaon (século 18) diz que um pai estudando Torá com seu filho (o que equivale à aquisição de sabedoria) pode se alegrar quando ouve seu filho. Mas uma mãe, que não está presente na sala de estudo, só pode ouvir a tolice de um filho que não vai estudar a Torá. Para Malbim (início do século XIX), o pai é quem ensina e disciplina o filho, o que resulta na gratificante prática da sabedoria, enquanto a mãe é o genitor que é indulgente demais com o filho, o que resulta na desobediência deste.33 Crisóstomo acha que as mães têm mais liberdade para criar os filhos. Portanto, eles têm que lidar com toda a dor que resulta de tal atitude, enquanto os pais são impassíveis no processo de criação e, portanto, são elogiados por seus filhos. Ele até admoesta as mães a não permitirem que seu amor por um filho se torne uma impropriedade, mas sim que desenvolvam em seus filhos o medo devido ao pai.
Essas interpretações são possíveis quando as afirmações do paralelismo são lidas apenas como uma antítese, mas quando são relidas de modo a permitir que sua reciprocidade se influencie mutuamente, o pai e a mãe assumem a mesma igualdade que têm em 1:8. Delkurt34 fornece argumentos colaterais para entender que as emoções devem ser divididas igualmente entre ambos os pais. Segundo ele, isso pode não ter nada a ver com o material temático do versículo, uma vez que outros provérbios mostram que os pais são frequentemente tão aborrecidos ou prejudicados pelo comportamento tolo de um filho quanto as mães (por exemplo, 17:21,35 25; 19:13 ; similarmente 19:26; 20:20; 28:7, 24; 30:17). Da mesma forma, uma mãe pode celebrar um filho judicioso tanto quanto um pai (23:25, onde, pode-se acrescentar, o paralelismo assimétrico dá ao deleite da mãe três vezes mais destaque literário que confere ao pai). Portanto, de acordo com Delkurt, a formulação que temos no presente verso é mais devida a considerações formais, uma vez que o aspecto positivo é mais mencionado antes do aspecto negativo nas antíteses e o pai é quase sempre aduzido primeiro quando ambos os pais são mencionados juntos - o que é esperado em uma sociedade patriarcal e não deve ser superinterpretado (cf. Êx 20:12; 21:15, 17; Lv 20:9; Dt 27:16 e outros; a única exceção é Lv 19:3) . 32 O exemplo contrário de Eli vem à mente. Ele estava ciente da má conduta de seus filhos, mas não fez nada a respeito e foi punido (1 Sm 2:22-36). O rei Davi como um pai fraco para filhos imprudentes também é um motivo estabelecido na Narrativa da Sucessão (por exemplo, 2 Sm 13:21; 1 Rs 1:6). 33 Sobre a criação mimada de meninos pelas mães e a dureza contrastante de aprender a se tornar um homem sem nunca “ter tido um modelo masculino ou atenção masculina”, ver Pilch (2016, 182-183). 34 Delkurt (1993, 29-30). 35 Exceto em 10:1, este é o único caso em que תוגה denota pesar por uma criança. Aqui é usado no estado absoluto. O substantivo ocorre mais uma vez em Provérbios (14:13) e uma vez nos Salmos (119:28).
92
Tradução e Exegese do Capítulo 10
10:2 Os tesouros da impiedade são inúteis, mas a justiça salva da morte. Este provérbio tem eco em 11:4 (cf. 11:19; 12:28). O segundo par fundamental da antropologia sapiencial (depois da clássica oposição entre o sábio e o tolo, v. 1b), é agora introduzido. Os substantivos צדקהe רשעrepresentam os tipos opostos do justo ( )צדיקe do ímpio ( )רשעe essencialmente se sobrepõem àqueles chamados de “sábio” ( )חכם e “tolo” ()כסיל.36 Além de um quiasmo de formas de raiz com v. 3 (veja abaixo), há também um quiasmo sintático em ambos os provérbios: a ordem do primeiro hemistich (predicado-sujeito) é invertida no segundo ( sujeito-predicado). Por causa do maqqeph no primeiro hemistich, o padrão rítmico tem três tempos em ambos os hemistichs (3+3). Na expressão אוצרות רשע, “tesouros da maldade”, a segunda palavra é um genitivo instrumental, que (como o nomen rectum) denota os meios para adquirir a riqueza (a primeira palavra ou nomen regens no estado de construção). A alternativa, um genitivo qualitativo (“tesouros que consistem em maldade”) é teoricamente possível, mas a ideia da própria maldade como um tesouro é estranha e não se encaixa no paralelismo com o segundo hemistich. O significado é, portanto, que a riqueza adquirida por meios perversos não ajudará o proprietário. Em ambas as áreas bíblicas onde יעלHifil (ajuda) ocorre, ou seja, na literatura sapiencial e onde os profetas falam, é quase sempre usado com uma partícula negativa.37 A declaração assume que pessoas perversas podem ser ricas. A aparente contradição do nexo ação-consequência38 é limitada pela qualificação negativa de que tal riqueza não terá valor para eles. De que adianta a riqueza se não ajuda (cf. 21:6)? Não é dito qual é a situação em que uma pessoa rica pode imaginar ser ajudada por sua riqueza. Temos que ler mais para entendê-lo. Novamente o segundo hemistich é uma antítese, mas novamente o paralelismo nos ajuda a preencher a lacuna deixada no primeiro hemistich. “A justiça salva da morte” contrasta com a riqueza que é inútil. Isso fornece a resposta à pergunta deixada em aberto pelo primeiro hemistich: a situação implícita é um perigo ou catástrofe de proporções que ameaçam a vida. Em tal situação, a riqueza não poderá comprar a morte (cf. Sl 49,7). Parece semelhante ao conhecido 36 O terceiro par – o diligente e o preguiçoso – segue no vv. 4-5: Cfr. a extensa discussão de Hausmann sobre os três pares (1995, 9-36; 37-66; 66-77); também Ensaio 3 no Vol. I, 33-34, onde os tipos antropológicos do cap. 10 são referenciados. 37 Sæbø (1971b, 746-748), que identifica uma exceção em Is 48:17, onde Yahweh ensina o que “ajuda” Israel. 38 Sobre o problema da contradição, veja o Ensaio 4 sobre “‘Retribuição’ e os Limites da Sabedoria” (Vol. I, pp. 39-46). Cf. mais Sir 3:30.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
93
expressão popular de que “o manto da morte não tem bolsos”, mas o ditado não significa que o dinheiro não possa ser levado para a vida após a morte. V. 2a é sobre dinheiro acumulado por maldade, o que pressupõe uma disposição punível. Quando chega o acerto de contas esperado pelos sábios, o dinheiro sujo não pode se tornar ainda mais sujo pelo suborno do ímpio a si mesmo com a punição que ele merece. Rashi cita Jeroboão como exemplo desta exposição (cf. Os 12:9). O valor da riqueza, portanto, não é absoluto. Embora tenha um valor positivo (cf. v. 4b),39 este é cancelado se for baseado na injustiça. Além disso, o paralelismo não sugere que a justiça traga a vida eterna, pois não é dito que o justo nunca morre. Se o v. 2b não reivindica a imortalidade, também não reivindica a ideia variante de que a vida eterna seguirá após a morte. Assim como 11:4, o versículo como um todo afirma que o dinheiro não comprará a saída de uma punição merecida, mas, como uma virtude sapiencial, a retidão evita entrar em apuros em primeiro lugar.40 Wildeboer aponta para a possibilidade (improvável , mas possível) que צדקה pode aqui significar "caridade" ou "esmola". Mas adquiriu esse significado e tornou-se comum no uso judaico posterior. A justiça por excelência é dar esmola. Quando usado com o verbo נתן, esse significado é bastante claro: ;נתן צדקהcf. Aboth 5:13 e o plural (הצדקותações de esmolas) em Aboth 6:5-6.41 A Septuaginta traduz צדקהin v. 2b por δικαιοσύνη, que é expresso por ἐλεημοσύνη (caridade) na declaração quase idêntica de Tob 4:10 e 12:9: ἐλεημοσύνη [γὰρ] ἐκ θανάτου ῥύεται, Vulgata: eleemosyna a morte liberat (a caridade liberta da morte). Também deve ser comparado Mateus 6:1-2, onde δικαιοσύνη e ἐλεημοσύνη são usados paralelamente, ambas as vezes em uma advertência sobre dar esmolas de maneira aceitável. Além das referências às ideias rabínicas dadas na exegese acima, o seguinte também mostra como o provérbio foi recebido. Segundo Yonah Gerondi (Espanha, século XIII), o acúmulo ilegal de dinheiro contrasta com a caridade, que é a doação de dinheiro legalmente exigida. O último traz crédito e pode salvar uma vida (Mezudat David em Prov 10; similarmente Ralbag, veja no v. 4). A mesma perspectiva também é encontrada no Talmude Babilônico. Ketubim 66b afirma que a forma de preservar o dinheiro é dando-o à caridade, pois o poder do dinheiro está em saber gastá-lo com sabedoria. A ideia de justiça/caridade salvífica é expressa negativamente no Cairo Geniza 39 Cf. Krüger (1995, 420), que observa que as perspectivas sobre a riqueza nos vv. 2 e 4 são integrados em virtude do contexto e, portanto, se interpretam e se corrigem mutuamente. 40 Cfr. o Targum: a justiça pode poupar uma (מותא בישאmá morte), o que significa que o justo terá uma morte natural e pacífica (cf. Lucas). O Talmud vai ainda mais longe. Como Meinhold e Waltke apontam, é expressamente dito no Talmud (Shabat 156b) que a retidão no sentido de boas ações “salva da morte, não apenas de uma morte não natural, mas da própria morte” (cf. também Baba Batra 10a e Rosh Hashaná 16b). Embora esta seja uma afirmação geral, está claro que os rabinos também entenderam o conceito do v. 2 como salvação para uma vida após a morte. 41 Cfr. mais Sir 3:30 (hebraico צדקה, grego ἐλεημοσύνη). Extensa discussão e exemplos em Str-B IV/1, 536-558.
94
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Texto de Sabedoria, onde se diz: “Até a sabedoria é uma armadilha no caminho do homem, se lhe faltar a retidão.” por causa de seu dinheiro, mas resolve a dificuldade declarando que a vida de pecado que eles levam é ainda pior do que a morte, enquanto a esperança de salvação está na justiça. Seu contemporâneo Evagrius Ponticus resolve o problema com a ajuda de Mateus 6:19, afirmando que a riqueza adquirida ilegalmente é terrena e, portanto, destinada a perecer devido a traças e ferrugem, roubo e furto (ὅπου σὴς καὶ βρῶσις ἀφανίζει καὶ ὅπου κλ έπται διορύσσουσιν καὶ κλέπτουσιν ).43
10:3 O Senhor não deixa passar fome o apetite do justo, mas rechaça o desejo dos ímpios. Apesar da partícula negativa לא, o conteúdo do primeiro hemistich tem um impulso positivo, pois diz que uma situação indesejável ou negativa será evitada. Da mesma forma, o segundo hemistich contém uma declaração afirmativa, cujo significado é negativo. Assim, temos novamente um paralelismo antitético com os dois lados da moeda sustentando o mesmo valor sapiencial. Além do v. 19, este é o único provérbio no cap. 10 com cinco palavras no primeiro hemistíquio. Mas, novamente, dois deles são unidos por um maqqeph, de modo que as cinco palavras perfazem quatro tempos e o provérbio se torna um Siebener típico de 4+3 (cf. Toy). O primeiro verso diz que Yahweh não permitirá que o justo passe fome e o segundo afirma que ele44 impedirá que o ímpio seja satisfeito. O verbo רעבHiphil (causar fome, deixar alguém passar fome) combina com o significado “apetite” do substantivo נפשwell (assim como Whybray, Westermann;45 cf. 13:19; 16:26). O paralelo no segundo hemistich causa alguma dificuldade textual. Na Septuaginta, ( ַהוׇּ הdesejo, ganância) é traduzido por ζωή (vida). Isso pode ser tomado como evidência de que a Septuaginta usou um Vorlage hebraico no qual o estado de construção de (ַחיׇּ הvida) estava. Essa é a visão de Fox, que corrige o texto de acordo, mas traduz “desejo” de qualquer maneira. No entanto, em sua edição eclética do texto de Provérbios, ele deixa em aberto a possibilidade de reter o Texto Massorético com o significado de “desejo” para הוׇּ ה. ַ 46 Esta opção parece preferível, uma vez que o grego poderia ter lido o hebraico והות como וחית (ח→הe)י→ו em vez de vice-versa. Esta é a mais provável das duas possibilidades porque uma palavra incomum ( )הוהpreferia ser lida como uma palavra comum 42 Cf. ix, 7 (contagem de linhas de acordo com Schechter [1904, 437]): כי חכמה נבראת בשביל אדם; Gohl (2017, 41). 44 יהוה no v. 3a é o antecedente da terceira pessoa do singular masculino no יהדף no v. 3b. 45 Westermann (1984, 75). 46 Fox (2015, 173); Cito esta edição como EE, da mesma forma que outras edições da Bíblia Hebraica, como BHS e BHQ.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
95
palavra ( )חיה do que o contrário (cf. 11:6). O significado “desejo” para הוה também parece provável em Mic 7:3 e, de acordo com Delitzsch, Sl 52:9 (então HALOT e KBL47). A maioria dos comentaristas vai na mesma direção.48
Como afirma Murphy,49 isso expressa a compreensão israelita usual da justiça de Deus. No nível do único provérbio, o versículo expressa a mesma convicção de 13:25 e Sl 37:25: Deus faz com que o justo tenha o suficiente para comer e castiga o ímpio50 com a fome. Claro, isso causa o problema de que a visão “usual” da justiça muitas vezes não concorda com o que é realmente experimentado, que é precisamente o problema de poemas como Sl 37; 49; 73 ou os Livros de Jó e Qohelet.51 Os sábios sabiam disso, pois costumam dizer ou insinuar que os ímpios podem ser prósperos e ricos, que é o que o v. 2a acaba de fazer (cf. Sl 37:6, 35; 73 :3, Jó 12:6, 21:6-18).52 No nível do grupo de provérbios, vv. 2 e 3 se influenciam reciprocamente. Isso tem várias consequências para a exegese do grupo atual, mas também ilustra a relevância literária e teológica da influência mútua para os provérbios coletados em geral. • O V. 3 dá uma dimensão teológica ao conjunto de provérbios que o rodeiam. A menção de Javé pelo nome alerta o leitor dos provérbios coletados para entender os resultados positivos e negativos nos provérbios circundantes que vêm de Deus, não menos do que aqueles no próprio provérbio de Javé. Nesse caso, o efeito expandido é destacado por uma série de características estilísticas marcantes. Com referência aos versículos no início do cap. 10, Fox53 aponta – com razão, a meu ver – que a presença de tais provérbios explicitamente religiosos “afetam a percepção de ditos próximos, mas também influenciam a leitura das coleções e do livro como um todo”.
47
Mas cf. KAHAL (glossed por “Willkür”) e BDB (glossed by “arbitrary choice”). Por exemplo. Toy, Oesterley, Gemser, McKane, Plöger, Meinhold, Murphy, Clifford, Sæbø e outros. Schultens relaciona הוה com uma raiz árabe hwy na qual ele vê o conceito de vasta cupiditas (vasto desejo), vastus sendo entendido como insatiabilis (insaciável); cf. Árabe hawāya (paixão, desejo). Isso aproxima bastante a ideia de Waltke de que o desejo descontrolado dos ímpios é “finalmente” posto de lado, ou seja, a partir desse ponto eles nunca mais serão satisfeitos. 49 Cfr. também Perdue, seguindo Boström (1990, 90-140), que considera a justiça por meio da retribuição um tema dominante no cap. 10, os meios para a manutenção divina do mundo, incluindo a ordem social e, com certeza, “no coração desta teologia”. 50 Algumas testemunhas hebraicas dos séculos 16 e 17 têm (בוגיםpessoas traiçoeiras) em vez de (רשעיםpessoas perversas), o que provavelmente se deve ao uso da última palavra junto com הוה em 11:6. Oesterley supõe que foi um gloss explicativo suplantando a palavra original nesses manuscritos. Ambas as variantes combinam uma palavra singular ( )צדיק com uma palavra plural (רשעים, )בוגים. Isso geralmente acontece por razões lexicais ou para criar um paralelismo morfológico (Berlin [1985] 2008, 45; cf. 44-50 para uma discussão detalhada e exemplos). 51 Cf., por exemplo, Jó 29-31; Qoh 9:1-6. 52 Cfr. o que Gregory (2014, 102) diz particularmente de Ben Sira, mas também de Provérbios, notadamente que “a riqueza não é necessariamente um sinal da bênção de Deus; em vez disso, é uma coisa boa apenas se tiver sido adquirida corretamente. Surpreendentemente, Ben Sira não culpa os pobres/famintos por sua própria condição”. 53 Fox (2009, 483). 48
96
Tradução e Exegese do Capítulo 10
• Isso não prova que os provérbios seculares são mais antigos, enquanto os provérbios contendo “língua de Deus” (McKane) foram adicionados posteriormente ou que uma sabedoria secular mais antiga foi posteriormente reinterpretada para torná-la Yahwística.54 Não há razão para supor que o original A fase de uma cultura profundamente religiosa deve primeiro ter sido irreligiosa ou secular.55 Os provérbios individuais de Yahweh também podem ter existido antes de serem coletados. A influência teológica é de mão dupla: por um lado, a dimensão religiosa dos ditos coletados é exemplificada pela presença dos provérbios de Javé. Mas como, por outro lado, não há como negar que o livro está cheio de provérbios seculares, seu status reunido com os provérbios de Yahweh mostra que mesmo os tópicos mais práticos caem no âmbito do Medo de o Senhor. • Ao mesmo tempo, o fato de que o nexo usual de ação e consequência é questionado por implicação (v. 2a) e o fato adicional de que ambos os v. 2 e v. 3 abordam a questão, mostram que os provérbios editados contribuem com uma qualificação às afirmações absolutas entre eles. Nesse sentido, o comentário de Murphy de que “[n]o provérbio diz tudo” está correto. Pode ser que declarações categóricas e abrangentes de provérbios falados individualmente fossem frequentemente entendidas como indicando um princípio geral de “padrão” sem a intenção de excluir exceções. Mas muitas vezes eles não eram entendidos dessa maneira. Daí a intensa luta com a questão da justiça e do sofrimento nos Livros de Jó e Qohelet e nos salmos mencionados acima. Portanto, os provérbios editados também contribuem para uma leitura diferenciada. Se pode ser dito de pessoas perversas que são ricas que seus bens não os ajudariam no final (v. 2a), então o v. 3b torna-se uma declaração semelhante, mesmo que algumas pessoas perversas tenham seus apetites satisfeitos (cf. 30: 22; Qoh 5:11; Sl 73:7).
Os efeitos contextuais são destacados pelas características estilísticas desses provérbios. Vv. 2 e 3 contêm um arranjo quiástico das raízes צדק e רשע: צדקה
רשע
רשעים
צדיק
Adicione a isso as declarações quiásticas [positivo – negativo; negativo – positivo] nos quatro hemistíquios (a característica continua até o final do v. 5), bem como o duplo quiasma apontado entre os vv. 1b e 5 de Meinhold (ver acima), e o efeito da coesão torna-se ainda mais aparente. A caricatura de Fox da implausibilidade de que os editores moveriam pequenos pedaços de papiro com provérbios até que eles se encaixem em grupos organizados56 pode estar certa (a ideia é realmente absurda). Mas qualquer que seja a técnica usada pelo editor deste capítulo, 54 Uma visão frequentemente adotada, especialmente na literatura mais antiga, mas qualificada por Schmid (1966, 144-145) como a explicação teológica da sabedoria anterior na qual o fundamento religioso estava apenas implícito. É uma tese importante do comentário de McKane (cf. [1970] 1977, 10-22); cf. também Whybray [1979, 165]; Westermann (1990a, 10-13), que assume que os ditos curtos eram orais, e então assume que os ditos orais devem ser mais antigos que os escritos. Cf. a crítica de Heim (2001, 316); Dell (2006, 105-124); Semanas ([1994] 2007, 57-73). 55 Assim também Dell (2006, 123); cf. Semanas (2007, 73). 56 Fox (2009, 481).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
97
isso é o que ele se comprometeu a escrever, isso é o que parece, e este é o seu efeito.57 Moss também encontra um jogo de som nos vv. 2-3 ()לא יועילו – לא ירעיב,58 mas apenas a partícula negativa e o yod pré-formativo têm sinais de aliteração ou assonância. Rashi considera o provérbio uma garantia divina para os justos de que eles não ficarão com fome como resultado de dar esmolas aos necessitados, o que é possível quando a justiça do צדיק é entendida como “caridade” (veja acima no v. 2 ). A exposição no Mezudat David, de que o pecado dos ímpios ( )הות רשעים em si traz punição sobre eles, é apenas indiretamente correta, pois o sujeito do verbo masculino יהדף só pode ser יהוה, uma vez que הוה é feminino. A causa do infortúnio é o pecado, mas é Deus quem traz o castigo. Da mesma forma que lidou com o versículo anterior, Crisóstomo percebe a dificuldade que os justos de fato têm em lidar com a pobreza, mas então declara o problema afastado por uma afirmação infundada, viz. que os ímpios, “mesmo desfrutando de prosperidade, não terão mais nada para desfrutar”. Obviamente, ele assume que a perspectiva de um livro do Antigo Testamento deve coincidir com sua perspectiva cristã. . Ele invoca 1 Coríntios 15:24, 28 para argumentar que os ímpios no final não serão mais ímpios, mas participarão da realização da declaração de Paulo de que “Deus será tudo em todos”. Melanchthon usa a referência a Javé no primeiro verso para construir um theologoumenon de dupla face. Sua tradução para o latim se desvia da Vulgata. Onde o último tem, Non adfliget Dominus fame animam iusti (O Senhor não aflige a alma do justo com fome) Melanchthon traduz, Non sinet esurire Dominus animam iusti (O Senhor não permite que a alma do justo tenha fome) Seu mais brando A tradução do causador Hiphil ( )ירעיב evita a implicação – mesmo em uma afirmação negativa – de que a vontade de Deus pode ser a causa direta da fome e, ao invés disso, opta pela ideia de voluntas permittens (a vontade permissiva de Deus). Para Melanchthon, a afirmação diz respeito às promessas bíblicas sobre as coisas físicas, especificamente, Ut doceant nos de providentia et refutent Epicureas et alias opiniones, quae fingunt Deo non esse curae homines, aut certè haec corporalia non esse curae Deo... nos sobre a providência e refutar as opiniões dos epicuristas e outros, que afirmam que, para Deus, os seres humanos não são objetos de cuidado, ou certamente que tais coisas corpóreas não são objetos de cuidado de Deus...)
57 Sobre os efeitos integrativos e enfatizadores do quiasma, cf. vol. I, 76-77; Nänny (1988, 51-59); Watson (1994, 328-389). 58 Musgo (2015, 68). 59 Cfr. Colina (2006, 108, 221).
98
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Por outro lado, diz ele, Ideo expressum dictum est: Non in solo pane vivit homo, sed in omni verbo quod procedit ex ore Dei. (Assim é expressamente dito: nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.) Melanchthon aproveita assim a oportunidade para usar o sentido literal do provérbio como comprovação de sua teologia da providência divina. , sc. que inclui provisão para as necessidades físicas dos seres humanos. Ao mesmo tempo, ele o qualifica referindo-se à necessidade espiritual dos humanos pela Palavra de Deus. Ele o faz ligando o provérbio a outros textos bíblicos, neste caso citando Dt 8:3 (ele também cita livremente Salmos 72:12 e 50:15). Continuando longamente nessa linha, Melanchthon obviamente considera o segundo verso contrastante como o outro lado da mesma verdade e, portanto, não precisa de mais exposição.
10:4 Empobrece o que trabalha com mão negligente, mas a mão dos diligentes enriquece. Ligado à ideia negativa com que termina o v. 3, o provérbio começa com uma circunstância negativa ou indesejável. Pela quarta vez consecutiva, temos uma combinação maqqeph no primeiro hemistich, de modo que o padrão rítmico é 3+3 (4+3 de acordo com Gemser, mas isso requer que o maqqeph seja ignorado). O versículo apresenta alguma dificuldade sobre como as consoantes devem ser lidas. No texto massorético ע ֶֺשׂה é vocalizado como o particípio singular masculino Qal de עשה. A indicação requer que seja entendido como o sujeito de outro Qal masculino60 singular (ראשׁ, ׇou o particípio ou a terceira pessoa perfeita de רוש, escrito com aleph, cf. קאם de קוםin Os 10,14), que seria então o predicado. Assim: “quem faz a mão frouxa é/fica61 pobre”, afirma que trabalha com a mão frouxa. Isso contrastaria bem com o segundo hemisfério, onde se diz que a mão do diligente enriquece. No contexto da segunda metade, a primeira metade significaria que o que causa a pobreza é trabalhar com mão lenta. Assim, a indistinção no primeiro verso (o que é uma mão frouxa? o que é o )?ראשׁ ָ é compensada pelo 60 ( ַכ ףpalm, mão) é feminino e, portanto, não pode ser o sujeito (ignorado por Oesterley , que pensa que “a frouxidão das mãos empobrece” uma tradução possível, embora o sentido seja o mesmo). 61 Ambos “é” e “torna-se” são gramaticalmente possíveis, uma vez que o intransitivo רוש pode conotar um estado ou a transição para um estado (ingressivo), quer o particípio ou o perfeito seja lido. Bertheau (1847, não 1883) opta pelo primeiro, mas Delitzsch aponta que o contexto é sobre a fonte da pobreza e, portanto, requer um significado ingressivo. 62 כף é o “acusativo interno não cognato” (IBHS 10.2.1g) denotando o meio pelo qual a ação é executada, e רמיה é o qualificador necessário nesta construção (GKC 117s).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
99
segundo.63 Daí a tradução acima, “[ele] empobrece quem trabalha com mão negligente.” O aluno deve pensar por si mesmo. רמיה pode significar “preguiça” ou “engano”, ambas categorias morais. Fox opta por esta última,64 mas admite que “a noção de frouxidão é ativada pelo paralelismo em 10:4; 12:24; e 19:15” (cf. 12:27; 15:19). A palavra também é entendida como “engano” por vários intérpretes judeus tradicionais, que muitas vezes a elaboram ainda mais. Por exemplo, Rashi entende כף־רמיה como uma escala enganosa usada por um comerciante para enganar clientes.65 Parallelismi causa, isso força a interpretação do segundo verso a se referir a pessoas honestas.66 Da mesma forma, Ramaq, Ralbag e Nahmias. Para חרוצים como “diligente”, cf. 12:24, 27; 13:4; 21:5. Malbim interpreta o (כףpalm) do v. 4a como significando que algumas pessoas usam apenas parte de suas mãos para trabalhar, o que metaforicamente significa mão de obra insuficiente e, portanto, são reduzidas ao engano. Em contraste, os industriosos trabalham com toda a mão ()יד, ou seja, com toda a capacidade e, portanto, tornam-se ricos. Uma outra perspectiva é aberta pelo Vilna Gaon, que vê um contraste metafórico entre os dois hemistichs: O estudo superficial da Torá (a mão frouxa), que leva à pobreza no sentido de esquecer até mesmo o que foi aprendido, em oposição ao estudo completo Estudo da Torá (o diligente), que leva a um rico conhecimento. Numa homilia,67 João Crisóstomo defende a neutralização da avaliação positiva da riqueza no provérbio. Ele responde com a bênção dos pobres por Jesus (Mt 5:3). Tendo feito o mesmo com Qoh 9:16 versus Prov 30:8, ele conclui que essa avaliação da riqueza era comum sob a antiga aliança, que agora foi alterada sob a nova aliança, de modo que o valor da riqueza e a maldição da pobreza estão invertidos. Mas em seu comentário ele novamente se esforça para dissipar qualquer conflito entre o texto e suas convicções cristãs. Às vezes, a pobreza não humilha as pessoas, por exemplo, Pedro (Atos 3:6), Paulo (Atos 20:34) e os antigos profetas. Para ele, o texto só desestimula a preguiça, mas ser humilde no sentido de não se achar importante é bom. Para esse propósito, o acréscimo no Codex Patmiacus (veja abaixo) enfatiza que qualquer riqueza que alguém possa ter vem de Deus e não de seus próprios esforços.
À luz dessas considerações, é desnecessário corrigir o particípio para a forma feminina ( )ע ָֺשׂה ou corrigir a primeira palavra para ( ֵראשׁpobreza; cf. a Septuaginta πενία [pobreza]). o mesmo resultado ao longo de um 63 Clifford também relê o primeiro verso neste sentido. Ele credita Choon-Leong Seow por uma comunicação oral nesse sentido, mas Berlin (2008, 96-99, publicado pela primeira vez em 1985) discute o fenômeno completamente. 64 Em sua edição eclética do texto de Provérbios, no entanto, Fox (2015, 174) comenta que a Vulgata “entende corretamente רמיה como 'preguiçoso'”. 65 Já Delitzsch apontou que o significado de “escala” para כף é Mishnaico tardio e não é encontrado no Antigo Testamento. 66 Embora Fox opte pelo significado “diligente” para חרוצים, ele também menciona Riyqam e Hame'iri, que defendem “honesto”, que se acredita estar baseado no paralelismo com רמיה, se este for entendido como “engano” neste versículo e em 12:24, 27. 67 Hom XVIII em Hebr. 10:8-13 (NPNF I/14, 452). 68 Assim também a Peshitta, Targum e Vulgata. Fox corrige ambas as palavras, mas a maioria dos outros comentaristas não. Toy não emenda o texto, mas curiosamente encontra “pouca escolha” entre as duas possibilidades de vocalização de ראש traduzindo como se o particípio fosse ע ָֺשׂה, sem comentar o gênero de כף.
100
Tradução e Exegese do Capítulo 10
rota diferente.69 Mas é possível que todo o versículo possa realmente ser lido de modo que contenha um significado ambivalente (em oposição a um ambíguo). Berlin mostrou que o paralelismo pode, além da desambiguação, também causar ambiguidade. Neste caso, prefiro falar de ambivalência para evitar a impressão de formulação grosseira. Este versículo talvez seja um bom exemplo dessa expansão das possibilidades legítimas de ler um provérbio. Talvez tenhamos aqui ambos os efeitos do paralelismo. A mão diligente (= trabalho) no v. 4b esclarece a mão descuidada (= inatividade) no v. 4a (“desambiguação”); portanto, deve-se entender o primeiro verso como “quem trabalha com mão desleixada fica pobre”. Mas se a riqueza é criada pelo trabalho árduo (v. 4b),70 então o preguiçoso que se tornou pobre ainda terá que “fazer uma mão caída” ( )עשה כף־רמיהpor ser forçado a estender uma mão pedinte ( ambivalência). A mão que não trabalha torna-se uma mão que tem que mendigar. Considerando as várias formas como o provérbio é apresentado a ele, o aluno pode imaginar a mão mendicante como resultado da mão frouxa do preguiçoso e é motivado71 a escolher a virtude da diligência. O sentido geral do provérbio é claro e ecoado em vários outros ditos, por ex. 12:11; 13:4; 14:23a; 28:19. O mesmo pensamento é expresso em um provérbio acadiano já no segundo milênio AEC: “Enquanto um homem não se esforçar, ele não ganhará nada”,72 e até mesmo no Novo Testamento (2 Tessalonicenses 3:10). A Septuaginta acrescenta um provérbio completo após o v. 4:73 υἱὸς πεπαιδευμένος σοφὸς ἔσται, τῷ δὲ ἄφρονι διακόνῳ χρήσεται. 69 Egestam operata est manus remissa (Uma mão negligente fez a pobreza); aqui כף־רמיה é tomado como sujeito e o particípio é lido como ע ָֺשׂה para se adequar ao sujeito feminino. Embora a sintaxe hebraica seja lida de forma diferente, o sentido obtido é o mesmo: a preguiça resulta em pobreza (cf. BHQ, p. 39*). 70 Isso mostra que o valor da riqueza não é absoluto. Tem que ser criado por trabalho honesto, o que novamente amplia a percepção do v. 2a de que a riqueza adquirida por meios perversos não “ajuda”, ou seja, não tem valor. 71 Cfr. Stewart (2016, 107f. e 191f.) sobre imaginação e motivação pela riqueza; também o trabalho anterior de Sandoval (2006, 57-61, 71-113), onde o aspecto motivacional da riqueza é enfatizado. A proposta de Stewart de que “a forma dos Provérbios funciona para educar a imaginação do aluno” é bem ilustrada na maneira como o paralelismo funciona. Se a vergonha de ter que mendigar também se ouve no provérbio, o impacto cultural negativo de imaginar a desonra (cf. v. 5; Pilch [2016, 33]) fortaleceria a motivação. Portanto, as observações abrangentes de Pilch (2016, 216-217), que afirma que “[ser] rico era sinônimo de ser ganancioso” (Pv 15:27; 22:2), não pode ser mantida, certamente não para o Livro de Provérbios (para ter certeza, nenhuma de suas citações diz nada do tipo). 72 ANET, 425. 73 Toy considera a adição como a primeira parte do v. 5. Antes dessa adição, o Codex Patmiacus 161 do comentário de Crisóstomo também acrescenta: “mas as riquezas vêm do Senhor” (Hill [2006, 109, 221] ).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
101
(Um filho educado será sábio e tratará o ignorante como um servo.) O segundo verso da adição traz a mesma ideia do segundo verso de 11:29. Na Septuaginta: δουλεύσει δὲ ἄφρων φρονίμῳ. (o ignorante servirá ao instruído.) A adição como um todo polariza o sábio e o tolo (cf. v. 1b), que é o que acontece no v. 5, onde a Septuaginta oferece uma reinterpretação completa do texto hebraico (ver abaixo). Nesse sentido, tem uma função de ponte para v. 5 e coesão de fato com v. 1b, que por sua vez contribui para uma medida de coesão no cluster.74
10:5 O que ajunta no verão é filho prudente; o que dorme na sega age vergonhosamente. A afirmação positiva do primeiro verso continua a positiva com que termina o provérbio anterior, ambas expressando o motivo da diligência. Seguido por uma declaração sobre a preguiça no v. 5b, encerra o ponto cruzado de pontos positivos e negativos que começou com o v. 1b. A organização rítmica consiste em 4+4 batidas (assim Gemser). Waltke percebe que o paralelismo dos dois versos não contém apenas oposição e equivalência palavra por palavra, mas também sons repetitivos75 (consoantes e vogais): ’gr baqqayiṣ nrdm baqqāsir
ben ben
movimentos maśkīl
A combinação destes inquestionavelmente reforça as antíteses e destaca o provérbio tanto no nível semântico quanto no fonético.
Verão ()קיץ é a época da colheita ()קציר, e os dois termos são freqüentemente usados juntos (cf. 6:8; 26:1; Is 16:9; Jr 8:20). Aquele que traz a colheita tem que trabalhar muito e muito (o particípio Qal de אגר76 indica uma ação durativa). É um filho prudente, pois sabe que as oportunidades da temporada não podem ser adiadas. Ele tem uma visão da sabedoria do carpe diem, aproveitando 74 Pelas razões mencionadas nas observações iniciais da “Exposição II” acima, preferi um agrupamento nos vv. 1-5 em vez de outros. As observações sobre a Septuaginta do v. 4 sugerem um agrupamento semelhante. Mas cf. Sæbø (1986, 99-106), que prefere uma unidade de vv. 1-8 com seu centro no v. 4, e Krispenz (1989, 41-46), que vê o v. 4 como o centro de uma unidade abrangendo os vv. 1-9. 75 Da mesma forma, Luchsinger (2010, 184) considera o “nível fonológico” do provérbio altamente eficaz. 76 O verbo também ocorre em 6:8 e, segundo Rendsburg (2015, 138), 11× no hebraico Mishnaico.
102
Tradução e Exegese do Capítulo 10
oportunidades quando elas estão lá (cf. 20:4; 24:30-34; Qoh 3:12-13, 22; 8:15; 9:7-10; 12:1). משׂכילé o particípio Hiphil singular masculino de (שׂכלter discernimento), indicando no contexto que o filho age com perspicácia e, portanto, é sábio (cf. 10:19; 14:35; 15:24; 17:2 ). Quem dorme na época da colheita não faz nada.77 רדם Nifal não é apenas uma soneca ou descanso, mas um sono profundo.78 Esse comportamento causa desonra. מביש é o particípio masculino singular Hiphil de (בוש envergonhar-se), indicando que o filho causa vergonha (cf. 12:4; 14:35; 17:2; 19:26; Sl 14:6). A menção de um (בן filho) implica pais. A presença da palavra em ambos os versos mostra que os dois tipos de pessoas são pensados em termos do que fazem com que seus pais experimentem, e não em termos dos efeitos de seu comportamento sobre si mesmos.79 A observação de Fox de que o particípio מביש sempre se refere a uma pessoa subordinada em relação a outra (além das referências dadas, cf. também 29:15) confirma isso. As consequências do bom e do mau comportamento para os próprios praticantes estão concentradas nos vv. 2-4 e as consequências para seus pais nos vv. 1b e 5. Isso cria uma estrutura e torna o grupo de provérbios um agrupamento confiável. Embora ainda não seja um poema, a coesão aumenta a leitura das unidades à luz de todas elas.80 Além das possibilidades criadas por provérbios vazios e seu paralelismo (ver acima), podemos agora entender a promessa do v. 3a ( Javé não deixará o justo passar fome) à luz do v. 5a: a promessa não exclui o trabalho árduo para ganhar o pão de cada dia. Da mesma forma as outras declarações do grupo: a preguiça não é compatível com a justiça, os preguiçosos são contados entre os ímpios. A tradução da Septuaginta equivale a uma paráfrase do v. 5:81 hebraico μήτῳ υἱὸς παράνομος. (Um filho sábio é salvo do calor, mas um filho sem lei é levado pelo vento na época da colheita.) 77
Cf. o comentário sobre 6:7-8 (Vol. I, 262-263). Cf. Jz 4:21 e o substantivo cognato תרדמה em 19:15 (sono estupefato) e Gn 2:22: (sono entorpecente). Luchsinger (2010, 184) chama o contraste de um particípio ativo no v. 5a e um particípio passivo no v. 5b de “contraste morfológico” e uma instância do que Berlin (2008, 32-53) chama de “paralelismo morfológico”. Sua lista de paralelismos com conjugações contrastantes contém vários com Qal/Niphal, mas não Prov 10:5. No entanto, ela também pensa que o contraste na conjugação tem o efeito de enfatizar o contraste de ideias entre os dois hemisférios (Berlin [2008, 40]); cf. Held (1965, 272-282), embora seu ensaio seja sobre a sequência factitivo-passiva de verbos idênticos. Luchsinger argumenta que o contraste morfológico neste verso enfatiza o motivo da atividade no primeiro e letargia no último hemistich. 79 Cfr. Pilch (2016, 33, 34) e acima no v. 4 para o impacto cultural da vergonha. 80 Plöger chama o efeito da correspondência entre vv. 1 e 5a arredondamento de todos os versos entre eles (“eine Abrundung der Zwischenverse”). 81 Toy considera o “filho educado” como uma paráfrase de “aquele que colhe no verão” e sua “terceira cláusula” (ou seja, a primeira linha do v. 5 convencional) como um duplo incerto do mesmo (cf. a nota acima sobre a tradução grega do v. 4). 78
Tradução e Exegese do Capítulo 10
103
O filho sábio no texto grego representa aquele que (sabiamente) faz a colheita e o filho sem lei corresponde ao preguiçoso do texto hebraico. Da mesma forma, o calor (καύματος) glosa o hebraico (קיץverão). A Septuaginta, portanto, torna o ditado hebraico concreto mais genérico. Agora pode ser aplicado a regiões onde a época da colheita não é verão.82 Melanchthon interpreta o ditado ainda mais genericamente do que a Septuaginta. Para ele, as tarefas agrícolas próprias das estações do ano podem ser aplicadas a qualquer ocupação (in suo officio), devendo-se observar prudentemente a ordem adequada (ordinem actionum), muitas vezes constituída por regras económicas (præcepta œconomica). Anteriormente, numa exposição tardo-medieval atribuída a João de Varzy (†1278),83 o autor está interessado no tipo de pessoa retratada no segundo hemistich. Ele aplica o veredicto negativo aos ribaldi, canalhas que originalmente eram mercenários, mas depois se tornaram drones parasitas. O “filho” mencionado no segundo hemistich é um filius confusionis (um filho da confusão). Isso deve ser interpretado literalmente (ad litteram): contos sunt ribaldi otiosi, qui nichil faciunt, nisi dormire ad solem et ideo confusi sunt et despecti (tais são os terríveis mercenários que não fazem nada além de dormir ao sol e, portanto, são confusos e desprezíveis) .
10:6-11 Falando e efeitos relacionados 6
A bênção recai sobre a cabeça do justo, mas a boca dos ímpios encobre a violência. 7 A memória do justo é para abençoar, mas o nome dos ímpios apodrece. 8 O sábio de coração aceita os preceitos, mas o tolo de lábios se arruína. 9 Quem anda com honestidade anda seguro, mas quem faz caminhos tortuosos será descoberto. 10 O que pisca os olhos causa tristeza, e o tolo de lábios se arruína. 11 A boca do justo é fonte de vida, mas a boca dos ímpios encobre a violência. Bíblia. Dell 2006, 61; Heim 2001, 113-116 e 2013, 217-220; Krispenz 1989, 45-46; Kruger 1995, 422-424; Pilch 2016, 34; Scherer 1999, 55-57, 64-71; Scoralick 1995, 176-178; Stewart 2016, 116-120.
Enquanto Plöger não encontra coerência temática nesses versos, muitos outros encontram. Os expoentes desta última visão são Meinhold, Krüger e Lucas. De acordo com 82 Em Israel, a colheita foi trazida durante o verão. De acordo com Wildeboer, 2 Reis 4:1819 sugere que em Israel os ceifeiros ainda estavam nos campos no final do verão. Dalman especifica que culturas como sorgo (que ele chama de “Kafferkorn”) foram colhidas durante esse período, mas o trigo foi colhido durante junho e julho (AuS III, 1-6). Crisóstomo usa até mesmo a generalização do grego para espiritualizar a ideia e interpreta “soprado pelo vento” como “interiormente arruinado”. 83 Super Provérbios; cf. Smalley (1986, 94-95).
104
Tradução e Exegese do Capítulo 10
no primeiro, todos os versículos do v. 6 ao v. 11 mencionam ou – no caso do v. 9 – sugerem partes do corpo humano, com exceção do v. 7 (da mesma forma, Whybray). No entanto, alguém poderia objetar que a presença sugerida de “pé” em virtude do uso do verbo (הלךandar) no v. 9 é um tanto forçada. Além disso, a única exceção que Meinhold permite dentro do cluster (v. 7) não é uma exceção se outro conjunto de motivos for colocado em jogo. Todos os versículos em questão, com a possível exceção do v. 9, contêm o motivo da fala humana. , 20f., 31f.) e que, portanto, não pode ser usado para substanciar um agrupamento limitado aos vv. 6-11. Mas, além do fluxo temático (coerência), há também evidências de conexões formais (coesão) apontadas por vários comentaristas.85 Krüger encontra um padrão concêntrico nos versos semelhante ao padrão ABCBA que ele discerne nos vv. 1-5:86 6 7
A 8 9
10 11
B C B A
Isso reflete os motivos de boca-lábios (A-B nos vv. 6, 8) e lábios-boca (B-A nos vv. 10, 11). Ele coloca o motivo do comportamento no centro e expressa a conexão entre palavra e ação. Meinhold, que também reconhece isso como o “Zusammenhang von Wort und Tat”, também aponta outros elementos de coesão formal, vários dos quais também são mencionados por outros comentaristas (por exemplo, Waltke). O segundo hemistíquio idêntico dos vv. 6 e 11 formam um inclusio e unem os versos como um agrupamento. Além disso, os últimos hemistíquios idênticos dos vv. 8 e 10 reforçam a coesão,87 bem como o fato de que três pontos consecutivos nos vv. 8, 9 e 10 terminam com um verbo no singular masculino perfeito Niphal, que causa uma tríplice assonância nos sons i, ā e ē.
84 Waltke sugere que o motivo do discurso está implicitamente presente também no v. 9, uma vez que “os ciqqēš (tortos) estão ligados ao discurso perverso (ver 4:24; 6:12)”. Portanto, aqueles que “tornam seus caminhos tortuosos” podem ser considerados pessoas que usam “palavras tortuosas”. Se o próprio provérbio permite isso pode ser questionado por alguns, mas no contexto literário dos provérbios circundantes é um entendimento possível. 85 Cfr. Scherer (1999, 55-57), que também distingue entre os aspectos formais e temáticos da adesão de provérbios em grupos. Em sua opinião, esses dois aspectos não precisam cobrir necessariamente o mesmo trecho de texto. Neste caso, a unidade formal abrange os vv. 6-11, enquanto a unidade temática se estende até o v. 21 (cf. Hermisson [1968, 174], que também encerra uma unidade temática no v. 21, mas vê diferentes associações nos vv. 6-9 e 10-21). 86 Krüger (1995, 423). 87 Sobre meios-versos repetidos, ver Snell (1993, 20-21).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
105
Na minha opinião, essas considerações de fato mostram coesão e coerência como argumentam os estudiosos citados. Mas a unidade não é rigorosa. Por exemplo, o padrão concêntrico não é simétrico, como seria de esperar em uma peça de poesia cuidadosamente composta. Todo um provérbio (v. 7) deve ser deixado de fora da equação porque não se encaixa na simetria quiasmática ABCBA. No entanto, o provérbio não participante está vinculado ao v. 6 por outros motivos, como repetições de palavras (benção, justo, perverso).88 Por essas razões, pode-se dizer que os versículos em questão são um agrupamento, ou seja, eles têm foi intencionalmente reunido, mas o material do qual o aglomerado é feito não justifica considerá-lo como um poema cuidadosamente composto.89 A passagem 10:6-11, portanto, ainda corresponde à conclusão básica de Dell de que o material até 22:16 é não tanto identificado pela unidade de composição, mas pela “fragmentação que revela a unidade”. 10:6 A bênção recai sobre a cabeça do justo, mas a boca dos ímpios encobre a violência. Como está o verso, ele tem um padrão rítmico de 3+4. Gemser considera a possibilidade de contar três tempos no segundo hemistich, mas não no v. 11b idêntico, onde isso é menos provável.91 Portanto, uma unidade de três tempos no v. 6b também é improvável. Muitas vezes se pensa que o v. 6b não se encaixa como um hemistich paralelo ao v. 6a. Para melhorar o suposto desequilíbrio, foram propostas emendas. Por um lado, vocalizar o verbo ativo (יְ ַכ ֶסּה, terceira pessoa do singular masculino Piel imperfeito) como passivo (י ִָכּסֶהterceira pessoa do singular masculino Niphal imperfeito). Essa proposta92 é desnecessária porque um verbo ativo 88 Heim (2001, 113-114) observa que o v. 7 precisa ser acomodado e encontra o padrão ABCDCA nos seis versículos. Ele chama isso de quiasmo (baseado na repetição do v. 6b no v. 11b e do v. 8b no v. 10b), “com o v. 9 (= D) em seu centro”. Mas mesmo que o v. 7 receba uma etiqueta (“B”), ele ainda não se encaixa em um padrão quiástico em torno do v. 9 porque o agrupamento é um hexacólon de seis linhas sem um centro. Pode-se comparar Sl 12:4-5, um heptacólon quiástico ABCDCBA com um número ímpar de linhas ao redor de um centro e o elemento B em seu lugar (ver Watson [1994, 347]). Vv. 6-11 poderia no máximo ser chamado de “quiasma enviesado” em que um compromisso é alcançado “entre o padrão quiástico e a sequencialidade”, conforme explicado por Holladay (1966, 432-433), cf. Watson (1994, 348). 89 Para outros comentadores que demarcam os grupos/clusters de forma diferente, ver as referências acima. 90 Dell (2006, 63-64). 91 No v. 11 seria difícil explicar por que (פיmouth) deve ser contado como uma batida no primeiro tempo, mas não no segundo, onde também é combinado com uma conjunção (waw). 92 Feito por Hitzig em 1858, argumentando que o Piel é acusticamente ambíguo (“zweideutig”), pois soa como o Niphal. No entanto, as duas formas podem soar um pouco semelhantes, mas não são ambíguas; a duplicação de consoantes ocorre em lugares diferentes, o comprimento da vogal a
106
Tradução e Exegese do Capítulo 10
faz sentido quando (פי רשעים a boca dos ímpios) é tomado como assunto. Nem nada é melhorado pela emenda ( ופי רשעים, mas a boca dos ímpios) para ( ופני רשעים, mas a face dos ímpios).93 O primeiro hemistich pode ser lido de duas maneiras: (a) Os justos recebem concreto bênçãos (como uma vida longa, riqueza ou prole abundante, cf. Gn 49:26; Dt 33:13-16) como recompensa por ser justo. (b) Alternativamente, pode significar que as bênçãos são invocadas por outras pessoas que desejam o bem do justo (por exemplo, em gratidão ou em louvor por sua prática da retidão). O último envolve o ato de falar, que é um paralelo adequado para a “boca” referida na segunda metade. No entanto, as bênçãos faladas não excluem a ideia de bênçãos concretas, pois é isso que uma invocação verbal deseja. V. 6b também pode ser lido de várias maneiras: (a) Violência ( )חמס é o assunto; cobre a boca dos ímpios, seja no sentido de que sua boca é rotulada pela violência, ou seja, sua boca se destaca pelas coisas violentas que eles dizem, ou no sentido de que a violência domina a boca dos ímpios e voa na face do perversos, por assim dizer (Targum, Peshitta, Rashi, Schultens, Delitzsch, Waltke94 e outros95). (b) Essencialmente, o mesmo efeito é alcançado pela proposta de que כסה seja entendido como "encher" (então Gemser, Whybray, Clifford e aparentemente Lucas; cf. Is 11:9; Hab 2:14; 3:3 ), de modo que o ímpio tem uma “boca cheia” de violência e, portanto, está sempre pronto para proferir palavras violentas.96 é diferente, e a pronúncia do kaph sem daguesh era diferente do kaph com daguesh no momento da edição. 93 Portanto, BHS, mas não BHQ ou EE. 94 De acordo com Waltke, vv. 6-9 são sobre os efeitos da fala em si mesmo e vv.11-14 sobre seu efeito sobre os outros. Cf., no entanto, o verso idêntico em ambos os grupos de versos (vv. 6b e 11b), onde ele tem que atribuir os diferentes significados “oprimir” e “encobrir” ao mesmo verbo (כסהPiel) e inverter o sujeito e objeto no v. 11 para manter o padrão. Colocar “a violência sobre a superfície dos ímpios” parece uma maneira difícil de conseguir “subjugar os ímpios”. Já em meados do século 19, Hitzig também viu um problema no uso de כסהPiel em ambos os versos, que ele achou “ambíguo” à luz dos respectivos assuntos e objetos. Sua proposta é manter os sujeitos e objetos gramaticais de ambos os versos, bem como as consoantes, simplesmente lendo Niphal ( )יִ ָכּ ֶסה em vez de Piel no v. 6b, para que o sujeito gramatical possa se tornar o objeto lógico (“o a boca dos ímpios está coberta de violência” [ele traduz “mit Leid”, ou seja, “com sofrimento”]). 95 Por exemplo Heim (2001, 114 e 2013, 219) – mas cf. sua mudança de opinião em relação ao v. 11b (2013, 218-219). 96 No entanto, quando se considera os textos aduzidos em apoio, isso parece ser apenas uma questão de um equivalente tradutório diferente, uma vez que a água “cobrindo” o fundo do mar naturalmente significa que
Tradução e Exegese do Capítulo 10
107
(c) Outra possibilidade é que a boca seja o sujeito com כסהPiel significando "ocultar" (cf. Gn 18:17; 37:26; Sl 32:5), de modo que as pessoas perversas encobrem a violência ocultando com palavras (cf. 10:18; 26:26; Fuhs, Yoder, Fox, Sæbø, Moss e outros).97 Como o verbo כסה não é usado em outro lugar para indicar punição ou destruição, a última possibilidade é a melhor . Como os antítipos típicos ( צדיקe )רשע são então os receptores e os perpetradores das respectivas ações, o paralelismo entre os dois hemistichs na superfície parece ser frouxo. Mas, como Berlin mostrou, o rigor não é necessário no paralelismo.98 O paralelismo estaria, então, no contraste entre palavras benevolentes e malévolas e as consequentes consequências para tipos antípodas de pessoas. Lidas à luz uma da outra, as duas frases do provérbio implicam várias coisas. Por um lado, o segundo hemistich fornece a informação implícita de que os justos do primeiro hemistich não encobrem intenções prejudiciais com palavras enganosas e, portanto, que falar honestamente faz parte de צדקה e merece bênção. Por outro lado, o primeiro hemistich implica que aqueles que usam palavras de disfarce não serão abençoados. Quando o efeito do paralelismo é levado em conta, pode-se notar a propensão da poesia a sugerir mais do que o aparente na superfície. Neste provérbio, o paralelismo expressa uma simetria subjacente que não é tão aparente à primeira vista (os colchetes indicam o que está implícito no paralelismo): V. 6a benevolente fala justo justo recebe bênçãos [justo não fala para encobrir]
:: :: → ←
V. 6b falar malévolo ímpios [ímpios não recebem bênçãos] ímpios falam para encobrir
Essencialmente, as duas metades do provérbio expressam a mesma verdade, uma vez da perspectiva do justo e outra da perspectiva do ímpio. De fato: “O paralelismo forja a unidade da dualidade.”99 De qualquer forma, o provérbio o mar está cheio de água (Is 11:9; Hab 2:14). Além disso, a glória de Deus cobrindo os céus (Hab 3:3) é uma metáfora apropriada para a experiência de uma epifania ao olhar para o céu de uma perspectiva humana. Clifford refere-se a Isaías 60:2; Ezequiel 30:18; Hb 2:17; Jr 3:25 em apoio à sua tradução com “encher” (nenhuma das quais é decisiva), mas, admitindo que a primeira (“cobertura”) é “a leitura mais natural do hebraico”, ele pensa que a escolha do verbo é intencionalmente ambíguo. 97 Uma interpretação semelhante é dada por Ramaq. Ele usa o sinônimo (סתרPiel ou Hiphil: cobrir, esconder) para glosar כסה. Ele não diz que os ímpios mascaram intenções violentas com palavras gentis enganosas, mas que os ímpios escondem palavras violentas até que um momento oportuno se apresente, embora este último não exclua o primeiro. 98 Cfr. Berlim ([1985] 2008, 15-16). 99 A expressão feliz é de Berlin (2008, 16).
108
Tradução e Exegese do Capítulo 10
mostra que a bênção é o resultado da retidão, que se manifesta em comportamentos concretos, como a honestidade face ao encobrimento da violência e da ilegalidade. A Septuaginta teologiza o primeiro versículo dizendo expressamente que a bênção para os justos vem de Deus. Ele equilibra isso tomando “a boca dos ímpios” como o objeto no segundo verso: εὐλογία κυρίου ἐπὶ κεφαλὴν δικαίου, στόμα δὲ ἀσεβῶν καλύψει πέ νθος ἄωρον. (A bênção do Senhor está sobre a cabeça dos justos, mas a tristeza prematura cobrirá a boca dos ímpios.)
Isso cria um contraste típico em termos de recompensa e punição trazida pelo próprio Deus. A expressão “bênção do Senhor” também ocorre em 10:22, tanto no Texto Massorético quanto na Septuaginta. A interpretação judaica oferece vários exemplos de leitura dos dois versículos do provérbio hebraico, conforme eles impactam um ao outro. Segundo Nahmias (século XIV), a primeira metade afirma que os justos são abençoados pelas pessoas, o que acontece enquanto os destinatários das bênçãos estão vivos. Sob o impacto dessa leitura, a segunda metade do versículo deve significar que os ímpios estão sujeitos ao tipo oposto de desejo, que é uma maldição. O conteúdo da maldição reitera o que já havia sido dito por Rashi cerca de três séculos antes, ou seja, que a violência que eles cometem (não apenas as palavras violentas que eles falam) cobre sua boca para que eles percam o fôlego e morram. Alguns comentaristas do século 18 também interpretam o segundo versículo para dizer que os ímpios são punidos pelo próprio pecado que cometem. O Mezudat David (David Altschuler, século 18) retoma a linha de Rashi, notadamente que a cobertura da boca do ímpio é o rebote de seus próprios atos de violência sobre si mesmos, a fim de sufocá-los. Por sua vez, o Vilna Gaon (Eliyahu Zalman, século 18) segue a linha de Nahmias ao explicar חמס como uma conversa violenta especificamente: os ímpios falam violentamente dos outros, ou seja, amaldiçoam-nos, que então se volta contra eles mesmos. Também neste caso, o impacto do falar benevolente mencionado no primeiro hemistich faz com que חמס seja entendido como um discurso violento e amaldiçoado, que é então punido. Assim, o alinhamento dos dois versos torna-se teologicamente importante, uma vez que o Vilna Gaon infere que os justos não apenas recebem bênçãos por retidão não especificada, mas são abençoados porque eles mesmos proferem bênçãos sobre os outros e, portanto, são recompensados em espécie pela mão de Deus. Mas há uma diferença: fala-se da boca do ímpio, mas não da boca do justo, o que permite inferir que Deus abençoa o justo por apenas pensar em abençoar os outros, mas só pune o ímpio quando surge a ideia de amaldiçoar alguém. realmente leva a uma agressão oral. Isso implica a misericórdia de Deus, que está ansioso para abençoar pelo mero pensamento de fazer o bem, mas que adia o castigo até que uma má intenção seja realmente praticada. Crisóstomo diz sumariamente que as bênçãos “na cabeça” dos justos significam que “o que é de capital importância para ele é preservado e coroado”, e relaciona isso diretamente ao próximo versículo. João Calvino cita o provérbio apenas incidentalmente para sustentar seu ponto de vista de que “misericórdias eternas” são para os justos e “uma destruição eterna que não tem fim” aguarda os ímpios.100 100
Inst II/10, 18.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
109
10:7 A memória do justo é para abençoar, mas o nome dos ímpios apodrecerá. O verso tem uma organização rítmica simples de 3+3. Várias características o alinham com o provérbio anterior: primeiro, é claro, seu arranjo antitético; também a presença das palavras ( צדיק ambas as vezes no singular), ( רשעים ambas as vezes no plural) e ( ברכה uma vez no plural e uma vez no singular); a mesma estrutura sintática em ambos os provérbios (uma frase nominal no primeiro hemistich e uma frase verbal no segundo). A memória de uma pessoa e a menção de seu nome são lados da mesma moeda.101 Quando o nome de alguém é “mencionado em Israel” (Rute 4:14), a memória dessa pessoa é mantida viva (Rute 4:5, 10). Quando os mortos são esquecidos, tal perpetuação não acontece e, juntamente com as lembranças deles, eles são excluídos do bem que se pode desfrutar na vida (Qoh 9:5-6), o que é considerado um castigo (Is 26:14 ; Sl 34:17).102 No entanto, quando o nome é mencionado, não significa necessariamente uma boa memória, pois o nome também pode ser usado como substância de uma maldição (Jr 29:22). Os próprios autores bíblicos fizeram amplo uso dessa possibilidade, como pode ser visto, por exemplo, no uso frequente do nome do rei Jeroboão in malam partem, mostrando que seu nome foi lembrado desfavoravelmente muito depois de sua morte (por exemplo, 1 Rs 15:30, 34; 16:3, 19, 26, 31; 22:53; 2 Rs 3:3; 10:29, 31; 13:2 etc.).103 O oposto deve ser lembrado in bonam partem e pode ser usado como parte de uma nova bênção motivada pela bênção recebida por aquele que está sendo lembrado (por exemplo, Gn 48:20). Não apenas os homens (por exemplo, Gn 28:3s.; 48:16104), mas também as mulheres (por exemplo, Rute 4:11) do passado são mantidos em memória abençoada e, às vezes, os nomes de homens e mulheres juntos são usados para a mesma bênção. (Rute 4:12). No provérbio do v. 7, as palavras são usadas nesse sentido. A lembrança dos justos é “para bênção”, ou seja, para ser usada em bênçãos como Isso é particularmente claro em Êx 3:15, onde שם e זכר são usados como sinônimos (cf. Êx 15:3); também em Os 12:6, onde זכר é usado em uma expressão geralmente contendo ;שםcf. AQUELE I, 508 para zkr não significa apenas “memória”, mas também “nome” em hebraico e em várias outras línguas semíticas; cf. Sl 111:4. 102 Meinhold cita o ensinamento de Merikare (linha 36, “Torne seu memorial permanente por ser amado” [AEL I, 99; ANET, 415; COS I, 62]). Fox menciona a autobiografia da tumba egípcia de Men[t]uhotep, onde é dito: “A bondade de um homem é seu memorial, enquanto uma pessoa má é esquecida”, cujo lado positivo ecoa Merikare, bem como Ptahhotep (AEL I, 72, “Bondade é o memorial de um homem” e AEL I, 73, “Um bom caráter será para um memorial,” cf. AEL I, 107). No entanto, ser esquecido nesse sentido não é o mesmo que ter um nome podre (veja abaixo). 103 Cfr. também Dt 28:37; Jr 24:9; 25:9; 29:22. 104 Cfr. também Gn 12:2; 26:4s. 101
110
Tradução e Exegese do Capítulo 10
o de Isaque, Jacó ou as mulheres de Belém.105 Devido à prosperidade desfrutada pelos arquétipos de bênção, eles se tornam paradigmas para pronunciamentos posteriores de bênçãos. Assim, assume-se que o justo mencionado no primeiro hemistich recebe um ברכה concreto e, conseqüentemente, torna-se o padrão ou mesmo a identificação do ברכה que as pessoas desejam para os outros.106 Da mesma forma, os ímpios não são lembrados por nada de bom . Seu nome/memória apodrece. O verbo רקבQal significa "podre", "putrefy", e não indica necessariamente ser esquecido após a morte, como é frequentemente assumido (por exemplo, Meinhold).107 Ter um nome podre significa ter uma reputação podre mesmo quando essa pessoa é ainda vivo, sem no entanto excluir a reputação ofensiva que continua após a morte. Ser lembrado nesse sentido desfavorável significa que o nome não é esquecido, mas sim usado em maldições. Por outro lado, ser mantido na memória abençoada por ter sido justo (e, portanto, ter sido abençoado) inclui ser respeitado nas bênçãos dos outros. Além dos exemplos aduzidos acima, esse uso também vive na prática judaica posterior de se referir a um falecido com as palavras, זכרונה לברכה/( זכרונוsua memória seja abençoada), e especialmente com a citação exata do primeiro hemistich como um título honorífico para pessoas excepcionalmente respeitadas (abreviado )זצ״ל. Assim, o provérbio pode ser usado para dizer que (a) pessoas justas e más são lembradas positiva e negativamente nesta vida. Também pode dizer que (b) eles são assim lembrados após sua morte, mas o uso do verbo poderosamente conotado (רקבdecompor) pode igualmente sugerir que (c) os ímpios desaparecem tão completamente quanto Qohelet afirma (veja acima) . Essa polivalência possibilita o uso do provérbio em diversas situações e para diversos fins. Ele retém sua força mesmo que as pessoas perversas - apesar das afirmações de Qohelet em contrário - sejam lembradas muito depois de sua morte. Isso é ilustrado pela experiência de Israel nos exemplos acima. O ditado também pode ser aplicado se a afirmação frequentemente citada por Mark Anthony108 de Shakespeare for verdadeira, ou ser citada por leitores que se lembram da feculência de nomes como Stalin, Hitler ou Pol Pot. Quando invocado em circunstâncias concretas, o potencial do provérbio pode ser realizado de acordo. homem abençoado ( )ברוך não é “aquele sobre quem uma bênção foi pronunciada”, este provérbio seria ininteligível. Para o substantivo ברכה, cf. QUE I, 365-367 e abaixo em 11:11. 106 Para referências a paralelos na literatura egípcia, cf. Meinhold e Fox. 107 Portanto, a proposta em BHS para ler (יוקב será amaldiçoado), de קבבor (נקבcf. KAHAL, s.v.) é desnecessária; o alinhamento com o primeiro hemistich já é dado pelo fato de que ambos os versículos são aplicáveis ao tempo antes e depois da morte. 108 Júlio César III/2: “O mal que os homens praticam perdura depois deles; os bons geralmente são enterrados com seus ossos. 109 Cfr. a afirmação fundamental da monografia sobre “abertura” em provérbios de Millar (2020, passim).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
111
Melanchthon antecipa que o provérbio poderia levantar a questão de por que os ímpios são de fato frequentemente lembrados110 e desde o início rebate a dificuldade recuando: macho. (As generalizações são afirmações e consolações feitas contra o obstáculo da felicidade dos ímpios que florescem por um tempo, mas eventualmente o bem acontecerá ao justo e o mal ao mal). esquecido pode representar a questão fundamental da teodicéia (cf. Sl 37; 49; 73 e o Livro de Jó). Sua resposta é uma solução no modo de Sl 37:2, 10, 35s., que a dissonância no mecanismo padrão de ação-consequência é apenas temporária e, no final, a retribuição “normal” prevalecerá. A Septuaginta entende todo o provérbio para se referir ao que acontece com os justos e os ímpios após a morte. No primeiro hemistich, traduz (לברכהpara bênção) por μετ᾽ ἐγκωμίων (com louvores), que se refere ao elogio ou elogio feito em um funeral. No segundo hemistich, traduz o hebraico (ירקב apodrecerá) por σβέννυται (será extinto). A Peshitta traduz de forma semelhante, usando a mesma raiz (veja a nota de rodapé para referência completa) como o verbo hebraico em 13:9 ()דעך. A imagem da lâmpada/luz da vida sendo extinta é assim empregada tanto pelo grego quanto pelo siríaco para chamar a atenção para o desaparecimento dos ímpios após a morte,111 o que reforça o paralelismo antitético, especialmente claro na referência da Septuaginta ao elogio funerário . A tradição rabínica tende a interpretar o provérbio como um ditado sobre o que acontece após a morte. O foco de Ramaq no segundo hemisfério, onde ele compara o apodrecimento dos ímpios a uma árvore podre que não produz nada, pode incluir que os ímpios não produzem nada frutífero nesta vida. Mas a ênfase ainda é que nada resta a ser mostrado, com a implicação de que nada resta “após a morte”, particularmente à luz do contraste com a clara referência no v. 6 à retribuição na vida presente. Rashi substancia o esquecimento dos ímpios com o argumento de que a impureza do nome de uma pessoa ímpia impede que as pessoas o mencionem. Isso pode incluir o tempo em que o ímpio ainda está vivo, já que Rashi também diz que alguém que menciona um homem justo o abençoa.112 Mas por si só também pode significar que o ato de mencionar alguém (sc. memória do falecido vivo e é, portanto, uma bênção. A ideia de bênção após a morte é desenvolvida por 110. Em contraste, Crisóstomo não faz isso, provavelmente porque prestou muita atenção a tais discrepâncias com a vida real em seus comentários sobre os versículos anteriores (e trabalhou sob o esforço). 111 O Texto Massorético e a Peshitta usam o mesmo verbo em 13:9; 20:20; 24:20 (דעך e ßïx) e a Septuaginta em 13:9; 24:20 (σβέννυμι). Em todos esses casos, a metáfora da lâmpada da vida é usada. 112 Isso provavelmente significa que se deve abençoar ao mencionar. Cf. o requisito em Ber Rab 49: 1, de que alguém deve abençoar uma pessoa justa e amaldiçoar uma pessoa má ao mencioná-los. Toda a ideia das combinações menção-bênção e menção-maldição é desenvolvida longamente no Talmude Babilônico (Yom 38b) com referência às histórias de Abraão (Gn 18) e Ló (Gn 13).
112
Tradução e Exegese do Capítulo 10
o Vilna Gaon em contraste com a punição dos ímpios. Segundo ele, זכר implica que a bênção vem após a morte, mas o castigo dos ímpios já começa nesta vida, porque שם significa o nome que alguém carrega nesta vida. Hame'iri parece pensar no זכר como um continuum desta vida para a próxima, assim como Malbim. O último vê o nome podre dos ímpios como uma destruição total de suas próprias almas após a morte.
10:8 O sábio de coração aceita os preceitos, mas o tolo de lábios se arruína. De acordo com Toy, o paralelismo consiste em 3 batidas em cada hemistich, enquanto Gemser considera 3+3 possível, mas acha 4+3 mais provável. Sete tempos exigiriam que o maqqeph fosse ignorado e resultasse em duas sílabas tônicas adjacentes ( חכם e )לב, o que é bastante improvável.113 O paralelismo antitético nos dois versos mais uma vez ilustra o impacto complementar de sua influência mútua. As expressões חכם־לב e אויל שפתיםnos respectivos hemistíquios são genitivos explicativos, nos quais a primeira palavra (no estado de construção) é qualificada pela segunda palavra (o genitivo).114 Visto que o coração é o centro de funções vitais humanas (cf. 4:23),115 marca o aspecto vital integrador da personalidade. Portanto, o sábio de coração não tem apenas uma medida de sabedoria, mas é essencialmente sábio, a pessoa verdadeiramente sábia. Sua contraparte é a pessoa tola ()אויל, cuja tolice é especificada pelo genitivo (“o tolo de lábios”): ela se manifesta em seus lábios, ou seja, em seu falar.116 Ao falar tolamente, ele contrasta diametralmente com o pessoa sábia que está preparada para aceitar preceitos. Isso significa que este último está preparado para ouvir o conselho 113
Ver Hrushovski (2007, 599). Este tipo de genitivo (genitivus explicationis) também é chamado de genitivus epexegeticus e abrange vários subtipos. Neste verso, ambos os genitivos são genitivos de especificação, onde a segunda palavra fornece uma especificação da primeira palavra (genitivo de espécie); cf. GKC 128m, também IBHS 9.5.3g. 115 Para o coração como o centro do ser humano interior e para referências aos antigos paralelos do Oriente Próximo, ver Vol. I, 226-227, e especialmente a análise detalhada e as referências de Hausmann (1995, 178-186). Referindo-se ao coração, bem como aos outros órgãos mencionados no contexto, Krüger (1995, 423) também defende a presença dos lados “interno” e “externo” da disposição humana (“Haltung”). Segundo ele (Krüger [2009, 91-106]), a centralidade do coração caminha lado a lado com a forma diferenciada como o coração, suas possibilidades e seus limites são apresentados no Antigo Testamento. A imagem do coração como centro do “humano interior” (2009, 97) foi possível justamente pelo fato de poder ser percebido de formas tão variadas (especialmente 2009, 106). Na minha opinião, isso é particularmente verdadeiro para a literatura sapiencial, por ex. 4:23, onde as manifestações plurais dos muitos aspectos da vida procedem do coração (cf. Vol. I, 227). 116 Que o genitivo é explicativo foi entendido pelo tradutor grego, uma vez que a Septuaginta traduz o “tolo de lábios” por ἄστεγος χείλεσιν (desprotegido nos lábios) e assim especifica a tolice. 114
Tradução e Exegese do Capítulo 10
113
dado a ele por aqueles em autoridade, o que o tolo não está preparado para fazer. Os dois hemisférios se complementam, mas isso não é sinal de que não sejam paralelos (cf. Fox). Pelo contrário, eles se complementam em virtude de seu paralelismo contrastante. Os elementos dos dois versículos são contrapostos da seguinte forma: V. 8 um coração sábio / sede interior da sabedoria escuta aceita preceitos / autoridade [não vem à ruína]
:: :: :: → ←
V. 8b lábios insensatos / manifestação exterior de tagarelice insensato [não aceita preceitos / autoridade] arruína-se
O efeito complementar do primeiro hemistich sobre o segundo é a implicação de que a pessoa tola não aceita preceitos (de forma semelhante a Plöger), o que está de acordo com 1:7.117 Isso significa que ela não está preparada para ouvir e apenas deixa escapar sua própria tolice (cf. 10:14; 17:28; em ambos os casos אויל também é usado). A análise dos v. 8a e b por Knut Heim118 é muito semelhante à minha, mesmo no que diz respeito às colunas dadas acima. Uma diferença, no entanto, é que eu aceito que “coração” e “lábios” sejam paralelos, enquanto Heim pensa que eles “não são realmente paralelos como tal” e que deveríamos dizer que “uma associação pode ser feita” entre eles. A meu ver, a natureza da associação permite considerá-los como paralelos. Não apenas o coração e os lábios são partes do corpo, mas o coração indica sabedoria verdadeira e essencial, enquanto neste provérbio os lábios são o veículo de seu oposto diametral, a tolice. Além disso, em termos da “Personalidade de Três Zonas” da cultura circum-mediterrânea,119 a zona do corpo coração-olho (pensamento intencional) está ligada à atividade sensível (a zona do corpo mãos-pés) no sábio, mas com fala auto-expressiva (a zona do corpo ouvidos-boca) no tolo, que aqui é chamado exatamente assim, viz. “tolo de lábios”, isto é, expressando seu eu interior como um tolo tagarelando. Outra diferença é que Heim identifica as ideias de aceitar comandos e ser arruinado como um “conjunto”, ou seja, um par, enquanto os dois motivos não estão relacionados de forma alguma. Eu diria que a assimetria na antítese120 não consiste em um par não relacionado de aceitar preceitos e ser arruinado, mas por uma lacuna em relação a cada conceito:
117 No lema programático de todo o livro é dito explicitamente que ele não aceita autoridade ( )מוסרe a mesma palavra é usada ali para indicar o tolo ()אויל. Ele se considera sábio e, portanto, incorrigível (26:12). 118 Heim (2013, 224-226). Eu já havia escrito a exposição oferecida acima quando o imponente tomo de Heim sobre a imaginação poética em Provérbios chegou até mim, mas se o crédito é devido, é dele. Também encontrei isso em outro lugar, viz. que meus pontos de vista independentemente obtidos relativos à leitura de paralelismos em versos e pontos à luz uns dos outros foram confirmados ou parcialmente confirmados por seu trabalho. O mesmo vale para a análise de Millar, neste caso até no que diz respeito à apresentação entre colchetes (2020, 202, 122). 119 Cfr. Pilch (2016, 34). 120 Um conceito que Heim deriva de Mouser (1995, 137-150), cujo trabalho era desconhecido para mim, mas cuja percepção de “paralelismos antitéticos assimétricos” obviamente merece nosso reconhecimento.
114
Tradução e Exegese do Capítulo 10 aceitando preceitos [–]
[–] sendo arruinado
É esse espaço em branco que o leitor deve preencher lendo com imaginação. O leitor deve, por assim dizer, fornecer conteúdo nas lacunas sugestivas121 e, assim, completar o paralelismo antitético. Perceber que o tolo não aceita (antítese) os preceitos leva ao próximo passo, ou seja, perceber que um resultado antitético também deve ser fornecido no espaço em branco122 oposto à ruína do tolo (“sendo entregue”, na terminologia de Heim). Isso é exatamente o que Heim faz em sua segunda análise, o que me parece um passo desnecessário se notarmos que tudo isso se baseia em outra sutil oposição do provérbio. A sabedoria de aceitar preceitos falados por um pai ou professor deve incluir o ato de ouvir, enquanto o genitivo explicativo “tolo de lábios” afirma que a loucura pretendida é falar tolice. A antítese é, portanto, a escuta sábia em oposição à tagarelice tola. Na análise final, entretanto, essas são apenas maneiras diferentes de alcançar o mesmo fim e concordo com Heim que o provérbio não apenas afirma o óbvio, mas exige “pensamento criativo”.
O tolo evidencia o motivo da fala, que é uma ideia sapiencial fundamental e bastante proeminente no cap. 10 (cf. vv. 11; 13-14; 19-21; 30-31). Portanto, o contraste não é entre falar sabiamente e falar tolamente, mas entre ouvir a sabedoria e tagarelar tolice.123 Ao mesmo tempo, o paralelismo tem um efeito retroativo. À luz da informação de que o tolo tagarela se arruína,124 o leitor deve inferir que não é esse o destino de quem sabe ouvir, outro motivo sapiencial fundamental (cf. a injunção tão repetida à escuta, tanto nos poemas [ 1:8; 4:10; 5:7; 7:24; 8:32, 34] e nas palavras mais curtas [13:1, 8; 19:20; 23:19, 22; 25:10]). Junto com o v. 10, este provérbio está listado sob o que Snell125 chama de “[h]alfversos repetidos com variações ortográficas” (aqui os respectivos segundos hemisticos não contêm tais variações). Atenderemos à repetição na exegese do v. 10, mas no que diz respeito ao v. 8, poderíamos constatar que o paralelismo nada tem a ver com o fato de o último versículo ser repetido 121 Cf. o título criado por Schwab (2003, 170-181) para sua consideração sobre o impacto de Wolfgang Iser nos estudos bíblicos: “Mind the Gap”. 122 Parece-me que isso também faz justiça à ideia expressa pelo título principal do argumento de Mouser (1995): “Preenchendo o vazio”. É isso que Millar (2020, 9) se compromete a explorar em seu estudo sobre abertura em provérbios. 123 Toy considera a possibilidade de “uma antítese implícita elaborada”, mas depois a rejeita como não “claramente exposta”. No entanto, novos insights na poética do paralelismo oferecem novos caminhos (cf., por exemplo, no v. 4 acima). Quando se considera os fenômenos do que Berlin (2008, 96-99) chama de “desambiguação e ambiguidade”, constituindo o que ela considera “uma das principais funções do paralelismo”, já não parece tão óbvio que 10:8b seja “uma erro de escriba.” 124 Cfr. o mesmo verbo também em Os 4:14. Fox tem dúvidas sobre o significado do verbo לבט, mas aceita que “ser destruído”, “desviar-se” ou “ser posto de lado” são todos possíveis. Cf. Delitzsch para obter um resumo dos dados relevantes das versões antigas e etimologia. A Septuaginta (ὑποσκελισθήσεται [tropeçará]) parece apoiar um entendimento em termos do cognato árabe لبطlabaṭa (jogar para baixo), o que seria, em qualquer caso, uma metáfora para cair ou ruir. 125 Snell (1993, 20; 42).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
115
dois versículos adiante. Tem a ver com lacunas sugestivas deixadas na poesia para convidar a leitura criativa e participante. Portanto, concordo com Heim que os esforços para “retificar” o texto seguindo a Septuaginta126 (Murphy, Clifford e outros) tornam o provérbio um truísmo sem imaginação. O “sábio de coração” às vezes é historicizado na tradição judaica. Rashi toma isso como uma referência a Moisés, que estava disposto a aceitar a ordem de que os ossos de José acompanhassem Israel desde o Egito (cf. Ex 13,19; Gn 50,25). Em Gênesis Rabá (52:3), no entanto, é aplicado a Abraão como uma explicação para sua mudança de Manre, perto de Hebron, para Gerar, após a destruição de Sodoma (Gn 13:18; 20:1). Sua ação deve ilustrar sua aceitação do mandamento de praticar a hospitalidade como havia feito antes da destruição (Gn 18:1-8). Na recepção judaica de Provérbios, a literatura sapiencial não está divorciada das tradições históricas de Israel.127 Malbim diz que o tolo ( )אויל é um duvidoso ([אוליperchance] como expressão de dúvida) e לבטNiphal significa “para ficar desgastado.” Ele interpreta o v. 10b idêntico de maneira diferente (veja a exegese do v. 10). Melanchthon apenas traduz o primeiro verso (Sapiens corde admittit admonitionem), mas toma o segundo como sua interpretação (id est [isto é]): lábios tolos significam que os tolos continuamente128 dão conselhos errados (talvez como antítese do v. 8a). Uma vez que tal perversão da verdade é eventualmente descoberta, os tolos “tornam-se apanhados em punições” (haerebunt in poenis).129
10:9 Quem anda em honestidade anda seguro, mas quem faz caminhos tortuosos será descoberto. O contraste no paralelismo é entre a honestidade correta e a desonestidade desonesta. Ritmicamente, o provérbio é um Siebener clássico com quatro sílabas tônicas no primeiro hemistich e três no segundo. Há uma questão textual diretamente pertinente à estilística do verso. BHS (em oposição a BHQ) 126 A Septuaginta tem, ὁ δὲ ἄστεγος χείλεσιν σκολιάζων ὑποσκελισθήσεται (aquele que não tem lábios é perverso e tropeçará). 127 No Midrash Mishle, a associação da literatura de sabedoria com a tradição histórica é muito frequente e geralmente envolve todos os livros do Pentateuco, Josué, os livros de Samuel e Reis, bem como todos os Profetas Maiores e todos menos dois dos Menores Profetas; cf. Visotsky (1992, passim). Cf., para mencionar apenas alguns outros exemplos, as histórias patriarcais (por exemplo, Midrash Mishle em Prov 8:4; Ber Rab 75:2 em Prov 25:26, e Jacó e Esaú em Gen 33), as narrativas do deserto (por exemplo, Nahmias em Prov 13:17 e Moisés em Num 12:7; Rashi em Prov 13:17 e a história de Balaão em Num 22:35), a história de Davi (por exemplo, Rashi em Prov 13:13 e Davi antes de Aquis em 1 Sam 21 :14 e em Pv 13:16 e 1 Rs 1:2); o Talmud até toma toda a história de Israel como uma manifestação da esposa briguenta em Pv 21:9 e 25:24 (R Hash 31a, também retomado por Rashi). Cf. Ginsburg (1998, passim), Ginsburg & Weinberger (2007, passim); Rosenberg (2001, passim). 128 Também Crisóstomo enfatiza que ser “desprotegido dos lábios” (ἄστεγος χείλεσιν) mostra tolice e sugere uma disposição contínua, dizendo isso repetidamente em uma exposição muito curta do verso. 129 Cfr. também abaixo no v. 10.
116
Tradução e Exegese do Capítulo 10
retoma uma proposta antiga declarando que ( יִ וׇּ ֵד ַעserá descoberto) deve ser lido ( יֵ רו ַֹעsofrerá). Toy afirma que o texto tal como está é possível, mas pensa que “o paralelismo pede a menção da punição”. Portanto, ele lê יֵ ר ַֹע, ou seja, a terceira pessoa do singular masculino imperfeito Niphal de רעע, que também ocorre em 11:15 e 13:20 (ele omite o waw, provavelmente inadvertidamente, já que não haveria razão para descartar o waw em )יִ וׇּ ֵד ַע.130 Waltke se opõe a esta emenda alegando que destruiria a assonância entre este provérbio e as terminações idênticas dos versículos anteriores e seguintes.131 No nível dos provérbios editados, esse certamente é o caso, mas no nível do provérbio por si só não decide nada. No entanto, dentro do próprio provérbio também há boas razões para manter o Texto Massorético. Aquele que faz seus caminhos tortuosos,132 é a pessoa que segue todos os tipos de caminhos tortuosos. No segundo hemistich, a metáfora explícita do caminho133 é usada em paralelismo com o primeiro hemistich, onde o substantivo não é usado, mas a metáfora é sugerida pelo verbo הלך. O uso do plural (דרכיוseus caminhos) para o objeto é significativo. O substantivo plural com sufixo singular (e o verbo singular )יִ וׇּ ֵד ַעenfatiza os muitos desvios do canalha (cf. Qoh 7:29). Waltke comenta que isso é “para denotar seus muitos desvios dos padrões de Provérbios” e, portanto, considera que o significado do plural está no nível da denotação (a metáfora aponta além de si mesma para muitas violações reais dos padrões prescritos para a vida). . Sem negar isso, devemos também reconhecer o significado do plural que reside na própria metáfora. A ideia de uma pessoa que “faz muitos caminhos tortuosos” cria a imagem da vacilação com a qual canalhas giratórios enganam as pessoas (da mesma forma Vilna Gaon). Eles enganam os semelhantes e se desviam por atalhos e becos para não serem descobertos.134 Precisamente é isso que o segundo verso refuta. Seus truques erráticos falharão em ajudá-los a fugir porque eles “se tornarão conhecidos”, ou seja, serão descobertos. Na interpretação judaica tradicional, a última palavra problemática ( )יִ וׇּ ֵד ַע é geralmente entendida de forma semelhante à minha proposta acima, viz. que o homem de caminhos tortuosos será “descoberto”. O Vilna Gaon, por exemplo, atribui a eventual revelação do canalha ao próprio Deus: Os desonestos enganam escondendo suas intenções, mas Deus Toy afirma estar seguindo Graetz, que retém o waw em ( ירועGraetz [1892, 66 ]). A última palavra de todos os três versos tem o padrão vocálico i-ā-ē, mas no v. 9 há também um patah furtivum, que enfraquece ligeiramente a assonância das vogais. 132 O verbo עקש no Piel só ocorre aqui em Provérbios; mas cf. outro verbo em Qoh 7:13 (עות no Piel) e Qoh 1:15 (עותPual). 133 A metáfora também é comum nos poemas de Provérbios; é discutido no vol. I, 66-67 (cf. 1:15; 2:8, 9, 13, 23; 3:17, 23; 4:10-19, 26-27; 7:25). 134 Clifford parece querer dizer algo semelhante com sua nota enérgica, “distorcida, isto é, difícil de rastrear”. 130 131
Tradução e Exegese do Capítulo 10
117
fará com que seja revelado. Ramaq afirma que a desonestidade do canalha será exposta quando o mal acontecer com ele. Ele também menciona outra interpretação, viz. a possibilidade de que tal pessoa seja “quebrada” ()ישבר. Isso provavelmente é inspirado pelo engenhoso argumento de Rashi de que o homem torto será quebrado ()ישבר, que ele avança com base em que יִ וׇּ ֵד ַע também pode ser lido י ַֹד ע, como em Juízes 8:16 , onde é dito que Gideão puniu os anciãos de Sucot com arbustos espinhosos por sua atitude desleal (וידע בהם את אנשי סכות, provavelmente um erro para וידשcf. Juízes 8:7, "e ele debulhou"). A mesma interpretação também é encontrada em Pseudo-Ibn Ezra.135 Melanchthon apenas comenta o primeiro hemistich. Ele compartilha o entendimento rabínico de תֹּם como “inocente”, significando pessoas de integridade e incorruptibilidade (integri & incorrupti),136 mas teologiza-o em termos típicos da Reforma: Id est, habentes fidem sine corruptelis et bonam conscientiam iuxta Evangelium ( Ou seja, ter uma fé sem defeito e uma boa consciência de acordo com o Evangelho) Segundo ele, o provérbio promete às pessoas com tal fé que elas “andarão seguras” (ambulante seguro), cuja exposição é que elas “têm uma consciência tranquila” (conscientiam tranquillam habent). Novamente Melanchthon teologiza sua exegese: “Consequentemente, eles também são sustentados pela esperança da ajuda divina” (Deinde & spe auxilii divini sustenantur). Ele evita, assim, qualquer possibilidade de ação-consequência, que colocaria em risco o princípio da sola fide (somente pela fé), tão importante para a Reforma: A segurança de uma consciência limpa e, portanto, a esperança da ajuda divina são para aqueles que têm fé em vez de praticar o bem atos.
Vários estudiosos observam a aliteração no primeiro verso, mas divergem entre si em suas observações. Meinhold percebe apenas os sons repetidos ל, כ e ב, mas não percebe os dentais ת e ;ט as vogais ō e ē); Luchsinger137 menciona o v. 9a em sua lista de meio-versos aliterativos que estão ligados a outro meio-verso onde este não é o caso;138 Waltke imprime as palavras hebraicas como um caso de aliteração impressionante; o mesmo acontece com Murphy, que repete as consoantes hebraicas, enquanto Fuhs, que normalmente é sensível a padrões estilísticos em Provérbios, não o menciona de forma alguma. Aqui encontramos os sons ל, כ, ב e ת/ ט duas vezes, e nessa ordem. Se assumirmos a espiralização de kaph, seu som também estaria presente na última consoante do versot ()ח. Acrescente a isso a repetição de ō e ē, bem como a do segol, o hemistich é realmente impressionante: hōlēkh battōm yēlekh beṭaḥ
Isso constitui, na terminologia de Luchsinger, uma espécie de rima interna e cria um efeito ordenado e medido com firmeza. Especialmente no padrão rítmico 135
Motorista (1880, 12). Crisóstomo parece entender a tradução grega de תֹּם, ἁπλῶς (simplesmente, sinceramente), da mesma forma, pois ele a explica como o oposto de vilania. 137 Luchsinger (2010, 328). 138 Estes são 10:9a; 11:2a; 16:4b; 16:17b e devem ajudar na memória. 136
118
Tradução e Exegese do Capítulo 10
de quatro tempos acentuados, vai muito bem com o conteúdo da frase:139 a conduta reta e imaculada do justo que segue o seu caminho com confiança e segurança (cf. 3,23, onde se espera que o sábio não tropece sequer sobre um obstáculo no caminho). O contraste dos efeitos sonoros integradores no primeiro verso com sua ausência no segundo permite ao leitor/ouvinte não apenas uma compreensão cognitiva do provérbio, mas também uma experiência emotiva dos opostos. Em outras palavras, as noções de “segurança para os justos” e “desmascaramento para os desonestos”, claramente inteligíveis como são, são ainda mais aprimoradas pela experiência estética da firme segurança dos justos em oposição à evasão moral evasiva do vigarista. 10:10 O que pisca os olhos causa tristeza, e o tolo de lábios se arruína. Este é o único dito no agrupamento dos vv. 6-11 onde – à primeira vista – o paralelismo não é antitético. Em cada afirmação é mencionada uma atividade negativa que brota de uma parte do corpo. A organização rítmica é a mesma do provérbio anterior (4+3). Os comentaristas há muito se preocupam com o que parece ser a falta de paralelismo antitético no Texto Massorético deste provérbio. Muitos aceitam o contraste estabelecido pela Septuaginta (Wildeboer, Oesterley, Gemser, Ringgren, Lucas et al.; veja abaixo). Outros o consideram com simpatia (Plöger, Van Leeuwen, Tuinstra). No entanto, Meinhold, Waltke e Heim140 apontam que a causa da dor ( )יתן עצבת mencionada no primeiro hemistich pode incluir que a dor que o perpetrador causa aos outros tem uma reação para si mesmo.141 A ideia de um perpetrador vivenciando o que ele planejou trazer outros está bem estabelecido na literatura sapiencial e além dela (ver 12:14; 26:27; 28:10; 29:5-6; Qoh 10:8; cf. Sl 7:16). O primeiro hemistich pode ser lido de ambas as maneiras (o que é negado por Schipper). Se for lido como uma referência a uma reação que volta a afetar o agressor, o paralelismo não é assimétrico, pois ambos os versos conteriam uma referência à “punição” do agressor. Se, por outro lado, não indica tal reação, a força do paralelismo sugere que o efeito indesejável da comunicação verbal negativa no v. 10b também se aplicaria ao não-verbal 139 Cf. Yoder (2009, 123), que também aponta o efeito do “ritmo suave e repetição de sons” no v. 9a, e da “[j]uxtaposição de... atividade física e linguagem moral” – corretamente, em minha opinião. 140 Heim (2013, 226-227). 141 Para a mesma ambivalência, cf. também 17:20b: aquele que é desviante da língua “cairá no mal”, o que pode significar que ele cometerá o mal ou experimentará o mal (cf. Freuling [2004, 99s.]).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
119
comunicação negativa no v. 10a (da mesma forma Schipper, que opta por essa possibilidade e defende o paralelismo antitético). Com efeito, ambas as leituras resultariam no mesmo resultado (com o segundo hemistich intensificando o primeiro com o uso explícito do Niphal para expressar auto-ruína). O Texto Massorético pode, portanto, fazer sentido em ambos os casos. A Septuaginta tem uma leitura completamente diferente. ὁ ἐννεύων ὀφθαλμοῖς μετὰ δόλου συνάγει ἀνδράσι λύπας, ὁ δὲ ἐλέγχων μετὰ παρ ρησίας εἰρηνοποιεῖ. (Aquele que pisca com os olhos enganosamente causa tristeza ao homem; mas aquele que reprova abertamente faz as pazes.) A Septuaginta deixa claro que piscar os olhos é mais prejudicial para outra parte (ἀνδράσι) do que para o perpetrador. O segundo hemistich constrói uma clara antítese do primeiro: a repreensão aberta contrasta com os sinais astutos, e fazer a paz contrasta com causar tristeza. De acordo com esse contraste, Fox142 adota a retroversão hebraica proposta por Ehrlich: (תוכחת מגלה שלום uma repreensão aberta faz as pazes) e apela para sua semelhança com o hebraico de 27:5. Mas a própria Septuaginta difere nesses dois versículos. Enquanto em 10:10b o verbo ἐλέγχω (reprovar, corrigir) é usado com um substantivo (παρρησία [confiança aberta]), em 27:5 um substantivo plural (ἔλεγχοι [correções]) é usado com um particípio perfeito (ἀποκεκαλυμμένοι [revelado, aberto]). Isso levanta a questão de por que a Septuaginta não usa a mesma tradução para o que é reconstruído como o mesmo texto hebraico. De qualquer forma, Clemente de Alexandria considera a versão da Septuaginta do v. 10b útil para substanciar suas prescrições bastante severas,143 e novamente como um pedido de desculpas por sua própria conversa franca ao expressar a verdade em oposição ao típico grego “astuto”.144
O piscar de olhos há muito causa propostas criativas. No século 18, Schultens achou a expressão insondavelmente obscura, sem humor ou nada esclarecedor, e Döderlein a considerou um aspecto ambíguo de um verso ambíguo. Segundo ele, pode significar o olhar ansioso de uma pessoa incerta, bem como a carranca ameaçadora de uma pessoa intimidadora. Wildeboer simplesmente se refere a 6:13, onde ele se refere a 10:10. Gemser afirma que o verbo קרץ aqui significa “fechar os olhos” no sentido de “ignorar” ou “ignorar” e apela para sua própria reconstrução do segundo verso em apoio. Embora concebível, isso baseia uma suposição em uma conjectura e não valida a afirmação. Pelo contrário, evidências tanto de Israel quanto do Egito sugerem que piscar o olho é um ato maligno. Ben Sira diz isso explicitamente (Sir 27:22, “Quem pisca os olhos planeja o mal”) e na coleção de textos mortuários que compõem o Livro Egípcio dos Mortos, um falecido menciona um número inteiro de pecados 142 Em EE, mas não em seu comentário, onde deixa o texto inalterado – com razão, a meu ver. Cf. outras reconstruções de Gemser (על פנים ומוכיח ישלים, que evidentemente deveria ser )ומוכיח על פנים ישלים, e Clifford ()ומוכיח יעשה ש לום. 143 Pago III, 12 (ANF II, 292). 144 Strom II, 1 (ANF II, 347).
120
Tradução e Exegese do Capítulo 10
e nega tê-los cometido enquanto estava vivo, entre eles tendo piscado.145 Não há, portanto, razão para interpretar o verbo de forma diferente de 6:13 (veja o comentário sobre esse versículo e as referências dadas). Aquele que furtivamente faz sinais com o olho146 causa sofrimento a outros (e pode esperar que isso repercuta em seu próprio prejuízo), e aquele que claramente fala tolices causa a si mesmo a ruína. Assim, o paralelismo é equivalente na medida em que duas ações negativas têm consequências negativas, mas há um elemento de contraste presente na medida em que a comunicação secreta147 e a comunicação abertamente alardeada compõem os opostos ocultos:: abertos. A repetição do v. 8b no v. 10b é freqüentemente vista como o resultado de um meio-versículo que se corrompeu ou desapareceu depois que a Septuaginta passou a existir. Acredita-se que a corrupção tenha ocorrido no v. 10 e tenha sido remediada tomando emprestada a última metade do v. 8 “para o sentido” (então Clifford). Até Waltke pensa que o Texto Massorético “lê de forma suspeita o mesmo que o v. 8b” e considera possível que o texto tenha “sofrido por ditografia do v. 8b”. No entanto, ele retém o texto apesar de suas suspeitas e o considera um verso de Janus no vv. 6-14.148 Quer alguém concorde com sua demarcação de unidades ou não, o princípio de Waltke é sólido. Pode ser que a forma do Texto Massorético tenha sido alcançada devido a dificuldades em sua transmissão e pode ser que outras leituras, como a Septuaginta (e, em seu rastro, a Peshitta) preservem evidências de uma forma mais antiga. Mas o Texto Massorético (seguido pelo Targum, exceto pela última palavra) não foi remendado sem pensar. O editor que escreveu o que temos agora nos vv. 8-10, criou não apenas uma repetição, mas também uma tríplice assonância no padrão vocálico dos três verbos finais. Além disso, essa forma do texto também é significativa, como Fox aceita em seu comentário. Portanto, eu não gostaria de arriscar uma melhoria do texto nem superinterpretá-lo como um marcador estrutural com implicações para uma unidade poética maior. Tomado como um provérbio por si só, ele adverte contra o mal tanto da linguagem de sinais secreta quanto da loquacidade aberta. 145
Livro dos Mortos, Feitiço 125 (ANET, 35; COS II, 61). O verbo pode ser interpretado com ב dos meios ou agência como em 6:13 (IHBS 23.2.2f), ou com o acusativo como aqui e em Sl 35:19 (cf. também Prov 16:30, onde outro verbo [ ]עצה é usado). Pseudo-Ibn Ezra explica o versículo simplesmente afirmando que קרץ aqui significa קרץ ב, indicando que ele entendeu o versículo não como se referindo a fechar os olhos (Gemser), mas a usar o olho maliciosamente. 147 Heim (2013, 226-227) afirma que tal comportamento pode implicar em fraude ou escárnio (basicamente o mesmo que Delitzsch, que fala em “injúria” ou “escárnio” à outra parte). Na verdade, poderia. Como ambos são em detrimento do interlocutor, o importante seria notar o elemento genérico comum a ambos, viz. interação sub-reptícia pelas costas de alguém; cf. também Heim (2001, 115-116). 148 O caso de Waltke para a função de dobradiça do v. 10 repousa na suposta unidade do vv. 6-14. Mas isso o força a atribuir significados diferentes (“sobrecarregar” e “encobrir”) ao verbo כסה Piel nas sentenças idênticas dos v. 6b e v. 11b, respectivamente, o que parece servir a um propósito (cf. acima no v. .6b). 146
Tradução e Exegese do Capítulo 10
121
De acordo com Rashi, o piscar de olhos não é mau em si, mas destina-se a induzir os outros a fazerem o mal. Malbim propõe uma interpretação completamente diferente. O piscar de olhos é, em sua opinião, lançar olhares repetidos, como aqueles que seguem o caminho da Torá, mas continuamente duvidam e olham para o caminho errado. Isso causa tristeza, não tanto aos outros quanto a si mesmo, pois o עצבת mencionado no versículo é a inquietação da incerteza em seu próprio coração. Malbim alinha seu entendimento do segundo verso com esta interpretação, explicando lábios tolos como a expressão de dúvidas sobre o caminho certo. Hame'iri, por outro lado, pensa que a dor causada pelo olho piscando é causada a outras pessoas por alguém que planeja sub-repticiamente ferir vítimas involuntárias. Ele também alinha as duas declarações no versículo afirmando que o segundo versículo, embora consistindo em palavras idênticas ao v. 8b, tem um significado diferente. Para ele, o ילבט passivo aqui significa “será considerado corrupto”, uma vez que a reputação do tolo se tornará conhecida (cf. acima no v. 8b). Ainda outra explicação da dor é dada pelo Mezudat David, que afirma que a pessoa que pisca experimenta a dor até o momento em que sua reticência encontra a oportunidade de ser transformada em uma ação prejudicial real. Tanto Crisóstomo quanto Melanchthon interpretam o v. 10a literalmente. Crisóstomo explica o piscar de olhos como o oposto da honestidade aberta. Para Melanchthon, aqueles que piscam com o olho são hipócritas que fingem expressões faciais simulando alegria lisonjeira (blanditias) ou tristeza (tristitiam) conforme a ocasião exige. Em sua opinião, a afirmação expressa o sentido do ditado latino, fronti nulla fides (sem confiança nas aparências). Mas então Melanchthon ignora o segundo versículo, provavelmente porque ele o discutiu algumas linhas antes em seu comentário sobre o v. 8, que ele entende tão literalmente quanto o v. 10.
10:11 A boca do justo é fonte de vida, mas a boca dos ímpios encobre a violência. No primeiro verso, cada uma das quatro palavras hebraicas carrega um acento, e o segundo verso tem o mesmo número de acentos que sua contraparte idêntica no v. 6, de modo que este provérbio é o único no grupo com um padrão 4+4. . O stich como um todo mostra uma organização quiástica, já que a segunda frase inverte a ordem de predicado e sujeito. O primeiro verso é uma frase nominal com o predicado (duas palavras) na primeira posição e o sujeito (duas palavras) na última posição, enquanto o segundo verso é uma frase verbal começando com o sujeito (duas palavras) e terminando com o predicado (duas palavras): 149 פי צדיק
149
[S]
[ מקור חייםP]
[ יכסה חמסP]
[ ופי רשעיםS]
No v. 6a, uma sentença nominal também precede uma sentença verbal no segundo hemistich.
122
Tradução e Exegese do Capítulo 10
O quiasmo sintático é reforçado pela presença de פי em ambas as frases de sujeito e pela antítese entre o justo e o ímpio.150 O quiasmo no v. que a sintaxe de dois pontos inteiros repetidos em estreita proximidade deve ser interpretada da mesma maneira.”151 Sobre a posição do provérbio no contexto, veja acima em v. 6b e v. a relação desse versículo com os vv. 11ss.). O segundo hemistich é idêntico ao v. 6b (veja acima no v. 6 e mais abaixo). O primeiro hemistich consiste em uma construção metaftonímica, ou seja, uma combinação de metonímia e metáfora em que a segunda elabora a primeira. De acordo com Günter Radden,152 este é um fenômeno recorrente em muitas línguas e é frequentemente encontrado quando se trata do motivo da fala. Ele mostra que as metonímias para falar “dependem apenas de um pequeno conjunto de órgãos da fala... [que] tendem a ser elaboradas por metáforas, para as quais Goossens (1995) cunhou o termo metaftonemia”. Se a boca do justo é uma fonte de vida, então a boca significa falar (metonímia) e simultaneamente é uma fonte (metáfora).153 Isso significa que o justo fala coisas que trazem vida. A fonte de água é uma fonte de uma mercadoria que dá vida, portanto, uma necessidade. Da mesma forma, as palavras faladas pelos justos são propícias e, portanto, necessárias para a vida. A mesma ideia é encontrada em outras partes de Provérbios, por exemplo em 13:14 onde מקור חיים é aplicado ao ensino dos sábios, o que equivale às palavras dos justos.154 Como aponta Clifford, a expressão “fonte da vida” também pode ser aplicada a outros conceitos, como como o temor de Javé (14:27) e compreensão (16:22); a fonte da vida pode ser o próprio Javé (Jr 2:13; 17:13-155) ou ser encontrada “com” 150 Nos vv. 6 e 7, o justo é singular ()צדיקe o ímpio é plural ()רשעים, como neste provérbio. 151 Heim (2013, 218-219, cf. 2001, 114). 152 Radden (2004, 543-565); a citação é da página de abertura. 153 Cfr. Luchsinger (2010, 288-289); ele diz que “boca” significa “pessoa”, mas a pessoa é explicitamente identificada por seu próprio substantivo ( ;)צדיקcf. também 13:14, onde a fonte da vida não é a pessoa sábia ()ח ָכם, ָ mas seu ensino ()תּוֹר ה. ָ Que as palavras da boca de um homem – não sua pessoa – são uma “fonte de sabedoria”, é expressamente dito em 18:4. Para a terminologia (também em conexão com ações de fala), ver Goossens (1995, 159 [originalmente 1990, 323]). 154 Com base no fato de que “os conceitos de sabedoria e retidão evocavam um ao outro no discurso da comunidade”, Ben Zvi (2014, 19) cita 13:14 como uma ilustração do pensamento de sabedoria e conceitos intimamente relacionados em termos de água. Por esta razão, ele acha “não surpreendente” que uma expressão como 10:11a existisse “no repertório da comunidade”. 155 Nos textos de Jeremias a palavra מיםé adicionada: ( מקור מים חייםa fonte de água viva). Ver Holt (2005, 99ff.). Cf. também João 4:10; 7:37-38 (Jesus como a fonte e os fiéis como
Tradução e Exegese do Capítulo 10
123
ele (Sl 36:10).156 O genitivo explicativo “fonte da vida” deve significar que a fonte (nomen regens) torna a vida (nomen rectum) possível. Onde a expressão מקור מים חיים é usada (como nos textos de Jeremias mencionados), a palavra do meio está no estado absoluto e, portanto, não pode implicar um segundo genitivo para traduzir “água da vida”, mas deve significar vida = água corrente como nos textos do Antigo e do Novo Testamento a que acabamos de nos referir. Excursão sobre as imagens da água A água corrente encontrada em nascentes ou riachos era especialmente importante no Antigo Oriente Próximo,157 o que era de se esperar em uma região relativamente seca. Portanto, os assentamentos humanos foram frequentemente construídos nas proximidades de fontes, como é evidente a partir de numerosos nomes de lugares prefixados por ( עֵיןFonte de ...), como En-Dor, En-Gedi etc.158 Isso atesta como fontes indispensáveis eram para a vida humana e para a sociedade. É assim que palavras sábias de justiça são indispensáveis para a sociedade humana e para a própria vida. Vários ensaios em um volume sobre o pensamento da água no Antigo Oriente Próximo159 são relevantes para as imagens encontradas neste provérbio, bem como nos outros textos citados acima. Ehud Ben Zvi160 encontra 11:25b (aquele que rega é realmente aquele que ensina) um caso que “evoca claramente uma imagem de ‘regar’... enquanto ao mesmo tempo transmite uma sensação de ensino”. Este também é o caso em 13:14. Em um ensaio sobre o significado da água para a profecia, Martti Nissinen161 aponta para a ocorrência global da água como uma metáfora para a vida, mas também presta atenção aos textos sapienciais. Ele acha que a apresentação de Javé como a “fonte de água viva” em Jr 2:13 e 17:13 soa como “uma apoteose da ‘fonte da vida’ encontrada em Provérbios e Salmos”, incluindo Pv 10:11. A contribuição de Stéphanie Antonioz162 para este volume é muito esclarecedora. Ela examina o motivo de “águas de abundância” em textos da Suméria e Akkad ao Amorite Middle Eufrates e Assíria. Chegando ao Antigo Testamento, ela mostra que o motivo da água jorrando na Mesopotâmia era a imagem primária da vida. Citando não apenas os mitos mesopotâmicos pertinentes, mas também inscrições reais (Hammurabi [p. 57], Yahdun-Lim de Mari [pp. 59-60], Aššur-ballit [pp. 60-61], Adad-nêrârî [p. 61] e Aššurnaṣirpal II [pp. 61-62]), ela mostra como esta vida é mediada para o povo pela água “que flui continuamente através do rei que é responsável perante os deuses por essa dádiva”. Para Israel, o banimento do Jardim do Éden regado significava que a única agência mediadora do dom de Deus havia se tornado a Torá (cf. Dt 11:10-17) em vez de um rei humano como na Mesopotâmia. Ela confirma sua análise incorporando os profetas Deutero-Isaías (cf. Is 41:18; 51:3-4 [pp. 66-71]), Ezequiel (cf. Ez 47 [p. 73]) e Zacarias (cf. Zc 14:8-9 fonte secundária de água viva). Em Ez 47:1-12, Joel 4:18b [3:18b] e Zc 14:8, o templo e Jerusalém são retratados como fontes de água viva. 156 Cfr. também o comentário sobre 20:5. 157 Cfr. Antonioz (2014, 62) para um exemplo em uma inscrição do palácio Aššurnaṣirpal II. 158 Cfr. NIDB 2, 488-499. 159 Ben Zvi (2014, passim). 160 Ben Zvi (2014, 20); cf. o comentário em 11:25. 161 Nissinen (2014, 30). 162 Antonioz (2014, 41-68).
124
Tradução e Exegese do Capítulo 10
[pp. 73-74]). Tudo isso estabelece de forma convincente que as águas correntes mediando a vida através do rei na Mesopotâmia viajaram para o oeste e se tornaram um motivo não mais ligado ao rei, mas a Javé e sua Torá. Embora, ao contrário de Ben Zvi e Nissinen, ela não incorpore textos de sabedoria em sua investigação, eu sugeriria que seus resultados do contexto do Oriente Próximo são altamente pertinentes às imagens da fonte em Provérbios. Minha proposta é que agora é plausível que os textos proféticos não sejam tanto uma apoteose dos textos de Provérbios, mas sim que estes últimos sejam a manifestação sapiencial do mesmo padrão que ela descobriu no antigo Oriente Próximo, Pentateuco e Profetas. Mediar palavras sábias e retidão é a manifestação sapiencial de expressar a obediência necessária à Torá, para que Yahweh forneça a água que dá vida (Dt 11:10ss). Não o homem sábio pessoalmente, mas as palavras de sua boca são a fonte viva que media a vida.
Como no v. 6, encontramos novamente um paralelismo no qual os dois versículos impactam um ao outro (veja mais o comentário no v. 6): V. 11a fala justa traz vida [não esconde a violência]
:: → ←
V. 11b falar perverso [não traz vida] esconde violência
O provérbio, portanto, contém um contraste completo que pode se sustentar por conta própria, mas também fornece uma variação nuançada do v. 6. Portanto, o Texto Massorético não precisa de emenda, mesmo que versões como a Septuaginta e a Peshitta também façam sentido. O poder da fala em geral e especificamente a metáfora da fonte neste versículo são comentados na literatura judaica e são encontrados no Cristianismo desde o Novo Testamento. O poder da fala é notoriamente enfatizado em Tiago 3:1-12. A metáfora da língua é a principal, mas - além de comparações com navios e cavalos - também é combinada com o motivo de uma fonte jorrando (3:11) que retoricamente nunca produz água doce e salobra. Da mesma forma, a fala humana só deve produzir água fresca e viva. O motivo e a imagem são semelhantes aos do provérbio, mas não há indicação direta de dependência. Oesterley chama a figura da fonte de “a favorita entre os judeus”. Citando Pirqe Aboth, ele mostra que a identificação das palavras sábias e da Torá no motivo da água também é encontrada na tradição rabínica. Em Pirqe Aboth 2:10 e 6:1, as pessoas com a intenção de estudar a Torá e devotadas a ela são chamadas de uma fonte que não para de fluir. O mesmo motivo é expresso por Hame'iri, Ibn Ezra e o Dacat Miqra. Em todos esses casos, há uma mudança da palavra para a pessoa. A qualidade de uma fonte vivificante é transferida do ato de falar (= boca) para a pessoa que fala. Em contraste, o Vilna Gaon identifica as palavras pelas quais os justos ensinam os outros com a fonte da vida. Rashi, por sua vez, interpreta o aspecto negativo do último verso à luz da antítese positiva do primeiro. Ele toma a violência como assunto do v. 11b, significando que ela “cobre a boca dos ímpios” no sentido de marcar sua boca, ou seja, falar de modo que suas palavras sejam camufladas como água doce, mas na verdade são venenosas. Mas se palavras violentas/amargas são camufladas como doces, elas não cobrem, mas são cobertas.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
125
10:12-18 Loucura e Sabedoria à luz do ódio e do amor 12 O ódio provoca contendas, mas o amor cobre todas as transgressões. 13 Nos lábios do homem perspicaz se acha a sabedoria, mas a vara é para as costas do falto de entendimento. 14 O sábio armazena conhecimento, mas a boca do tolo é ruína iminente. 15 A riqueza do rico é a sua cidade fortificada, a ruína dos pobres é a sua pobreza. 16 O salário do justo conduz à vida, o produto dos ímpios conduz ao pecado. 17 Um caminho para a vida é aquele que aceita a instrução, mas que rejeita a repreensão leva ao erro. 18 Quem encobre o ódio tem lábios enganosos, e quem espalha a calúnia é um tolo. Bibl.: Heim 2001, 119-124 e 2013, 228-235; Krispenz 1989, 46-48; Kruger 1995, 424-427; Pilch 2016, 34-35; Scherer 1999, 57-58, 64-71; Scoralick 1995, 178-179.
A legenda acima é um esforço para resumir o grupo de provérbios emoldurados pelo motivo do ódio e pelo verbo כסה nos vv. 12 e 18. Mas, embora o grupo possa ser referido como um agrupamento, ele não é muito unido. Existem palavras de ordem que revelam um certo padrão (cf. abaixo nas observações de Krüger), mas também conexões com outros provérbios no capítulo,163 mesmo entre o v. 12 e o v. 11 imediatamente anterior (o verbo כסהPiel); também agrupamentos temáticos parcialmente dentro desses versículos, como vv. 11-14, considerado por Van Leeuwen como o primeiro “conjunto de versos sobre o bom e o mau discurso” e vv. 18-21, seu segundo cluster no discurso. Não é de admirar que muitas demarcações diferentes do grupo tenham sido propostas,164 enquanto vários estudiosos negam ou ignoram completamente a questão. Embora argumentos possam ser apresentados para vários desses agrupamentos, vv. 12-18 parecem ser marcados por uma inclusão através do uso do substantivo שנאה e do verbo כסהPiel em ordem inversa. Além disso, v. 14 e 15 estão ligados pela palavra de ordem (מחתהruin), vv. 16 e 17 por (לחייםto life), enquanto o v. 13 compartilha o elemento temático de falar com o v. 14, e o v. , )תבואהcom v. 16. Krüger observa as conexões de palavras-chave entre vv. 12 e 18, 163
Meinhold; Heim (2001, 120). Por exemplo, Krispenz (1989, 46-48) e Scherer (1999, 57-58): vv. 13-17; Scoralick (1995, 178-179) e Fuhs: vv. 13-21; Krüger (1995, 424-425), Heim (2001, 119-120), Meinhold e Tuinstra: vv. 12-18; Saebø: vv. 8-17 como uma “seção heterogênea” (“bunt zusammengesetzte[r] Abschnitt”); Whybray: um grupo mais ou menos indefinido entre vv. 6-11 e 18-21; Lucas: v. 6-11 e 13-17 com o v. 12 no meio, embora ligado ao v. 11. 164
126
Tradução e Exegese do Capítulo 10
entre v. 13 e 14, bem como entre os vv. 16 e 17 e apresenta esses versículos como um padrão concêntrico em torno do v. 15, que ele então toma como um corretivo de equilíbrio para a visão negativa da riqueza nos vv. 2-3. Mas, se as palavras de ordem devem ser a base da estrutura, a repetição de מחתה nos vv. 14 e 15 preferem integrar o v. 15 em uma cadeia mais frouxa:165 12 13 14 15 16 17 18
As palavras-chave podem ser consideradas como indícios de coesão (sinais de associação formal), mas não definem construções lógicas necessárias (coerência) nem traçam fronteiras estanques entre unidades poéticas. 10:12 O ódio provoca contendas, mas o amor cobre todas as transgressões. O padrão rítmico é 3+4.166 Tuinstra encontra um quiasma no fato de o provérbio começar com “ódio” e terminar com “amor”, provavelmente pretendendo dizer que a estrutura sintática de suas duas sentenças é invertida (da mesma forma que Meinhold), o que poderia ser esboçado da seguinte forma: sujeito – verbo – objeto
objeto – verbo – sujeito
O verbo כסהPiel (cobrir) é a penúltima palavra tanto no v. 11 quanto no v. 12, mas isso não prova que o agrupamento anterior tenha que ir além do v. caso. No v. 11 significa “cobrir” em malam partem, enquanto aqui significa “cobrir” em bonam partem no sentido de ignorar ou perdoar transgressões (cf. 12:16; 17:9 e o uso do conceito em Tg 5:20 e 1 Pe 4:8 [καλύπτειν]; também o semelhante 165
Cf. também a crítica do argumento de Heim para uma seção coerente por Fox (2003, 271). Gemser considera três batidas no segundo hemistich como uma possibilidade alternativa, o que não é o que os massoretas pretendiam, pois de outra forma um maqqeph seria necessário antes e depois de כל. 166
Tradução e Exegese do Capítulo 10
127
ideia em 19:11 e 1 Coríntios 13:7 [στέγειν]). Fox chama o uso de כסה nos vv. 11 e 12 um paradoxo, viz. que encobrir os próprios erros é errado e encobrir a raiva sobre os erros de outra pessoa é bom.167 Mas os outros usos comparáveis do verbo apontam para a noção de tornar os erros do adversário invisíveis (ignorando, perdoando-os),168 em vez de suprimir a própria raiva (portanto, na melhor das hipóteses, tolerar as más ações). O paralelismo dos dois hemistíquios lidos à luz um do outro mais uma vez enriquece o significado. O ato odioso do v. 12a incluiria o oposto de tornar invisíveis os erros de um adversário (v. 12b), em outras palavras, a revelação malévola dos erros deste último. E pode-se esperar que a contenda mencionada no v. 12a resulte da divulgação de informações prejudiciais sobre outras pessoas (v. 12b). Assim, dois elementos são explícitos em cada verso e um deles é respectivamente projetado para trás e para frente pela força do paralelismo, fornecendo assim seu próprio oposto (entre colchetes abaixo) no respectivo verso antitético: V. 12a ódio [revelação] contenda
:: ← →
V. 12b amor cobrindo [evitando conflitos]
Tanto em suas respectivas formas verbais quanto substantivas, os opostos ódio (raiz )שנא e amor (raiz )אהב estão constantemente associados um ao outro no Antigo Testamento,169 o que também é o caso aqui. Diferentemente do amor entre um homem e uma mulher, entre pais e filhos ou entre amigos, o amor de que se fala aqui é a inclinação positiva geral para com os semelhantes,170 o que já fica claro pelo contraste com o ódio e pelas consequências de ambas as emoções. Os dois substantivos podem representar conceitos personificados (então Waltke); então o significado seria que as próprias emoções são as fontes das quais surgem respectivamente as brigas e o perdão. Os substantivos também podem ser metonímias (portanto, Ramaq, cf. Fox), caso em que o significado seria que as pessoas odiosas e amorosas para quem as abstrações representam são as únicas 167. Duvido que a referência a Achiqar (Col. 6, l. 100) fornece suporte para a afirmação de Fox de que כסה é usado de maneira semelhante ao seu entendimento do versículo de Provérbios. Na melhor das hipóteses, o texto não é claro e provavelmente deve ser lido (אל תכבה מלת מלךNão apague a palavra de um rei), com o verbo כבהPael; cf. Lindenberger (1983, 79, 344); da mesma forma Clifford (1998, 39); para o conceito semelhante expresso por כפרPiel (cobrir, perdoar) e derivados, cf. Dt 21:8; Êx 25:17-22; Carregador (2014a, 297-298). 168 Crisóstomo toma o motivo da cobertura para se referir à cobertura da nudez moral daqueles que pecaram, o que os poupa da vergonha. 169 Ver Jenni (1971, 63). 170 Jenni (1971, 67-68) descreve-o como o amor dos humanos pelos humanos que é ordenado na Torá várias vezes (por exemplo, Levítico 19:34; Deuteronômio 6:5), ou seja, o “amor ao próximo”. Para ele, isso é amor “teologicamente relevante”.
128
Tradução e Exegese do Capítulo 10
que causam confrontos e indultos, respectivamente. Embora o provérbio seja uma afirmação no indicativo, sua força ilocucionária está ensinando os efeitos negativos do ódio e os efeitos positivos do amor (assim já Crisóstomo). O ensinamento não se dá apenas nas admoestações, mas também e principalmente nas afirmações.171 Este versículo não é exceção e, portanto, aconselha a abster-se do ódio para evitar conflitos e a agir com amor para alcançar a harmonia resultante do perdão. Tanto a leitura personificada do provérbio (a emoção do ódio é perigosa, mas a emoção do amor é benéfica) quanto a leitura metonímica (a pessoa odiosa se mete em problemas, mas a pessoa amorosa traz harmonia) expressam fundamentalmente o mesmo conselho e, portanto, resume-se ao mesmo resultado. Waltke considera uma questão de tensão que existam textos segundo os quais é considerado um ato amigável ou positivo repreender um ofensor em vez de ignorar a ofensa (cf. 15:31-32; cf. Qoh 7:5; 172 Sl 141:5). Mas esses casos referem-se à correção no curso da disciplina sapiencial, que é um princípio básico da sabedoria (cf. 1:2, 7; 13:24; 22:15 etc.),173 enquanto o presente provérbio é sobre evitar exposição malévola , não sobre evitar a correção. Ambos podem coexistir sem se contradizer ou se opor. A interpretação rabínica do provérbio varia. Por um lado, há a compreensão direta de duas situações contrastantes que dão origem a reações contrastantes. Ralbag interpreta notavelmente o primeiro verso como significando que o ódio pode fazer com que até mesmo pequenas diferenças se transformem em grandes conflitos, enquanto, segundo ele, o segundo verso afirma que o amor permite àquele que o sente evitar conflitos, mesmo diante de ferimentos, bem como insulto (na mesma linha também Malbim no século XIX). Essa leitura de ódio e amor também ocorre no Mezudat David, em sua explicação do primeiro como inimizade pré-existente que agrava o aborrecimento mesmo por um assunto pequeno ()דבר קל, enquanto o segundo evita a raiva mesmo por um assunto sério ( )דבר קשה. Rashi teologiza e historiciza a cobertura das transgressões. Segundo ele, o provérbio se refere a Israel e a Deus. Deus cobre seus pecados no sentido de que ele aparentemente os esquece, mas quando os pecados se tornam mais, ele descobre os pecados passados para serem lembrados com os posteriores (que, ao longo das linhas de Lev Rab 7,1, Rashi vê ilustrado em Ezk 20:7 [cf. vv. 6-11, onde Israel é repreendido pelos pecados das gerações anteriores]). Mas Rashi também vê a perspectiva de perdão na ideia de cobertura do segundo verso: até mesmo os pecados graves de Israel serão cobertos, isto é, não temporariamente ou aparentemente esquecidos, mas perdoados se eles se arrependerem. O Vilna Gaon também conecta a ideia de amor no v. 12 com a de arrependimento. De acordo com o conceito talmúdico de arrependimento derivado do amor a Deus (Yoma 86b), o provérbio pode ser entendido como dizendo que as pessoas que se arrependem por amor ()תשובה מאהבה receberão o perdão total dos pecados. Nahmias, novamente na linha de Rashi, estende o sentido do v. 12b para falar não apenas da cobertura das transgressões entre humanos, mas também daquelas cometidas por Israel contra Deus.
171 172 173
Veja a Introdução deste volume, Ensaio 2 sobre “Aprendizagem no Indicativo”. Waltke refere-se a Pv 7:6, que não pode estar correto; talvez Qoh 7:5 seja intencional. Cf. o comentário sobre 1:2 no vol. EU.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
129
Tomás de Aquino cita o v. 12b174 em apoio à doutrina católica romana de fides formata, segundo a qual a fé que traz a salvação é “uma fé formada pela caridade” (fides per charitatem formata): Haec est idem fides de qua dicitur Atos 15:9: “A fé purifica rope eorum”, em que a purificação não é adequada sine charitate. Pv 10:12: "O universo opera o crime." (Esta é a mesma fé da qual é dito em Atos 15:9: "tendo purificado seus corações pela fé", cuja purificação não ocorre sem caridade. Pv 10:12: "A caridade cobre todas as transgressões".) Delitzsch refere-se à rejeição desta doutrina na Apologia à Confissão de Augsburgo, acrescentando: "e, de fato, a multitudo peccatorum não se refere aos pecados daquele que nutre o amor, mas aos pecados do próximo. Este é, de fato, o caso do provérbio, que não pode ser usado no debate dogmático.175 Melanchthon faz uma longa exposição176 do verso, intercalada com ilustrações da história. Ele começa com a declaração: Praeceptum é de ἐπιεικεία e franqueza. Pois, a Justiça é uma virtude entre dois vícios, entre remissão e crueldade, pois esta espécie de justiça é a equidade que mitiga a crueldade severa ... (O provérbio é sobre retidão e bondade. Então, Justiça é uma virtude entre dois vícios, entre indulgência & crueldade, esse tipo de justiça é a equanimidade que atenua a justiça severa...) Traduzindo o hebraico אהבהcom dilectio, em vez de seguir o uso da Vulgata de caritas, ele defende a “justiça com misericórdia”, na qual o segundo verso desempenha o papel principal papel, enquanto o primeiro serve como uma folha para mostrar os efeitos negativos da justiça dura. A cobertura das transgressões é explicitamente explicada como perdão dos pecados e teologizada ao receber uma dimensão tanto horizontal quanto vertical: Remittite & remittetur vobis. (Perdoe e será perdoado. Pois Deus quer que essa generosidade aconteça, para que percebamos que também precisamos da remissão divina e humana.) 174 Tomé (Comentários à Epístola aos Romanos, Lição 3 sobre Rom : 21-26, § 302) cita ainda Tg 2:26; Gl 5:6; Ef 3:17; 1 João 4:16 e Atos 15:9, terminando com Provérbios 10:12 como seu texto-prova final; ver Mondin (2005, 262). Na edição de 1570 (Opera, Vol. XVI, iii, Fol. 12b) a grafia charitas é usada, mas às vezes (por exemplo, na edição de Veneza, Vol. V de 1775) é latinizada para caritas. 175 No entanto, também deve ser dito que a inaplicabilidade de Pv 10:12b na discussão dogmática não tem impacto sobre a força do argumento de Tg 2:26 que Tomás cita com os outros textos dados acima: Fides sine operibus mortua est ( A fé sem obras é morta). 176 Contraste Calvino, que se refere apenas de passagem à segunda metade do provérbio (com a primeira metade de Pv 16:6) para se opor à visão escolástica de arrependimento e punição (Inst III/4, 31). Em III/4, 36 ele cita todo o 10:12 para argumentar que a cobertura dos pecados por (ações de) amor só é válida entre humanos e não entre humanos e Deus – o que ilustra a doutrina da Reforma de salvar pela fé somente e não por boas obras. 177 Letras grandes (edição de 1550). Provavelmente se refere a Mateus 6:14-15; Mc 11:25-26; Tg 2:13; Colossenses 3:13-1
130
Tradução e Exegese do Capítulo 10
10:13 Nos lábios do homem de discernimento se acha a sabedoria, mas a vara é para as costas do falto de entendimento. A linha de sete tempos é arranjada como 4+3.178 Embora o hebraico de ambos os versos seja gramaticalmente claro, pode ser entendido de várias maneiras. O segundo verso pode ser lido como uma sentença nominal (conforme traduzido acima, cf. Gemser, Ringgren, Scott, McKane e outros), mas ושבט também pode depender do verbo מצאNiphal no primeiro verso: “No lábios de um homem perspicaz é encontrado sabedoria, e também uma vara para as costas de quem não tem bom senso.”179 O último entendimento foi proposto por Hitzig e novamente por Fox, mas Delitzsch o rejeita como “inadmissível” apesar de reconhecer a boca pode ser chamada de vara, como mostra Isaías 11:4. Sua única razão para a rejeição é subjetiva, viz. que ele encontra a ideia de sabedoria e uma vara nos lábios do sábio “uma figura de mau gosto”. Isso é apoiado por Meinhold, que também pensa que palavras sábias não podem ser vistas simultaneamente como castigo, pelo menos não sem sacrificar o bom gosto. Mas não está claro como qualquer repreensão dita por um חכם pode ser outra coisa senão sabedoria. Existem tantos exemplos de sabedoria quanto palavras de repreensão que é difícil ver como Delitzsch poderia ter chegado a seu entendimento por meio de uma rota exegética.180 Voltaremos à ambivalência dos dois hemisférios em um momento. A Septuaginta (seguida pela Peshitta) faz uma frase de todo o provérbio: ὃς ἐκ χειλέων προφέρει σοφίαν, ῥάβδῳ τύπτει ἄνδρα ἀκάρδιον (quem produz sabedoria de os lábios atingem um homem insensato com uma vara)
A Septuaginta lê o imperfeito feminino Niphal תמצא como um particípio masculino Hiphil de (יצא sair) e ignora (נבון o homem perspicaz). Reduz o ambivalente provérbio hebraico a um ditado com apenas um significado possível, a saber, que a sabedoria falada pelos sábios é uma vara castigadora para os estúpidos (de acordo com Crisóstomo, uma palavra sábia desfere até “um golpe pior do que se você tivesse uma vara” ). No entanto, apesar de sua sintática diferente, 178 Gemser considera quatro batidas no segundo hemistich como uma alternativa, formando uma linha 4+4. Isso difere da leitura massorética conforme evidenciado pelo maqqeph ligando חסר e לב em uma unidade de uma batida. Uma varredura 4+4 assume um padrão pré-massorético com duas sílabas tônicas adjacentes, o que é improvável, embora não impossível. Em qualquer apresentação, não se pode falar de um “desequilíbrio de comprimento em 10:13” em termos métricos; cf. Heim (2013, 17). 179 Para um verbo feminino singular com um sujeito feminino e masculino singular: GKC 146g; cf. IBHS 4.4.1.11 (verbo singular masculino com sujeito masculino e feminino). 180 Cfr. 19:25, onde o castigo e a repreensão falada estão em paralelismo e têm o mesmo assunto; Qoh 7:5; também outras referências a textos bíblicos e extrabíblicos dados abaixo.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
131
Com base nisso, uma das leituras possíveis do provérbio hebraico não corrigido realmente contém a ideia de que a vara dos lábios pode castigar as pessoas desatentas. (a) A primeira leitura possível: Se ושבט depende de מצא, isso implicaria que a sabedoria é encontrada nos lábios do homem perspicaz, assim como palavras reprovadoras para repreender os estúpidos. Consequentemente, a vara é uma expressão de sabedoria. O tipo de sabedoria é expresso simultaneamente por metáfora e metonímia: a vara é os lábios (metáfora) e os lábios representam o falante de palavras ásperas (metonímia),181 que é um tema estabelecido na literatura sapiencial (ver abaixo). A releitura do primeiro verso à luz do segundo produz uma dimensão adicional: 182 V. 13a o sábio/com discernimento fala sabedoria [não precisa de repreensão]
:: → ←
V. 13b o insensato/inconsciente [não fala com sabedoria] é repreendido
Uma vara não é o paralelo antitético da sabedoria, mas a pessoa sem mente é a antítese daquela que tem discernimento e a vara metafórica é a antítese do que o homem sábio pode esperar. Cada um dos dois hemistíquios fornece um elemento implícito ao respectivo outro, de modo que o provérbio é realmente antitético - não em oposição a ser complementar (Raposa), mas por causa disso. Portanto, o provérbio significa: • A fala do sábio expressa sabedoria. • Mas, às vezes, suas palavras duras dão uma bronca naqueles que precisam. • Implicação: repreender pode melhorar alguns meninos imaturos e inexperientes. (b) A segunda leitura possível: quando o provérbio é lido como uma sentença verbal seguida por uma sentença nominal, o foco muda. נבון significa uma pessoa perspicaz, mas também pode indicar um professor.183 Nesse caso, a vara não é uma metáfora para uma repreensão, mas os lábios permanecem uma metonímia para falar. Assim, o contraste é entre o ensino oral e a surra física aplicada pelo professor. V. 13a o sábio/com discernimento fala sabedoria [não experimenta espancamento] 181
:: → ←
V. 13b o insensato/tolo [não fala sabedoria] é espancado
Portanto, este é outro exemplo de metaftonímia; veja acima no v. 11. Este é outro caso em que a deferência a Knut Heim e a mim mesmo exige que eu aponte a semelhança completamente independente de minha interpretação e a dele. Ver Heim (2013, 232, cf. também 17). 183 Cfr. vol. I, o comentário sobre 1:3, onde o professor é chamado tanto de חכם quanto de נבון. 182
132
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Nesta leitura, o provérbio significa: • O sábio perspicaz dá sábios ensinamentos orais. • Mas quando se trata de alguns alunos que não têm bom senso, é claro que o castigo físico deve ser aplicado (19:29; 26:3).184 • Implicação: algumas pessoas são tolos incorrigíveis que não se beneficiam com repreensões. 185 Ao contrário da opinião confiante de Oesterley, que declara que as duas partes do provérbio “certamente não pertencem uma à outra” e o considera “um exemplo da maneira um tanto aleatória em que algumas partes do livro foram reunidas”. ambas as leituras são possíveis. Reconhecê-los não significa evitar uma escolha, mas perceber a poderosa polivalência muitas vezes contida no paralelismo complementar de provérbios curtos e concentrados. Uma nota sobre o castigo corporal no antigo Oriente Próximo A dureza da educação sapiencial incluía surras físicas. Isso não é apenas atestado no Livro dos Provérbios (10:13; 13:24; 17:10; 19:25, 29; 20:30; 22:15; 23:13f.; 26:3; 27:22; 29:15; cf. Sl 141:5), mas também é encontrado em todo o antigo Oriente Próximo.186 Vários textos egípcios referem-se à necessidade de punição corporal. Por exemplo, no Papiro Anastasi III,3,13 (cf. V,8,5) é dito, “não passe um dia de ócio, ou você será espancado – a orelha de um menino está em suas costas, ele escuta ao seu batedor.” O Papiro Insinger IX, 6ff. ainda afirma que “Toth colocou a vara na terra para ensinar o tolo com ela ... Um filho não morre por ser punido por seu pai.”187 E a Instrução de Anii 9,17-10,7 compara o disciplinar de um filho para a de animais domésticos (veja mais referências bíblicas e rabínicas abaixo). 184 Os segundos versos de ambos os provérbios são semelhantes a 10:13b, e Heim (2013, 234) pode estar certo de que 26:3b foi emprestado pelos outros dois de seu contexto tripartido franco para formar novos ditos. Snell (1993, 47) observa a relação entre 26:3 e 19:29, mas não inclui 10:13b. 185 Esta opinião é claramente visível em 19:25: Se um escarnecedor incorrigível ( )לץ é ferido, outros aprendizes ainda não treinados, mas ainda assim corrigíveis ( )פתי se beneficiam. Ver Fox (1997, 67 e cf. Plöger). Fitzgerald (2008, 305) observa que um ponto semelhante é feito pela tradução da Septuaginta de 22:3. Mas uma opinião alternativa também é registrada. Alguns sábios pensaram que espancamentos físicos poderiam de fato ajudar a tirar até mesmo a loucura tenaz ( )אולת do coração de um menino (22:15) e que a punição sangrenta pode limpar nada menos que o próprio mal ( )רע do ser mais íntimo ( 20h30). (Pesquisadores modernos argumentam contra o tipo de castigo corporal manifestado no antigo Oriente Próximo – não apenas por motivos psicológicos, mas também por motivos neurológicos. Cf. Tomoda et al. [2009, T66-T71], cujos resultados mostram que castigos corporais severos sofridas por crianças, causaram reduções significativas de GMV [volume de massa cinzenta] no córtex quando elas se tornam jovens adultos e, portanto, podem ter efeitos prejudiciais nas trajetórias de desenvolvimento do cérebro, o que novamente pode aumentar o risco de exposição adicional a punições corporais severas.) 186 For uma pesquisa conveniente, veja Fitzgerald (2008, 291-318, particularmente a segunda seção [293-300] sobre o antigo Oriente Próximo, e a terceira [300-306] sobre o antigo Israel e o judaísmo primitivo). 187 Shupak (1993, 49-51); cf. Crenshaw (1998, 165) e a útil coleção de outras referências em Fitzgerald (2008, 297); tudo isso deve a Lichtheim (AEL I-III, passim).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
133
Alguns exemplos da Mesopotâmia mostram que a surra podia ser brutal. Em um texto sumério do segundo milênio aC188, é descrito como um aluno teme se atrasar para a escola no dia seguinte, o que o levará a uma surra. Apesar de todas as precauções, naquele dia ele foi espancado nove vezes (!) pelo professor e outros funcionários como punição por escrever, falar e trivialidades, como sair da sala quando o professor estava fora. Em outra tabuinha do mesmo texto189 o aluno chega a ser ameaçado com um porrete, sendo acorrentado e mantido em detenção por dois meses. Outro exemplo famoso é encontrado na Sabedoria de Achiqar,190 que é apresentado como um sábio na corte real assíria. Na versão aramaica191, o castigo corporal é explicitamente recomendado. A versão armênia amplia aconselhando o aluno a não poupar o próprio filho da vara, pois ela é “para as crianças como o esterco no jardim” e a “corda na pata do burro”192 – isto é, desagradável, mas saudável. Que isso também poderia ser bastante severo em Israel parece ser sugerido pelo aviso de não ir longe demais e matar o menino que está sendo espancado (19:18).193 Ben Sira (século II aC) mostra que essa visão de punição saudável também foi entretido em círculos judaicos muito posteriores. Por exemplo Sir 30:1:194 ῾Ο ἀγαπῶν τὸν υἱὸν αὐτοῦ ἐνδελεχήσει μάστιγας αὐτῷ, ἵνα εὐφρανθῇ ἐ π᾽ ἐσχάτων αὐτοῦ (Quem ama seu filho continuará dando-lhe chicotadas, para ter alegria dele no final) No Novo Testamento a ideia de punição é citada de Prov 3:11-12 e interpretada como uma punição amorosa por Deus, e seu amor pelo objeto da punição é considerado claro.195 Agostinho de Hipona (354-430) refere-se às surras que ele recebeu de seus pais amorosos. Ele orou a Deus para que não fosse espancado na escola, mas quando Deus “não o ouviu”, seus próprios pais riram de suas chicotadas.196 No entanto, a repreensão verbal como forma de castigo também é comum (cf. 1:23 , 25;197 13:1, 18; 15:10, 12, 31s.; Qoh 7:5), e às vezes é mencionado junto com o tema do castigo físico (por exemplo, 17:10; 19:25 e talvez Sl 141: 5).
188
Kramer (1949, 199-215). O título do artigo de Kramer (“Schooldays: A Sumerian Composition Relating to the Education of a Scribe”) deu origem à dublagem de muitas tabuinhas e fragmentos do popular texto sumério do final do período babilônico como “Schooldays”. Cf. também Fitzgerald (2008, 293-294) e Saggs (1966, 118). 189 Saggs (1966, 437). 190 O texto é conhecido principalmente em sua forma aramaica, mas as versões siríaca e armênia também sobreviveram; suas recensões preservam leituras que diferem do aramaico. 191 Col. 6, l. 81-82; ver Lindenberger (1985, 498); cf. ANET, 428. 192 Lindenberger (1983, 49); cf. Crenshaw (1998, 166-167) e Fitzgerald (2008, 295296). Da mesma forma também a versão siríaca. 193 Mesmo que se afirme o argumento de Jacqueline Vayntrub de que a presença ou ausência de dispositivos de enquadramento no Livro dos Provérbios não garante deduções sobre as práticas educativas no antigo Israel (2016, 96-114), pode-se notar aspectos distintos das práticas educativas como a repreensão e espancamento (ela permite que “o texto bíblico expressa posições sobre os valores defendidos por essa tradição” [2016, 114]). 194 Cfr. Crenshaw (1998, 179). 195 Ver Fitzgerald (2008), onde o texto de Hebreus (Hb 12:5-6) é central. 196 Conf I, 9, 14 (NPNF I/1, 50); cf. também I, 9, 15. 197 Cf. o comentário sobre esses versículos no vol. I, 94-96.
134
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Rashi lê o v. 13b de volta no v. 13a. Palavras sábias tornam-se repreensão em vez de espancamento. Ele usa a repreensão de Davi por Natã como exemplo (2 Sm 12:13). Mas ele também considera o segundo verso como um caso de punição física, um exemplo do que acontece com aqueles que não ouvem até serem feridos. O exemplo é Faraó, que não quis ouvir até que fosse severamente punido, embora não com uma vara, mas no sentido muito físico (Êx 7-11). O Mezudat David opta pela interpretação de 10:13 em termos da vara como uma metáfora para uma repreensão. Malbim vê o espancamento físico como uma necessidade daquele que não pode raciocinar por si mesmo e, portanto, é comparável a um animal (cf. Sl 32,9; Tg 3,3). Da mesma forma também Gerondi.
10:14 O sábio armazena conhecimento, mas a boca do tolo está prestes a ruína. O padrão rítmico não é tão direto neste provérbio. A varredura de Gemser do ponto como um Siebener (três batidas seguidas por quatro) deve ignorar o maqqeph no primeiro verso, mas não no segundo. Embora isso seja pensável, resultaria em duas sílabas tônicas adjacentes em יצפנו דעת. Os massoretas evitaram isso pelos maqqephs e assim forneceram um metro 2+3, que parece preferível198 (cf. outros provérbios, como vv. 2, 7, 8, 11, que também se desviam do padrão de sete tempos nas proximidades) .199 Neste provérbio, como no verso anterior, o segundo verso pode ser lido como uma sentença nominal com Delitzsch, Toy, Oesterley, Gemser, McKane, Meinhold, Clifford, Sæbø, Alter e outros (veja a tradução acima). Outros comentaristas consideram que o verbo da primeira declaração está implícito na segunda (então Plöger, Murphy, Fox): “O sábio armazena conhecimento, mas a boca do tolo [armazena] ruína iminente”. Mas armazenar implica armazenar para uso em um estágio posterior e não combina bem com a ruína que é apresentada como iminente ou ( קרבהpróxima) e, portanto, não pode ser descrita como armazenada para uso posterior.200 Wildeboer, Toy e Fuhs levam צפן no significado de "ocultar", o que é possível (cf. tradução da Septuaginta por κρύψουσιν; 13:22; Cant 7:14). Daria a sensação de que os sábios são reticentes e só falam no momento apropriado (cf. v. 19; 12:23; 17:27), enquanto os tolos201 tagarelam o tempo todo 198
Ver Hrushovski (2007, 599). O Codex Leningradensis não tem rebiac com אויל, mas o Codex Aleppo tem; cf. 7:25, onde Leningradensis não possui o rebiac, enquanto outros manuscritos o possuem (BHS). Nos Livros de Provérbios, Salmos e Jó, o rebiac mugraš (′ seguido por ♦) é um acento divisor, que não caberia em nenhum dos versos. 200 O sujeito do armazenamento ( )חכמים é plural no primeiro verso, mas o sujeito do verbo que se supõe estar implícito no segundo verso ( )פי é singular. Este não é um problema insuperável, mas acrescenta improbabilidade à objeção lógica que acabamos de mencionar. 201 A Septuaginta especifica o tipo de tolo traduzindo com προπετής (pessoa imprudente), que vai bem com o tema da conversa impensada. Crisóstomo ignora todo o segundo hemistich e entende o primeiro como significando que os sábios guardam seu bom senso para si mesmos, mas
Tradução e Exegese do Capítulo 10
135
(cf. 13:16b; 15:2b; também 11:13). O provérbio então expressaria a astúcia de uma palavra no tempo (15:23; 25:11). . Ao contrário da opinião de Toy, isso não destruiria a antítese com o segundo verso, pois o sábio armazena conhecimento apenas para usá-lo quando chegar o momento certo. Whybray está correto ao dizer que ambas as possibilidades fazem excelentes paralelos com o segundo verso. Eles essencialmente levam ao mesmo resultado. O contraste no paralelismo novamente contém uma lacuna que deve ser preenchida pelo leitor/ouvinte: 203 V. 14a o sábio armazena conhecimento [obtém o oposto de ruína]
:: → ←
V. 14b a boca do tolo [fala bobagens] rapidamente experimenta a ruína
A boca é uma metonímia para falar e o contraste com a ideia de acumular dá origem ao motivo do espalhamento indiscriminado, enquanto o conhecimento no primeiro verso permite que a lacuna correspondente no segundo seja preenchida com a ideia oposta, ou seja, o absurdo. Por sua vez, a ideia de ruína repentina do segundo verso permite ao leitor reconhecer e preencher a lacuna do primeiro no sentido de que o conhecimento do sábio traz o oposto da ruína (da mesma forma, Fox). A apreciação pela reticência ao falar e o motivo da tagarelice perigosa também são encontrados na sabedoria egípcia. Por exemplo, na Instrução para Kagemni: A tenda está aberta para o silêncio, o silêncio é bem recebido. Não tagarelar! ... Deixe seu nome sair quando sua boca estiver em silêncio.204 Ou na Instrução de Ptahhotep: O homem de confiança que não extravasa a fala de sua barriga, ele mesmo se tornará um líder.205 Concentre-se na excelência, seu silêncio é melhor do que conversa. compartilham sua sabedoria, que é difícil de entender na ausência de qualquer outro comentário dele (cf. Hill [2006, 222]). 202 A Septuaginta traduz דעת por αἴσθησις, que pode se referir tanto à experiência sensual quanto à percepção moral, a última das quais se adapta melhor ao contraste com o comportamento tolo; cf. Cook (1997, 53). 203 Cfr. Millar (2020, 122), cuja análise é semelhante, mas que desconhecia quando escrevi a minha. 204 AEL I, 59, 60f. 205 AEL I, 67.
136
Tradução e Exegese do Capítulo 10 Fale quando souber que tem uma solução, é o habilidoso que deve falar no conselho.206
Delitzsch, McKane, Meinhold e Fuhs pensam que o tolo tagarela traz a ruína mencionada aqui para si mesmo, assim como para os outros,207 enquanto Fox apela para o v. 8b, 13:3 e 18:7, onde se diz que o discurso tolo prejudica o orador,208 para afirmar que o mesmo deve ser o caso aqui. Se as pessoas sábias falam na hora certa, elas ainda falam com outras pessoas, o que torna provável, embora não estritamente necessário, que a vantagem implícita (v. 14a) se estenda a todos os envolvidos – eles próprios, bem como alunos ou outros que se beneficiam dos sábios. palavras. Então, a ruína contrastante provavelmente também seria entendida como aplicável ao próprio tolo, bem como a seus parentes e a todos os que são afetados por sua estupidez. Mas o nexo ação-consequência e os paralelos citados por Fox sugerem que os destinatários primários das respectivas consequências são os próprios sábios e tolos. Editando o Cairo Geniza Wisdom Text que ele chamou de “fragmento gnômico”, Solomon Schechter notou que as três palavras que compõem a primeira metade de Pv 10:14 também eram as três primeiras palavras na linha 11 da página do fragmento que ele numerava como “ix”.209 No entanto, ele não percebeu que as últimas três palavras de Pv 1:22 também eram as três últimas palavras da mesma linha:210 וכסילים ישנאו דעת (Os sábios armazenam
חכמים יצפנו דעת
mas os tolos odeiam o conhecimento)
Isso não apenas atesta o fato claro de que o Livro dos Provérbios teve uma recepção em um texto de estilo sapiencial que mostra forte influência de, entre outros, Jó e especialmente Qohelet,211 mas também a maneira pela qual novos provérbios poderiam ser criados repetindo partes de conhecidos em novas combinações.212 É um exemplo duplo e ilustra a criação de um paralelismo antitético equilibrado por meio do empréstimo de meios-versos de dois provérbios, nenhum dos quais contém o mesmo tipo de simetria, viz. Pv 10:14 e 1:22. Se aceitarmos a datação inicial de Berger (c. 100 EC),213 206 AEL I, 70. Para outros exemplos de Israel e do antigo Oriente Próximo, cf. Shupak (1993, 158-167; 173-175; 178); também Crenshaw (1995, 316-317). 207 Alter considera como uma possibilidade que outros também sejam afetados pela ruína. 208 Assim também Ramaq (לו, referindo-se ao tolo); cf. abaixo. 209 Em sua primeira edição do fragmento agora na Biblioteca Teológica Judaica em Nova York, Schechter (1904, 437; cf. 425). 210 Ver Rüger (1991, 64-65), seguido por Tuinstra. 211 Berger (1991, 114-116), cf. Lange (1998, 123). As reedições de Berger (1989) e Rüger (1991) contêm a controvérsia sobre a datação do fragmento por volta do final do século I dC (Berger [1989, 77]) ou entre 600 e 1200 dC (Rüger [1991, 15]). 212 Cfr. Snell (1993, 20-21), e as 96 “séries” de repetições analisadas por Heim (2013, 3-9 e passim). 213 Berger (1989, 56); cf. seu reforço posterior do argumento de paralelos em campos de palavras entre o fragmento e 2 Clem, Hermas, o Novo Testamento, e outras conexões com Philo, 1QS e 4Q 185 (1990, 427). Cf. o apoio cauteloso de Heiligenthal (1992, 361) para a datação precoce.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
137
seria interessante o suficiente como uma ilustração da criação de provérbios na época em que o Novo Testamento estava sendo formado. Mas se a datação de Rüger (600-1200 EC)214 estiver correta, isso significaria que – além da recepção de ditos e ideias proverbiais específicos – também o método pelo qual novos provérbios hebraicos poderiam ser produzidos a partir de uma fonte existente para uso em novas contextos foi aplicado até os tempos medievais. A recepção judaica do provérbio às vezes considera o verbo צפן como “esconder”, referindo-se também à reticência do sábio em falar, e o interpreta como uma medida para conservar a sabedoria. Assim, o Mezudat David pensa que o conhecimento não é divulgado àqueles para quem pode se tornar um impedimento. Para Ralbag, significa que o conhecimento é negado a muitos que podem até se beneficiar dele, por medo de não entendê-lo. Hame'iri liga os dois hemisférios ao afirmar que os tolos causam a ruína quando os sábios não divulgam seu conhecimento a tempo, ou seja, quando o retêm por muito tempo. Mas Rashi e Ramaq entendem צפן como “armazenamento” e interpretam o primeiro verso como significando que o sábio guarda seu conhecimento em seu coração para que não o esqueça. De acordo com Ramaq, é uma “palavra ruim” ( )דבר רע na boca do tolo que se torna uma ameaça iminente para ele mesmo ()לו.
10:15 A riqueza do rico é a sua cidade fortificada, a ruína dos indigentes é a sua pobreza. É freqüentemente observado por comentaristas que este provérbio se desvia dos provérbios da vizinhança, pois não é sobre o justo e o ímpio (ou o sábio e o tolo), mas sobre um fenômeno socioeconômico. Da mesma forma, é apontado que o motivo de sua colocação é provavelmente o uso do substantivo (מחתהruin), que também ocorre no verso anterior (por exemplo, Plöger, Fox e outros). Meinhold pensa que a perspectiva de lucro e perda neste versículo também está presente no vv. 13-14, o que me parece um tanto tênue (veja a exposição desses versículos acima). Por outro lado, Hatton mostra que esse versículo introduz uma “nota discordante”. Juntamente com o v. 16, falta a conjunção que introduz cada b-versículo no capítulo, exceto nestes dois versículos e no vv. 5 e 20. 214 Rüger (1991, 15). Ele rejeita os argumentos linguísticos de Berger, bem como referências putativas no fragmento à destruição do templo de Jerusalém, e aponta semelhanças entre o fragmento e a literatura rabínica posterior, para chegar à conclusão de que o texto de sabedoria é uma manifestação do neoplatonismo judaico medieval ( Rüger [1991, 17]). Cf. também o apoio de Lange (1998, 123) para a datação tardia. A questão é complicada (cf. Collins [1991, 148-150; 1992, 705-707], que a princípio estava convencido de que “Berger apresenta um caso muito forte para uma data de cerca de 100 EC” [1991, 149] e logo depois que Rüger tinha “demolido os argumentos de Berger para uma data anterior” [1992, 706]). Mas os argumentos para a data tardia são provavelmente mais fortes. Este é especialmente o caso à luz da tênue identificação de Berger de referências à destruição do templo, e devido ao fato de que não foi demonstrado que as características platônicas do fragmento eram conhecidas e usadas na antiguidade de língua hebraica antes do advento do Islã (Collins).
138
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Os acentos no verso são claros, consistindo em uma batida por palavra. Embora o padrão de 4+3 tempos tenha o efeito de um verso de abertura mais longo, as duas metades são igualmente longas em termos de sílabas, ou seja, sete cada. Eles também são equilibrados simetricamente por meio de duas sentenças nominais organizadas em um quiasma sintático: predicado קרית עזו
subject הון עשיר
sujeito רישם
predicate מחתת דלים
A antítese é quase perfeita em termos de suas oposições semânticas palavra por palavra215: riqueza/pobreza, pessoa rica/pobre, cidade forte/ruína.216 O contraste não é apenas reforçado pelo efeito de reviravolta sugerido pelo padrão x sintático , mas também pelos opostos verbais próximos em tipos de sentenças idênticos. Além disso, o provérbio contém outro quiasma, viz. o ABC estendido // C′BA′ mencionado por Clifford (embora ele erroneamente chame a pessoa rica [ ]עשירuma pessoa sábia [)]חכם: C קרית עזו
B עשיר
A הון
A′ רישם
B דלים
C′ מחתת
Em um equilíbrio tão cuidadosamente construído, a minoria rica e a maioria pobre podem talvez ser refletidas pelo contraste acentuado do singular e do plural (Yoder), mas o ponto não deve ser trabalhado.217 O provérbio é uma declaração de um fenômeno pelo qual o sábio descreve sua observação das forças econômicas em ação e não sobre a injustiça social da elite em relação aos pobres.
215 Uma diferença sutil nas duas construções genitivas é, entretanto, que o nomen rectum é singular no primeiro hemistich e plural no segundo ([ עשירrich man] e [ דליםpaupers]). 216 Wildeboer menciona apenas o primeiro e o último desses pares. 217 Pode refletir algo da realidade socioeconômica no antigo Israel (cf. Baron [1972, 61]), mas à luz da estimativa de Silver de que cerca de 30% da população israelita do norte pertencia à classe rica (cálculos semelhantes para Judah), talvez devêssemos prestar atenção ao seu aviso (Silver [1984, 115-118]) para não exagerar o caso; cf. Broshi & Finkelstein (1992, 54) para uma análise resumida da população de toda a Palestina durante a Idade do Ferro II.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
139
Muita energia foi gasta em comentários sobre o que é visto como a qualidade indiferente ou mesmo insensível do provérbio.218 É certamente uma declaração de fato (cf. Qoh 7:12) e não um apelo emocional à compaixão e justiça como sabemos de os profetas (cf. exemplos clássicos como Amós, Miquéias ou Jeremias).219 Embora não seja um julgamento moral, assume que a riqueza é algo positivo e a pobreza negativa.220 Mas não é insensível – nem como uma declaração sapiencial por direito próprio nem em seu contexto literário. Como mostram vários outros provérbios, os sábios também tinham compaixão pelos pobres e até a formularam em termos religiosos (por exemplo, 14:21, 31; 19:17; 22:22s.; 23:10ss.; 29:13 etc.). Mas tal compaixão não poderia ser praticada efetivamente sem tomar nota da situação social de fato, observando-a ou sendo informado sobre ela. Se a pobreza não fosse a ruína dos humanos, não seria necessário apontar a situação daqueles que têm que viver com מחתה. E se os ricos não fossem poderosos em virtude de sua riqueza, não seria necessário ensinar aos jovens esse fato (como aqui e em 18:11.221 23). Os ditos sapienciais sobre os perigos representados pelos ricos (por exemplo, 23:4-5; 28:11, 22; cf. Qoh 5:7) e como enfrentar a companhia dos poderosos (por exemplo, 23:1-2) tornam sentido apenas com base na percepção fundamental expressa no v. 15. Da mesma forma, somente quando os jovens percebem a precariedade da pobreza (cf. 14:20; 15:15 etc.), faz sentido admoestá-los a serem atenciosos aos pobres (por exemplo, 3:27-28; 28:8), e, claro, para evitá-lo pela diligência (cf. 6:6-11). A ambivalência da riqueza e, em certas circunstâncias, até mesmo da relativa 218 Por exemplo, Plöger (a riqueza é merecida, a pobreza autoinfligida); McKane (não aberto a outra interpretação que não seja o fato literal); Meinhold (uma descrição de uma condição favorável e desfavorável); Murphy (sem lição de moral); Van Leeuwen (sem julgamentos morais ou espirituais); Fox (uma simples declaração de fato); Moss (apenas mostra as desigualdades da sociedade). Por outro lado, Hitzig e Wildeboer veem os dois versos como referindo-se à autoconfiança e timidez; Delitzsch aceita essa possibilidade, mas também deriva do provérbio uma obrigação de misericórdia; Clifford acha que a situação dos pobres é registrada aqui “de maneira compassiva”; Toy acha possível, embora improvável, que os perigos morais da pobreza também sejam intencionados; Whybray (1990, 22) e Waltke leram o versículo à luz de outras evidências de hostilidade para com os ricos (cf. também Pilch [2016, 217-218], que vê ambas as categorias inteiramente em termos sociais e morais). Já a Septuaginta moralizou a dureza ao traduzir דלים com ἀσεβῶν (dos ímpios) em vez de ἀσθενῶν (dos fracos), que é encontrado em algumas testemunhas gregas e na tradução de דל em 21:13 (cf. Hatton [2008, 93], que afirma que o tradutor “importa uma moralidade não presente no hebraico”; EE; para uma discussão estendida, Zunz [1956, 161]). 219 Por exemplo, Am 5:12-13; 6:1-6; Miq 3:1-4; Jeremias 22:16-17 etc. 220 Pilch (2016, 216-218) afirma que a antiga atitude do Oriente Médio / Norte da África era “que toda pessoa rica era injusta ou herdeira de uma pessoa injusta”. É difícil ver como tal generalização pode ser sustentada – pelo menos não desta forma abrangente. Não se enquadra nem com pronunciamentos tão claros como 10:22, que a riqueza é uma bênção de Yahweh (veja abaixo), nem com o nexo ação-consequência, e certamente não com a apresentação da riqueza de, por exemplo, Abraão (Gn 24 :9; 35), Salomão (1 Reis 3:13; 4:21-24), ou o primeiro e o último Jó (Jó 1:1-3, 21; 42:10). O mesmo vale para declarações semelhantes de Pilch em sua discussão sobre ricos e pobres, por exemplo, que “rico” é melhor traduzido como “ganancioso”. 221 Sobre a relação entre 10:15 e 18:11, veja o comentário desse versículo; Berlim (2008, 94-96); Heim (2013, 237).
140
Tradução e Exegese do Capítulo 10
preferência pela pobreza sobre a riqueza (por exemplo, 15:16-17; 19:1; 28:6, 11; cf. Qoh 4:13-14) deixam claro que a tradição de sabedoria em Israel estava totalmente ciente dos diferentes lados da riqueza -tema da pobreza e de várias perspectivas para abordar o tema. Concordando com Washington,222 Fox afirma que provérbios eticamente neutros ou problemáticos, como o presente, podem ser qualificados por outros ditos no contexto. Com efeito, quando um provérbio com qualidade eticamente normativa é colocado ao lado ou na proximidade de um dito “questionável” – ou, com certeza, em qualquer ponto da coleção – ele funciona como um corretivo, mas ainda assim é também questionado pelo escandaloso provérbio. Isso não traz à tona nenhum “significado real” presumido do provérbio problemático para que se torne não problemático, mas fornece um contexto a partir do qual são oferecidas diferentes perspectivas sobre o assunto em questão. Essa “ondulação perturbadora” (como é chamada por Hatton223) em meio a provérbios sintonizados com a configuração padrão talvez seja uma maneira eficaz de destacar as tensões internas na sabedoria e lidar com elas. Então, a coleção em questão ou todo o Livro dos Provérbios ou todo o contexto sapiencial fornece a estrutura para interpretar esses ditos “difíceis”. Mas o contexto “fluindo suavemente” é, por sua vez, desafiado e questionado pelos provérbios não-conformistas. Assim, os provérbios reunidos tornam-se um discurso contínuo de perspectivas. O discurso nunca é finalizado e polido, mas confronta o leitor com um convite para pensar e participar do debate. No caso do v. 15, isso ficará aparente agora, quando considerarmos o v. 16 e sua colocação imediatamente após uma declaração moralmente neutra, mas que soa dura. Esses dois versículos são escolhidos por Hermisson224 como uma ilustração principal da conclusão a que sua investigação inicial o levou: enquanto o v. 15 simplesmente declara como as coisas de fato são neste mundo, o v. 16 acrescenta uma qualificação mais próxima (“Präzisierung”) , o que contribui para um entendimento. Isso demonstra a posição geral de Hermisson, notadamente que cada provérbio individual (“Einzelspruch”) deve primeiro ser interpretado por si só e depois verificado quanto a possíveis contribuições para ou por outros provérbios relevantes (“zugeordnet[e] Sprüche”). As exposições rabínicas tradicionais do verso geralmente resolvem a tensão da dificuldade no provérbio tomando הון metaforicamente como Torá e, consequentemente, interpretando a riqueza como a riqueza do conhecimento da Torá. Assim, Rashi e o Mezudat David, o primeiro atribuindo ruína àqueles que não aprendem Torá e, portanto, são pobres em Torá, enquanto o último vê o lado negativo contrastante na ignorância das riquezas contidas na Torá. Mas Ramaq é um expoente da interpretação “direta”, acrescentando, no entanto, que, mesmo que a riqueza possa proteger os ricos contra muitas vicissitudes da vida, há algumas contra as quais é inútil. Yonah Gerondi 222 223 224
Washington (1994a, 196-202). Hatton (2008, 93). Hermisson (1968, 182); ver a Introdução, Par. 2.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
141
(1180-1263), também mantém o sentido literal claro, mas acrescenta a nota crítica de que tanto o rico que confia em sua riqueza quanto o pobre que teme225 por causa de sua pobreza estão errados, pois a vontade de Deus prevalece em qualquer caso. Isso se relaciona com a exposição de Gerondi de que a segurança só vem de boas ações e não da riqueza. Melanchthon comenta concisamente sobre o provérbio. Ele o encerra com o título De insolentia divitum (Sobre a insolência dos ricos), e então dá sua própria tradução do primeiro verso, Substantia divitum est urbs munita.226 Iustis prosunt partae facultates ad vitae necessaria. Id est, iusti bene utuntur facultatibus, Mali abutuntur. (Os recursos do rico são uma cidade fortificada. As possibilidades de propriedade são úteis aos justos para as necessidades da vida. Ou seja, os justos fazem bom uso das possibilidades, os ímpios abusam delas.) Melanchthon evita a dificuldade no versículo (a) ignorando o segundo hemistich e então (b) moralizando o primeiro. Ele assume que os ricos serão os justos, assumindo assim o nexo ação-consequência (o que ele, como teólogo da Reforma, geralmente não gosta de fazer). Isso leva à oposição do justo e do ímpio, que em outro lugar pode se correlacionar com o sábio e o tolo, mas não é expresso neste provérbio. Segundo ele, os benefícios usufruídos pelos ricos devem ser atribuídos ao uso adequado de suas possibilidades, o que implicaria sua sabedoria. Assim, eles podem ser chamados de justos, que são sábios no Livro dos Provérbios. O inverso é então naturalmente que aqueles que não fazem bom uso de suas possibilidades, esbanjam (abuti) o que têm e, portanto, devem ser eles mesmos responsáveis por sua pobreza (à luz do ignorado verso da segunda metade, implícito). passo lógico é que eles devem ser as pessoas moralmente perversas. Assim, a oposição justo :: perverso é indutivamente desenvolvida a partir da oposição rico :: pobre no texto.
10:16 O salário do justo conduz à vida, o produto dos ímpios conduz ao pecado. O assim chamado “corretivo” ao v. 15 é imediatamente acrescentado, formando assim um provérbio par dos dois versículos. No entanto, o emparelhamento não corrige nada, mas fornece outro insight ou prisma através do qual o provérbio anterior pode ser visto (nos termos de Hatton, uma visão da maioria contrária ao v. 15). O ritmo no v. 16 é uniformemente proporcionado com apenas uma batida para cada uma das três palavras nos dois hemistichs (assim 3+3). Além disso, a sintaxe das duas sentenças é tão simétrica quanto parece, mas na superfície o conteúdo מחתה tomado no (possível) significado de “medo”. A Vulgata tem, Substantia divitis urbs fortitudinis eius (Os meios do homem rico é sua cidade de força), traduzindo o sufixo masculino hebraico da terceira pessoa, o que Melanchthon não faz. 227 Melanchthon poderia ter apelado para 21:17, 22, mas não o faz. 225 226
142
Tradução e Exegese do Capítulo 10
não é simétrico (veja abaixo). Como no v. 15, não há waw ou outra conjunção para unir as sentenças nos dois versículos. No entanto, sua associação não é apenas evidente no paralelismo antitético, mas também fortalecida por assonância e aliteração (pecullat – tebu'at e leḥayyîm – leḥaṭṭā't), bem como por uma simetria de sílabas (3/2/3 em ambos os versos ) com ênfase no mesmo lugar em cada palavra. O substantivo פעלה pode significar “trabalho”, mas também a recompensa ou pagamento recebido por tal trabalho (Delitzsch; cf. Lv 19:13),228 enquanto תבואה significa o produto produzido por uma terra (cf. Lv 25: 7, 12, 22; Dt 14:28; 26:12) ou lucro gerado por um investimento (mesmo metonimicamente, cf. 3:14; 8:19; Qoh 5:9). O provérbio, portanto, contrasta o salário justo ganho pelo trabalho (cf. Lev 19:13; Deut 24:14ss.) com a renda gerada pela riqueza existente (cf. 6:1-6), ou pelo trabalho de outros (cf. Rute 2:3ss.) ou adquirido por meios desonestos (cf. 16:8). O fato de que o “produto” mencionado aqui é o dos ímpios, enquanto o “salário” é devido ao justo trabalhador, se encaixa muito bem na semântica dos dois substantivos e sugere que o produto dos ímpios é realmente obscuro. . O uso da preposição ל também se adapta bem a essa interpretação. Waltke a toma em ambos os versos como a partícula enfática, o que é possível, mas não parece a melhor opção em vista do paralelismo lacunado. A lacuna é interpretada por Fox da mesma forma que McKane. É mais uma manifestação do convite ao leitor ou ouvinte para se envolver criativamente com o provérbio. V. 16a o salário do צדיק [conduz ao oposto do pecado] conduz à vida
:: ← →
V. 16b o produto do רשע leva ao pecado [leva ao oposto da vida]
A ideia do salário do justo levando à vida “não parece adequada” para Waltke, o que é compreensível, pois à primeira vista se esperaria que o salário fosse a vida (cf. Rm 6,23). A mesma ideia provavelmente motiva BHS a propor a conjectura de que (מחתהruin) deve ser lida na segunda metade do verso como nos vv. 14, 15 e 29. Mas as lacunas deixadas em ambos os versículos mostram as possibilidades de leitura. Relido à luz do segundo versículo, o primeiro é ampliado pelo passo intermediário implícito: os ganhos dos justos (recompensas e bênçãos) [trazer uma carreira de não pecar] que por sua vez leva à recompensa final da vida
228 Veja HALOT; KALAL; IBHS 5.5b. A palavra deve, portanto, ser classificada sob o subgrupo de substantivos de padrão qetullâ que denotam o resultado ou produto de um ato (cf. Mettinger [1972, 2-14]).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
143
E, relido à luz do primeiro versículo, o segundo é enriquecido da mesma forma por um fim final implícito para uma carreira de pecado: o que os ímpios produzem (ganho injusto etc.) resulta em morte]
O pecado dos ímpios mencionado na segunda metade mostra a lacuna deixada na primeira metade [ ], e o leitor é obrigado a preenchê-la adequadamente. Da mesma forma, o paralelismo antitético exige que a vida dos justos mencionada na primeira metade seja contrabalançada pelo preenchimento da morte dos ímpios não expressa na segunda metade []. Em ambos os casos ל deve ser entendido como a preposição e não como a partícula enfática, pois faz sentido indicar o movimento lógico: carreira não pecaminosa → vida (as conquistas da retidão eventualmente atingem seu ápice) e carreira pecaminosa → morte (os resultados da maldade degeneram em sua conclusão final)
Fuhs percebe uma dimensão adicional e importante para a força do paralelismo no provérbio. Ele afirma que o v. 16a fornece uma interpretação contextual do v. 15a, mas não se pode dizer que o v. 16b seja uma interpretação direta do v. 15b. Isso significa que os dois provérbios adjacentes em sua posição editada não permitem relacionar o pecado (v. 16b) aos pobres (v. 15b). Leia no nível da superfície literal, isso está certo. Mas também no nível profundo do paralelismo com seus sinais de implicação vazios, torna-se claro que o infortúnio esperado dos ímpios não pode ser identificado com o infortúnio dos pobres em geral.230 O que ele mostra como par de provérbios é que há é outra dimensão da forte posição desfrutada pelos privilegiados. Não deve servir apenas como uma fortaleza para agir duramente, mas ser entendida como o salário da retidão. A dimensão de צדקה não apenas atenua o som áspero da afirmação factual no provérbio anterior, mas indica dois aspectos apenas “um único evento meramente físico”. Mas Millar (2020, 125) acrescenta uma dimensão não desenvolvida por mim, viz. que “חטאת sugere que a ordem mundial nem sempre funciona mecanicamente”. 230 Heim (2013, 237-238) relaciona os dois meios-versos finais entre si, mas sugere que a pobreza mencionada no v. 15b é o resultado do pecado referido no v. 16b. Segundo ele, a riqueza do v. 15a deve, portanto, ser a “recompensa merecida por uma vida justa” mencionada no v. 16a. Como sugere seu esboço complicado, isso requer algumas manobras exegéticas complicadas. Isso resulta não tanto na “ética econômica” quanto na harmonização dos dois versículos. Na minha opinião, a leitura factualmente descritiva do v. 15 como um provérbio amoral é influenciada pela visão moralmente motivada da riqueza “como ela deve ser” (v. 16). Isso reformula os dois ditos como um par ético. Ação ética é exigida dos ricos.
144
Tradução e Exegese do Capítulo 10
do que Heim chama de “ética econômica”.231 Primeiro, essa riqueza deve vir do trabalho honesto, que é um aspecto de uma vida justa. Em segundo lugar, também mostra que os ricos devem usar sua força não apenas para adquirir mais riquezas, mas aplicá-la a serviço da justiça, que é o caminho para ()לvida. Isso não é percebido pela proposta em BHS (ignorado em BHQ) para ler מחתה no v. 16b, o que sugere que os pobres do v. 15 são maus. Várias exposições rabínicas tradicionais relacionam os motivos do v. Assim, ele substitui categorias econômicas por morais para decidir o que, em última análise, constitui bem-estar ou problema. Gerondi interpreta as conquistas (isto é, o פעלה, bem como o )תבואה dos mencionados no v. 16 em termos de retidão e iniquidade, mas ele não minimiza simplesmente o lado material das coisas. O dinheiro dos justos é ganho “para a vida” como a Torá entende a vida, que envolve ganhar a vida honestamente para evitar métodos pecaminosos para esse fim. Portanto, pode-se dizer que eles ganham dinheiro para poder servir a Deus.232 Por outro lado, os ímpios acumulam ganhos para fortalecer sua maldade às custas dos outros. Portanto, é “pelo pecado” ()לחטאת, que fornece uma interpretação crítica da força financeira mencionada no v. 15a. Gerondi contrasta o trabalho honesto dos justos para sustentar suas famílias com o uso que os ímpios fazem de sua renda para suas próprias aspirações pecaminosas. Nesses casos, a renda é considerada um instrumento, uma etapa intermediária entre obtê-la e usá-la para o bem ou para o mal. O Mezudat David (século XVIII) também parece pensar nos resultados como processos que ocorrem ao longo do tempo. Assim, as ações corretas dos justos levam a um aumento de vida, enquanto as ações perversas encurtam a vida. Uma vez que a “vida” é explicitamente mencionada no v. 16a, mas a “morte” não é mencionada no v. 16b, este é um caso claro em que uma lacuna é sentida no segundo versículo e preenchida sob o impacto do primeiro. Em uma carta datada de 396 dC aos cristãos na cidade de Vercellae, no norte da Itália, o bispo milanês Ambrose233 desenvolve o impulso argumentativo atribuído a Yonah Gerondi (cf. acima) quando adverte contra a busca de riquezas, mas imediatamente qualifica sua exortação. “No entanto, as próprias riquezas não devem ser culpadas ... há espaço para a virtude mesmo nessas riquezas materiais.” Embora Ambrósio cite Provérbios 10:15 (e 13:8, mas não 10:16), ele o faz referindo-se à bondade sendo mostrada aos pobres e à redenção para a vida que a alma do doador recebe por tal bondade. Estes são muito semelhantes aos motivos que ocorrem no v. 16a e inquestionavelmente aos das interpretações de Nahmias e Gerondi. Ambrósio refere-se ainda a “alguém que não sabe como administrar sua propriedade” e que, portanto, sucumbe, o que evoca as idéias do v. 16b. Se isso estiver certo, Ambrósio também interpreta o v. 15 à luz do provérbio que o segue e aplica sua leitura de ambos a uma situação pastoral em 231 Cf. também Krüger (1995, 462), que considera a perspectiva econômica integrada à ética, em vez de suplantada por ela (em oposição aos vv. 2-3). Segundo ele, a relação do ético com o econômico se encontra no nível de um único provérbio (v. 16), enquanto isso só ocorre no nível editorial nos versículos iniciais. No entanto, ele reconhece que a perspectiva “puramente econômica” do v. 15 foi “modificada” pelo v. 16, embora não em termos religiosos tão claros como no v. 3. 232 Ambrósio de Milão (século IV) parece entreter uma posição, veja abaixo. 233 Epist LXIII, 92 (NPNF II/10, 470).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
145
a Igreja. Crisóstomo (também do século IV) da mesma forma leva vv. 15 e 16 juntos, mas o faz de forma bastante forçada. Para ele, a pobreza de que fala o v. 15 é compensada por uma recomendação de trabalho (“as obras dos justos”) no v. 16.
10:17 Um caminho para a vida é aquele que aceita a instrução, mas aquele que rejeita a repreensão se desvia. O provérbio tem um padrão rítmico direto de 4+3 em sete palavras. Consiste em uma sentença nominal seguida por uma verbal (com o particípio Hiphil מתעה como predicado).
subject שומר מוסר predicate מתעה
O paralelismo antitético contém dois contrastes: aquele que aceita a disciplina :: aquele que a descarta, e conduzindo à vida :: desviando-se. A palavra de ordem לחיים liga o provérbio ao verso anterior (cf. o padrão da cadeia esboçado acima). Embora o motivo da disciplina seja diferente do tema dos bens materiais encontrado nos dois provérbios anteriores, há uma forte ligação temática com o v. 16 nas referências ao que respectivamente conduz à vida e ao seu oposto. A preposição ( לunlike em 5:6, onde não faz parte da expressão) é importante, pois enfatiza a direção em que o caminho leva. Isso nos leva diretamente a um ponto discutível relacionado à vocalização da primeira palavra no verso. A Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) (novamente não seguida por BHQ) considera provável que as vogais devam ser lidas א ֵֹר ַח e não, como decidiram os massoretas, א ַֹרח. Esta é uma proposta antiga defendida por Ewald.235 Lê-se o Qal ativo particípio masculino singular do verbo ( ארחstep, walk); assim, “Aquele que aceita instrução caminha para a vida”. Mas isso não concordaria bem com a última palavra, que é claramente um particípio Hiphil de (תעהQal: vagar, errar; Hiphil: causar erro). Vários comentaristas citam Gemser ao declarar que este é um chamado “Hiphil interno,”236 mas isso é frequentemente influenciado por 234 Mesmo assim, McCreesh (1991, 33) considera o segundo hemistich como uma “sentença nominal simples [].” 235 Ewald (1837, 32 [alemão]; cf. 407 [latim]). 236 Também chamado de “transitivo interiormente”, um “Hiphil intransitivo” ou um “Hiphil de um lugar”, cf. IBHS, 27.2f; GKC 53d. Deve-se notar que Gemser menciona essa possibilidade, mas não faz uma escolha específica em favor de tal Hiphil. Ele apenas afirma que a primeira palavra do versículo deve ser lida preferencialmente א ֵֹר ַח se מתעה for tomado como intransitivo.
146
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Jr 42:20, que é uma evidência duvidosa de um uso intransitivo do particípio (Meinhold). Em todo caso, isso destruiria a relação antitética dos dois versos ou exigiria uma vocalização diferente da primeira palavra. Alternativamente, obrigaria a uma interpretação forçada do primeiro verso como uma sentença verbal: “O caminho da instrução dos guardas da vida” (cf. Targum, Peshitta e Vulgata; então Waltke), ou o contrário, como na Septuaginta , onde παιδεία (educação) é o sujeito. Uma interpretação adicional é tratar o particípio שומר como se fosse um infinitivo: “guardar a instrução” é considerado o caminho para a vida (assim o Mezudat David). O argumento de que o último verso contém um Hiphil intransitivo, ele próprio uma medida de emergência, requer outro procedimento de contingência, viz. que a frase nominal do primeiro verso seja entendida como uma afirmação de que quem aceita a instrução segue o caminho da vida. esse caminho.238 Mas tal interpretação da sentença nominal exigiria que a frase começasse com a preposição בprecedendo ארח. Além disso, pela própria razão de que o conceito não mudaria, é desnecessário substituir o entendimento natural da cláusula nominal “x é um caminho” por uma elucidação artificial. Os dois meios-versículos, quando lidos à luz um do outro, ou seja, à luz do paralelismo, apresentam o seguinte quadro: V. 17a quem aceita a instrução é um caminho para a vida [para outros seguirem] ou seja, conduz à vida
:: ← →
V. 17b quem descarta a reprovação desencaminha, a saber: outros (objeto elidido) [conduz ao contrário da vida]
Olhando primeiro para o transitivo Hiphil מתעה, o particípio indica uma verdade geral. Desviar-se precisa de um objeto, que deve ser, portanto, os “outros” elididos (da mesma forma Waltke).239 A questão decorre naturalmente, desviar-se de quê? Sob o impacto do caminho para a vida no v. 17a, o significado deve ser que 237 E.g. Ewald, Delitzsch, Toy, Sawyer (THAT II, 1055), Murphy, Fuhs, Marsh; Hausmann (1995, 310-311) prefere a leitura intransitiva da segunda metade do verso, mas permite a possibilidade alternativa. Para a tradução adotada em minha tradução e interpretação, cf. Wildeboer, que admite a viabilidade da vocalização de Ewald, mas não opta por ela, McKane, Meinhold, Scherer (1999, 49), Waltke, Fox, Clifford, Yoder, Sæbø. Para comentaristas que não escolhem entre as opções, cf. Oesterley, Gemser, Whybray e Van Leeuwen. A posição de Plöger é ainda diferente, veja abaixo. Millar (2020, 135-137) vê uma abertura interessante no provérbio. O שומר מוסר pode liderar pessoalmente no caminho para a vida, enquanto o עוזב תוכחת faz com que outros se desviem, ou o primeiro homem pode ser o próprio caminho para a vida; em ambos os casos, o provérbio se concentra não no que atende e no que rejeita, mas “em suas ações para com os outros”. 238 Isso parece ser o que Plöger quer dizer quando ele não aceita o entendimento intransitivo de מתעה, mas mesmo assim escolhe o que ele considera como o verbo implícito “gehen” (ir) para sua tradução da sentença nominal no v. 17a. 239 Cfr. IBHS, 27.2e; exemplo: Mq 2:6 – [] (לא יטיפוeles não deixarão cair [palavras]).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
147
aquele que descarta a repreensão desvia os outros do caminho da vida,240 ou seja, do seu oposto, a morte. Quanto ao primeiro verso, ser um caminho de vida implica ser um caminho para os outros seguirem e, portanto, um exemplo que os conduz até lá. Assim, o sábio que aceita a disciplina sapiencial é um pioneiro no caminho da vida e, portanto, pode ser seguido (cf. em 12:1 para aceitar e ministrar disciplina). Combinando metonímia e metáfora, a figura estilística usada aqui é uma forma de metafonemia (cf. acima em 10:11). • O caminho significa levar as pessoas à vida (metonímia) e simultaneamente • é uma pessoa que transmite o ensinamento sapiencial recebido (metáfora) מוסר241 só pode ser obtido em um relacionamento, principalmente entre um professor/treinador e um aluno/ estagiário, o que implica que a pessoa mencionada aqui primeiro deve receber a instrução de uma autoridade e, por sua vez, torna-se um líder autoritário para os outros. o primeiro verso.243 A suposição fundamental do primeiro verso positivo (e, em sua forma adversa, do segundo verso) é que os humanos se tornam paradigmas a serem seguidos por outros.244 O impulso da exposição de Melanchthon fala dos efeitos benéficos do ensino. Ele percebeu a importância fundamental do conceito de disciplina (מוסרe)תוכחת na educação, que domina sua exposição deste provérbio. Em oposição à arrogância, “a docilidade é uma virtude necessária”. Ele acrescenta: “Errar é humano, perseverar no erro é diabólico”. Para Melanchthon, o primeiro verso implica a imperfeição humana de cometer erros, mas, para ele, é completado pelo motivo de aceitar a disciplina educacional (que leva à vida). O segundo verso é sobre ignorar o ensino corretivo, que dá ao incorrigível a qualificação de “diabólico” (glosa de Melanchthon
240 Pseudo-Ibn Ezra não apenas relaciona os dois versos, mas os combina de tal maneira que há apenas um assunto, viz. o casus pendens e seu pronome: ועוזב תוכחת מאיש ‘“( מתעה היא ארח חייםE aquele que rejeita a repreensão daquele que se desvia’ – isso se refere ao caminho da vida”). Cf. 2:9 para um caminho, e 2:15, 18 para o outro. 241 Na Septuaginta, a educação (παιδεία) é o sujeito que guarda o objeto, “modos corretos de vida”. 242 Veja a discussão desses aspectos fundamentais do termo seminal מוסר no comentário sobre 1:2. 243 O ensino tradicional está incorporado no conceito de aprendizagem; cf. o comentário em 1:5 sobre o aprendizado recebido por uma geração e passado para a próxima. É frequentemente associado a מוסר. Isso é expresso em muitas palavras pelos versículos iniciais do cap. 4. Introduzido por (מוסר4:1, com paralelo)דעת בינהe (ֶל ַקח4:2, paralelo por)תורה, os filhos (terceira geração) são abordados (4:1-4a ) pelo pai (segunda geração), que lhes transmite as mesmas palavras com que ele próprio foi ensinado pelo avô (4,4b-9). 244 A ideia de seguir um mestre é, por sua vez, uma metáfora básica para a relação discípulo-professor (“Schülerverhältnis,” Str-B I, 187-188). Cf. Erub 30a; Keth 66b; 72b; Aboth R. Nathan 4, e outros; Mateus 4:19s., 21ss. par.; 8:19 parágrafos 22; Lucas 9:23; João 1:41, 44.
148
Tradução e Exegese do Capítulo 10
por se afastar da vida). Embora sua exposição faça jus ao enunciado básico do provérbio sobre a pedra angular da educação, não se detém nos meios de sua transmissão, o que a meu ver é um elemento importante tanto no que diz respeito aos aspectos históricos quanto aos aspectos temáticos dos alunos que seguem o modelo do mestre está em causa.245 Embora a ideia de exemplos e modelos, líderes e seguidores seja comum em todas as culturas, não encontrei nenhum caso na literatura do antigo Oriente Próximo onde a metáfora do caminho/estrada é aplicada ao papel do professor/líder.246 Isso também vale para a literatura judaica tradicional, onde os rabinos ensinam, têm seguidores e falam sobre o caminho a ser escolhido ou a ser evitado, e para todo o corpus da lei visto como um modo de vida a ser vivido (cf. .הלכהde [הלךgo] como a personificação da totalidade das direções para um modo de vida religioso). No entanto, tanto quanto posso ver, há uma exceção, principalmente no Novo Testamento. Em João 14:6, as famosas palavras de Jesus o identificam como “o caminho”. ἐγώ εἰμι ἡ ὁδὸς καὶ ἡ ἀλήθεια καὶ ἡ ζωή· οὐδεὶς ἔρχεται πρὸς τὸν πατέρα εἰ μὴ δι’ ἐμοῦ Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Jesus é o caminho pelo qual as pessoas vêm a Deus; “isto é, o caminho que ele próprio está prestes a percorrer é o caminho que também os seus seguidores devem percorrer.” :14; 11:25), ele também é a vida. E porque Deus é a fonte da verdade transmitida ao mundo por seu Filho (cf. João 1:14), Jesus também é a verdade. Esta verdade transmitida a seus discípulos parece muito semelhante ao ֶל ַקח transmitido pelos sábios para ser aceito e seguido por seus discípulos. A influência de materiais do Livro de Provérbios no Quarto Evangelho é particularmente visível em Prov 8.248 Ampliado pelo argumento de Van der Watt para a conscientização de João sobre a educação judaica, incluindo pais ensinando filhos,249 é muito tentador contemplar uma conexão entre Prov 10: 17 e João 14:6. A metáfora do caminho/caminho 245
Cf. Brown (2014, 46-48). Cf. o trabalho maciço sobre a metáfora caminho/caminho e suas aplicações no Antigo Testamento (e outras línguas semíticas) por Zehnder (1999 passim). 247 Já em 1955 C.K. Barrett ([1955] 1967, 382) identificou Jesus como o caminho com Jesus liderando o caminho da morte e ressurreição. A conclusão de Petersen (2008, 138) aponta na mesma direção, embora aparentemente independente de Barrett. Seu argumento sobre João 14:6 é baseado – corretamente, na minha opinião – no fato de que os discursos de despedida de Jesus fornecem um contexto para a metáfora que implica que os discípulos devem seguir o caminho conduzido por Jesus. Isso é o que os discípulos de sábios e rabinos fazem. Assim, justifica-se a afirmação de Barrett de que, em João 14:6, “verdade” e “vida” são “explicativas” do caminho. A alegação, portanto, é nada mais e nada menos do que Jesus é o verdadeiro ארח לחיים. Attridge (2006, 49) argumenta que Jesus como o caminho conota o mesmo que a metáfora igualmente bem conhecida de Jesus como o portal (João 10:7), que não pode ser negado nem em relação à lógica nem à luz de sua realidade. fusão em Mateus 7:13-14, bem como em várias fontes referenciadas abaixo (Str-B I, 460ff.). 248 Veja a Excursão sobre a Recepção de Provérbios 8 no Vol. Eu, especialmente pág. 371. 249 Van der Watt (2006, 426ss.). Mais tarde, ele refinou sua tese pela distinção adicional entre instrução no contexto familiar e instrução por rabinos, a última das quais se aplica a Jesus como rabino e seus discípulos (comunicação por correio). Para uma consideração completa do teórico 246
Tradução e Exegese do Capítulo 10
149
é tão difundido que é quase impossível para João não tê-lo conhecido de uma variedade de fontes judaicas.250 Mas que Jesus é o caminho, assim como o sujeito da sentença nominal em Prov. rabino (Mateus 8:19; João 1:50 etc.), tem discípulos, ensina-os e espera que eles sigam o caminho que ele indica (Mateus 10:36; 16:24; Lucas 9:23) – tudo isso vem junto em um padrão típico dos antigos mestres sapienciais, bem como dos rabinos posteriores.252
10:18 Quem encobre o ódio tem lábios enganosos, e quem espalha a calúnia é um tolo. O último provérbio do cluster compreendendo vv. 12-18 é notável dentro do grupo porque, na opinião de muitos comentaristas, não parece conter um paralelismo antitético. ódio) que abrangem a distância até o v. 12 na ordem quiástica. Tematicamente, alguns consideram o v. 12 como o início de um novo agrupamento em torno do motivo do discurso, que, no entanto, também ocorre nos vv. 6, 10 e 11 da cluster anterior, bem como nos vv. 19-21. Embora seja verdade que vv. 15 e 16 contêm os elementos temáticos de lucro e propriedade, a ideia de fala também está presente nos vv. 13-14 e implicitamente no v. 17. Portanto, o enquadramento quiástico dos vv. 12-18 faz sentido, especialmente porque o motivo do discurso é comum a todos os três grupos de provérbios em questão (vv. 5-11, 12-18 e 19-21). O v. 18 pode até ser visto como uma espécie de verso de Janus, olhando para trás e para a frente ao mesmo tempo (fazendo com que Lucas o inclua nos vv. 19-21). O arranjo rítmico é mais uma vez um Siebener como no verso anterior, mas desta vez com três tempos no primeiro e quatro no segundo meio-verso (4+4 exigiria que o maqqeph fosse ignorado e duas sílabas tônicas adjacentes fossem toleradas ). A sintaxe do verso é problemática e o paralelismo também, dependendo de como a sintaxe é entendida. As seguintes são possibilidades: (a) Duas sentenças nominais, com “quem esconde o ódio” ( )מכסה שנאה como o sujeito e “lábios de engano” ( )שפתי־שקר o predicado no primeiro versículo questões envolvidas, cf . também seu principal trabalho sobre metáfora no Quarto Evangelho (Van der Watt 2000, 1ss. e, em passagens-chave deste evangelho, 25ss.). 250 Cfr. Dt 11:26; 30:15; Jr 21:8; Pv 28:6, 18; Senhor 2:12; Galinha Eslava 30:15; 4 Estr 7:3; Pirqe Aboth 2:9; Mek Êx 14:28; Sifre Deut 53 e muitos mais; ver Str-B I, 460-463. 251 Consequentemente, parece haver razão para duvidar da afirmação categórica feita por Wilhelm Michaelis em 1954 (ThWNT V, 85), de que não há paralelo no Antigo Testamento para o uso de ὁδὸς em João 14:6 e, portanto, para questionar sua conclusão igualmente direta (ThWNT V, 88) de que o uso de ὁδὸς no Quarto Evangelho não tem antecedente ou paralelo em nenhum outro lugar. 252 Ao ensinar-lhes sabedoria, o rabino traz seus alunos “ao mundo vindouro” (Baba Metzia 2:11). Cf. adicional Mek Êx 31:12; Yoma 85a et al.; Str-B I, 188. 253 Veja abaixo outra visão.
150
Tradução e Exegese do Capítulo 10
e “quem espalha calúnia” ( )מוצא דבהo assunto no segundo. Então Murphy e outros. (b) Duas sentenças nominais com “lábios de engano” ( )שפתי־שקר o sujeito e “encobrir o ódio” ( )מכסה שנאה o predicado no primeiro verso (o segundo verso semelhante a [a]). Então Raposa. (c) O versículo inteiro, lido como uma frase com enjambement: “Quem esconde o ódio com lábios enganosos e quem espalha calúnias, ele é um tolo.” Então Walke. (d) Duas sentenças nominais como em (a), mas lidas como dois monósticos independentes e, portanto, não em paralelismo antitético entre si, mas amplificando uma à outra, cada uma como “uma coisa completamente ruim”. Então, Oesterley. As opções (a) e (d) são sintaticamente iguais e diferem apenas no que diz respeito à combinação ou divisão das unidades em termos poéticos. Um problema com a opção (b) é que o verbo é um particípio singular masculino ()מכסה e o sujeito ()שפתי־שקר é plural feminino. Em vez de buscar uma solução no fato de que o plural é uma sinédoque e, portanto, pode governar um verbo singular,254 a ordem natural das palavras seria predicado-sujeito, não sujeitopredicado (Murphy), o que evita o problema em primeiro lugar. A opção (c) opta por um casus pendens muito extenso, com sujeito e predicado apenas nas duas últimas palavras. Waltke está correto ao dizer que um acusativo de modo (em sua opinião, )שפתי־שקר é “não excepcional”, mas o uso da preposição ב seria esperado neste caso. Seja como for, a meu ver esta análise não oferece um paralelismo melhor, uma vez que, segundo Waltke, não há dois “tipos inferiores”, e uma única afirmação é feita sobre um tipo, que dificilmente pode ser interpretado como paralelo a em si. Isso nos deixa com a opção (a), que de fato oferece um bom paralelismo. A questão é se este é um paralelismo antitético ou um assim chamado paralelismo sinônimo (equivalente). Oesterley vê uma antítese entre ocultação (de ódio) e franqueza (de calúnia), mas opta por dois pontos independentes no verso (opção [d] acima). Desviando-se da maioria dos comentaristas, Weeks255 também pensa que o paralelismo é de fato antitético e parafraseia: “Aquele que esconde o ódio pode ser um mentiroso, mas aquele que profere calúnias é (muito pior!) um tolo”. No entanto, ele não identifica os próprios elementos antitéticos, nem explica como eles devem ser vistos como contrastes. Sua interpretação do verso exemplifica o que Berlin chama de “desambiguação” ou “esclarecimento, redefinição, desdobramento do desenvolvimento”. ”), mas em EE para plural (“pessoas”). 255 Weeks ([1994] 2007, 25 n. 7). 256 Berlim ([1985] 2008, 98-99).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
151
segundo verso (paralelismo equivalente) é na verdade uma especificação adicional do primeiro verso. Eu diria que isso é realmente o que temos aqui, mas com o devido apreço pela detecção de Oesterley do elemento contrastante. O segundo verso repete um motivo negativo do primeiro verso de uma forma específica e o julgamento no final é um comentário sapiencial sobre o engano do primeiro verso. Os elementos equivalentes são ódio ( )שנאהe calúnia ()דבה, e os elementos antitéticos são encobrir ( )מכסהe espalhar ()מוצא. Temos assim um provérbio em que o primeiro verso é amplificado pelo último (como o próprio Weeks parece sugerir: “pior!”). Acho difícil ver por que ser um tolo é muito pior do que ser enganador,257 mas vejo como tanto a malícia oculta quanto a divulgada podem ser esclarecidas em termos de pensamento sapiencial ao incluí-la explicitamente na tolice. Esse seria o aspecto “sinônimo” do paralelismo, ou, nos termos de Berlin (na verdade, os de Kugel), o elemento “o que é mais”. O elemento antitético é o contraste entre esconder e espalhar. • Quem esconde o ódio, o obscurece para que os outros não percebam e possam ser prejudicados com conversas tortuosas (cf. Jer 9:7b para uma correspondência temática próxima). • Quem espalha a calúnia, faz o contrário, proclamando a inverdade a todos e assim também prejudica a vítima (cf. situação semelhante em Jr 9,7a). Ambos dizem respeito à fala e ambos os tipos são falsos (enganam os outros). Portanto, o primeiro versículo não pode ser interpretado no sentido de que é melhor demonstrar ódio do que ocultá-lo. espalhando calúnias falsas. Dois estilos totalmente contrastantes, mas ambos são castigados, primeiro como enganosos e depois como tolos. O “desdobramento do desenvolvimento” diz respeito ao princípio da desonestidade no ódio ao próximo e a antítese diz respeito ao modo de sua aparição. Por essas razões, torna-se desnecessário dividir o versículo em dois provérbios de um monóstico cada, como propõe Oesterley. 257 Na tradição rabínica, exatamente o oposto é às vezes dito nas exposições do provérbio. Por exemplo, Ralbag (Provença, primeira metade do século XIV) afirma que os desonestos são mais perigosos que os tolos. Nahmias (Espanha, segunda metade do século 14) pensa que apenas um tipo de pessoa é referido em ambos os versos, ou seja, aquele tipo de pessoa que é tão perverso que é pior do que um tolo. Nahmias, portanto, implica que alguns tolos não são necessariamente tão ruins. 258 Ginsburg ([1998] 2009, 185) aponta que essa interpretação é encontrada na exposição midráshica de Gênesis 37:4, onde é considerado uma virtude dos irmãos de José que eles desabafaram em vez de esconder seu ódio de seu irmão falando gentilmente para ele ()ולא יכלו דברו לשלם. Por outro lado, cfr. Visotzky (1992, 110) no Midrash Prov 26:24, para uma interpretação do comportamento de Esaú em relação a Jacó (Gn 33:4), que equivale ao oposto do que os irmãos de José fizeram.
152
Tradução e Exegese do Capítulo 10
A complexidade da sintaxe e do paralelismo e, portanto, do sentido geral do provérbio também deixaram sua marca nas versões antigas. Este é particularmente o caso da Septuaginta, que inverte o verso para que se torne um simples ditado antitético: ἀφρονέστατοί εἰσιν (Os lábios justos escondem o ódio, mas aqueles que praticam insultos são tolos completos) Os lábios se tornam o sujeito e o verbo é, portanto, plural (assim como a Peshitta e a Vulgata), mas a Septuaginta faz ainda outra mudança ao transformar os lábios enganosos ()שפתי־שקרdo texto massorético em “lábios justos” (χείλη δίκαια). “Encobrir” torna-se, portanto, “esconder” in bonam partem (cf. v. 12 acima),259 e o ódio é assim contido. Isso evita a difícil combinação de desambiguação e antítese no provérbio hebraico, fazendo dele um ditado antitético direto.260 Várias exposições rabínicas tradicionais já foram mencionadas nas notas acima (cf. em Ralbag e Nahmias sobre tipos humanos que são piores do que tolos). Rashi enfoca a insinceridade referida no primeiro hemistich, notadamente o falar falso e o ódio interior, que para ele descreve o comportamento típico do bajulador. Por outro lado, o Mezudat David declara que o caluniador do segundo hemistich é um tolo porque ele não percebe que outras pessoas falarão pelas costas sobre ele próprio falando caluniosamente pelas costas de seu companheiro. A última visão também é encontrada no Talmud (Kiddushin 70b).261 Gerondi relaciona o provérbio a Lev 19:17, onde é proibido odiar o próximo no coração (cf. 10:18a), e onde é ordenado que um vizinho que precisa de repreensão deve ser repreendido. O provérbio é usado para colocar a injunção de Levítico em perspectiva. À luz de nosso provérbio, “repreender livremente” tal pessoa, como exige a Torá, não significa fazê-lo publicamente (cf. 10:18b), o que só causará embaraço.262 Sem fazer referência ao material rabínico ou a outros textos bíblicos, Melanchthon caminha na mesma direção. Ele interpreta o provérbio como uma declaração sobre a maneira incorreta de repreender aqueles que precisam de admoestação e, assim, cometer a injustiça da reprovação pública.
259 Isso é mal interpretado por Oesterley, que considera a tradução da Septuaginta não apenas injustificável (o que é), mas “absurda, pois a hipocrisia não é o papel dos lábios justos” (o que não é aplicável, porque o texto grego não fala de hipocrisia , mas de encobrir in bonam partem). 260 A evasão da dificuldade pela Septuaginta não parece ter facilitado as coisas para Crisóstomo. Ele interpreta esconder o ódio como evitar a recusa, aparentemente pelo silêncio, enquanto o oposto (fazer ameaças) é tolice. Ele fortalece essa interpretação lendo o provérbio não como um Janus, mas apenas em conjunto com o v. 19 (a loquacidade traz transgressão e a fala contida é sensata). 261 So Ginsburg ([1998] 2009, 185). 262 Eu comentaria que isso mostra uma visão do lado inverso de não odiar o próximo no coração, viz. amor ao próximo (Lv 19:18), que é o que significa poupá-lo de constrangimento, mesmo quando ele precisa de repreensão.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
153
10:19-21 Sobre o efeito das palavras 19 Onde há multidão de palavras, a transgressão não terá fim, mas quem refreia os seus lábios é prudente. 20 A língua do justo é prata escolhida, o coração do ímpio não vale nada. 21 Os lábios do justo apascentam a muitos, mas os insensatos morrem por falta de entendimento. Bibl.: Hausmann 1995, 17, 187, 204; Heim 2001, 124-126; Krispenz 1989, 58-62 (uma tomada completamente diferente); 164; Kruger 1995, 427-428; Scherer 1999, 58-60, 64-71; Scoralick 1995, 68.
Esses três provérbios estão evidentemente conectados por seu tema comum de fala, que, no entanto, também é encontrado nos dois agrupamentos anteriores (vv. 5-11 e 12-18; veja acima sobre a possível função de Janus do v. 18). Mas Krüger, admitindo a difusão mais ampla do tema, bem como sua expressão por lexemas específicos, também aponta a distribuição especial de palavras-chave nos vv. 19-21.263 Assim, as palavras para "muitos" (רֹב, ַ)ר ִבּים e "lábios" ( )שפתיםconectam o primeiro e o último desses versículos.264 Não estou inclinado a ver um concêntrico padrão no grupo, uma vez que as outras palavras-chave (צדיקe)לבocorrem apenas nos vv. 20 e 21, devendo igualmente ser consideradas considerações temáticas e não apenas palavras de ordem. Portanto, o padrão é: 19 20 21
em vez de: 19 20 21
Os provérbios são costurados uns aos outros por meio do tema dos efeitos positivos e negativos da fala. A coerência temática é clara, mas a coesão dos laços formais é assimétrica, pois a gama de palavras de ordem que a representam (chamada de “Ausdruckseite” por Krüger) é distribuída de forma desigual.
263
Kruger (1995, 427). Ao que se pode acrescentar que isso ocorre na ordem quiástica: muitos lábios; lábios – muitos (cf. a ordem quiástica de שנאה e כסה nos vv. 12 e 18). 264
154
Tradução e Exegese do Capítulo 10
10:19 Onde há multidão de palavras, a transgressão não terá fim, mas o que refreia os seus lábios é prudente. O provérbio claramente antitético tem 4+3 tempos nos dois versos (maqqeph no primeiro). No v. 19a há aliteração das consoantes ב e ר, e aliteração de שׂ em todas as palavras do v. 19b.265 O tema do discurso é discutido sob a ótica da relação entre o quantitativo e o qualitativo aspectos da fala ou, mais precisamente, os efeitos envolvidos. Falar não é proibido e o silêncio não é prescrito, mas a moderação é aconselhada.266 Portanto, falar muito causa transgressões, enquanto conter os lábios (metonímia do ato de falar) é considerado sábio. Embora a essência do primeiro hemistich seja clara, vários detalhes precisam de mais esclarecimentos. Primeiro, o verbo חדלQal pode significar várias coisas. Muitas vezes é entendido como significando “estar ausente”,267 mas Waltke objeta que apóia este significado encontrado em Jó 19:14 é em si duvidoso. Quando o sujeito é uma pessoa, o verbo significa “sair” (por exemplo, Jr 40:4; Ez 3:27; Am 7:5 et al.). Quando, como aqui, o sujeito não é uma pessoa, significa “chegar ao fim” ou “cessar” (por exemplo, Ex 9:29, 33s.; Is 24:8 e outros).268 É usado na figura de estilo de litotes, o negativo como afirmação enfática do oposto positivo (imperfeições certamente ocorrerão). Além disso, a ideia de transgressões incessantes é, por sua vez, ambivalente. • Sobre a afirmação de que a transgressão aumenta com a quantidade de conversa, é lógico que quanto mais alguém fala, mais oportunidades tem para errar, para o que a evidência é fornecida pela declaração em Qoh 6:11 de que isso realmente acontece (“ Onde há muitas palavras, aumenta-se a vaidade, então de que adianta?”). Conforme sugerido por Gerondi no século 13, o verso pode implicar a razão de sua própria reivindicação. Se alguém fala tanto, a transgressão não é apenas mais provável, mas na verdade inevitável, porque não há oportunidade de pensar sobre o que se diz (da mesma forma Meinhold, Waltke; cf. Sir 20:7). As transgressões continuam chegando enquanto as palavras continuam chegando.
265 McCreesh não os menciona em seu trabalho padrão sobre padrões sonoros em Prov 10-29, embora eles se encaixem em sua definição do fenômeno, que ele chama de “consonância”, cf. McCreesh (1991, 26). 266 Sobre este tema, cf. 10:14; 12:23; 17:27; Hausmann (1995, 17). 267 Por exemplo BDB, Wildeboer, Toy, Oesterley, Gemser, Murphy, Fox (então em seu comentário, mas em EE ele opta por “cessar”). 268 Então HALOT, KAHAL, Waltke; cf. também Volz, McKane, Meinhold, Plöger, Hausmann (1995, 204), Alter, Clifford, Sæbø; Whybray menciona o significado, mas não escolhe (nem Yoder).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
155
• Da mesma forma, uma vez que as palavras são proferidas, elas vivem sua própria vida e continuam fazendo mal muito depois de terem sido ditas (Meinhold). As transgressões continuam vivas em seus efeitos mesmo depois que o orador loquaz finalmente se calou. Bühlmann269 segue outra linha ao fazer do erro o ponto de vantagem para sua interpretação. Uma vez cometido um erro, nem mesmo uma multidão de palavras pode apagá-lo. Mas Plöger e Fuhs concordam que isso não se adequa ao topos sapiencial do uso correto da fala (cf. a avaliação positiva da fala no v. 20a e provérbios como 15:23; 25:11). Tampouco é compatível com a ligação entre a própria fala (lábios e boca) e a ruína em 10:8b, 14b e 13:3, ou provavelmente à luz da declaração explícita de Qohelet de que a vaidade aumenta com o aumento das próprias palavras (Qoh 6:11 citado acima). No primeiro verso, a Septuaginta substitui a segunda pessoa do singular pela terceira pessoa do singular masculino do verbo hebraico: οὐκ ἐκφεύξῃ ἁμαρτίαν (você não escapará do pecado). Isso equivale a uma paráfrase e pode refletir a compreensão do tradutor de יחדל como “estar ausente”270 e uma interpretação sustentando que o tagarela deve inevitavelmente cair em transgressão ou que ele não escapará depois de ter problemas (cf. Bertheau bem como Bühlmann). Waltke explica o uso de ἐκφεύγειν assumindo que a Septuaginta lia נצל para (חדל, que também poderia ser o caso da Peshitta).
A transgressão ( )פשעemanada da loquacidade é uma ofensa pessoal causada a outros, como geralmente no Livro de Provérbios (cf. v. 12; 12:13; 17:9, 19; 19:11; 29:16, 22).271 O segundo hemistich não é dirigido contra o falar, mas contra o falar excessivo. Restringir as palavras significaria, portanto, dizer a coisa certa, da maneira certa, na hora certa. McKane diz: “O homem sábio manterá o silêncio a menos que272 esteja certo de que chegou a hora de falar, que ele pode fazê-lo com eficácia e que suas palavras foram 269 Bühlmann (1976, 176-178) segue a deixa possibilidade mencionada por Bertheau (1847), que, no entanto, o faz com base na suposição de que חדל significa “desaparecer”, o que é rejeitado na segunda edição do comentário de Bertheau tratado por Nowack (1883). Plöger aprecia a opinião de Bühlmann, mas não a aceita como pensa Whybray. 270 É evidentemente assim que a Vulgata entendeu o hebraico. O latim tem, in multiloquio peccatum non deerit (em muito falar o pecado não estará ausente). Esta é uma tradução bastante literal do Texto Massorético, assumindo que חדל indica ausência, e pode ter influenciado a tradução tradicional do verso (veja acima). Ele preserva o impulso da interpretação da Septuaginta, mas simultaneamente parece ser um esforço para corrigir a paráfrase da segunda pessoa do singular do grego de volta para a terceira pessoa do singular do hebraico. 271 Então, Whybray, Fox. A raiz pode, no entanto, também se referir a crimes específicos (por exemplo, Êx 22:8; Am 1:3, 6, 9, 11, 13) ou crimes gerais contra Deus e os humanos (28:13, 21), muitas vezes paralelo a uma palavra para “pecado”, como עון e (חטאתe.g. Lv 16:21; Nm 14:18; Sl 32:5). 272 Ênfase minha.
156
Tradução e exegese do capítulo 10 cuidadosamente ponderados. ... Essa convicção de que faz parte da sabedoria manter a fala sob controle encontra expressão no v. 19.”
Que McKane está certo, é aparente pela influência recíproca do paralelismo contrastante entre os hemistichs. V. 19a falar muito causa injustiça [é o oposto de sabedoria]
:: → ←
V. 19b fala contida [evita transgressão] é expressão prudente de sabedoria
À luz do v. 19a, a prudência mencionada no v. 19b deve significar que tal manifestação de sabedoria realmente evita a transgressão. Da mesma forma, à luz do v. 19b, a tagarelice mencionada no v. 19a é uma expressão do oposto da sabedoria, a tolice. McKane não dá exemplos, mas a visão negativa da conversa excessiva e a visão positiva concomitante da moderação formam um topos sapiencial estabelecido ao longo de milênios. Isso inclui a sabedoria bíblica273 e do antigo Oriente Próximo em geral, bem como uma substancial vida após a morte nas tradições judaica e cristã. Alguns exemplos: Uma ilustração da literatura de sabedoria egípcia é a Instrução de Ptahhotep, que aborda o assunto várias vezes, por exemplo: ... Concentre-se na excelência; seu silêncio é melhor do que tagarelice. Fale quando souber que tem uma solução, é o técnico que deve falar em conselho. Falar é mais difícil do que qualquer outro trabalho, quem entende faz servir. Se você é poderoso, ganhe respeito por meio do conhecimento e da gentileza no falar. Mil anos depois, nos Conselhos de Sabedoria da Babilônia (provavelmente após a Primeira Dinastia)275 há duas seções dedicadas ao topos (ll. 26-30 e 127134):276 Deixe sua boca ser controlada e seu discurso guardado: Nisso está a riqueza de um homem - deixe seus lábios serem muito preciosos. 273 Por exemplo 5:2; 12:23; 13:3; 15:28; 17:27s.; 15:2; Qoh 5:1s., 11; 10:14; Jó 34:35; 35:16; cf. Bühlmann (1976, passim) e Hausmann (1995, 17). 274 Ver AEL I, 67, 72; ANET 412-414. Os preceitos datam da época da quinta (assim J.A. Wilson em ANET, 412) ou da sexta dinastia (assim Lichtheim em AEL I, 62), em qualquer caso, da segunda metade do terceiro milênio aC. 275 Lambert ([1960] 1975, 97), data do período cassita, ou seja, 1500-1200 aC. 276 Lambert ([1960] 1975, 100-101 e 104-105); cf. ANET, 426-427.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
157
Que a insolência e a blasfêmia sejam sua abominação; Não fale nada profano nem qualquer relato inverídico. Um mexeriqueiro é amaldiçoado. ... Não pronunciem difamação, falem o que for de boa fama. Não diga coisas más, fale bem das pessoas. Aquele que profere difamação e fala mal, os homens o atacarão com sua conta de débito para Šamaš. Cuidado com a conversa descuidada, guarde seus lábios; Não pronuncie juramentos solenes enquanto estiver sozinho, Pois o que você disser em um momento o seguirá depois. Mas esforce-se para conter sua fala. Depois de mais mil anos, Ben Sira tem ditos sobre o lado negativo e o lado positivo do assunto. Por exemplo, Sir 20:8: ὁ πλεονάζων λόγῳ βδελυχθήσεται, καὶ ὁ ἐνεξουσιαζόμενος μισηθήσεται. (Quem fala demais será odiado, e quem usurpa a autoridade será odiado) Falando de uma pessoa paciente, ele diz em Sir 1:24, ἕως καιροῦ κρύψει τοὺς λόγους αὐτοῦ, καὶ χείλη πολλ ῶν ἐκδιηγήσεται σύνεσιν αὐτοῦ (Até o momento certo ele retém suas palavras e os lábios de muitos testemunham seu bom senso) Ainda mais tarde, Pirqe Aboth 1:17 provavelmente é baseado neste provérbio (so Toy): 277 Todos os meus dias cresci entre homens sábios e não encontrei nada melhor do que o silêncio ... e quem produz muitas palavras causa pecado ()חטא. Cf. também Pirqe Aboth 3:17:278 Silêncio ( )שחיקהé uma cerca em torno da sabedoria (Rabino Akiba). A cerca torna improvável ou mesmo impossível transgredir a Torá. O topos é tão difundido na literatura judaica que o próprio Mezudat David liga esse fato ao v. 19. Ele explica o provérbio com base nos regulamentos judaicos e, vice-versa, este último com base no provérbio. Olhando para trás de sua própria perspectiva histórica, julga a multiplicidade de proibições judaicas sobre falar para confirmar a visão do provérbio, notadamente que, mais cedo ou mais tarde, palavras excessivas estão fadadas a transgredir pelo menos uma delas. Portanto, não é surpreendente que a opinião de Gerondi sobre a falta de pensar adequadamente sobre o que se diz (cf. acima) seja compartilhada pelo Mezudat David. Rambam (= Maimônides, século XII) divide toda a fala em 277 Pirqe Aboth pertence à literatura didática ( )מוגר dos rabinos e data do período Mishnaico (século II EC). 278 Sobre restrição de fala, cf. também Pirqe Aboth 1:5, 11, 15; 2:5.
158
Tradução e Exegese do Capítulo 10
quatro categorias: proibido, permitido, opcional e virtuoso. No século 19, Malbim assumiu a posição mais cautelosa ao afirmar que mesmo a categoria de fala opcional pode levar ao pecado, razão pela qual é sábio não pronunciar nenhuma palavra além da sabedoria apenas.279 Para uma avaliação abrangente comparável da fala humana , cf. Tg 3:1-12. Na conclusão de seus “Quinze Livros sobre a Trindade”, Agostinho de Hipona (354430)280 faz um uso interessante do provérbio para justificar seu próprio discurso volumoso no livro, talvez também como uma apologia à pregação contínua em geral. Dizendo que está bem ciente da advertência do provérbio de que muito falar levará ao pecado, ele argumenta com uma contra-citação de 2 Tm 4:2 (“Prega a palavra, oportuna ou inoportuna”). Ele faz uma pergunta retórica a Deus, se apenas aquele que se calou sobre a palavra de Deus, desafiando a injunção do Novo Testamento, está de acordo com o provérbio. Insinuando que a resposta deve obviamente ser negativa, sua saída é ainda mais interessante: mesmo que alguém tenha falado continuamente em sermões, ainda não é muito, mas equivale apenas ao que era necessário para as pessoas ouvirem. Portanto, pregar muito é isento de falar muito e, portanto, isento de cair em pecado. (cf., por exemplo, abaixo no v. 22). Em outra linha, este provérbio é usado na Regra de Bento (século VI dC) para substanciar a regulamentação monástica do silêncio e da fala rara: ... conta da punição pelo pecado, deve-se evitar palavras más. Portanto, para uma boa e santa conversa edificante, com base na gravidade da taciturnidade, a licença para falar raramente deve ser dada, mesmo para discípulos perfeitos. Pois está escrito: “Com muito falar não escaparás282 do pecado”, e em outro lugar, “A morte e a vida estão no poder da língua.”283
279
Ginsburg ([1998] 2009, 186). De Trin XV, 28, 51 (NPNF I, 3, 228); cf. também Retr. Prólogo 2 (MPL XXXII, 583), onde ele cita o provérbio (com Mt 12:36, Tg 1:19; 3:1-2) para expressar o quão apavorado ele estava (terret me plurimum!) palavras desnecessárias (cf. a próxima nota). 281 O que parece atraente para um comentário volumoso. Cf. Crisóstomo (c. 347-407) (Instr Cat II, 4 [NPNF I, 9, 168-169]), que aplica a primeira metade do provérbio de maneira comparável, mas diferente: “Se você tem algo útil a dizer , abra os lábios, mas se não for preciso dizer nada, cale-se, porque assim é melhor”. Da mesma forma, Jerome encontra neste provérbio um contrapeso para sua admiração pela eloqüência, que, portanto, não é uma qualidade unilateralmente positiva (Adv Pel III, 1 [NPNF II, 6, 472]). Em uma nota totalmente diferente é o apelo feito ao provérbio por Clemens Alexandrinus (Paed II, 6 [ANF II, 251]), que o cita junto com Sir 20:5, 8 para apoiar a convicção de que o discurso frívolo é tão ruim quanto “falar vergonhoso”, viz. falando sobre maldade que leva a ações perversas (muito parecido com o princípio rabínico de uma cerca ao redor da Torá). Cf. também a “cabeça”, ou curto preceito para abster-se de falar muito, com o qual Cipriano alude a este provérbio (Adv Iud III, 103 [ANF V, 530]). 282 O texto latino aqui não é o da Vulgata, mas o verbo usado é effugere (escapar, na segunda pessoa, correspondente à Septuaginta ἐκφεύξῃ), enquanto a Vulgata usa deesse (estar ausente, terceira pessoa, veja acima). 283 Regula Benedicti, De taciturnitate 6, 2-5. A segunda citação é de Provérbios 18:21. 280
Tradução e Exegese do Capítulo 10
159
10:20 A língua do justo é prata escolhida, o coração do ímpio não vale nada. O provérbio é outro Siebener (4+3), desta vez em sete palavras (onde o v. 19 tem oito palavras). Consiste em duas sentenças nominais284, mas não possui o waw conjuntivo entre elas. No entanto, eles formam um quiasma sintático, no qual os tipos humanos e partes correspondentes do corpo formam o círculo interno e as metáforas que expressam seu valor compõem o círculo externo: sujeito לשון צדיק predicado / metáfora כמעט
predicate / metaphor כסף נבחר subject לב רשעים
Um quiasmo manifesta naturalmente a coesão,285 mas a coesão também é fortalecida por meio do jogo sonoro, neste caso pelo kaph inicial na primeira e na última palavras (assim Waltke, que o chama de “coerência”), bem como pela aliteração de inicial lamed nas primeiras palavras do círculo interno (לשון e) לב. Os elementos contrastantes do paralelismo antitético são o justo :: ímpio e o valor da prata escolhida :: o praticamente sem valor. A prata, como “o metal mais precioso no antigo Israel” (Perdue, mas cf. I Reis 10:21), era tão importante como metal monetário que a palavra passou a significar “dinheiro” per se. Especialmente quando pode ser descrito como “escolha”, ou seja, o melhor que pode ser obtido, o que deve significar prata purificada. Portanto, é bastante compreensível que a Septuaginta pudesse traduzir πεπυρωμένος (purificado pelo fogo), de modo que nada se ganha com a leitura do particípio nifal de בחן, conforme proposto por BHS (não BHQ). Ambos בחן e בחר podem carregar o significado “testado”, isto é, no processo de purificação. o Targum. Bühlmann287 pensa que a ideia de prata purificada tem significado estético, o que é provável se compararmos 3:14f. (cf. 2:4). De qualquer forma, 284
Cf. Luchsinger (2010, 199). Sobre o efeito coesivo do quiasmo, veja a “Nota sobre o quiasmo” no Vol. I, 76-77. Cf. também Ceresco (1978, 1, 2ff.), que fala da “função estruturante” do quiasma, mas considera essa função muito mais flexível do que, por exemplo, Watson (1994, 328ff.) a estrutura, mas também no significado das passagens poéticas hebraicas. 286 Assim, Wildberger chega a propor que as duas raízes são etimologicamente relacionadas (THAT I, 275276). O mesmo significado para ambas as raízes também é atestado por HALOT e KAHAL; assim também Gemser, Plöger e outros. Para “prata escolhida” (“auserlesenes [erwähltes] Silber”, veja as referências de Bühlmann (1976, 39) a Jeremias 8:3; Provérbios 8:10, 19; 16:16; 21:3; 22:1). 287 Bühlmann (1976, 41). 285
160
Tradução e Exegese do Capítulo 10
é claro que uma forma de fala humana é aqui apresentada como algo extremamente precioso,288 o que é reforçado pelo trocadilho descoberto por Van Leeuwen: um lingote de metal fundido e, portanto, purificado também é chamado de “língua” (;לשון ver Josh 7:21, 24). As palavras humanas que podem ser avaliadas tão altamente são aquelas faladas pelos justos ()צדיק. Isso identifica o justo com o sábio e expressa a dimensão religiosa do provérbio. O coração como metonímia para pensar é a antítese da língua como metonímia para falar (cf. o paralelismo entre língua e coração em 16:1; 17:20). Vários comentadores referem-se ao coração como origem dos pensamentos que são enunciados pela língua (algo como conceitos transformados em palavras) para fundamentar o paralelismo entre coração e língua.289 Se a fonte é perversa, também o serão as palavras (cf. 16:23; 23:33). Isso é indubitavelmente correto e pode ainda ser sustentado pela reciprocidade no trabalho no paralelismo (veja abaixo). A categoria humana do (רשעיםmau) mencionada no segundo hemistich é o pólo oposto do (צדיקjusto) no primeiro hemistich. Isso representa uma dimensão religiosa no provérbio. Em sua extensa discussão sobre os dois tipos humanos,290 Hausmann é cético sobre a visão de Schmid de que quem quer que seja chamado צדיקno sentido sapiencial também é צדיקantes de Yahweh.291 Mas ela não é dogmática sobre isso e encontra evidências em Prov. 10ss. que existe uma relação entre o justo e Deus (o Temor do Senhor, 10:27, e encontrar refúgio no nome do Senhor, 18:10). Portanto, ela também considera com Delitzsch, e particularmente Plöger e Meinhold292 se uma convergência (“Annäherungsmöglichkeit”) entre pensamento e linguagem sapiencial e religioso é possível a esse respeito. Ela não nega isso, mas descobre que a Torá mencionada nos ditos e a Lei de Deus não podem ser identificadas uma com a outra. negando a dimensão religiosa em provérbios como os que acabamos de citar (cf. 28:5 e a dimensão religiosa do próximo 28:9). Além disso, os pressupostos religiosos autoevidentes dos sábios baseados na criação também falam por isso. 294 Portanto, eu concordaria que a dimensão religiosa está pelo menos fundamentalmente presente onde os justos e os ímpios são discutidos.
Os pensamentos e, portanto, as palavras dos ímpios são julgados como tendo pouco valor (literalmente “como um pouco/ninharia” [)]כמעט. O paralelismo sugere não apenas uma 288
Então Hausmann (1995, 187, 204) sobre este versículo e v. 19; cf. também Luchsinger (2010, 277). Clifford, Meinhold, Whybray, Fox, Waltke, Yoder, Tuinstra; cf. Senhor 21:26. Mas Hausmann (1995, 63) adverte corretamente que, embora se possam tirar conclusões sobre as respectivas atitudes dos justos e dos ímpios, o quadro apresentado em Provérbios diz respeito mais ao comportamento do que às atitudes dos tipos antropológicos. Cf. também a apresentação matizada de Krüger (2009, 91-106) e o comentário acima no v. 8. 290 Hausmann (1995, 37-66). 291 Schmid (1966, 161); Hausmann (1995, 65). 292 Em seus comentários sobre 28:5. 293 Hausmann (1995, 62), referindo-se a Prov 28:4-5 no contexto de sua discussão sobre צדיק e רשע. 294 Veja a Introdução, Par. 7; também Vol. I, 12-14. 289
Tradução e Exegese do Capítulo 10
161
correspondência entre “língua” e “coração”, mas também uma antítese entre o valor da prata purificada e מעט. O que está claro é que isso denota a inutilidade dos pensamentos expressos pelos ímpios. A expressão não precisa ser uma aposiopese (com um elemento ausente) como pensam Plöger e Tuinstra. O elemento que faltava teria que ser prata (que significa mais ou menos, “vale um pouco de prata”), o que enfraqueceria o contraste (escolha prata :: um pouco de prata). Usado no sentido absoluto, מעט significa “pouco de nada”, ou seja, absolutamente sem valor. Onde está o valor das palavras de prata? Stewart295 observa incidentalmente que é “um símbolo motivacional”. Silver é usado para descrever o discurso justo, como ela diz, e não como resultado obtido ouvindo ou mesmo proferindo discurso justo. À luz das conexões e colocações anteriores ao seguinte provérbio, o valor das palavras de prata não é que elas enriqueçam as pessoas, mas que as guiem. Nos termos do v. 21, eles “pastoram” muitas pessoas. Aqui, o Targum e a Peshitta têm variantes interessantes que podem apontar para um significado concreto e para a possibilidade de que o Targum tenha preservado a leitura original. )מחתא Na Edição Eclética de Provérbios (EE) um significado apropriado para ( מחתאgeralmente vocalizado )מ ֲח ָתא ַ não é dado, mas menciona a tradução de Healey, “deficiência”. significado, bem como ַמ ֲח ָתאII (cinzas), e Levy299 tem ( ְמ ָח ָתא em vez de )מ ֲח ָתא ַ no significado de “folga de metal”. Lido com Healy, seria de fato uma “tradução razoável” do Texto Massorético ( כמעט um pouco de nada). sobra sem valor do processo de fundição.301 A Peshitta pode ter originalmente esta palavra (ÀĀÑã), que mais tarde foi corrompida para Àüã (amargura).302
A força do paralelismo permite reconhecer a presença do motivo da fala no segundo verso (onde não é mencionado) e a presença do coração como origem da boa fala no primeiro (onde também não é mencionado). : 295
Stewart (2016, 118). Então BHQ (nota 39*). 297 Healey (1991, i.l). 298 Jastrow ([1903] 1950 II, s.v.). 299 Levy ([1924] 1963 III, s.v.). 300 Bühlmann (1976, 41): “etwas Minderwertiges” (não apenas algo de menor valor, mas de má qualidade). 301 ַמ ֲח ָתאII em vez de ְמ ָח ָתא também manteria a imagem: as palavras dos justos são prata valiosa, e o coração (receptáculo contendo os pensamentos) dos ímpios seria tão inútil quanto o receptáculo com o restos de cinzas do fogo de fundição. 302 Cfr. EE e as referências ali fornecidas. 296
162
Tradução e Exegese do Capítulo 10
V. 20a fala justa mencionada [coração é fonte de] fala valiosa
:: → ←
V. 20b coração perverso [é fonte de falar sem valor] coração mencionado
A compreensão rabínica do provérbio tem muito em comum com o que encontramos em sua interpretação dos provérbios anteriores sobre a fala. Gerondi toma as palavras refinadas de prata para se referir à repreensão sincera oferecida por uma pessoa sábia e entende כמעט como o “pouco” ou pouco tempo gasto em atendê-lo pelos ímpios (esta interpretação assume uma aposiopesis, viz. um palavra oculta para “tempo”). Na mesma linha, Rashi e mais tarde o Vilna Gaon interpretam o primeiro verso como uma referência à admoestação daqueles que o merecem. O último usa a menção do coração no segundo versículo para fortalecer sua opinião de que um superintendente correto permanece sem culpa se sua repreensão não for bem-sucedida, pois a falha está no coração, o ser mais íntimo dos ímpios. Talvez a interpretação mais interessante de מעט seja oferecida pela Mezudat David, que afirma que o coração dos ímpios não é apenas de pouco valor, mas de fato é pequeno. Uma vez que é a sede da mente, o ímpio mesquinho pode entender apenas um pouco e, portanto, não se beneficia ensinando. Cipriano de Cartago (c. 200-258 EC)303 escolheu este provérbio tanto como a expressão quanto a comprovação do número 103 de 120 “cabeças”, ou seja, resumos necessários para ensinar às pessoas simples os fundamentos de uma vida cristã. No entanto, em uma encíclica para os bispos do norte da África, datada de 356 dC, Atanásio de Alexandria não fez objeção em usar a versão Septuaginta do segundo hemistich para expressar sua convicção de que seus adversários pró-arianos meletianos falhariam em sua oposição a ele. e seus seguidores ortodoxos.304 Visto que ele espera que o imperador ponha fim às atividades de seus adversários, sua citação do v. 20b provavelmente significa: “o coração dos ímpios chegará ao fim”. Isso não é tanto uma exegese do versículo quanto um uso retórico dele baseado na suposição de que seus oponentes são perversos, o que equivale a hereges ímpios preparando o caminho do Anticristo.
10:21 Os lábios do justo apascentam a muitos, mas os insensatos morrem por falta de entendimento. Este é o terceiro provérbio consecutivo de 4+3 unidades rítmicas, indicado como tal pelo massorético maqqeph no meio do segundo hemistich. Considerando que temos uma sentença verbal mais uma nominal no v. 19 e duas sentenças nominais no v. 20, este versículo consiste em duas sentenças verbais completas. Como no verso anterior, a forma singular de (צדיקjusto) é contrastada com um pólo oposto no plural (רשעים no v. 20, אויליםaqui). Isso não é sem importância, uma vez que confirma o contraste idêntico do tipo do homem justo confrontado com todos os ímpios e todos os tolos, bem como o 303
Teste III, 103 (ANF V, 554). Ad Episc Aeg II, 23 (NPNF II, 4, 235). A Septuaginta tem, καρδία δὲ ἀσεβοῦς ἐκλείψει (mas o coração dos ímpios falhará). ἐκλείπω pode significar “falhar”, “chegar ao fim”, mas também “ser inferior”, o que se aproximaria do hebraico כמעט no versículo. 304
Tradução e Exegese do Capítulo 10
163
associação dos ímpios e dos tolos.305 Há também uma ligação com o v. 19. Não apenas a fala em si, mas também um aspecto específico dela, ou seja, que pode ter efeitos opostos, associa vv. 19 e 21. O efeito prejudicial de muitas palavras (v. 19a) é contrabalançado pelo fato de que algumas palavras têm um efeito positivo e nutritivo (v. 21a). Talvez a qualificação das palavras da pessoa justa como prata “escolhida” (v. 20a) contribua para o quadro geral, uma vez que o versículo do meio sugere que a boa fala consiste em apenas algumas palavras selecionadas: más: muitas palavras: boas palavras são as selecionadas. poucos bons: palavras justas
O verbo רעהQal pode ser tanto intransitivo quanto transitivo. No primeiro sentido, significa “ser pastor” ou “pastorear”; no último significa “pastar (um rebanho)”, que inclui vários componentes típicos: conduzir o rebanho, protegê-lo, alimentá-lo e regá-lo.306 O objeto רבים mostra que o verbo aqui é transitivo. Também pode ser usado metaforicamente no sentido de “governar” e, como tal, faz parte da ideologia da realeza do antigo Oriente Próximo. nuances importantes também, viz. liderar (invocado pelo Mezudat David, veja abaixo) e proteger. A metáfora do pastor309 estimula “uma fome de palavras edificantes” (Brown), mas também inculca a vontade de seguir – que é o que um aluno faz (cf. no v. 17a) – e promete proteção. Os tolos, ao contrário, morrem porque carecem de bom senso. No contexto do primeiro hemistich, significa que eles não seguem a orientação sábia, por isso se desviam (cf. no v. 17b) e renunciam à proteção do pastor e aos pastos verdes necessários para sua alimentação. Podem morrer por falta de sustento e/ou pelo perigo que os ultrapassa em caminhos estranhos e desprotegidos (cf. 4:19). No segundo hemisfério é formulado claramente: os tolos morrerão por falta de coração = mente = sentido ()חסר־לב.310 A estrutura pode ser resumida no seguinte esboço: 305
Veja abaixo sobre os tolos sem sentido. Para essas atividades, cf. i.a.: Ezequiel 34:13; Sl 23:2f. (liderar); Ezequiel 34:12, 15; 1 Sm 17:34s. (proteger); Ezequiel 34:13; Sl 23:2f. (alimentar); Gn 22:2; Ex 2:16; Ezequiel 34:19; Sl 23:2 (água). 307 Cfr. 2 Sm 5:2; 7:7s.; Miq 5:1-3; ver também NIDB V, 228-229; RGG4 III, 1347-1349. 308 Brown (2014, 59-60); Stewart (2016, 118) chama isso de “o motivo da saciedade”. 309 Cfr. Luchsinger (2010, 287). 310 Heim (2013, 203) apresenta as opiniões de Fox (2000, 39-40) e Waltke (2004, 115) como totalmente opostas, enquanto a sua própria não é nenhuma das duas, pois ele encontra “a verdade, como tantas vezes, em [sic ] ambos os extremos.” Mas Fox aceita que חסר־לב às vezes envolve imoralidade (cf. 6:32) e Waltke não nega a possibilidade de melhoria para tais pessoas ou que a frase se aproxima do significado de (פתיsimples). Em Pv 10:21 encontramos o tolo (não o insensato) como antítese do justo. Portanto, eles são os mesmos que os ímpios ( )רשעים no 306
164 V. 21a justos falam de nutrição aos cuidados de muitos pastores [evita a morte]
Tradução e Exegese do Capítulo 10 :: → ←
V. 21b tolos sem coração/sensação não entendem [fala sadia] morrem
Embora o primeiro hemistich não mencione a morte, o segundo fornece informações para indicar que a imagem do cuidado do pastor inclui o oposto do motivo explícito da morte no v. 21b. Da mesma forma, não há menção de falar no segundo hemistich, mas o paralelismo indica que a morte dos tolos é devido a não entender (“ter um coração para”) as palavras nutritivas com as quais os justos os ensinam. Enquanto os destinatários das palavras são mencionados em ambos os hemisticos, aqueles que a oferecem (“os justos”) são proeminentes no primeiro e subentendidos no segundo, pois são os que não são ouvidos. Os (רביםmuitos) que se beneficiam de suas palavras devem, portanto, ser sábios (não-)אוילים, bem como justos. Portanto, não é de admirar que algumas autoridades rabínicas incluam os provedores do sustento pastoral entre os beneficiários de suas próprias palavras sábias. Existem algumas questões críticas de texto a serem esclarecidas no versículo. Como frequentemente observado pelos comentaristas, a Septuaginta lê ἐπίσταται ὑψηλά (entenda coisas elevadas) no primeiro hemistich e obviamente lê o hebraico como (ידעוknow). Conseqüentemente, teve que transformar os “muitos” quantitativos em um conceito qualitativo de exaltação. Isso parece ser fortalecido pela Vulgata, que tem erudiunt plurimos (ensinar muitas pessoas), e deve ter lido um verbo hebraico com dalet no Hiphil (trazer a conhecer = ensinar),311 não precisando, portanto, criar um interpretação do hebraico רבים. No segundo hemistich, as vogais de ר־לב ֵ ַבּ ֲח ַס parecem aquelas do particípio Qal status constructus de ( חסרaquele que carece),312 o que não faria sentido com a preposição ב . Portanto, deve ser tomado como uma vocalização alternativa para o estado de construção de ( ח ֶֹסרFox) ou ( ֶח ֶסרBHS). não diga o que falta aos tolos. Uma explicação atraente é oferecida em EE ao apontar que há uma menção extra do coração no final do grego v. 22, enquanto o hebraico não tem nenhuma. Portanto, parece natural supor que o escriba acidentalmente leu o hebraico לב como parte da próxima linha em vez do v. 21. Rashi interpreta o falar pastoral dos justos como sustento literal para muitas pessoas. O mérito dos justos tem tal efeito sobre Deus que ele envia bênçãos agrícolas à terra, o que permite que muitas pessoas forneçam o alimento necessário e sobrevivam. Em contrapartida, Pseudo-Ibn Ezra toma o falar como alimento espiritual, verso anterior (também ali como antítese do justo) e, portanto, moralmente errado. Quando eles morrem, é por falta de coração/mente, mas isso não significa que todos os que não têm coração permanecerão assim permanentemente. 311 So Winton Thomas (1964, 54-57), Tuinstra, EE e outros. 312 Cfr. v. 13 para a mesma forma, porém como o particípio do verbo חסרQal. 313 BHQ e Waltke consideram ambos ח ֶֹסר e ֶח ֶסר como possíveis como o estado absoluto; ambos realmente ocorrem no Antigo Testamento (cf. Dt 28:48, 57 e Pv 28:22; Jó 30:3, respectivamente [KAHAL]).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
165
que ajuda aqueles que o aceitam enquanto os tolos que o rejeitam perecem porque não têm o entendimento necessário. A Mezudat David segue na mesma direção, sugerindo que os justos conduzem muitas pessoas no caminho certo como um pastor faz (veja acima e no v. 17). Aqueles que seguem conseqüentemente se beneficiam, enquanto os tolos renunciam a tal vantagem e morrem como resultado de uma falta de compreensão (da mesma forma Hame'iri). Meinhold cita a observação geral de Rambam de que os tolos são ignorantes e, portanto, não podem nem se aconselhar, razão pela qual a comunidade não deve levá-los a sério. Ralbag argumenta da mesma forma e inclui o líder entre os beneficiários, pois tanto o rebanho quanto o pastor prosperam se o pastoreio for bem feito. A imagem de Jesus como o Bom Pastor na literatura joanina compartilha claramente esses conceitos. No Quarto Evangelho, Jesus é a porta do rebanho, mas também o pastor que conduz seu rebanho, apascenta, salva e protege (João 10:3-6, 11, 16). Cf. também as observações no v. 17 sobre Jesus como o caminho/caminho e mestre, bem como as referências acima à confluência dos motivos caminho/liderança e pastoreio/alimentação. Isso também convergiria com a importância dada na tradição rabínica à ideia de pastorear como liderança (v. 17) e ensino/liderança (v. 21).314
10:22-27 Fortuna, medo e expectativas 22 A bênção do Senhor, isso é o que enriquece, e o trabalho não acrescenta nada a ela. 23 Cometer uma desgraça é como um deleite para um tolo, assim é a sabedoria para um homem com entendimento. 24 O que o ímpio teme, isso acontecerá com ele, mas o que os justos desejam será concedido. 25 Passada a tempestade, o ímpio já não existe, mas o justo é o fundamento duradouro. 26 Como vinagre para os dentes e como fumaça para os olhos, assim é o preguiçoso para aqueles que o enviam. 27 O temor do Senhor aumenta os dias, mas os anos dos ímpios são abreviados. Bíblia. Hausmann 1995, 257-258; Heim 2001, 128-131; 2013, 250; Kruger 1995, 428-430; Scherer 1999, 60-61; Scoralick 1995, 179-180.
Scoralick encontra uma unidade nos vv. 22-27, enquadrado por dois ditos de Javé, porém também contendo uma característica incomum. Ambos começam com o lado positivo de um contraste, enquanto os outros quatro começam negativamente, o que, segundo ela, é incomum. Waltke toma vv. 22-26 juntos, mas considera esses versículos como um subgrupo ao lado dos vv. 27-30 para formar uma unidade com uma forma simétrica: palavra de Javé (v. 22), alegria (vv. 23-24), segurança duradoura (v. 25); seguido 314 Cf. as referências no comentário do v. 17 ao conceito de Jesus como mestre, e a citada contribuição de Van der Watt às imagens relevantes para nós.
166
Tradução e Exegese do Capítulo 10
por outro ditado de Yahweh (v. 27), alegria (vv. 28-29), segurança duradoura (v. 30).315 No entanto, não há lugar para o v. 26 neste esquema. Sua comparação com כ é muito semelhante à do v. 23 para justificar considerar a primeira como parte do padrão e não a segunda. Por esta razão, a demarcação de Scoralick parece preferível. Pode ser substanciado por características de gênero, construções sintáticas, tipo de paralelismo e pela disseminação de palavras de ordem, tudo o que é demais para ignorar ou atribuir à coincidência. O padrão revela uma simetria concêntrica.316 Pode ser esboçado da seguinte forma: 22 יהוהdizendo; יסף 23 כ-comparação; paralelismo “sintético” 24 צדיק – רשע 25 צדיק – רשע 26 כ-comparação; paralelismo “sintético” 27 יהוהdizendo; יסף
Emoldurados como são por dois ditos de Yahweh (um dos quais carrega o conceito-chave do lema do livro [1:7; cf. 9:10]), os dois provérbios צדיק/רשע no centro dificilmente podem ser negaram uma dimensão religiosa, qualquer que seja o seu significado como provérbios independentes. 10:22 A bênção do Senhor é que enriquece, e o trabalho não lhe acrescenta nada. O provérbio continua o padrão de sete tempos dominando os que estão na vizinhança (cf. vv. 15; 17ss.). Composto por duas frases verbais, o provérbio é um quiasma sintático: predicado: תעשיר
subject: ברכת יהוה
subject: עצב
predicate: לא־יוסף
Não é um provérbio antitético normal,317 embora haja um elemento de contraste no fato de que o primeiro hemisfério diz qual é a fonte da riqueza e o segundo diz o que não é. Uma vez que os sujeitos são diferentes nas duas sentenças, o hemistich negativo confirma o positivo ao fornecer 315 Heim (2013, 250; cf. 2001, 126-132) similarmente encontra um agrupamento contendo subgrupos em quase os mesmos versos. Segundo ele, eles são vv. 22-25 e vv. 27-30, enquanto o v. 26 fica entre eles. 316 Krüger (1995, 428) imprime as linhas de uma forma que sugere uma estrutura ABCCBA, mas não fornece uma discussão fundamentada. 317 Fuhs dá a isso o rótulo tradicional de “paralelismo sintético”. Veja abaixo no v. 23 a consideração de Hrushovski sobre os acentos rítmicos como suporte para o paralelismo.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
167
outro ponto de vista a partir do qual a riqueza pode ser considerada. Ao fazer isso, a frase b acrescenta uma dimensão à frase a e, assim, a enriquece, de modo que juntas fazem a mesma afirmação fundamental.318 A maioria dos comentaristas enfatiza que o ditado não afirma a inércia, o que seria contrário à diligência inculcado no v. 4 (Murphy) e muitos outros provérbios, incluindo aqueles que ridicularizam a preguiça (por exemplo, 12:24; 13:4; 15:19; 19:24; 20:4, 13; 21:5, 25; 22: 13; 24:30-34; 26:13-16 etc.). Isso é verdade, mas o provérbio pode ser lido de várias maneiras que precisam ser comparadas umas com as outras. As seguintes são possibilidades: (a) A primeira possibilidade: O sujeito do primeiro hemistich é "bênção" e o sujeito do segundo hemistich é a terceira pessoa do singular masculino da qual Yahweh é o antecedente.319 Então "labutar" deve ser o objeto na segunda frase: A bênção de Javé enriquece e ele (Javé) não acrescenta trabalho à riqueza com a qual abençoou uma pessoa. Assim, Crisóstomo (com base no texto grego), Toy, McKane, Waltke e várias versões em inglês. para ela no coração);321 assim também a Peshitta: Íäï À{Íæ ¿ćà ¿Â¾Ý{ (e a dor não estará com ela); a Vulgata: nec sociabit ei adflictio (e a aflição não se associará a ela). Pode-se objetar que o sujeito feminino no primeiro hemistich seria paralelo a uma terceira pessoa do singular masculino no verbo do segundo. Seu antecedente teria que ser o nomen rectum da construção genitiva, o que criaria um objeto extra (“labutar”) no segundo hemistich e desfaria o paralelismo quiástico. Além disso, a própria noção iria contra um tema bem estabelecido na literatura sapiencial. O piedoso Jó era rico (Jó 1:1-3) e, no entanto, experimentou o acréscimo de muitas dificuldades (Jó 1:13-19), às quais ele reagiu atribuindo tanto a bênção quanto a aflição ao Senhor (Jó 1:21). . Qohelet sabia que ambos os lados da questão são possíveis. Deus pode dar riqueza junto com a capacidade de desfrutá-la (Qoh 5:18), mas também pode negar a capacidade de desfrutá-la. Por exemplo, uma pessoa rica pode experimentar o mesmo destino de Jó (Qoh 5:14, cf. Jó 1:21) e descobrir que nada além de labuta e preocupação segue (Qoh 5:10, 11, 12s.; cf. 6: 1f.). 318 Um pouco como a Roda de Bicicleta de Marcel Duchamp no Museu de Arte Moderna de Nova York. Montada em um banquinho, a roda não é uma repetição do banquinho nem uma antítese dele, mas juntas chamam a atenção para os mesmos aspectos básicos da visão da arte moderna. 319 Alter também toma a terceira pessoa do singular masculino como o sujeito, porém não com Yahweh, mas a terceira pessoa impessoal como sujeito e עצב como objeto (“e não se aumenta a dor por meio dele”), combinando assim características da primeira como bem como as segundas opções discutidas nessas duas opções. 320 Por exemplo, NRSV, NEB, REB, NIV; cf. Bertheau, que critica vários dos primeiros exegetas por escolherem essa opção. 321 Sobre o motivo da adição de καρδία, veja a nota crítica do texto no v. 21.
168
Tradução e Exegese do Capítulo 10
(b) Em segundo lugar, a interpretação que melhor faz justiça ao texto. “Labutar” é de fato o sujeito no segundo hemistich, mas o sufixo feminino singular da terceira pessoa com )עמה( עם só pode se referir à bênção ( )ברכה no primeiro hemistich, que é feminino (Clifford). Portanto a labuta ()עצב deve ser entendida como uma entidade "ao lado dela", ou seja, ao lado da bênção. Vários comentaristas traduzem dessa maneira (cf. Bertheau, Delitzsch e Meinhold [“neben ihm”]). Na minha opinião, isso é a opção correta, já que a preposição עם é usada e não על.322 Mas o ponto discutível é como a labuta agindo ao lado / ao lado de / no ritmo da bênção deve ser interpretada. Fox diz que עם não significa em outro lugar “para” e, portanto, não permite a tradução “acrescentar a isso”. explica isso como "excesso de trabalho", alegando que é chamado de "aceleração" (21:5, cf. 19:2 e 28:20). O que ele chama de "colaboração divino-humana" na verdade significa que Deus abençoa o trabalho pertinente com riqueza, mas não muito trabalho, o que torna o “excesso de trabalho” inútil e ímpio. Isso parece tendencioso, principalmente para fazer com que “labutar” e “acelerar” signifiquem “esforço”, que pode ser interpretado como “excesso de trabalho”. Mas o verbo para “apressar” ( )אוץ em 21:5 é contrastado com planejamento, não com trabalho, e o contraste é entre planejamento cuidadoso e pressa impaciente, não entre trabalho e excesso de trabalho. Em 28:20 o mesmo verbo refere-se a qualquer esquema para enriquecer rapidamente (cf. 1:10-14) e não especificamente ao excesso de trabalho. Além disso, o verbo é qualificado por (להעשיר para ganhar riquezas), o que mostra que o próprio אוץ não tem nada a ver com esforço excessivo. De acordo com Meinhold, Fox e outros,323 o provérbio defende um sinergismo entre Deus e os humanos. Mas se a preposição עם significa “com” e se o antecedente de seu sufixo é a bênção, então o segundo hemistich diz que a labuta humana, considerada como um fenômeno ao lado ou junto com ( )עם bênção, não acrescenta nada; a quê, não é expresso, mas claramente implícito. Se o trabalho humano não acrescenta nada como fonte alternativa de riqueza, não acrescenta riqueza extra à riqueza já concedida pela bênção de Deus. Um esboço pode resumir:
322 Parece-me que Fox também tende nessa direção, embora não cite Meinhold. A diferença entre suas traduções “até” (aceito) e “até” (rejeitado) para עמה é, na melhor das hipóteses, muito marginal. A tradução, “o esforço não acrescenta nada a isso” não esclarece a sutileza de que o trabalho é negado como uma fonte de riqueza “com ele” = ao lado da bênção divina como tal fonte. Em vez disso, sugere que o esforço não agrega valor àquilo que a bênção dá, enquanto Fox parece significar que o esforço em si não é uma fonte adicional como é a bênção. O impulso lógico é o mesmo em ambos os sentidos, mas a preposição עם em vez de על torna a nuance necessária. Pode-se notar que Delitzsch também traduz “neben ihm”, mas que a tradução inglesa de Easton traduz incorretamente “thereto”, assim como Fox. 323 Cfr. também estudiosos anteriores como Skladny (1962, 27, 75) e Schmid (1966, 148); também Vol. eu, 41.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
10:22a 10:22b
fonte bênção divina labuta humana
→ →
169 resultado riqueza: riqueza:
declaração feita afirmada negada
Isso sustenta que somente a bênção divina enriquece e que a labuta humana não. Como tal, diz o oposto de 10:4; 13:4 (Van Leeuwen).324 É claro que os humanos devem trabalhar como esses provérbios sobre diligência e preguiça325 e o frequentemente citado Salmo 127 sustentam, é claro que Deus pode abençoar (Jó 1:10) e confirmar (Salmos 90:17) o trabalho de mãos humanas. Mas isso não significa que Deus precise do trabalho dos humanos com os quais ele pode cooperar para poder abençoá-los. cf. 1:13; 19:14; 28:6), que contradiz tanto o v. 4 quanto o v. 22 e evoca o chamado problema da teodicéia (cf. Sl 37, 49, 73).327 No nível literário, esse problema é evocado pela própria tensão entre os vv. 22 e 4, que é uma expressão da maneira pela qual os sábios procuraram lidar com a tensão fundamental em sua experiência do mundo. O ditado anterior declara tão claramente que o trabalho humano torna alguém rico e o v. 22 o nega tão claramente que a contradição não pode ser negligenciada ou explicada (Krüger, cf. Van Leeuwen). A manutenção de ambos os pólos cria uma esfera na qual eles se mantêm em xeque e cada um mostra onde está o respectivo limite328 do outro. A tensão provocada pelo “exagero característico de muitos provérbios”, como Murphy chama as afirmações categóricas de tais versos,329 traz 324
O mesmo vale para aqueles provérbios onde o fracasso é exposto como consequência da preguiça (cf. 6:10s.; 19:15; 20:4) e para aqueles onde o trabalho é elogiado como fonte de riqueza; cf. especialmente 14:23a, onde é expressamente dito que “há lucro em todo trabalho” ()בכל עצב יהיה מותר. Em todas as acusações, as afirmações de Pilch (2016, 217-218), que afirma que “[o] lucro e a aquisição de riqueza foram automaticamente assumidos como resultado de extorsão ou fraude” e “[a] noção de um homem rico honesto na antiguidade era um oxímoro”, são evidentemente inválidos para o Livro de Provérbios (na seção de comentários de seu livro, Pilch pula Prov 10:22). Parece-me que a tese sociológica do “bem limitado” é lida em seus exemplos, em vez de examinar se pode ou não ser aduzida como evidência para a tese. Cf. as notas acima no v. 4. 325 Whybray chama o provérbio de uma “correção” e uma “reinterpretação teológica” do v. 4b. Cf. Sandoval (2006, 134-141) sobre o valor da diligência no que ele chama de “discurso das virtudes da sabedoria”, ou seja, que o ouvinte dos ditos “está sendo estimulado retoricamente a uma vida de atividades laboriosas”. Uma vez que um ditado como 10:22 preferiria minar esse tipo de retórica didática, não é utilizável em tal discurso e, portanto, não surpreendentemente, não discutido por Sandoval. 326 Da mesma forma Krüger (1995, 429) na crítica de Meinhold. Isso é destacado pelo casus pendens com היא no primeiro hemistich: “A bênção de Javé – isso (e nada mais) é o que enriquece;” assim também Wildeboer, Hausmann (1995, 258) e Fuhs. Um exemplo pertinente de “qualquer outra coisa” é o fato de que nem mesmo o trabalho mais árduo enriquece. 327 Sobre esta questão, cf. Carregador (2001a, 3-23). 328 Da mesma forma Hausmann (1995, 258), Yoder; Tuinstra, seguindo Delitzsch, chama o v. 22 de primeira parte e o v. 4 de segunda parte do lema, Ora et labora. 329 Cfr. o exemplo clássico de provérbios contraditórios em 26:4-5.
170
Tradução e Exegese do Capítulo 10
sobre um equilíbrio no contexto social e certamente literário dentro do qual eles funcionam, de modo que nenhum deles seja diluído e ambos testemunhem os limites da sabedoria humana. O trabalho é recompensado com riqueza – essa é uma expressão do nexo ação-consequência, a posição padrão dos sábios. Mas essa não é a história toda. Os sábios também estavam cientes de que a realidade é muito complexa para confinar a uma fórmula. Precisamente porque a situação “normal” é impensável sem Deus, o Criador da ordem, ela não pode ser sintetizada em um único ditado. Portanto, nenhum dos pólos opostos contém a realidade completa.330 Acho que isso deve ser reconhecido como um aspecto importante da feliz ideia de Brown sobre a "maravilha da sabedoria".331 Várias autoridades rabínicas tentam fundir a atividade divina e humana em sua explicação do provérbio, enquanto outros o espiritualizam. A primeira dessas opções é representada por Pseudo-Ibn Ezra, que diz que o significado é: “A bênção que vem de Deus para alguém por causa de seu destino ()על פי מזלו ou por causa de suas boas obras ()על פי מעשיו הטבים, isto é ( )היא o que torna um homem rico.” Hame'iri declara que a bênção de Deus é "a força para produzir riqueza" ()כח לעשות חיל, ou seja, para que os humanos possam trabalhar com o que Deus fez primeiro. Nahmias relaciona a bênção ao caráter de uma pessoa justa, cuja bênção é tão grande que mesmo possuir pouco não tem importância para ele. Portanto, a bênção imaterial é riqueza real. Um século antes, Gerondi também havia usado o motivo do destino, mas o fez precisamente para rejeitar o sinergismo entre Deus e os humanos. Aqueles destinados a receber riqueza, não irão ruminar ou agonizar sobre isso, enquanto aqueles cujo destino é a pobreza, não serão capazes de sair dela em nenhum caso. No entanto, se alguém for justo, aceitará qualquer um dos lotes e não se importará com isso. A segunda linha de interpretação é apresentada pelo Vilna Gaon, para quem a bênção se refere à riqueza adquirida pelo aprendizado da Torá. O final do provérbio significa que aqueles abençoados pela riqueza da Torá não experimentam nenhum esforço para aprendê-la. Isso é uma reminiscência da visão do sábado avançada no Midrash Rabbah,332 onde Prov 10:22 é aplicado à bênção de Deus sobre o sábado em Gênesis 2:3. Experimentar o sábado é experimentar riqueza, pois o sábado foi abençoado com mais comida do céu (maná) do que os dias da semana, enquanto a última parte do provérbio é aplicada à ausência de tristeza ()עצב, que não pode ser expressa no sábado.333 A nota expositiva sobre este versículo no comentário fragmentário tipo catena sobre Provérbios de Orígenes (185-254 dC)334 chega bem perto da posição que o Vilna Gaon mais tarde assumiria. Ele começa com o pronome feminino e verbo ()היא תעשיר, que ele traduz literalmente (Αὔτη πλουτίζει). O argumento é: se a bênção do Senhor enriquece, então “aqueles que andam na Lei do Senhor” (οἱ δὲ πορευόμενοι εν νόμῳ Κυρίου) são ricos, pois são eles que são abençoados. Permanecer na Lei, portanto, “claramente” (ἄρα) significa riqueza espiritual.
330
Millar (2020, 215) chama isso de “uma visão fragmentária da realidade”. Brown (2014, passim). Para uma discussão sobre o assunto, veja o Ensaio 4 no Vol. I, 39-46. 332 Veja Ber Rab 11,1-2. 333 O Midrash, portanto, refere-se à bênção material, bem como à tranquilidade interior, que é também o que o próprio Ginsburg (1998, 188) aceita. 334 MPG 13, 31-32. 331
Tradução e Exegese do Capítulo 10
171
Melanchthon comenta longamente o primeiro hemistich. Segundo ele, a doação de riqueza material é atribuída a Deus por quatro razões, viz. para nos ensinar sobre a providência de Deus, para ensinar as pessoas a invocar a Deus com fé e esperança, que a fé nas coisas espirituais deve ter precedência também nas orações pelas coisas mundanas e, finalmente, para que a igreja possa servir a Deus nesta vida sem sofrendo de desespero. Estas são, portanto, as razões pelas quais mesmo o grande trabalho humano não pode ser de nenhuma ajuda adicional (segundo hemisfério). Ele não oferece uma exposição exegética da primeira metade, mas fornece suas convicções sistemáticas sobre a providência como base para as Escrituras dizerem tal coisa, e depois lê a segunda metade como confirmação dessas convicções. Nesse sentido, pode-se dizer que ele leu o primeiro hemistich sob o impacto do segundo, mas na verdade ele lê ambos sob o impacto do que ele acredita ser o ensino bíblico geral sobre o assunto. Isso pode ser entendido no contexto da teologia da Reforma, que afirma que a Escritura é seu próprio intérprete (Scriptura sui ipsius interpres).
10:23 Cometer uma desgraça é como um deleite para um tolo, assim é a sabedoria para um homem com entendimento. A sintaxe do provérbio 4+3 pode ser mapeada de diferentes maneiras. Em todo caso, é, como o verso anterior, um exemplo de como pode ser difícil classificar tal ditado como “sintético”, “antitético” ou “sinônimo”. O versículo pode ser lido como duas frases com uma construção comparativa apenas na primeira. Ou pode ser lido como uma sentença que consiste em uma construção comparativa na qual tanto a prótase quanto a apódose dependem da partícula כ.335 Em terceiro lugar, pode ser lida como duas sentenças independentes. Assim: • Tomada como duas sentenças, a cláusula כ compreende a frase verbal do verso a. וחכמה לאיש תבונה Pred
Assunto
עשות זמה
כ שחוק לכסיל
Assunto Pred
Cometer uma desgraça é como ( )כ uma questão de riso para um tolo / assim é a sabedoria para um homem de entendimento • Tomada como uma sentença, a construção כ determina os versos a e b. ו חכמה לאיש תבונה
עשות זמה
כ שחוק לכסיל
Assim como ( )כ cometer uma desgraça é motivo de riso para um tolo, a sabedoria é para um homem de entendimento. alguns manuscritos hebraicos de Kennicott e De Rossi. Conforme apontado no BHQ, isso só pode ser um erro, pois é seguido diretamente pela preposição ל.
172
Tradução e Exegese do Capítulo 10
• A terceira possibilidade é aceitar com o Targum e a Peshitta que temos duas sentenças no verso, mas que a segunda não carrega um שחוק elíptico. Então o hebraico poderia ser traduzido: É como uma piada para um tolo cometer uma desgraça, / mas a sabedoria pertence a um homem compreensivo.336
A última opção foi proposta por Plöger, que reconhece um contraste nas duas metades do verso. É gramaticalmente possível, mas enfraqueceria o paralelismo, já que possuir algo não é uma antítese adequada para brincar com outra coisa. Há de fato um contraste claro entre “tolo” e “homem de entendimento”, mas também entre vilania vergonhosa como uma questão de prazer para um tipo e sabedoria que dá prazer337 para o outro tipo. Além disso, mesmo na submissão de Plöger, a força do paralelismo obrigaria o leitor a considerar a influência recíproca dos dois hemistíquios à luz um do outro e acabaria ligando seus conteúdos estilisticamente, se não sintaticamente. No que diz respeito a isso, justifica-se chamar o provérbio de “antitético”, como sugerido por comentaristas que iniciam sua tradução do segundo hemistich com “mas” (Murphy, Fox, Waltke; também Toy338). No entanto, o ponto como um todo, seja lido como uma ou duas frases, é também uma “síntese” de ambos os hemísticos, uma vez que o primeiro se completa no segundo. Estilisticamente, a unidade do provérbio também é indicada pela organização quiasmática de predicado-sujeito :: sujeito-predicado. Além disso, é útil considerar a observação de Hrushovski sobre a força de suporte das principais tensões no paralelismo. Ele diz: “O ritmo dos acentos maiores é tão forte que às vezes pode ser o único suporte do paralelismo de dois versos, sem qualquer repetição real de significado ou sintaxe”. conexão, de modo que o efeito reconhecidamente subjetivo de um forte Siebener sapiencial poderia acrescentar uma consideração adicional, mas o efeito integrador do padrão de acentuação parece ainda mais forte no verso anterior (ver acima). Prefiro, portanto, a segunda opção apontada acima, que entende o provérbio como um símile (comparação abertamente expressa). O tolo faz um jogo frívolo de cometer atos vilões. Ambos שחק e זמה têm significados genéricos e mais específicos. זמה pode significar uma intenção (21:27; 24:9 – em ambos os casos com um valor desfavorável) e pode até ser 336 Targum: “Quando o tolo ri, ele inventa negócios, mas a sabedoria é para o homem de entendimento. ” Peshitta: “Quando um tolo ri, ele faz o mal, mas a sabedoria fornece ao homem seu entendimento.” 337 O infinitivo שחוקestá presente de forma elíptica no segundo hemistich (Van Leeuwen), “lacuna” (Waltke); comentaristas que não se referem expressamente a ela, em sua maioria, aceitam as reticências implicitamente. 338 No entanto, Toy ajuda a antítese lendo (תעבהabominação) em vez de;חכמהcf. A objeção de BHS e Waltke por motivos críticos de texto. 339 Hrushovski (2007, 599).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
173
associado com assassinato (Os 6:9). Mas muitas vezes tem uma conotação sexual mais específica e significa lascívia ou luxúria, especialmente com o verbo (עשהso Fox, cf. Juízes 20:6; Ezequiel 16:43). O verbo שחק é um derivado de צחק340 e no Qal pode significar “rir”, “brincadeira”, “brincadeira” ou “divertir” (Jz 16:25 [duas vezes, com ambos ש e ) ]צ, e, como aqui, o infinitivo é usado como um substantivo que significa “riso”, “diversão” ou “motivo de chacota” (14:13; Qoh 2:2; 7:3, 6). A raiz também é usada com conotações sexuais (Gn 26:8), o que combinaria bem com זמה e as alusões eróticas na literatura sapiencial (cf. 4:6, 8; 8:17, 21;). Então o tolo se diverte frívolamente ao flertar com ações vergonhosas, sexuais e outras. (Ploger). A presença elíptica de שחוקno segundo hemistich é explicável tanto em termos linguísticos quanto poéticos. Primeiro, sob o impacto do paralelismo, o homem sensato experimenta alegria na sabedoria. Em segundo lugar, o contraste do paralelismo significa que este é um deleite sério, o que é de se esperar se a própria Sabedoria pode trazer deleite a Deus, aos humanos e a si mesma (8:30s).343 É uma experiência semelhante à alegria do salmista no Torá (Sl 119:14, 24, 35, 47f., 143, 162 e passim) e o conceito judaico de experimentar alegria no estudo da Torá, שמחת תורה. O que dá alegria às pessoas diz muito sobre seu caráter (assim dizem Clifford e Van Leeuwen344). Embora existam vários pontos de vista entre os rabinos sobre o significado de זמה, a maioria concorda com o significado geral de שחוק. Rashi e Ramaq, bem como o Mezudat David e o Vilna Gaon, interpretam o motivo do riso para indicar que é fácil para o tolo cometer ações vergonhosas, enquanto é fácil para uma pessoa sensata ser sábia. Isso é explicado por Malbim como resultado de hábitos. Visto que os tolos habitualmente cometem vilania, eles ficam tão acostumados a isso que ela os atinge fácil e rapidamente. 340
A raiz semítica é *ḍḥq (em acadiano ṣiāḫu); ver KAHAL, HALOT et al. s.v. Deixando o v. 23b sem comentários, Crisóstomo considera a risada do primeiro hemistich “uma estupidez”, o que duplica o problema esperado do “negócio arriscado” do pecado. 342 Orígenes (MPG 13, 31-32) interpreta o segundo hemistich diferentemente. Ele não vê reticências e considera a “sabedoria” como o sujeito e a “compreensão” como o objeto de uma frase independente: “Mas a sabedoria dá à luz a compreensão no homem, que é a virtude prática” ν ). 343 Veja o comentário sobre 8:30bc-31 no vol. I, 360-361. 344 Cfr. 2:14; 15:21; 26:19; Van Leeuwen considera esse princípio um “tema básico” relacionado a indivíduos, grupos e sociedades em Pv 1-9 e também na Cidade de Deus de Agostinho, mas não dá exemplos. Para ele, o “esporte” das pessoas e das culturas revela seus personagens da mesma forma que o “amor primário”. Eu concordaria na medida em que a metáfora do amor por Sabedoria ou Loucura em Pv 1-9 determina o caráter dos respectivos alunos. Pode-se dizer também da sintonia básica da vontade humana para com Deus e o amor dos membros da “cidade de Deus”, ou da “combinação das vontades humanas” para consigo mesmos e o poder dos membros da “cidade terrena” que seguir o caminho de Caim (Civ Dei XV,7 [NPNF II, 2, 288-289; XIX,17 [NPNF II, 2, 412]). No entanto, até onde posso ver, Agostinho não substancia essas ideias com o Livro de Provérbios, exceto talvez muito indiretamente, usando Provérbios 18:12 para afirmar que o pecado de Adão foi precedido por um desejo perverso, viz. orgulho (Civ Dei XIV,13 [NPNF I, 2, 274]). 341
174
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Da mesma forma, as pessoas sensatas são tão frequentemente ocupadas pela sabedoria que ela também molda seu caráter na medida em que se torna um modo de vida natural e direto. Quanto ao vício chamado זמה, Pseudo-Ibn Ezra refere-se a Lv 18:17, onde a palavra é usada para nomear relações sexuais ilícitas, que para ele é o que significa aqui (veja a discussão acima e a referência a Fox) .345 A mesma visão é desenvolvida pelo Vilna Gaon, uma vez que a depravação moral facilita a degeneração da brincadeira despreocupada para a libertinagem.
10:24 O que o ímpio teme, isso acontecerá com ele, mas o que os justos desejam será concedido. O provérbio é um paralelismo antitético direto, novamente organizado como quatro tempos em quatro palavras mais três tempos em três palavras. Há uma questão de texto crítico em relação à última palavra. יתן pode ser lido יִ ֵתּן como está no Texto Massorético,346 ou יֻתּן ַ conforme proposto por Hitzig.347 Alguns não desejam escolher (por exemplo, Whybray) ou hesitam (por exemplo, McKane e Tuinstra) . As versões aramaica e siríaca têm formas passivas, mas isso não necessariamente testemunha uma forma verbal passiva, uma vez que o Qal imperfeito ativo pode ser entendido como indefinido,348 o que equivale ao uso passivo, ou como impessoal, que pode ser traduzido como “haverá ser” (como o alemão “es wird geben”, portanto Wildeboer). (então Clifford). De qualquer forma, mudar o apontamento faria pouca diferença no significado. Tomado como passivo, o referente implícito seria entendido como Javé, mencionado no v. 22. Se entendido como uma construção indefinida ou impessoal, a implicação seria também que Deus é a fonte da realização do desejo (cf. a mesma referência implícita a Deus em 13:21b). Uma tradução passiva pode, portanto, ser usada para tornar a terceira pessoa indefinida do masculino singular sem ter que mudar as vogais. O pavor dos ímpios ( )מגורת רשע é um genitivo subjetivo, ou seja, refere-se ao pavor sentido pelos ímpios. Toda a construção genitiva é, por sua vez, o sujeito do verbo ( תבואנוvenha, venha) e o pronominal 345 Pseudo-Ibn Ezra parece tomar שחוק como uma piada no sentido de uma ninharia, que chegaria perto de a facilidade de que falam os outros comentaristas. 346 So Schultens, Delitzsch, Wildeboer, Waltke, Fox, Alter, Sæbø, cf. QB. 347 So Toy, Oesterley, Gemser, Ringgren, Scott, Plöger, Meinhold, Murphy, Clifford, cf. BHS. 348 Então Waltke; veja GKC 144d; IBHS 4.4.2; cf. Jó 37:10. 349 Ver GKC 144b; IBHS 22.7. 350 Targum: ;תתיהבPeshitta: uÍÙĀã; Vulgata: dabitur; Septuaginta: δεκτή (é aceitável) – veja abaixo.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
175
o sufixo terceira pessoa do singular masculino refere-se ao ímpio, que agora se torna o objeto. As duas partes da frase são claramente marcadas por outro casus pendens com (היאcf. v. 22), que dá ênfase: aquilo de que o ímpio tem medo - exatamente isso virá sobre ele. Então: O casus pendens subject: os ímpios
→ objeto: o pavor [experimentado por ele]
Todo o verso sujeito: [manifestação concreta de] o temor → objeto: o referente perverso do sufixo
Um ponto discutível é o que esse pavor implica. É um medo interior ou dor de consciência (Waltke) ou medo “em um sentido objetivo” (Clifford)? Em outras palavras, refere-se à própria emoção ou a um fenômeno externo que instala o medo nos perversos? Uma vez que há ampla evidência no contexto imediato (v. 23) e em outros lugares (1:10-14; 4:16-17, assim Meinhold) que os ímpios muitas vezes praticam sua vilania sem serem perturbados por ansiedade ou dores de consciência, o significado deve ser que nem sua consciência nem qualquer preocupação com a punição (McKane), mas a própria punição virá sobre eles. Ou seja, a ocorrência real do que eles considerariam uma catástrofe se acontecesse, ocorrerá às suas custas (o imperfeito refere-se ao futuro [Vilna Gaon]).351 Essa foi a experiência de Jó, que descobriu que aquilo que ele temia, não o medo que ele já sentia, realmente veio sobre ele (Jó 3:25). Em contraste, aquilo que os justos desejam será concedido a eles. O estreito paralelismo antitético é talvez o sinal mais claro de que o primeiro hemistich não deve ser interpretado como referindo-se à emoção interna do medo, uma vez que no segundo hemistich a recompensa dos justos não pode ser que eles continuem a desejar. Isso implicaria um desejo não realizado, o que é o oposto do que diz o provérbio.352 Portanto, a simetria dos dois lados antitéticos realmente sugere que a retribuição ocorrerá “de acordo com a justiça poética” (Clifford).
351 Fox refere-se a 1:27a; em 1:26-27 o terror e a calamidade são agrupados em um padrão quiástico de calamidade ()אד, pânico ( ;)פחדpânico ()פחד, calamidade ( ;)אדcf. 1:26-27; vol. I, 97 e abaixo no v. 25. Isso também é combinado com o motivo de uma tempestade como metáfora da calamidade real, que também segue diretamente em 10:25, onde o substantivo סופה é usado novamente. Em ambos os casos, a devida simetria do nexo ação-consequência é aludida. Uma confirmação clara é fornecida por Isaías 66:4: ( ומגורתם אביא להם e do que eles têm medo, trarei sobre eles), onde o sufixo em מגורתם deve implicar que eles já têm medo, cujo conteúdo serão trazidos sobre eles por Deus em algum momento no futuro. 352 Na descrição do martírio de Inácio (século II), o v. 24b é citado para ilustrar o cumprimento do desejo de martírio com base bíblica. Inácio havia manifestado o desejo de morrer como mártir, o que se cumpriu “segundo o que está escrito” quando foi lançado às feras (Mart Ign VI, ANF I, 131).
176
Tradução e Exegese do Capítulo 10
O Codex Alexandrinus da Septuaginta acrescenta expansões a ambos os hemistichs,353 de modo que resultam dois stichs completos de dois versos cada. ἐν ἀπωλείᾳ ἀσεβὴς περιφέρεται δουλεύσει δὲ ἄφρων φρονίμῳ ἐπιθυμία δὲ δικαίο υ δεκτή καρδία δὲ ἀσεβοῦς ἐκλείψει (Na destruição o ímpio vagueia e o tolo servirá ao prudente. O desejo do justo é aceitável, mas o coração do ímpio desfalecerá.) O O primeiro dos pontos recém-formados ilustra a dificuldade dos esforços para manter distinções estanques entre os tipos de paralelismo. A primeira linha do v. 24 na versão alexandrina é agora um assim chamado paralelismo “sintético” na medida em que o segundo hemistich completa o primeiro. Mas há também um elemento “sinônimo” em que se repete a desgraça do perverso/tolo. Da mesma forma, há um elemento “antitético” em que se expressa o contraste entre as fortunas dos ímpios/tolos e dos sábios/prudentes. O segundo ponto novo é um ditado antitético direto. Além disso, mostra também o dinamismo de um texto proverbial (assim EE), mesmo no processo de transmissão dentro da tradição grega. Os provérbios podem ser modificados, combinados e transformados em novos. A Peshitta também se desvia fortemente do Texto Massorético: ÇðÙĀã ¿Ù˾ćà ¿ćàÎï uÍÙ ¿úÙxÏà ÁüÃé{ (O pecador é arrastado para a destruição, mas a esperança é dada ao justo.) A Peshitta depende da Septuaginta na primeira metade, e no segundo lê o hebraico como יֻ ַתּן ou o entende como um Qal indefinido (como o Targum e a Vulgata, veja acima). Mas o motivo da esperança é uma contribuição original. Weitzman354 apontou que a Peshitta dos Provérbios frequentemente introduz essa ideia onde ela não é expressa no hebraico. No contexto, tem a capacidade de amenizar o problema de que os ímpios às vezes têm prazer em sua vilania (v. 23a) e que a bênção de Javé (v. 22a) nem sempre é aparente na realidade cotidiana. A ideia de esperança ofereceria pelo menos material para refletir sobre as discrepâncias.
De acordo com Waltke, “[t]esse verso nuança v. 23.” No provérbio anterior foi dito que os ímpios se divertem fazendo coisas perversas, mas a antítese nesse versículo não faz menção das devidas recompensas para os justos/sábios. Portanto, ambos os lados da equação são abordados no v. 24. O ímpio pode ter prazer enquanto pratica o mal, mas o castigo virá (v. 24a). Por outro lado, o homem de discernimento será totalmente recompensado por sua sabedoria quando 353 O primeiro, expandindo o v. 24a, repete 11:29b; a segunda, que vem depois do v. 24b, repete 10:20b. 354 Weitzman (1999, 224); veja 2:7; 8:21; 11:3; 13:12 (neste último caso a ideia de esperança está presente no hebraico, mas interpretada e ampliada na Peshitta); cf. também E.E.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
177
todos os seus desejos são satisfeitos (v. 24b). Na minha opinião, isso está correto, embora deva ser apontado que as conexões entre os vv. 24 e 25 são ainda mais fortes a esse respeito,355 de modo que a justiça poética se torna ainda mais clara quando consideramos a questão com o v. 25 em mente também (veja abaixo, especialmente nos v. 25b e )עולם. Meinhold cita a interpretação de Rashi do provérbio por meio da história da Torre de Babel. Os habitantes locais queriam construir uma torre até o céu porque temiam que fossem espalhados por toda a terra (Gn 11:4). Exatamente isso aconteceu com eles (Gn 11:9). Uma vez que eles estavam cheios de arrogância porque queriam “fazer um nome” para si mesmos, a coisa exata que eles temiam veio sobre eles. Deus agora não incutiu neles um medo que eles teriam se tivessem considerado a conexão ação-consequência (o que evidentemente não fizeram), mas o conteúdo de seu medo é o que aconteceu. Uma vez que o mesmo pode ser assumido no v. 24 (cf. também a tempestade no v. 25a, que os ímpios certamente não contemplaram enquanto praticavam o mal de qualquer maneira), o exemplo de Rashi não precisa ser amenizado como Meinhold sugere. O Vilna Gaon é da opinião de que os ímpios temem os efeitos de seus próprios pecados. Isso significaria que eles pelo menos sabem que existe uma conexão entre más ações e punição, o que, por sua vez, sugere que eles admitem que estão errados. Ele desenvolve ainda mais o pensamento do provérbio enfatizando o tempo futuro (veja acima) e transferindo a recompensa para o mundo vindouro – que cuida do problema da teodicéia. Na mesma linha, o Vilna Gaon infere do provérbio que a recompensa será ilimitada porque é dada pelo próprio Deus infinito e, portanto, excede aquilo que as próprias ações podem alcançar. Malbim equilibra os dois lados da antítese ao interpretar a primeira metade como significando que os ímpios não podem planejar nenhum plano para escapar de sua punição, enquanto os justos não terão que fazer nada para receber sua recompensa além de pensar nisso. No entanto, isso ainda pressupõe as boas ações que eles devem fazer para serem justos. Pseudo-Ibn Ezra pensa que o desejo dos justos é destruir os ímpios ()להשמיד הרשעים, que é o que Deus lhes concederá. O uso do provérbio pelo místico espanhol, São João da Cruz (1542-1591), vai na direção oposta, mas contém um grau de semelhança com o Vilna Gaon, a quem ele antecipou em dois séculos. Em suas notas expositivas da “Subida ao Monte Carmelo”356, ele aborda o problema das promessas divinas que não se vêem cumpridas. Como o Vilna Gaon, ele explica a discrepância como apenas aparente, mas faz isso à sua maneira. Ele usa textos da Sagrada Escritura para argumentar que tais promessas são de fato cumpridas, embora não como os humanos esperariam, uma vez que são adiadas para o além. Como prova, ele usa Pv 10:24b em conjunto com Sl 9:17a. O provérbio diz, desiderium suum iustis dabitur (ao justo o seu desejo será concedido), e o salmo diz, desiderium pauperum exaudivit Dominus (o Senhor concedeu aos pobres o seu desejo). Se, então, os justos descobrem no final de sua vida que a promessa do provérbio permaneceu não cumprida, então o tempo futuro da promessa e o tempo passado do salmo juntos mostram que agora foi “cumprido perfeitamente no próximo vida” (que começou para os fiéis [= pobres]357 em questão). 355
O mesmo vale para as ligações entre os vv. 23 e 26 (ver esquema acima). Asc Carm II,19, 13 (ver Carrigan 2010, 86). 357 Como monge, João provavelmente teria entendido a piedade da pobreza, mas aqui a referência se ajusta ao fato de que todos os que morrem sem o cumprimento das promessas feitas a eles podem ser vistos como “pobres”. 356
178
Tradução e Exegese do Capítulo 10
10:25 Passada a tempestade, o ímpio já não existe, mas o justo é o fundamento duradouro. Ainda outro provérbio 4+3 segue. Consiste em duas sentenças nominais antitéticas. Segundo Meinhold, o ditado forma um par com o v. 24, que é entendido de maneira semelhante por outros (por exemplo, Plöger, Whybray, Van Leeuwen, Waltke e Schipper358). Em sua posição atual, eles não estão apenas ligados pelas palavras de ordem צדיק – רשע nessa ordem, mas também pelo tema, que é o “cumprimento” do que o leitor do v. 24 pode esperar (Plöger) ou pelo fato que descrevem “mais explicitamente” o pavor e o desejo do verso anterior (Whybray). Assim, os dois pontos se influenciam mutuamente, mas também os hemistíquios do v. 25 têm um efeito prospectivo e retrospectivo dentro do provérbio. A sintaxe e o tema, bem como os motivos usados, ajudam o leitor a entender os dois hemistíquios em termos um do outro. Um outro argumento literário para a coerência dos dois provérbios é que vários de seus motivos também estão associados entre si em uma passagem do discurso da Senhora Sabedoria aos tolos (1:26-27), onde as mesmas ideias de 10:24- 25 ocorrem.359 Como observa Waltke, a cláusula temporal com כ no primeiro hemistich não tem contraparte no segundo hemistich, o que significa que modifica ambos os hemistichs (de forma semelhante Sæbø). Portanto, a tempestade engole a todos, tanto os ímpios quanto os justos. A tempestade em si é um fenômeno natural neutro e não uma punição. No entanto, as atitudes/ações perversas de algumas pessoas as tornam suscetíveis ao seu poder destrutivo e a retidão de outras as torna imunes ao mesmo poder,360 de modo que se torna uma punição para alguns, mas não para outros. Desta forma, a metáfora incompleta do motivo da tempestade é transportada para o segundo hemistich e, da mesma forma, o motivo arquitetônico é transportado de volta para o primeiro hemistich: 358 Toy não diz isso explicitamente, mas seu agrupamento das linhas como o que eu chamaria de dístico e seu layout em seu comentário apontam na mesma direção. 359 Os motivos são medo, catástrofe e tempestade (סופהbem como)שואה, e o ponto permanece válido independentemente da decisão sobre um objetivo ou um genitivo subjetivo em 1:27 (cf. Vol. I, 97- 98). Fox pensa que a ameaça da Senhora Sabedoria (1:16-27) foi “provavelmente” derivada de 10:24-25. Cf. a nota acima sobre a comparação do v. 24 com 1:26-27. 360 Em todo o antigo Oriente Próximo, a tempestade é uma metáfora para vários tipos de catástrofe, por ex. 1:27 (então Schipper); cf. Is 28:18 (Fuhs). É uma forte metáfora para a destruição militar na Lamentação sobre a Destruição de Ur (ANET, 455-463) e aparece em vários anais reais da Mesopotâmia, como Esarhaddon (Syrian Campaign II, ANET, 291), Senaqueribe (v, 58-60 , 57-77; vi, 3-5; Luckenbill [1924, 41, 44f.]) e Assurbanipal (ANET, 297, 300); provavelmente também na literatura ugarítica, como o Krt Epic (KTU 1.14, II, 39-40; IV, 17-18 [kmyr, “como uma tempestade de areia” ou km yr “como uma tempestade”?]; ANET, 143s.); cf. Tsumura (2005, 184-185); vice-versa, para ação militar como metáfora para tempestades na Epopeia de Gilgamesh, ver Tsumura (2005, 187); Schipper cita Amenemope 3,15 como um exemplo do uso metafórico do motivo (“uma tempestade de palavras”).
Tradução e Exegese do Capítulo 10 V. 25a quando a tempestade passou ímpios [+ fundação de sua casa] se foi
→ ←
179 V. 25b [quando a tempestade passou] o justo prova ser um alicerce duradouro da casa
A imagem de uma tempestade varrendo o ímpio junto com sua casa ocorre também em Jó 27:13-23. Várias das palavras nesta passagem também são as mesmas que em Pv 10:25 (o [רשעv. 13] é varrido por um [סופהv. 20] de modo que ele “não existe mais” [v 19,]איננו, enquanto o [צדיקv. 17] é favorecido). Na passagem de Jó, o motivo arquitetônico é representado pelo mais comum (ביתJó 27:18) e pelo substantivo de uma cabana frágil ()סכהconstruída por um mero inseto (עש361), que contrasta fortemente com a fundação sólida ( )יסוד no provérbio, enquanto a velocidade com que os ímpios desaparecem na inexistência (vv.19-20) é tão clara nas palavras de Jó quanto no provérbio.362 Tudo isso não nos autoriza a especular sobre a dependência literária de uma forma ou de outra, mas mostra que o complexo de motivos e palavras que compõem o tema era bem conhecido. O homem justo “é” uma fundação sólida, que, em virtude da influência recíproca dos versos paralelos, significa que o ímpio também é pensado em termos arquitetônicos, ou seja, como uma estrutura frágil como a mencionada em Jó 27:18 . Se um “é” um edifício frágil e o outro um edifício robusto,363 também poderia sugerir o que esses dois tipos significam para os outros “em sua casa” ou esfera social de responsabilidade (de forma semelhante Meinhold e Tuinstra). O ímpio atrai os outros para o desastre com ele e o justo é um pilar de força para aqueles ao seu redor. A fundação é qualificada por um genitivus qualitatis (עולםdurabilidade, permanência, perpetuidade). Duvido que isso nos dê o direito de ver uma dimensão escatológica no provérbio – o que não é dito explicitamente por Waltke, embora ele o sugira ao afirmar, com referência a Mt 7:24-27, que o cenário do provérbio “antecipa o era escatológica vindoura” (a maioria dos comentaristas faz referência ao evangelho). Delitzsch também associa o provérbio com “o fim do Sermão da Montanha” e pensa que o provérbio aqui “encontra a confirmação final de sua verdade”, embora admita que não é assim que o poeta o entendeu de sua perspectiva “estreita”. . Krüger364 oferece outra proposta. Seu argumento é que, uma vez que עולם significa “auf längere Sicht” (por um tempo indefinido),365 ele permite 361 A palavra é usada como uma imagem de enfermidade ou fragilidade, cf. Sal 39:12; Jó 4:19 (BDB, KAHAL; KBL menciona a possibilidade do significado “ninho de pássaro” em Jó 27:18 et al.). 362 Em uma pergunta retórica Jó (21:18) havia negado que os ímpios são varridos por ventos e tempestades. 363 Delitzsch toma “fundação” como uma sinédoque para “casa”, corretamente, na minha opinião, o sentido da sinédoque é que destaca o atributo de robustez, que é o tertium comparationis aqui. 364 Krüger (1995, 430). 365 Da mesma forma, Fox (“futuro indefinido”, “tempo de vida”, “todo o período relevante para o contexto”); Barr (1962, 69) resume afirmando que o significado de עולםenvolve “uma espécie de
180
Tradução e Exegese do Capítulo 10
o leitor dos provérbios editados para encontrar uma resposta para o problema decorrente da experiência de um nexo ação-consequência deficiente (Krüger refere-se aos vv. 2 e 16). A falta de recompensa ou punição devida nos termos deste sistema pode então ser vista como uma interrupção temporária, ou seja, passageira, da ordem justa que será fixada de forma duradoura para os justos e implica a aniquilação dos ímpios. Delitzsch chega a uma conclusão semelhante, porém não com base no texto, mas com a ajuda do Sermão da Montanha. Mesmo com essa submissão – que pode ser tão consoladora quanto a proposta de Krüger – a questão básica de por que a injustiça costuma acontecer ainda permanece um mistério. Com referência ao Talmude Babilônico (Yoma 38b), Meinhold aponta que o v. 25b é invocado no judaísmo rabínico como comprovação de que o mundo pode ser preservado por causa de uma pessoa justa.366 Esta é uma opinião amplamente aceita e bastante compreensível, uma vez que עולם também pode significar “mundo” e todo o hemistich pode, portanto, também ser traduzido, “o justo é a fundação do mundo” (assim já o Targum [בעלמא, no mundo]). Mas mesmo que עולם seja entendido como “eterno”, a frase ainda pode ser interpretada desta forma: se “ele” é um fundamento permanente, então deve ser para algo ser fundado. Em ambos os casos, o singular צדיק é considerado teologicamente muito significativo. Assim, o argumento do Vilna Gaon é que o justo sustenta os outros por mérito pessoal, mesmo após a morte. O Midrash Rabbah relaciona o provérbio à história do Dilúvio (Ber Rab 30:1): o primeiro hemistich refere-se ao povo do Dilúvio, que foi varrido por (o que também poderia ser chamado) uma tempestade e pereceu, enquanto o O justo Noé tornou-se a fundação do mundo por meio do qual a humanidade foi salva da extinção. Rashi e Hame'iri enfatizam a rapidez da destruição dos ímpios, que é uma forma típica de punição chegar. O Padre Apostólico Inácio (c. 35-107 d.C.) usa o óbvio erro de escriba na Septuaginta de 10:25 em benefício de seu próprio argumento.367 No segundo hemistich, a palavra hebraica (יסודfundação) foi (יסורafaste-se = ἐκκλίνας), produzindo: “O homem justo, afastando-se, é salvo para sempre.” Inácio cita este versículo primeiro e o combina com a segunda metade de 11:3 na versão grega (“mas a destruição dos ímpios é repentina e motivo de alegria”). Advertindo contra o intervalo entre 'tempo mais remoto' e 'perpetuidade'", e enfatiza em sua maneira típica a importância do contexto em todos os casos para determinar o ponto relevante no intervalo. Cf. AQUELE II, 230, onde Jenni mostra que “duração ilimitada” é o único significado possível quando עולם é usado como o genitivo em uma combinação de status constructus, que é o caso deste provérbio (“uma fundação de durabilidade”). O motivo da durabilidade como característica dos justos ocorre frequentemente no livro; cf. v. 7 e v. 30; 12:3, 7; 14:11. Então Hausmann (1995, 47f.), que, no entanto, traduz o v. 25b como, “aber der Rechtschaffene – er hat einen ewigen Grund” (mas o justo – ele tem uma base eterna). Ela também cita vários provérbios comparáveis (como 11:6, 18 e outros) que usam outra terminologia para transmitir continuidade para pessoas boas. 366 Este conhecido princípio é levado ao extremo pelo Rambam (Hilkot Teshuvá 3, 4). Ele exige que as pessoas considerem o mundo inteiro meio bom e meio culpado, de modo que apenas uma transgressão a mais possa levar o mundo ao desastre, enquanto o cumprimento de uma mitsvá a mais pode levá-lo à salvação. Usando a metáfora da robustez, ele apóia seu ponto citando o v. 25b para dizer que “o homem justo é a fundação do mundo”. Isso também implica que um pecador pode ser um fundamento decadente, mas seria consistente com o impulso do v. 25a. 367 Epístola Ef VII (ANF I, 52).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
181
professores que espalham uma doutrina indigna “para sua própria destruição”, ele usa seu novo provérbio antitético para reforçar os dois lados de sua mensagem. Primeiro, que os crentes devem se afastar dos ímpios como se evita animais selvagens e ser salvos para sempre. Segundo, que os falsos mestres perecerão repentinamente. Aqui também, como acima no v. 24, podemos observar como diferentes provérbios podem ser separados e reconstruídos de novas maneiras para formar novos para aplicação em novas situações - não apenas na tradição interna da Septuaginta, mas também no cristianismo primitivo. uso literário da tradição.
10:26 Como vinagre para os dentes e fumaça para os olhos, assim é o preguiçoso para aqueles que o enviam. De acordo com Clifford, este é o único verso do capítulo que é construído com três unidades (ele o chama de “tricolon”, que corresponde a um trístico em minha terminologia).368 No entanto, isso exigiria uma organização rítmica bastante incomum de 2 +2+3. Gemser pode ter considerado esta opção e então decidiu que é menos provável. Ele o marca como 4 (2+2)+3, pelo qual ele, no entanto, mais provavelmente pretende apontar a composição simétrica na métrica e na sintaxe do primeiro hemistich (que também marca o duplo símile, veja abaixo), e assim lê a linha como um Siebener convencional. Isso é corroborado pela observação de McCreesh dos padrões de som no provérbio. primeiro dois pontos as duas imagens de vinagre e fumaça compartilham uma sequência dos mesmos sons ... As terminações duplas na segunda palavra de cada símile ajudam a distinguir cada metade desse dois pontos e também a ligá-los. Assim, os padrões sonoros seguem a sintaxe dos dois pontos e servem para enfatizá-lo ou marcá-lo. Cada símile, em outras palavras, ecoa ou repete os sons principais do outro e quase na mesma sequência.
De acordo com McCreesh, isso “marca” o segundo hemistich, que por sua vez ecoa outros sons no primeiro hemistich. Eu resumiria as consoantes e vogais relevantes da seguinte forma: v. 26a k ṣ l š nayim371 k š n l nayim
v. 26b k n ṣ l
368 Albright ([1955] 1969, 5) também fala de um “tricolon”. Esse é o caso nos pontos mais longos dos exemplos ugaríticos citados abaixo, mas não no provérbio de 10:26. No entanto, a estrutura estilística de um duplo símile permanece a mesma. Consulte o vol. I, 3 para um resumo da terminologia. 369 McCreesh (1991, 76-77). 370 A palavra “dois pontos” é o equivalente a “hemistich” (e às vezes “verset”) em minha terminologia. 371 A vocalização que o torna um dual em vez do esperado plural (dentes) é obviamente intencionada pelos massoretas e, à luz das outras correspondências sonoras, provavelmente também reflete a intenção original.
182
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Em ordem inversa, as sequências l+š e cāš no v. 26a formam aliteração, bem como assonância com, respectivamente, l+š e cāṣ no v. 26b.
O provérbio é uma única frase que consiste em uma comparação dupla.372 A estrutura da comparação dupla também ocorre em épicos ugaríticos. o coração de uma ovelha para seu cordeiro, assim é o coração de Anat para Baal. e Como a novilha chora por seu bezerro, como os meninos soldados chamam por suas mães, assim o povo de Udm geme.
Há um tertium comparationis compartilhado pelo vinagre e pela fumaça que também é encontrado na conduta do preguiçoso.375 Esse é o efeito desagradável que eles têm sobre os humanos. O vinagre azedo376 é doloroso nas cáries dentárias (do que a maioria dos antigos deve ter consciência) e a fumaça irrita os olhos (do que a maioria das pessoas que tiveram que cozinhar em fogo aberto sabe). A fumaça não acrescenta nenhum novo elemento lógico ao vinagre, e o uso da dupla comparação é, portanto, corretamente atribuído ao seu efeito enfatizador por Waltke (Story já o havia chamado de “uma espécie de efeito climático”). Talvez a ênfase possa ser entendida à luz da pessoa que está sendo comparada às irritações físicas. Ele é chamado de “o preguiçoso” ( העצלcom o artigo definido) e, portanto, não é um vadio acidental, mas um tipo específico de pessoa.377 Isso pode ser visto no fato de que, como diz Plöger, o provérbio é menos sobre o preguiçoso inútil do que sobre o impacto prejudicial que ele tem (cf. Lucas). Como preguiçoso, ele nem mesmo tem diligência suficiente. 372 O uso da conjunção כ molda a comparação estilisticamente como um símile; cf. acima no v. 23, que também é uma comparação כ e um paralelismo “sintético”, e as notas no início do agrupamento sobre a relação formal entre os vv. 23 e 26. 373 Veja Watson (2001, 258-259), que o chama de “símile cumulativo”. McKane cita Albright (1969, 5) para este efeito, mas o ponto foi feito pela primeira vez por C.I.K. Story (1945, 319-337; 322 para a citação de Baal). 374 KTU 6, II, 6-7, recorrente em 28-30 (Baal); KTU 1.14, I, 5-7 (Krt); cf. também McKane. 375 Luchsinger (2010, 235) afirma que a comparação no provérbio difere da metáfora em virtude de sua limitação a um único ponto de comparação, mas isso também é verdade para uma metáfora (por exemplo, se Deus “é” uma rocha, o tertium comparationis é confiabilidade, não falta de vida, dureza ou insensibilidade). A diferença reside na abertura ou ocultação do dito, isto é, na presença ou ausência da conjunção כ e, portanto, na explicitação (em um símile) ou implicidade (em uma metáfora) da comparação. 376 Às vezes, o vinagre diluído era tomado como refrigério (por exemplo, Rute 2:14), mas quando se tornava ácido (cf. 25:20), era repugnante (Sl 69:22b). Para a sua associação ao vinho, cf. Números 6:3. 377 Para uma extensa discussão sobre o preguiçoso em oposição ao antípoda diligente, veja Hausmann (1995, 66-77; 71-72 em 10:26).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
183
para cuidar de seu próprio negócio - quanto menos ele cuidaria dos interesses de outra pessoa? Ele tem o efeito social (e concebivelmente financeiro e até político) em seu empregador que o vinagre e a fumaça têm fisicamente nos humanos. Um mensageiro não era apenas um menino de recados, mas uma pessoa-chave com responsabilidades importantes (cf. Gn 24 para uma descrição vívida dos bens confiados a tal mensageiro, a importância do negócio que ele tinha que realizar no interesse de seu empregador, e os poderes de negociação delegados a ele por este último).378 Portanto, não é surpreendente que os provérbios vejam uma antítese rígida entre mensageiros confiáveis e não confiáveis (cf. 13:17 e 25:13 em oposição a 26:6; cf. 22 :21, que pertence à chamada coleção Amenemope e, como tal, mostra influência sapiencial egípcia). Vários comentaristas citam outro texto egípcio iluminando 10:26, da Instrução de Ptahhotep, cap. 8, linhas 150ff. (por exemplo, Meinhold, Waltke):379 Se você é um homem de confiança, enviado por um grande homem para outro, adira à natureza daquele que o enviou, Não suprima nada do que lhe foi dito, ... Mantenha a verdade , não exceda, mas uma explosão não deve ser repetida.
E na sátira egípcia dos ofícios, um filho é instruído por seu pai nos seguintes termos: 380 Quando um funcionário lhe enviar uma mensagem, diga como ele disse, não omita, não acrescente.
O símile do v. 26 destina-se a abordar um princípio geral que é sempre verdadeiro, como pode ser visto no uso do particípio, bem como na forma plural à qual o sufixo masculino singular da terceira pessoa está anexado, ( שלחיוall aqueles que o enviam). No entanto, embora a Septuaginta permaneça fiel ao fluxo geral do dito, ela modificou fortemente o texto para esse fim: τοῖς χρωμένοις αὐτήν 378 Ver Crown (1974, 366-370), que se refere entre outros a Urias como um “mensageiro irregular” (2 Sam 11), 2 Rs 6:32 e Ezequiel 23:40 como ilustrações da importância dos mensageiros, e 2 Rs 18:18, 37 para ilustrar seu status oficial. Ele sugere que o uso do título ס ֵֺפר a esse respeito pode estar relacionado ao título mâr-šipri das cartas de Tell El-Amarna (368). Meier (1988) fornece uma discussão exaustiva sobre o mensageiro no mundo semítico antigo. 379 AEL I, 65 (não 165 como citado por Waltke). 380 AEL I, 190.
184
Tradução e Exegese do Capítulo 10 (Como a uva verde faz mal aos dentes e a fumaça aos olhos, assim é a iniquidade para os que a praticam.)
Não se trata apenas de estabelecer o texto “correto”. Pelo menos três aspectos chamam a atenção. Primeiro, a Septuaginta dá um conteúdo específico à característica humana negativa, atribuindo os efeitos desfavoráveis à ilegalidade. ou pode resolver isso. Em terceiro lugar, ela cria uma represália direta para a própria pessoa sem lei, em vez de um remetente ou empregador relativamente inocente. a lei, ou desobediência a ela, ajudando seus leitores a entender que a irritação causada por vinagre e fumaça é intencional e tornando explícito o nexo ação-consequência (assim Crisóstomo). Os rabinos frequentemente parafraseiam o provérbio (por exemplo, Mezudat David) ou o deixam sem comentários (por exemplo, Pseudo-Ibn Ezra). No entanto, Yonah Gerondi explica isso como uma metáfora para ser negligente na tarefa com a qual Deus enviou o mensageiro ao mundo. Ele não parece incomodado com a consequência de que, em termos de imagem, deveria então ser Deus e não o mensageiro quem se irrita por ter de lidar com vinagre nos dentes e fumaça nos olhos. O Gaon de Vilna, por outro lado, se expande ao declarar que o dano causado pelo fracasso de um preguiçoso em sua tarefa não é menos que uma perda dupla. Não parece inspirado na dupla comparação da primeira parte do símile, pois ele atribui duas irritações ao vinagre (estraga o apetite e irrita os dentes de modo que não se pode comer de qualquer maneira) e duas irritações ao fumo (não produzindo luz através do uso de madeira úmida e tanta fumaça que os olhos não podem ver de qualquer maneira). Da mesma forma, a perda do remetente também é dupla: sua tarefa não é realizada e ele deve sofrer adicionalmente agitação. Interpretando o Salmo 49, Agostinho383 usa a versão grega do provérbio para sustentar seu uso da parábola do rico insensato (Lucas 12). Quem comeu uma uva verde (“injustiça”) não poderá comer o pão (que para ele é Cristo) como aquele que “tem fome de justiça” (Mt 5:6). Melanchthon encontra o símile (figura) no verso uma indicação de que é um ditado popular comum, citando exemplos da literatura clássica para mostrar que os mensageiros substitui outras falhas, como covardia, gestos injustos, calúnias ou impiedade, pela preguiça mencionada pelo texto hebraico, por exemplo 10:5; 19:15, 24; 20:13; 21:26. “Ilegalidade” pressupõe a Lei, a Torá, que está intimamente associada à sabedoria no Livro de Ben Sira (cf. Dt 4:5-8 e Sir 24:23-34). De acordo com Goering (2009, 237-238 e passim) a associação é baseada na noção de eleição; veja a Introdução, Parágrafo 3. Para uma ampla discussão sobre sabedoria e Torá, veja Schipper e Teeter (2013), particularmente a contribuição de Schipper (2013, 55-80), na qual ele argumenta que o debate teológico pós-exílico sobre sabedoria e Torá desenvolveu-se em duas concepções diversas de revelação, viz. por um lado, o ensinamento de geração em geração e, por outro, a Torá que deve ser colocada no coração humano pelo próprio Deus. 382 A Peshitta contém os mesmos três elementos, evidentemente influenciados pelo grego. 383 Em Ps xlix II, 7 (NPNF I,8, 176).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
185
a velocidade é apreciada e o atraso não é apreciado. Ele também observa que isso pode ser acomodado aos muitos provérbios em que a diligência é elogiada e a preguiça criticada. Para ele, muitos provérbios são apenas máximas comunitárias pertencentes à regra de punição justa para a delinqüência. Ele, portanto, aprecia o valor jurídico e cultural dos provérbios que não fornecem material teológico (embora ele deixe muitos deles não discutidos em seu comentário).
10:27 O temor do Senhor aumenta os dias, mas os anos dos ímpios são abreviados. Outro dito 4+3 consiste em duas sentenças verbais completas. Novamente, o provérbio é classificado como antitético. De fato, os conceitos em ambos os hemisférios são opostos: יראת יהוה יסףHiphil
– –
temor do Senhor adicionar / fazer mais
:: ::
ser uma pessoa perversa ser/tornar-se baixinho384
– רשע – קצרII Qal
Embora “dias” na primeira metade e “anos” na segunda não sejam palavras sinônimas, ambas têm o mesmo referente, viz. "vida útil." A antítese no tempo de vida, portanto, corresponde à antítese no tipo moral. Os meios-versos antitéticos afirmam a mesma convicção, ou seja, a validade do nexo ação-consequência, e assim dizem fundamentalmente a mesma coisa. Isso também é o que Elifaz mantém em sua descrição do destino dos ímpios, uma vez que os ímpios perecem quando sua vida “ainda não está completa” (Jó 15:32; também 22:16; cf. Sl 55:24; Qoh 7: 17). Por outro lado, o rei Ezequias experimentou um acréscimo ao que parecia ser o fim de sua vida (2 Rs 20:6).385 O mesmo conceito ocorre no Decálogo (Êx 20:12),386 onde o “transitivo interno” Hiphil387 de ארך é usado para expressar a vida prolongada que pode ser esperada por aqueles que honram seus pais. A afirmação categórica do provérbio de que o temor do Senhor, fundamento da sabedoria (1:7; 9:10), é a causa de uma vida longa e que o contrário ocorre com os ímpios, expressa o que Kaiser chama de “convicção de que retidão e vida estão correlacionadas graças à providência de Deus, que é a suposição auto-evidente de todos os livros de sabedoria. plural imperfeito de um Qal intransitivo (eles são de um número reduzido). Waltke observa que todos os outros usos do verbo nesta forma se referem à falta de espaço (cf. Nm 11:23; Is 28:20; 50:2; 59:1). Mesmo assim, a implicação é que a “atividade divina” mencionada por Clifford também está em ação aqui. 385 Cfr. Is 38:5; Salmos 21:5; 61:7 – onde Deus é o sujeito como em 2 Reis 20:6 (Tuinstra). 386 Cfr. também Dt 5:16; 6:2; 25:6, bem como Provérbios 28:2. 387 Ver GKC 53d. 388 Kaiser, (1993, 263).
186
Tradução e Exegese do Capítulo 10
que os comentaristas muitas vezes se veem obrigados a responder à dificuldade teológica envolvida no provérbio (por exemplo, Delitzsch). Van Leeuwen escreve: Como sempre acontece com os provérbios, este ditado precisa ser qualificado, pois a vida do justo às vezes é interrompida (Sl 102:24-25). Compare Is 57:1, que oferece uma explicação para esse fenômeno, e Sl 44:22 [Hebr. 23] e Sb 4,7-20, que oferecem outros. A resolução final do problema requer uma visão desenvolvida da vida após a morte.
Se os justos morrem cedo para escapar do mal (Is 57:1-2; Sap Sal 7:11, 14) ou morrem como mártires (Sl 44:22) ou se o reparo será feito na eternidade (Delitzsch) - isso ainda não é uma resolução do problema. Não responde à pergunta por que os justos às vezes morrem cedo ou sofrem de outra forma e às vezes são realmente abençoados de acordo com a teoria, ou por que os ímpios às vezes são punidos como esperado, mas às vezes não. Mesmo na suposição de que as coisas serão reorganizadas após a morte (e na suposição de que os sábios contavam com uma vida após a morte), as inconsistências na aplicação do princípio subjacente ao provérbio ainda permanecem. Se as recompensas de algumas pessoas justas são concedidas por toda a vida, bem como após a morte, enquanto outras têm que sofrer e esperar, então algumas pessoas justas são mais iguais do que outras (e mutatis mutandis os ímpios). A resposta é que não há resolução. Os sábios sabiam disso e mantiveram a convicção “normal” descrita por Kaiser. Mas, como o reverso cético para um anverso de “imposição de fé” (Von Rad),389 eles também mantiveram a percepção de que seu funcionamento muitas vezes permanece insondável (cf. 14:8 vis-à-vis 20:24). Ver Ensaio 4, vol. I, 39-46, onde o tema é tratado com exemplos. Krüger390 detalha as conexões formais entre os vv. 22 e 27 (ambos são ditos de Yahweh, ambos contêm a palavra de ordem; יסף veja as notas antes do v. 22). Ele aponta que ambos os versículos mostram lados complementares de uma vida abençoada. A verdadeira riqueza não consiste apenas em riquezas materiais (v. 22), mas também em uma vida longa e plena (v. 27; cf. 3:2, 16; 9:11).391 Além disso, de acordo com Krüger, esses versículos pegar a dimensão religiosa ou teológica que estava ausente (“ausgeblendet”) no vv. 6-21 do capítulo. Isso fecha esse cluster. Mas o final não é rigoroso. Há também ligações entre os vv. 27 e 28, que são descritos por Waltke (ver abaixo no v. 28) e produzem uma espécie de “efeito dobradiça” entre os provérbios anteriores e os seguintes.392 389
Von Rad (1953, 123-125). Kruger (1995, 428). 391 No entanto, isso é contradito por Sap Sal 7:8. 392 Portanto, é compreensível que muitos comentaristas liguem o v. 27 ao v. 28 e além (por exemplo, Hitzig, Toy, Gemser, Plöger, Meinhold, Murphy, Van Leeuwen e outros). 390
Tradução e Exegese do Capítulo 10
187
No Talmud (Yoma 9a), o provérbio é aplicado ao cálculo da expectativa de vida dos sumos sacerdotes que serviram no Primeiro e no Segundo Templos. Nos 410 anos do Primeiro Templo havia 18 sumos sacerdotes, e nos 420 anos do Segundo Templo havia 300 sumos sacerdotes. Permitindo algumas figuras justas entre os últimos, isso significava que o segundo grupo não durava um ano cada, enquanto o primeiro grupo vivia muito. Os anos dos últimos sumos sacerdotes foram encurtados devido à sua corrupção, enquanto os primeiros sumos sacerdotes tiveram seus dias prolongados devido à sua retidão. Esta aplicação cria seus problemas relativos a alguns sumos sacerdotes em ambos os grupos, o que suscitou explicações rabínicas posteriores.393 Ralbag interpreta a adição ou subtração de tempo com base em um tempo predeterminado definido para cada pessoa. Deus pode mudar esse ponto no tempo para frente ou para trás de acordo com o mérito da pessoa.394 Gerondi estende o encurtamento dos anos do ímpio neste mundo para também acarretar um encurtamento no próximo, o que não apenas deixa a questão do que acontece depois disso , mas também o que acontece depois da morte, mas antes e no segundo encurtamento. O cabalista medieval Bahya ben Asher usa o provérbio para se referir a um mistério. As pessoas que agonizam com o pecado não se preocupam até a morte como seria de esperar, mas têm sua vida prolongada. As pessoas que atendem às suas necessidades físicas na verdade encurtam sua vida. Existe algo como um tempo de vida atribuído, mas, no entanto, pode ser alterado de acordo com os méritos ou deméritos de uma pessoa. Este não é um mero fenômeno da natureza ()ט ַבע, ֶ mas baseado na vontade de Deus em cada detalhe e é uma verdade oculta. O comentário de Crisóstomo consiste em uma única pergunta retórica para sublinhar que não a determinação divina, mas as ações certas ou erradas dos humanos causam uma vida longa ou curta. Hill395 aponta que ele usa o provérbio para promover a típica insistência da teologia antioquena no livre-arbítrio e na responsabilidade humanos. Em contraste, Atanásio de Alexandria,396 que estava na tradição alexandrina rival, usa o mesmo provérbio para o propósito oposto, viz. tempos divinamente designados para cada ser humano. Ele defende sua fuga contra as acusações de covardia de seus oponentes arianizantes e, no decorrer do argumento, parafraseia o segundo hemistich do v. 27: “As almas dos injustos são levadas antes do tempo”. No contexto, ele se refere aos dias acrescentados do rei Ezequias (2 Rs 20:6) e cita uma série de outros textos relevantes da Septuaginta mais ou menos livremente (Êx 23:26; Sl 102:24; Jó 5:26; Qoh 3 :2; 7:6). Ele parece sugerir que o tempo de seu fim como defensor da ortodoxia ainda não chegou. O aspecto interessante é que ele faz isso apropriando-se de uma noção muito parecida com as visões judaicas mencionadas acima. Orientado para Qoh 3:1, o título do parágrafo é: “Uma hora e um tempo para todos os povos” e o argumento é que Cristo como a Palavra e, portanto, o Criador, designou um tempo para cada ser vivo de acordo com a vontade do Pai. No entanto, o encurtamento ou alongamento desse tempo não é concebido como acréscimos ou subtrações do que foi originalmente atribuído, mas está incluído na própria atribuição.
393
Ver Ginsburg ([1998] 2009, 193). Esta é também a suposição de uma história sobre um rabino piedoso no Midrash Rabbah (Deb Rab 9,1). 395 Colina (2006, 222). 396 Apol de Fuga 14 (NPNF II, 4, 260). 394
188
Tradução e Exegese do Capítulo 10
10:28-32 Um grupo de ditados sobre o justo e o ímpio 28 A expectativa do justo é alegria, mas a esperança do ímpio perecerá. 29 O caminho do Senhor é fortaleza para os íntegros, mas ruína para os que praticam a iniquidade. 30 O justo nunca será abalado, mas os ímpios não habitarão na terra. 31 A boca do justo produz sabedoria, mas a língua perversa será cortada. 32 Os lábios do justo se preocupam com o que é favorável, mas a boca do ímpio [se preocupa com] coisas perversas. Bíblia. Hausmann 1995, 62, 188-189, 236-238; Heim 2001, 131-134; 2013, 240251; Kruger 1995, 430-431; Scherer 1999, 62-63, 64-71; Scoralick 1995, 180181.
Krüger397 argumenta que esse grupo de provérbios não é tão bem enquadrado e estruturado quanto os grupos anteriores do capítulo. Mas Scoralick, em sua defesa de um agrupamento que vai de 10:28 a 11:7, em vez de 10:28 a 10:32, afirma um padrão quiástico de “palavras-chave centrais” nos dois versos. אבד – תקוה – תוחלת – אבד
Ao enfatizar a inversão de תוחלתe תקוה, mas também incluindo אבד em seu padrão, o princípio quiástico é prejudicado pela assimetria de muitas instâncias da última raiz.399 Além disso, Scoralick admite que existem outras conexões entre 11:7 e os versículos seguintes.400 Ambas as considerações, a meu ver, enfraquecem significativamente a demarcação de um final em 11:7 em vez de 10:32. Além do que foi adiantado anteriormente sobre o início desta seção em relação ao final da anterior (10:22-27), também pode ser apontado que os termos צדיקe רשעaparecem em todos os cinco provérbios nos vv. 28-32, exceto v. 29 (onde termos equivalentes são usados) e v. 31b (onde רשע está implícito por meio de uma lacuna significativa). A proximidade temática dos vv. 31 e 32 causas Heim401 e 397 398 399
Kruger (1995, 430). Scoralick (1995, 180); da mesma forma Fuhs. Veja também Scoralick (1995, 166), onde ela tem a mesma apresentação esquemática de
pág. 180. 400 Scoralick (1995, 164-165). Ela aceita as ligações apontadas por Hermisson (1968, 175), mas o critica por permanecer vago em termos de conteúdo – ao qual seu próprio argumento de demarcação talvez também não seja totalmente imune. 401 Heim (2001, 133); cf. também Meinhold, Plöger, McKane e Hermisson (1968, 175). Heim (2013, 254) encontra apenas um “elo fraco” entre 10:32 e 11:1.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
189
Fox para vê-los fortemente amarrados, o que também indica a cesura a ser traçada após o v. 32. Mas, como entre o final do agrupamento anterior e o início deste, a linha entre 10:32 e 11:1 não é rígido. O grupo como um todo é frouxamente mantido unido pela oposição dos justos e dos ímpios. 10:28 A expectativa do justo é alegria, mas a esperança dos ímpios perecerá. O provérbio relativamente simples, mas de forma alguma insignificante, consiste em uma frase nominal e uma verbal com três batidas rítmicas cada. O paralelismo é uma correspondência antitética direta: V. 28a:
sujeito (estado de construção)
–
sinônimos 402 V. 28b:
genitivo
–
opostos
sujeito (estado de construção)
–
genitivo
predicado (substantivo) contraste inexato
–
predicado (verbo)
Driver vê um problema na assimetria das respectivas últimas palavras dos dois hemistichs e emenda o substantivo שמחהao verbo ( ָצ ְמ ָחהbrotou).403 Mas esse é o Qal perfeito, o que não cairia bem como o paralelo do imperfeito (תּא ֵֺבד perecerá). Não apenas um substantivo e um verbo em paralelismo antitético não são problema, mas neste caso também são significativos (e o substantivo é o predicado em uma sentença nominal). O significado reside no contraste inexato, não apenas de substantivo e verbo, mas especialmente no significado. O predicado nominal “é alegria”404 é contrabalançado por “perecerá”, o que cria mais de uma possibilidade interpretativa polivalente. V. 28a expectativa do justo é alegria [não perecerá]
:: → ←
V. 28b a esperança dos ímpios [alegria esperada pelos ímpios] perecerá
402 Veja AQUELE II, 625 para uma discussão sobre os dois sinônimos; eles são usados como um par (“Begriffspaar”), como alguns versículos adiante em 11:7; cf. Is 51:5; Mi 5:6; Jó 30:26; Lm 3:25s. (תוחלתe.g. 11:7; 13:12) não ocorre tão freqüentemente quanto תקוה, mas sempre expressa uma “expectativa alegre, não ansiosa” (Delitzsch na crítica de Hitzig). Motorista 403 (1951, 179); sua proposta é mencionada no BHS sem mencionar seu nome. Fox menciona que Tur-Sinai (1947, 35) fez uma sugestão semelhante (שמחהterceira pessoa do singular feminino Qal perfeito ou particípio feminino singular Qal de *שמחcom um significado conjecturado de “ascensão”). 404 A Septuaginta faz da alegria o sujeito de um verbo (ἐγχρονίζει): “A alegria permanece para os justos”.
190
Tradução e Exegese do Capítulo 10
O segundo hemistich lido à luz do primeiro sugere que o que os ímpios esperam infrutiferamente alcançar é o mesmo que os justos certamente alcançarão. E, se o primeiro hemistich for relido em vista do que o segundo trouxe à luz, o leitor terá motivos para considerar que a alegria dos justos não é perecível. Waltke faz uma observação semelhante quando descobre que o “paralelismo impreciso” sugere que as ideias de alegria e perecer estão implícitas nos respectivos hemistíquios alternativos. Heim405 chama a sugestão de Waltke de “um tanto mecânica”, mas isso não faz justiça a Waltke. Há evidências abundantes desse tipo de efeito no paralelismo.406 Se a reciprocidade do impacto mútuo é um mecanismo de paralelismo, então ela pode ser chamada de “mecânica” in bonam partem, o que não é motivo para críticas a Waltke. Mas há outro elemento de polissemia no provérbio. (a) Se a expectativa dos justos “é” alegria, isso pode significar que eles agora esperam que a alegria apareça em seu caminho, o que faria mais sentido se a alegria fosse entendida como uma metonímia de resultado (Waltke) para as coisas positivas que estão por vir no futuro. Do lado oposto, os ímpios agora esperam uma experiência positiva indefinida no futuro,407 que não dará em nada. Ambos os lados se somariam então a uma manifestação natural do nexo ação-consequência. (b) Mas o significado também pode ser que a expectativa positiva nutrida pelos justos é uma fonte de alegria já agora enquanto eles estão esperando e antecipando uma recompensa não especificada por sua retidão.408 Embora, neste entendimento, não seja dito o que precisamente esperam, a alegria já sentida antecipadamente mostra que é algo positivo. Então o segundo meio-verso significaria que, por outro lado, os ímpios já perdem a esperança agora e têm que levar uma vida sem esperança. 405
Heim (2013, 242). Veja a exegese acima dos ditos no cap. 10; tivemos a oportunidade várias vezes de observar e aplicar esse insight fundamental enfatizado por Berlin (cf. acima no v. 1b e Berlin [2008, 96-99]). 407 Brueggemann (1992, 90) diz que o futuro dos justos é “muito diferente do futuro buscado pelos ímpios” (grifo meu). A palavra “procurado” talvez não seja a melhor escolha, pois os ímpios também desejam a felicidade, que não é diferente do que desejam os justos. Então Toy: “o objetivo de todos os homens, bons e maus, é a felicidade... os bons, os maus não, ganham o que desejam”. Uma imagem vívida dos ganhos que os ímpios esperam é dada em 1:13-14. 408 Millar (2020, 51-52) apenas aponta a ambigüidade resultante da justaposição de uma frase nominal e um substantivo no v. 28a, mas me parece que a abertura do provérbio reside justamente nesse fato; a justa esperança de alegria, a alegria de ser esperançoso e a alegria do resultado são todas possibilidades legítimas e não apenas imprecisões. Cf. Huxel (2005, 5657), que ilustra o efeito antecipador da esperança com a famosa expectativa de Jó sobre o que está por vir (Jó 19:25-27). Sæbø parece sugerir algo semelhante (“Das Harren der Gerechten ist Freude”), que, de acordo com sua única observação no comentário, significa “É uma alegria para os justos esperar”. Fuhs defende essa possibilidade e atribui calma e força aos justos porque eles confiam em Deus e não em si mesmos. Veja abaixo em Gerondi, que sugere o mesmo. 406
Tradução e Exegese do Capítulo 10
191
A polivalência não obriga o leitor a escolher entre as possibilidades. A multiplicidade da formulação poética concisa é um trunfo, não um passivo. Discutindo o significado teológico da esperança no Antigo Testamento, Brueggemann reconhece que “a esperança não está no horizonte do livro de Provérbios”. 409 No entanto, ele identifica quatro provérbios “que sugerem que mesmo os mestres da sabedoria tinham em seu horizonte um futuro que Deus daria”. Um deles é o nosso provérbio atual.410 Referindo-se a 11:23, Brueggemann declara: “Mesmo os justos prósperos antecipam um estado de bem-estar mais abençoado e alegre ainda por vir.” Isso seria verdade também para 10:28, lido de acordo com qualquer uma das possibilidades mencionadas acima. A segunda opção (b) se encaixaria no ponto de Brueggemann tanto quanto (a), pois, se a esperança no futuro é tão forte que tem efeito antecipatório até no presente, é de fato um conceito poderoso. Apesar de aceitar a ideia “que a esperança não está no horizonte do livro de Provérbios”, Brueggemann faz a declaração de longo alcance “que a esperança e a expectativa são o ímpeto para o ensino dos sábios.”411 Ele não desenvolve a ideia, mas no contexto de sua apresentação a afirmação é significativa. Ele entende a esperança – com razão, a meu ver – como a afirmação de que “há um 'depois', um tempo de bem-estar para os sábios, justos, responsáveis e obedientes, um tempo para se distinguir do tempo presente, um tempo que será melhor do que o presente”. No entanto, gostaria de acrescentar uma ressalva, viz. que isso não deve ser entendido como uma era escatológica. Essa parece ser a visão de Brueggemann também, pois ele acrescenta: “Esse momento melhor, no entanto, depende de encontrar a sabedoria.” O “depois”, portanto, não é uma era na história, mas uma recompensa futura relativa à aquisição e prática da sabedoria do indivíduo. A esperança sapiencial refere-se ao que vem depois da prática da sabedoria. Brueggemann até vê esse tipo de esperança como o “ímpeto para o ensino dos sábios”. Embora ele toque no importante conceito de ímpeto, ele não aborda explicitamente a questão da motivação no livro de Provérbios. Mas parece-me que os termos de seu tratamento da esperança estão relacionados à motivação. Stewart analisou extensivamente o modelo de motivação e seus paradigmas, bem como outros modelos em Provérbios.412 Seu estudo mostra como os alunos são motivados por incentivos – riqueza, por exemplo – para encontrar a sabedoria que levaria ao resultado desejado ou esperado . Brueggemann se concentra no professor, que sabe que os alunos esperam alcançar o que desejam. 409 Brueggemann (1992, 89-90). Tendo em conta a sua afirmação pouco depois (que a esperança está no horizonte sapiencial) e a quantidade de textos que o atestam, pretende-se claramente dizer que o motivo da esperança nem sempre é explicitamente formulado no Livro dos Provérbios. 410 Os outros são 11:23; 23:18; 24:14. Pode-se acrescentar um quinto, 11:7, que ilustra o princípio, apesar de conter dois hemistíquios negativos. 411 Brueggemann (1992, 90). 412 Stewart (2016, 102-129).
192
Tradução e Exegese do Capítulo 10
ainda não tem. Quando o sábio projeta seu ensinamento, ele usa o תוחלת/ תקוה dos alunos como um impulso para motivá-los na busca da sabedoria. Rashi garante que o agente da realização ou frustração das esperanças nutridas pelos justos e pelos ímpios seja entendido como Deus. Gerondi implica que os justos sentem alegria mesmo antes de sua esperança ser realizada, pois eles se deleitam em colocar sua confiança em Deus e não em si mesmos. Como Gerondi, o Vilna Gaon enfatiza o elemento temporal. O justo muitas vezes deve esperar muito tempo para que sua esperança se cumpra, o que não é um problema porque a compensação estará no mundo vindouro. Por outro lado, os ímpios esperam conseguir o que desejam rapidamente, o que pode até acontecer, mas no final isso perecerá. Isso parece implicar que, neste último caso, a esperança é entendida não apenas como o que eles desejam, mas também o que já podem alcançar neste mundo: tudo isso perecerá. Anselmo de Canterbury (1033-1109)413 cita o provérbio em uma meditação incrivelmente criativa “Sobre os benefícios futuros de Deus”. Quanto ao primeiro hemistich: A esperança de cada “santa alma” falecida é realizada ao ser escoltada para um lugar de paz no seio de Abraão. Sua alegria não pode ser descrita por nenhuma caneta, mas pelo menos parte de sua esperança continua em seu descanso. Pois eles esperam com feliz expectativa que o número total de seus “irmãos” seja alcançado, quando a ressurreição ocorrerá e a alegria indizível será experimentada. Quanto ao segundo hemistich: embora não nos seja dito o que os ímpios esperavam, ouvimos exatamente o que significa quando sua esperança perece. Eles recebem um destino terrível - espíritos amaldiçoados os arrancam (presumivelmente as almas) de seus corpos, são jogados na cova, queimados pelo fogo, dilacerados por pássaros e sufocados devido ao fedor interminável. Todas essas ideias bastante brueghelescas são transmitidas por uma citação literal do provérbio. Meio milênio depois, o reformador humanista Melanchthon simplesmente deixou todos os provérbios nos vv. 27-32 não comentada na versão final de seu comentário.414
10:29 O caminho do Senhor é fortaleza para os íntegros, mas ruína para os que praticam a iniquidade. O provérbio consiste em duas frases nominais de quatro e três tempos, respectivamente. É difícil seguir Tuinstra ao encontrar um tricolon415 quiástico no verso. Citando Watson,416 ele afirma que as duas primeiras palavras ()מעוז לתם e as três últimas ( )ומחתה לפעלי און estão em um paralelismo separado pelas duas palavras do meio ()דרך יהוה, o que exigiria um padrão incomum de 2+2+3 batidas,417 e divide uma frase em duas colas. 413
Meditatio XVII (§87) (Londres ed. 1872, 230). Ele, no entanto, forneceu notas curtas sobre os vv. 30-32 na versão de 1529 (Nova Scholia in Proverbia Salomonis), na qual ele interpretou a justiça aqui mencionada como fé (fides). 415 Sobre a terminologia e o padrão rítmico, veja acima no v. 26. 416 Watson (1994, 340 e 2007, 181) define um “tricolon quiástico” como duas colas separadas por uma linha isolada” (isto é, um padrão ABA) . Talvez seja confuso aplicar o termo “quiástico” a um padrão de três unidades, uma vez que um quiasmo com três pontos é difícil de imaginar. Seja como for, Watson (1994, 148-149) inclui este versículo sob “o termo abrangente 'nominal'” entre “paralelismos de meia linha”. 417 Cfr. no v. 26 para o mesmo problema se esse versículo for lido como um tricolon. 414
Tradução e Exegese do Capítulo 10
193
O sujeito da primeira frase está vazio e, portanto, implícito na segunda. Mas o que é esse assunto, é controverso. Como está o Texto Massorético, deve ser “o caminho de Yahweh”, mas com uma emenda de vogais também pode ser “Yahweh”. Assim, a tradução pode ser: “o caminho de Javé é uma fortaleza para os íntegros” ou “Javé é uma fortaleza para os íntegros”. A primeira opção é escolhida pela maioria dos comentaristas (cf. Oesterley,418 Meinhold, Waltke, Fox, Sæbø, Alter et al.), a última opção por Toy, McKane e Plöger (também o aparato em BHS). Yoder considera ambas as opções possíveis, mas tende a tomar apenas o nome divino como sujeito. דרך. Toy e Plöger referem-se à ideia de uma fortaleza usada como imagem do próprio Javé, que ocorre em vários salmos (cf. Sl 27:1; 37:39; 46:2; também Joel 4:16), que Plöger sublinha ao apontando que פעלי און também é típico dos Salmos.420 O assunto pode, em minha opinião, ser apenas “o caminho de Javé” e não apenas “Javé”. Como já apontado por Delitzsch, a opção alternativa é inviabilizada pelo atraso do sujeito até o final da sentença. Se “Yahweh” fosse o sujeito, a ordem sintática seria מעוז יהוה לתם דרך. Ao apontar a preposição ל com o artigo, os massoretas indicaram que toda a frase genitiva deve ser tomada como sujeito, pois isso mostra que תֺּם está no status absoluto.421 Quanto ao significado de “o caminho de Javé”, pode ser entendida tanto como a maneira como Javé quer que as pessoas vivam (cf. Gn 18,19; Dt 28,9; Sl 18,22), quanto como o próprio Javé age (8,22, cf. Van Leeuwen referência ao caminho análogo da sabedoria em 3:17; 4:11; 8:20). O contexto aqui exige o primeiro, o que corresponderia à obediência exigida em Dt 8:6; 418
Oesterley traduz “o caminho de Javé” como o sujeito, mas então curiosamente primeiro comenta que a opção com o próprio Javé como sujeito é igualmente boa, então, novamente, que a última opção é realmente melhor de acordo com o pensamento do Antigo Testamento e, finalmente, que somente Javé é o assunto do segundo hemisfério. 419 Ela diz: “Esta tradução ressoa com a afirmação de que Deus é uma 'fortaleza'”, como em outras partes do Antigo Testamento (assim como Toy e Plöger), e refere-se à frase semelhante “na vertical” (cf. McKane) . 420 Cfr. Sl 5:6; 6:9; 14:4; 28:3; 36:13; 94:4, 16 etc.; também Pv 21:15 e, com o perfeito de פעל, 30:20. 421 Portanto, a proposta em BHS, não apenas emendar o holem de תֺּםto patah de modo a tornar a “inocência” abstrata na “pessoa inocente” concreta, mas também eliminar o artigo ( ַלתֺּםto )ל ַתם ְ para obter o construto de status desejado, deve ser rejeitado. Outra razão é que ַתם não ocorre em outro lugar com a preposição (Delitzsch). Sæbø mantém תֺּם, mas mantém o conceito abstrato “Lauterkeit” (integridade). Toy também muda a vogal, mas vocaliza com qamets em vez de patah, enquanto o a curto seria necessário para um constructus de status. Tudo isso é desnecessário, uma vez que תֺּם é explicável como abstractum pro concreto (portanto, não é “uma fortaleza para a perfeição”, de acordo com a interpretação de Toy do Texto Massorético), o que há muito tem sido demonstrado por Radaq e Delitzsch , seguido por outros (cf. Scherer [1999, 71], Fox e Tuinstra). A Peshitta, Targum e Vulgata apóiam essa leitura.
194
Tradução e Exegese do Capítulo 10
11:22; 26:17. A mesma ideia ocorre com frequência no Salmo 119, por ex. v. 14 (o caminho das instruções de Deus), v. 27 (o caminho dos seus preceitos), v. 30 (o caminho da verdade, paralelo aos seus decretos), v. 33 (o caminho de seus estatutos), v. 35 (נתיב, o caminho de seus mandamentos) etc. também: Visto que este caminho é a Torá de Deus, ele pode naturalmente oferecer a proteção que a Torá oferece àqueles que a guardam (os inocentes) e carrega a ruína da punição para aqueles que não o fazem (os que praticam a iniqüidade). É desnecessário pensar no caminho que leva à ruína de quem o merece, mas a metáfora ressoa com a lógica do conceito. Luchsinger423 acha essa ideia chocante e a considera de acordo com 16:4, mas o provérbio não é determinístico. Se o caminho de Deus é o seu ensinamento, é claro que não só levaria à segurança, mas também ao desastre – especialmente para os praticantes da iniquidade que desobedecem aos seus mandamentos, não para pessoas infelizes predestinadas à ruína sobre as quais nada podem fazer. Entendida nesses termos, uma fortaleza não é um predicado tão estranho para um caminho como pensa Toy (Waltke). Pois, se o caminho de Yahweh é o conjunto de suas instruções, pode ser uma proteção ()מעוז da mesma forma que o conjunto de palavras que ensinam sabedoria e discernimento oferece segurança e proteção (שמרe em נצר , 4:4-7).424 Assim, o paralelismo antitético se torna um exemplo direto da correlação entre ação e consequência (cf. Meinhold).425 Entre as testemunhas gregas, o Codex Alexandrinus e o Codex Vaticanus dizem: ὀχύρωμα ὁσίου φόβος κυρίου, συντριβὴ δὲ τοῖς ἐργαζομένοις κακά (O temor do Senhor é a fortaleza de uma pessoa piedosa, mas destruição para aqueles que fazem coisas más) Aqui a conhecida frase “Temor do Senhor”, evita traduzir דרך יהוה, o que é incomum. Ao mesmo tempo conecta o v. 29 com o v. 27, já que no grego ambos os ditos mencionam agora o Temor do Senhor (Tuinstra, cf. EE). As versões aramaicas da Peshitta (¿Ùüãx ÍÐ{s) e do Targum ( )דאלהא אורחיה, bem como a Vulgata (via Domini), todas testemunham que דרך יהוהlido como uma construção genitiva no texto hebraico.
Quando o vers. . No verso anterior, o 422 Cf. Sl 119:101, onde o “caminho do mal” é a antítese de guardar a palavra de Deus. Nos textos citados do Sl 119, o דרך é singular, como em nosso provérbio, de modo que não temos que concordar com Murphy para quem é uma dificuldade que o plural não seja usado. 423 Luchsinger (2010, 193). 424 Não obstante a metáfora erótica usada no cap. 4, o דברים/מצות de 4:4 ensina sabedoria/insight (4:5) e fornece segurança/abrigo (4:6). 425 Veja abaixo no v. 30 uma figura relativa tanto ao v. 29 quanto ao v. 30. 426 Krüger (1995, 431).
Tradução e Exegese do Capítulo 10
195
fortaleza dos ricos não é o ensinamento de Javé, mas sua riqueza, enquanto a ruína dos pobres não reside em suas más ações, mas em sua pobreza. Delitzsch afirma que “quase todos os intérpretes judeus, de Rashi a Malbim, encontram aqui expressa a operação da revelação divina contra a conduta dos homens – essencialmente o mesmo que quando o Tora ou o Chokma se apresentam aos homens para sua escolha de vida. e a morte.” Portanto, um elemento da Torá originário de Yahweh, bem como um elemento da conduta humana de acordo com ela, está presente no provérbio (que é essencialmente o que foi proposto na exegese acima, viz. A Torá de Deus para moldar o comportamento humano). Nesse sentido, Delitzsch e outros, como Van Leeuwen e Waltke, estão justificados em falar de revelação no próprio provérbio,427 e certamente em relação à sua recepção judaica. Rashi fala explicitamente da retribuição trazida por este “caminho”. No outro extremo do espectro histórico mencionado por Delitzsch, Malbim também atribui claramente o desastre dos ímpios ao castigo de Deus. Malbim relaciona o ditado à Torá em uma referência a Dt 32:4 (os caminhos de Deus são justos), mas também enfatiza outro aspecto da Torá, a saber, a bondade e a misericórdia do caminho de Deus com o qual ele guia o mundo. Na Mezudat David há comentários em termos legais que apontam na mesma direção, pois o caminho do Senhor defenderá os inocentes no tribunal celestial e processará os ímpios, expressando o aspecto judicial da Lei. O Vilna Gaon funciona de maneira semelhante, mas cita Os 14:10 para mostrar que os “caminhos retos” do Senhor serão uma vantagem para os justos e uma desvantagem para os ímpios. A interpretação de Ralbag também parece diretamente aplicável à Torá: seguir o caminho de Deus e mantê-lo significa que esse caminho dará força a eles (e o oposto aos ímpios). Isso mostra que ele entendia “o caminho” como algo que as pessoas podem seguir, bem como algo que pode “dar” força. De uma ordem diferente, mas mencionada por Delitzsch em uma extensão da frase citada acima, é a declaração em 2 Coríntios 2:14-16 (Delitzsch cita incorretamente apenas o v. 15). Paulo agradece porque os primeiros cristãos difundiram o conhecimento de Cristo, que é um aroma para os que se salvam e para os que perecem, respectivamente da morte e da vida.428 Não há qualquer referência ao provérbio, mas a estrutura lógica é idêntico: O conhecimento espalhado (= o evangelho) é paralelo à Torá; os redimidos e os que perecem são paralelos aos inocentes recebendo refúgio e os ímpios chegando à ruína; os dois grupos se relacionam positiva ou negativamente com o evangelho, assim como aqueles no provérbio se relacionam com o caminho/Torá. Não encontrei citação, referência ou alusão a este provérbio na literatura patrística, nem mesmo no comentário de Provérbios de Crisóstomo, que salta do v. 28 para o v. 30 e deixa o v. 29 sem citações e sem comentários.
10:30 O justo nunca será abalado, mas os ímpios não habitarão na terra. Embora os padrões rítmicos sejam importantes para Gemser, ele omite o tópico no que diz respeito a este provérbio. No entanto, um arranjo tradicional de 3+3 427 Sobre o conceito de revelação, veja o ensaio, “The Significant Deficiency of Revelation in Wisdom,” Vol. I, 28-39. 428 Aqui a ordem das palavras é quiástica: salvar (A) – perecer (B); morte (B) – vida (A).
196
Tradução e Exegese do Capítulo 10
é provável apesar do fato de que cada hemistich tem quatro palavras. Os massoretas combinaram a última e a penúltima palavra de cada metade por meio de um maqqeph, evitando assim em ambos os casos sílabas tônicas adjacentes e indicando um Doppeldreier como nos vv. 28 e 31. Duas sentenças verbais, cada uma contendo uma partícula de negação, produzem um paralelismo antitético simples em dois hemistíquios, embora cada uma contenha um elemento que não tem contrapartida na respectiva outra metade do verso.429 Como observa Clifford, o verso contém dois contrastes: de um lado os justos :: ímpios, e do outro a estabilidade :: instabilidade (não se comover :: não viver na terra). A estabilidade é expressa pelo verbo negado מוט, que no Qal significa “balançar” e no Niphal “ser movido, abalado, derrubado”. Geralmente é acompanhado por uma partícula negativa, principalmente com בל, como aqui.430 Isso expressa um motivo também encontrado no v. 25. Como a maioria dos comentaristas aponta, os dois versículos são tematicamente semelhantes. Embora palavras diferentes sejam usadas, a semelhança é próxima. V. 25a os ímpios não serão [permanecendo firmes]
V. 25b o justo será uma fundação inabalável (+)עולם
V. 30a o justo não será abalado (+)עולם
V. 30b os ímpios não permanecerão firmes
Como pode ser visto na figura acima, o primeiro hemistich de cada provérbio diz o mesmo que o último no respectivo outro provérbio. Não uso o termo “quiástico” porque os provérbios não são colocados em um quiasma composicional. Mas eles são claramente um provérbio “contado duas vezes” e são observados por Snell,431 mas não por Heim. Visto que o v. 30 está imediatamente após o v. 29, obviamente pode ser lido como uma especificação da fortaleza para os justos e a ruína para os ímpios mencionada na linha anterior.432 A fortaleza torna-se uma garantia de segurança inabalável, enquanto a ruína sofrido pelos praticantes da iniqüidade significa perder a terra. ארץ pode significar a terra ou a terra. No primeiro caso, o 429 Na primeira frase, é a qualificação temporal ( לעולםpara sempre, nunca [quando usado com um verbo negado]), no segundo é o objeto ארץ, usado com o verbo transitivo שכן. 430 Todas as ocorrências de מוט são encontradas em textos poéticos, 13 vezes com בל e 6 vezes com לא (BDB, cf. HALOT, KAHAL), frequentemente nos Salmos (cf. Sl 10:6; 13: 5; 15:5; 16:8; 21:8; 30:7; 62:3, 6; 112:6 etc.). Para seu uso com צדיק, cf. 12:3 e 25:26 (Snell [1993, 134]). 431 Snell (1993, 137). 432 Além da semelhança temática (a meu ver, um desenvolvimento por particularização), Waltke encontra vários tipos de vínculos entre os vv. 29 e 30. Existem links fonéticos (l inicial na segunda palavra de cada verso), bem como links sintáticos (singular [תם,]צדיקno primeiro e plural [פעלי און,]רשעים nos segundos versos). Para semelhanças temáticas, cf. 2:21-22.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
197
segundo hemistich diria que o ímpio perderá sua terra, isto é, sua herança na terra de Israel (assim Toy, Gemser, McKane, Ringgren, Plöger, Meinhold, Whybray, Scherer,433 Sæbø e outros). Neste último caso, isso significaria que ele não habitaria a terra de forma alguma,434 isto é, perderia sua vida (assim Fox, Waltke, Alter, Tuinstra). Em favor do primeiro, pode-se dizer que nenhuma existência segura é possível sem o apoio social e econômico fornecido pela terra,435 que colocaria em risco a vida dos ímpios de qualquer maneira. Mas isso não significa que a referência deva ser ao exílio, o que seria improvável à luz do primeiro hemisticismo. Diz-se que apenas indivíduos perversos perdem sua terra, não todo o Israel, o que significaria o exílio como a perda coletiva de seu país por todos, incluindo aqueles indivíduos que poderiam ser descritos como justos. Neste contexto, עולם não deve ser interpretado como evidência para o futuro eterno da “salvação e perdição do justo e do ímpio” (Waltke). Por essas razões, há um paralelismo dentro de ambos os provérbios, bem como um paralelismo entre os dois provérbios devido ao fato de terem sido editados em suas posições atuais. V. 29a o caminho do Senhor é uma fortaleza para os íntegros V. 30a O justo nunca será movido [da terra]
→
←
V. 29b [o caminho do Senhor] é ruína para os que praticam a iniquidade V. 30b os ímpios não habitarão na terra
Em virtude do paralelismo, a menção da terra no v. 30b permite ao leitor entender a imobilidade mencionada no v. 30a como a retenção da terra que sustenta a vida, o que, por sua vez, permite reler o v. 29a neste luz e perceber qual é a consequência prática da fortaleza fornecida pela Torá ou preceitos para o caminho de Yahweh. Da mesma forma, o paralelismo dentro do v. 29 mostra que a mesma Torá – ou melhor, a desobediência a ela – acarretará o castigo da ruína, que em termos reais significa a perda do sustento provido pela terra. Cada provérbio pode, assim, ser entendido como significativo em si mesmo sem recorrer ao outro, mas uma vez que o contexto literário é considerado, uma dimensão de valor agregado é gerada graças à eficácia do paralelismo e do contexto. 433
Scherer (1999, 49). Para o motivo usado em sentido positivo, cf. Mateus 5:5 (αὐτοὶ κληρονομήσουσιν τὴν γῆν [eles herdarão a terra]). Krüger (2019, 93f.) também considera “tropeçar”, tropeçar e perder o equilíbrio para o verbo מוט. 435 Ver Pilch (2016, 184-185). Whybray, que também observa a semelhança geral entre os vv. 29 e 30, refere-se ao significado que tinha para os antigos israelitas a existência concreta na terra. Sem mencionar explicitamente o exílio, ele exclui, no entanto, qualquer alusão a ele, observando que a referência aqui não é a toda a nação, mas a indivíduos. 434
198
Tradução e Exegese do Capítulo 10
Rashi interpreta לעולם בל־ימוט não como "ele nunca será derrubado", mas como "ele não será derrubado para sempre". Ele diz: “Quando ele desmorona, seu colapso ()מוטתו não é um colapso eterno ()עולם, mas ele cairá ()יפול e se levantará ()וקם novamente.” O Mezudat David apresenta a mesma interpretação em palavras um tanto diferentes. A introdução de uma qualificação temporária permite um alinhamento do provérbio com a experiência prática de que os justos às vezes sofrem, e assim enquadra essa experiência com o nexo ação-consequência. Ramaq resolve o problema por outro caminho. “O justo nunca cairá quando caminhar entre perigos, ou alternativamente, quando ele cair, ele deixará sua descendência [para manter a posse da terra]” enquanto a memória, assim como a descendência dos ímpios ()זכרם וזרעם perecer. Tanto as notas fragmentárias sobre Provérbios de Orígenes quanto o comentário de Melanchthon deixam este versículo sem comentários e apenas recomeçam com provérbios do cap. 11.
10:31-32 31 A boca do justo produz sabedoria, mas a língua perversa será cortada. 32 Os lábios do justo se preocupam com o que é favorável, mas a boca do ímpio [se preocupa com] coisas perversas. Embora a Bíblia Rabínica Bomberg permita que o cap. 11 começam com 10:32, muitos comentaristas agrupam os dois provérbios436 nos vv. 31-32 (4+3,437 4+3) juntos e fornecem argumentos convincentes para fazê-lo. Normalmente, os fundamentos são a coerência temática e a reintrodução do motivo do discurso.438 Whybray vai um passo além ao afirmar que o v. 32 esclarece o v. 31 (similarmente a Tuinstra). Alguns comentaristas também encontram uma coesão formal entre os dois provérbios. Por exemplo, Toy considera possível que todos os quatro hemistichs formem um quiasma, o quarto respondendo ao primeiro e o terceiro ao segundo, enquanto Boström, Gemser, Meinhold e Fuhs declaram positivamente que este é o caso.439 Isso produziria : 436 Ambos têm um arranjo rítmico 4+3. No v. 31, Gemser pensa que tanto 3+3 quanto 4+3 são possíveis. Mas o primeiro incorpora o maqqeph com a primeira palavra, embora não se preocupe em evitar duas sílabas tônicas adjacentes neste verso. Toy considera um padrão ternáriobinário (sua terminologia) possível para o v. 32, mas não dá nenhuma comprovação. 437 O maqqeph após פי não é necessário, uma vez que os acentos não recaem sobre sílabas adjacentes. 438 Por exemplo Hermisson (1968, 175), Plöger, Murphy, Clifford, Hausmann (1995, 188-189), Van Leeuwen, Fox, Waltke e Yoder. Scherer (1999, 63) aponta que a ideia de falar está ausente nos vv. 24-30, mas proeminente nos vv. 6-21, de modo que o dístico (minha terminologia) faz uma conclusão adequada ao capítulo, enquanto Hildebrandt (1990, 184) também junta os dois pontos, mas os vê como o início de uma nova “corda” continuada em 11: 1 (ao contrário de Scoralick [1995, 180], que incorpora 11:1-7 com os últimos versos do cap. 10, mas vê a cesura em 10:28). 439 Boström (1928, 127). Tuinstra ainda encontra dois chiasmi no dístico, aparentemente língua de boca / boca de lábios (como Meinhold) e justo-torto / justo-mal (?). Mas também não é um quiasmo. Se eu reconstruir corretamente sua intenção, que é composta por um
Tradução e Exegese do Capítulo 10
199
V. 31a boca (boa)
v. 31b língua (ruim)
V. 32a lábios (bom)
v. 32b boca (ruim)
Mas isso não me parece convincente. Os conceitos usados nos dois pontos não se relacionam transversalmente, mas estão em paralelismo equivalente direto (não antitético como são os hemistíquios dentro dos próprios pontos): fala boa, fala ruim / fala boa, fala ruim. Se os próprios lexemas devem ser combinados, como Meinhold e outros fazem, e não o único conceito (fala) que todos eles expressam, então לשון e [ שפתי]ם não são os mesmos, mesmo que ambos representem o motivo de fala e mesmo que todos os órgãos mencionados constituam o traço estilístico da sinédoque para representar a totalidade da pessoa que fala. לשון e [ שפתי]םnão correspondem mais intimamente um ao outro do que qualquer um corresponde a ה/פי. Seguindo Hitzig, tanto Delitzsch quanto Toy mencionam um possível realinhamento de hemistichs para ser pensável na forma de vv. 31a+32b e 32a+31b, que se sobrepõe parcialmente ao suposto quiasma, mas nenhum deles se compromete a aceitar a ideia de Hitzig, e com razão, pois o paralelismo no Texto Massorético é forte e não precisa ser “melhorado”. Mas Heim440 oferece um argumento que confirma a essência do ponto principal de Meinhold de que a unidade temática do bom e do mau discurso, cimentada como é pelas palavras de ordem צדיקe תהפכותrespectivamente nos hemistíquios a e b, de fato forma um proverbial par. Ele argumenta que o “sujeito do discurso” é introduzido aqui pela primeira vez desde os vv. 6-21 com apenas alguns versos no meio (que já haviam sido apontados por Scherer, veja a nota acima), para que o leitor possa associar as passagens do discurso entre si. Admitindo que as palavras צדיקe רצון também são encontradas respectivamente nos versículos anteriores e seguintes (10:30; 11:1), ele apela para o contexto diferente para manter os vv. 31-32 juntos. Embora eu concorde com isso, também concordo com Whybray,441 a quem Heim se refere a esse respeito, viz. isso vv. 1-30 “constituem um grande grupo frouxamente conectado com uma introdução nos vv. 1-5...” e uma conclusão nos vv. 31-32 e não no v. 30. Texto-criticamente, o verbo (ידעוןeles sabem) no v. 32 é frequentemente considerado inadequado para o assunto [(שפתי]םlábios). Portanto, Hitzig propôs יבעון (Hiphil imperfeito de [ נבעlet flow] com freira paragogicum), que é aceito por Toy, Gemser, BHS, EE e outros, mas não por BHQ. No entanto, a identificação de hemistichs por McKane (v. 31b duas vezes, v. 32b ausente), os argumentos dados nas linhas seguintes também se aplicam a ele. 440 Heim (2001, 133). 441 Whybray (1994, 96); na minha opinião, porém, o grande grupo inclui agrupamentos menores (veja acima).
200
Tradução e Exegese do Capítulo 10
mostrou que ידע pode significar "preocupar-se com", "estar interessado em" ou "prestar atenção a" (cf. Gn 39:6, Jó 9:21 e Prov 27:3), o que faz sentido.442 Portanto, o argumento para emenda não é fortalecido por um apelo à Septuaginta, que tem ἀποστάζει (deixar cair), uma vez que este verbo grego não é usado em outro lugar para נבע443 e em alguns manuscritos gregos é aqui traduzido por ἐπιστάτει, que representa o verbo hebraico ידעe pode ser um corretivo de volta ao Texto Massorético (portanto, Waltke) em vez de uma tradução etimológica de (נבעEE).444 Sem fundamentação ou qualquer outro comentário, Wildeboer declara que “v. 32b é uma sentença nominal”. Mas isso produz um resultado desajeitado: “a boca dos ímpios é coisas perversas”. Não apenas o plural no predicado colidiria com o singular do sujeito, mas a formulação seria, na melhor das hipóteses, dura, enquanto o sentido em que uma boca pode “ser” tais coisas permaneceria obscuro. Além disso, um aspecto fundamental do paralelismo seria negligenciado. No entanto, o verbo (נובv. 31) é interpretado e qualquer que seja a decisão crítica do texto sobre ידעno v. 32, quando os hemistíquios são lidos à luz um do outro, aspectos da informação no v. 31 e a presença elíptica445 do verbo do v. 32a no v. 32b são perfilados. Isso pode ser resumido da seguinte forma: V. 31a boca do justo cede/fala sabedoria [experimenta o oposto da punição]
V. 31b :: língua torta → [cede/fala o oposto da sabedoria] ← punido com corte
V. 32a os lábios do justo se preocupam com o que é favorável [experimentar o favor]
V. 32b :: boca do ímpio [está preocupado com] coisas perversas → [punido por corte]
Quais são os resultados que advêm da fala sábia do justo não é dito (v. 31a), mas a punição para a língua perversa é graficamente mencionada, enquanto não é dito o que a língua perversa realmente produz que justifica tal punição (v. 31b).446 No v. 32 a lacuna é facilmente preenchida, pois 442 Cf. também Plöger e Bühlmann (1976, 289-290) que entendem o verbo de maneira semelhante (“beachten” ou “sich kümmern um”). 443 Cfr. 15:2, 28, onde o verbo hebraico ocorre em expressões semelhantes, mas nesses casos a Septuaginta o traduz com ainda outros verbos gregos, notavelmente ἀναγγελεῖ (15:2) e ἀποκρίνεται (15:28). Além disso, ἀποστάζει também é a tradução de ינוב em 10:31. 444 Para propostas que foram rejeitadas por McKane, Waltke, Sæbø e outros, e tratadas ipso facto pelas considerações acima, cf. Dahood (1963, 20-21) e Winton Thomas (1969, 284-285). 445 Este versículo é uma ilustração de livro didático do que Alter ([1985] 2011, 25) chama de “repetição ‘oculta’”, que ocorre principalmente por meio do governo elíptico do segundo hemistich por um verbo no primeiro. 446 Curiosamente, Hill (2006, 222) aponta que, pela primeira vez em seu comentário, Crisóstomo parece mostrar interesse na característica estilística do paralelismo, falando de um “duplo conselho” que “mantém um equilíbrio” no provérbio.
Tradução e Exegese do Capítulo 10
201
o verbo está implícito no segundo hemistich.447 Sua presença elíptica no v. 32b é conhecida à luz de sua presença no v. 31a, que é proeminente não apenas em virtude do significado incomum para o qual é empregado, mas também por a freira especial paragogicum em ידעון, que marca sua proeminência. Portanto, não se diz o que é a boca torta, como afirma Wildeboer, mas o que ela faz, o que, por sua vez, contrasta com o que faz o orador justo do primeiro hemistich. No primeiro provérbio, a informação fornecida pelo v. 31b (que a língua pervertida é punida) possibilita uma releitura do v. 31a que permite ao leitor entender que os justos que falam não são punidos, o que é favorável e pode sugerir um positivo recompensa. Por outro lado, a informação fornecida pelo v. 31a (que o falar do justo produz sabedoria) permite ao leitor entender a razão pela qual a língua do que fala perverso será cortada, notadamente porque suas palavras produzem o oposto de sabedoria. , que é loucura. Muitas vezes encontramos esse tipo de enriquecimento mútuo nos paralelismos deste capítulo, que Berlin448 chama de “uma das principais funções semânticas do paralelismo”. No v. 31, Toy já havia aludido isso já em 1899, porém sem decifrá-lo. Ele diz, [como] o texto está, a antítese está implícita. Em vez de dizer que a língua dos ímpios profere tolice ou falsidade (como no v. 32), o versículo, aguardando as consequências, declara que ela será cortada; o provérbio em sua forma completa seria: o justo fala com sabedoria, obedece a Deus e vive – o ímpio fala tolice, desobedece e morre. É uma repetição da ideia familiar de compensação precisa nesta vida...
Waltke chama esse paralelismo de “impreciso”, mas elabora contribuições mútuas dos versos a e b no v. 31 (indicado pelas setas na figura acima). Por esta mesma razão eu preferiria escolher outra descrição do que “impreciso”, porque muita calibração vai para a criação de um paralelismo tão finamente equilibrado que diz tanto por não expressar quanto por expressar. Voltando às questões de detalhes no dístico, o primeiro é o verbo נוב no v. 31. A raiz é usada para se referir ao que as plantas produzem (cf. o verbo em Sl 62:11; 92:15; 449 Ze 9 :17); os substantivos derivados (ניבIsa 57:19 Qere;450 Mal 1:12) e (תנובהDeut 32:13; Juízes 9:11; Ezequiel 36:30).451 No Qal pode ser usado intransitivamente, significando “florescer”, mas seguido por um acusativo pode 447 Aqui a “lacuna sintática” (reticências do verbo em um dos hemistichs) de que fala Fox (2009, 404) combina com a lacuna semântica ou a lacuna de ideias. A lacuna sintática ocorre no v. 32 e a lacuna de ideias ocorre tanto no v. 31 quanto entre os dois pontos do vv. 31-32. 448 Berlim (2008, 97-98). 449 Neste salmo, a imagem de uma árvore frutífera é particularmente clara em sua aplicação ao צדיק ou pessoa justa (v. 13) que é plantada (v. 14) e dá frutos mesmo na velhice (v. 15). Pseudo-Ibn Ezra refere-se a Sl 92:15 em apoio à sua interpretação de que ינוב חכמהno provérbio significa “ele multiplicará a sabedoria” ()חכמה ירבה. 450 Rashi refere-se a esta leitura em Isa 57:19 e apela ao Qere “fruto dos lábios” para substanciar que o provérbio se refere à produção de frutos. 451 Ramaq, por sua vez, refere-se ao substantivo תנובה para chegar à mesma interpretação.
202
Tradução e Exegese do Capítulo 10
também ser transitivo. Bühlmann e Heim452 preferem o uso intransitivo neste verso e tomam חכמה como um acusativo instrumental (“a boca do justo prospera pela sabedoria”), mas a maioria aceita o uso transitivo com “sabedoria” como objeto direto. Como observa Plöger, o impulso básico do provérbio não é determinado pela questão de saber se a boca produz sabedoria ou é caracterizada pela sabedoria (em ambos os casos, o orador justo escapa da punição devastadora sofrida pelo orador corrupto). Mas o transitivo é preferível por duas razões. Primeiro, por causa do paralelismo entre o contraste dos órgãos falantes e o que eles produzem (a boca do justo produz sabedoria em oposição à língua da perversidade que só pode produzir coisas perversas, cf. a figura acima). Em segundo lugar, a imagem da planta para falar está bem estabelecida no Antigo Testamento (por exemplo, 12:14; 13:2; 18:20; Is 57:19; cf. Sl 92:13-15 [Clifford]). Além disso, também a ideia de cortar aquilo que não produz nada de bom (v. 31b) se encaixa perfeitamente na imagem da planta/fruto (cf. Mt 3:10; 7:19; Lc 13:7). As árvores que não produzem bons frutos são cortadas, e se a língua é a contraparte metonímica da fala produtora de sabedoria dos justos, o mesmo vale para ela. O V. 31ab fornece um caso interessante de metonímia, tanto da metáfora quanto da metatonímia, novamente em conexão com o motivo da fala.453 No primeiro hemistich, a boca representa a fala (metonímia). Mas simultaneamente é uma árvore produtora de frutos (metáfora), então podemos aplicar o termo “metaftonímia” de Goossens à interação de metonímia e metáfora como poderíamos em 10:11. Além disso, os a-hemisticos dos vv. 11 e 31 dizem a mesma coisa com metáforas diferentes, mas intimamente relacionadas, a saber, uma fonte de vida e uma árvore que produz alimento para a vida: os justos falam coisas que trazem vida. No segundo hemistich, a língua representa a fala (metonímia), mas o paralelismo desambiguador simultaneamente a torna uma árvore ruim (metáfora). Pessoas más falam coisas que não conduzem à vida. O V. 32a foi examinado na discussão crítica do texto acima (ידע significando “estar preocupado com” ou “prestar atenção a”). Mas o objeto (רצוןfavor) coloca a questão de como isso deve ser interpretado. Sempre indica a boa vontade demonstrada por uma autoridade para com um inferior (Clifford). expressar"). Embora isso seja possível, isso implicaria que apenas pessoas em posições socialmente superiores podem ser justas, o que não é o conselho para 452.
Bühlmann (1976, 303-306); Heim (2001, 132-133). Cf. acima em 10:11 e as referências dadas ali a Radden, Goossens e Luchsinger; para o v. 31 especificamente, veja Luchsinger (2010, 239-240, 286-290). 454 Dez vezes por Deus e quatro vezes pelo rei. Clifford refere-se a 11:1 e 16:13, o último dos quais especificamente esclarece que o texto do v. 31a não é problemático. Se “lábios justos têm o favor dos reis”, então “os lábios dos justos” podem “conhecê-lo”, isto é, prestar atenção ao que traz esse favor. 453
Tradução e Exegese do Capítulo 10
203
os jovens em Provérbios assumem. Também pode significar que o homem justo “fala com a intenção expressa de ganhar a aprovação dos outros” (McKane). Esses “outros” podem ser Deus ou humanos autoritários (da mesma forma, Murphy, cf. Clifford). Waltke interpreta a ideia como a fala encontrando o favor de Deus e possivelmente também das pessoas (embora ele ache que רצון seja uma metonímia para a fala que busca favor, o que é improvável, uma vez que [[שפתי]םlábios] já é a metonímia para esse discurso). Como apontado acima, os dois pontos estão em paralelismo equivalente direto um com o outro: a-hemistichs: status constructus (falar) + genitivo + verbo + objeto b-hemistichs: status constructus (falar) + genitivo + verbo / predicado com verbo implícito
Como afirma Whybray, embora não dê detalhes, o paralelismo abrangente das duas linhas tem um efeito esclarecedor. A sabedoria que se diz ser produzida pelas palavras dos justos (v. 31a) é especificada como palavras que agradam e, portanto, são favorecidas. Os justos podem trabalhar conscientemente para esse favor (McKane) ou apenas encontrar favor. A sabedoria é, portanto, especificada como algo que leva ao favor e à aceitação. Não é dito quem concede o favor, mas à luz do fato de que רצון é sempre recebido de uma parte superior, o paralelismo deve significar que a sabedoria agrada a pessoas autorizadas, como reis e a Deus. Da mesma forma, o paralelismo entre a boca do (רשעים povo perverso) no v. 32b e a língua perversa (v. 31b) confirma a interpretação de que a língua perversa representa pessoas que falam coisas perversas e, portanto, aqueles que são punidos são pessoas perversas. Cortar a língua é uma imagem dura, mas apropriada para uso no contexto da fala. Pode, por causa da sinédoque, sugerir que as pessoas são “cortadas” da comunidade e da terra (então Yoder, cf. 2:22, onde os ímpios []רשעים também são ditos “cortados” [ כרתNiphal] da terra, e o v. 30 imediatamente anterior, onde os ímpios sofrem o mesmo destino, embora expresso negativamente). No entanto, apesar da metonímia e metafonemia desses versos, o corte da língua também remete a uma dura realidade. Conforme mostrado por Greenfield,455 há um paralelo com esses versos na versão aramaica do século V da Sabedoria de Achiqar, apresentada como um sábio assírio do século VII, que apóia a ideia de punição literal de pessoas insinceras ou desonestas, rasgando fora a língua. Diz, 456 [יאפך אל פם אפכא וינסח לשנ]ה Literalmente: El distorcerá a boca do deturpador e arrancará [sua] língua. Ou seja: El mutilará a boca daquele que voltar atrás em sua palavra e arrancará sua língua. 455 456
Greenfield (1971, 49-60). Achiqar Col. 10, l. 156 (ANET, 429).
204
Tradução e Exegese do Capítulo 10
O verbo aramaico אפך pode significar “virar de cabeça para baixo”, “destruir”, “voltar” ou “retribuir”. É usado aqui no imperfeito, bem como no particípio, que carrega um trocadilho: El arrancará literalmente a língua de alguém que volta atrás em sua palavra, distribuindo assim a retribuição no estilo do ius talionis (um olho por um olho e língua por língua, veja abaixo em Hammurapi). O “que distorce” (particípio de )אפך não é apenas aquele que fala errado, mas aquele que persistentemente “volta atrás” em sua palavra, isto é, não mantém sua palavra. Ele fica com a boca distorcida ()אפך, o que é explicado como “tirar” ( )נסחa língua. Onde Greenfield relaciona isso com a prática do antigo Oriente Próximo de arrancar a língua das pessoas que voltam atrás em sua palavra, Yoder se refere à evidência assíria de fazer isso com os rebeldes, aos quais blasfemadores poderiam ser adicionados: 457 Eu arranquei as línguas das pessoas cujas bocas malignas falaram profanação contra Ashur, meu deus, e conspiraram contra mim...
No Código de Hammurapi (século XVIII) a mesma punição é prescrita para um filho adotivo de certos oficiais, se ele usasse palavras negando a paternidade de seus pais adotivos.458 Portanto, a prática pode ser considerada uma punição muito antiga que foi mantida durante séculos. Rashi e Ramaq compartilham a interpretação do v. 31a como uma referência a uma árvore frutífera. Seus argumentos já foram referidos nas notas acima. Bahya dá uma interpretação estendida com base no Salmo 1:3 (onde aquele que não é perverso, ou seja, que é justo, é comparado a uma árvore plantada junto à água, que dá seu fruto no tempo certo e cujas folhas não murcham). Para ele, a doação de frutas mencionada no provérbio deve, portanto, também ter uma relação com as folhas, que o rabino interpreta como dois tipos de discurso justo. As folhas representam o discurso mundano dos justos e o fruto suas palavras sobre a Torá. Os últimos são os mais importantes, mas seu discurso mundano também é significativo (cf. Sukkah 21b),459 uma vez que protege seu discurso religioso como as folhas protegem o fruto da árvore. Além disso, uma vez que é natural que uma árvore frutífera produza frutos, também é natural para o justo acostumado falar com sabedoria. Hame'iri e o Mezudat David prestam atenção à língua pervertida do v. 31b. O primeiro entende que se refere à traição (desonestidade) que não dará em nada, enquanto o segundo também pensa em traição, mas no sentido de distorcer as palavras da Torá em heresia, que obviamente também será frustrada. Rashi interpreta o רצון com o qual os justos estão preocupados como significando que os justos sabem como agradar a Deus no sentido de aplacá-lo460 (pela oração, intercessão e fazendo o que é certo), mas também como agradar as pessoas – ambos os quais pode ser defendida com base no texto. Gerondi acrescenta um cavaleiro ao v. 31 com a ajuda do v. 32. Embora a “língua da perversidade” seja cortada, há casos em que “dobrar” 457
Anais de Ashurbanipal (Cilindro de Rassam), IV, 65f. (ANET, 288). Codex Hammurapi 192 (ANET, 175). 459 Foi dito em nome de Rab, “De onde sabemos que mesmo a linguagem mundana dos sábios precisa ser estudada? Da Escritura, onde está dito: ‘E cuja folha não murcha’ [Sl 1:3].” 460 Veja Taanit 19a para um exemplo do efeito das orações de Honi, o “membro da família de Deus” (Ginsburg [1998] 2009, 194). 458
Tradução e Exegese do Capítulo 10
205
a verdade está um pouco em ordem, ou seja, quando o que é bom e pacífico ( )רצון para as pessoas pode ser alcançado por ela.461 Isso pelo menos ilustra como provérbios paralelos podem ser usados criativamente para criar novas possibilidades de aplicação. Clemente de Alexandria (século III)462 usa o v. 31 para apoiar seu argumento de que fazer o bem é melhor do que falar bem. Ele cita o versículo como: "A boca do justo destilará sabedoria" (cf. a Septuaginta, ἀποστάζει σοφίαν [deixe cair a sabedoria]) e o lê junto com uma paráfrase de Prov 14:6 no sentido de que a sabedoria não é encontrada entre os ímpios. Isso é enquadrado por citações de Sir 19:22 para afirmar que a invenção da oratória é negativa e 2 Tim 2:14 para mostrar que as palavras não devem ser consideradas importantes. Nesse contexto, ele transforma o v. 31a no contrário do que diz o texto hebraico: não a produção de muitos frutos/palavras, mas a produção de poucas palavras purificadas é o que conta. Mais tarde, ele cita todo o versículo em uma passagem sobre virtudes e vícios, mas inverte os dois hemisticismos bíblicos para enfatizar as “gotas” positivas de sabedoria contra as heresias enganosas (com referência às “balanças enganosas” de 11:1 ).463
461 Esta interpretação está de acordo com uma opinião expressa no Talmud (Yebamoth 65b, onde a referência é a Gen 50:16-17, segundo a qual os irmãos de Joseph estendem o que poderia ter sido o desejo de seu pai para manter a paz com Joseph). 462 Strom I, 10 (ANF II, 310-311). 463 Strom II, 18 (ANF II, 365).
INTRODUÇÃO À EXEGESE DO CAPÍTULO 11
Ansberry Bíblico 2011, 80-95; Bostrom 1928, 127-133; Freuling 2004, 63-76; Hatton 2008, 98-109; Heim 2001, 135-144; Hermisson 1968, 175-176; Irwin 1984, 97100; Krispenz 1989, 49-57; Kselman 2002, 545-548; Lucas 2015, 18-19; Pilch 2016, 37-41; Sandoval 2006, 156-164; Scherer 1999, 72-94; Scoralick 1995, 182-197.
Temas e motivos Os provérbios coletados no cap. 11 são novamente em sua maioria antitéticos.1 Freqüentemente, eles dizem respeito ao tema típico da antítese do justo e do perverso ( צדיקe )רשע.2 O nexo de ação e consequência ocorre repetidamente. No entanto, entre tais ditos, há vários versos que mostram que não se trata apenas de uma obsessão eudemonística com o que traz o maior lucro para si mesmo. Por exemplo, o capítulo começa com um ditado sobre comércio justo como uma questão de vontade divina (v. 1). Continua com um ditado sobre a modéstia em oposição à arrogância (v. 2). Assim, o tema da riqueza combina com o tema da responsabilidade social para dar ao capítulo uma dimensão ética decidida. Existe até um grupo inteiro de provérbios que tratam do impacto social do comportamento sapiencial (vv. 8-11). A presença de tais ditos entre os outros relativiza a ligação ação-consequência e permite a conclusão de que não pode ser simplesmente explicada como fixação no interesse próprio. Organização do capítulo Apesar de tais associações temáticas, o fato de provérbios de um tipo ocorrerem junto com outros de um tipo comparável ainda não prova que tenhamos composto unidades poéticas primorosamente no capítulo. Só pode ser determinado se tal é o caso em evidências fundadas em uma base mais ampla. Vários estudiosos identificaram grupos de ditados ou unidades de provérbios delicadamente arredondadas. Uma vez que os provérbios são poesia, tais tratados equivaleriam a unidades poéticas – embora os comentaristas geralmente não se refiram a eles como “poemas” no sentido daqueles encontrados nos caps. 1-9. Mesmo uma pesquisa superficial de resultados de pesquisas recentes revela que não há consenso sobre onde essas unidades estão, como elas se parecem, quantas são ou qual é sua extensão. 1 Exceto vv. 7, 16, 22, 25, 30-31 – então Murphy, que entretanto omite o v. 22 da lista, e Sæbø, que inclui o v. 10 entre estes. 2 Ex. vv. 8, 10, 18, 23; também vv. 2, 16, 25, 29, onde ocorrem outros rótulos para tipos humanos.
Introdução à Exegese do Capítulo 11
207
Uma das primeiras indicações na direção da identificação de “grupos”, como ele os chama, é fornecida por Toy. Embora ele seja um expoente da “escola independente de provérbios”, ele não pode evitar fazer a declaração simples, embora infundada, de que os vv. 1011, 19-21 e 24-26 formam tais grupos. O trabalho mais recente de Sæbø oferece mais um exemplo. Crítico das unidades composicionais propostas por Scoralick (veja abaixo), ele trata os ditos do capítulo por seus próprios méritos, mas ainda identifica grupos soltos (por exemplo, vv. 3-11; 18-21; 30-31), bem como pares de provérbios como vv. 16-17, 2526, alguns dos quais até ultrapassam os limites do grupo que ele identifica, notadamente vv. 1819 e 23-24. Estudiosos recentes3 ofereceram argumentos extensos para o agrupamento de versos. Hermisson identifica vv. 2-14 como uma unidade temática que também mostra uma “progressão de pensamento associativa”. 5-6+8 e inicial בvv. 7+9-12. Segundo ele, v. 1721 é uma unidade unida pela ideia de recompensa e retribuição, e vv. 23-31 são ditados gerais exemplificados por ilustrações mais específicas. Krispenz distingue dois grupos entre os provérbios do capítulo. No v. 3-6 ela identifica um grupo que constitui um reflexo da experiência do justo e do perverso com base no nexo ação-consequência. Isso em si é bastante vago, e sua descrição das relações entre os versículos também (nenhuma relação direta entre vv. 3 e 4 ou entre v. 4 e v. 5, mas v. 5 especifica v. 3 e v. 6 em sua opinião elucida v. 4). Seguindo Hermisson, ela toma vv. 17-21 como uma unidade temática fechada, mas vê uma dificuldade com o v. 20 neste contexto (veja a nota acima). Scoralick considera vv. 1-7 até a última seção do Cap. 10 e depois identifica mais duas unidades nos vv. 8-17 e 11:18–12:3. Segundo ela,6 10:1–11:7 é caracterizado por temas da “vida interior” dos humanos, enquanto o interesse pelo “mundo exterior” (termos relacionados à natureza e à agricultura) aparece em 11:18–12:3 . No entanto, o impacto potencial dessa observação é prejudicado por sua admissão de que os temas da “vida interior” também ocorrem na última unidade. Além disso, ela admite que uma “imagem da natureza” também ocorre na unidade anterior (10:3), mas ela ignora a presença de motivos de “agricultura” e “natureza” no cap. 10 (vv. 5 e 25). Na mesma linha, Sæbø aponta que a existência de múltiplas semelhanças temáticas e formais entre os caps. 10 e 11 dilui seu argumento7 para iniciar um novo grupo de provérbios em 11:7. Heim encontra grupos nos vv. 2-14, 15-21, 22-31. Segundo ele, o provérbio introdutório sobre comércio justo (v. 1), que é então “aplicado aos assuntos humanos em geral”, primeiro no vv. 2-8 (ganância, que no entanto é muito indireta), então nos vv. 9-14 (o engano aludido a “exemplificado na área da fala”, que novamente é bastante tortuoso).8 Vv. 15-21 carece do tema do discurso e introduz o da desonestidade.9 Em sua opinião, vv. 23-31 são introduzidos por um v. 22 isolado e contêm dois subgrupos (vv. 2327 e 28-30, então Meinhold), enquadrados pelos vv. 23 e 31 como os únicos versículos contendo os conceitos-chave na mesma ordem.10 Heim apresenta uma análise detalhada, mas 3
Ver acima, Introdução, Par. 2.2.2. Hermisson (1968, 175). 5 O termo é de Heim (2001, 136); nesta “ordem alfabética”, Hermisson é seguido por Plöger (da mesma forma Meinhold e Scherer [1999, 76]). 6 Scoralick (1995, 196-197). 7 Por exemplo, com base nas semelhanças entre 10:2 e 11:4 ou entre 10:28 e 11:7. 8 Heim (2001, 138). 9 Heim (2001, 139). 10 Heim (2001, 143-144). 4
208
Introdução à Exegese do Capítulo 11
ainda assim, a linha de fundo é temática, que é aplicada amplamente. Lucas só difere de Heim em aspectos menores. As divisões marcadas por Waltke mostram alguma semelhança com as de Scherer (ver abaixo), embora seus argumentos não sejam os mesmos. As diferenças dizem respeito principalmente à fronteira entre os grupos (por exemplo, em vv. 9/10, 15/16, 23/24 ou 26/27). Waltke discerne focos temáticos para as seções: vv. 1-8 (honestidade por meio da retidão), 1015 (palavras na comunidade, com v. 9 como um versículo de Janus conectando os dois caminhos), 16-22 (benevolência e comunidade), 23-27 (desejos), 28-31 (ganho e perda).11 Se essas divisões são aceitas, deve-se também conceder uma certa imprecisão de motivos em sua relação com o tema dado (por exemplo, como o porco ou a mulher do v. 22 podem se relacionar com a benevolência). Mas, novamente, isso talvez seja esperado e não seja natural em uma coleção de provérbios, por mais cuidadosamente que o material pré-existente possa ter sido agrupado e editado. A análise feita por Scherer12 também opera com critérios temáticos, mas também trabalha extensivamente com palavras-chave, campos de palavras e simetria formal para marcar as seções que identifica no capítulo. O argumento formal de que uma “introdução” (vv. 1-2) e uma “conclusão” (v. 31) marcam o capítulo como um todo, bem como a palavra de ordem רצון em 10:32 e 11:1 mostram que Capítulos 10 e 11 não são independentes, mas passaram por procedimentos redacionais semelhantes. É importante ressaltar, no entanto, que no que diz respeito ao critério temático, Scherer descobre que ele revela “modulações temáticas”, isto é, mudanças e variações no uso de ideias. Ele consequentemente chega à conclusão de que aqui encontramos uma certa união e integração (“Beieinander und Ineinander”) de unidade temática e multiplicidade. Segundo ele, trata-se de uma polifonia em ambos os capítulos, o que, a meu ver, faz jus à dupla faceta dos provérbios, ao mesmo tempo que se sustentam em seus próprios pés e o fazem no contexto literário que lhes é dado.
Por um lado, a falta de consenso entre os intérpretes não significa necessariamente que todos estejam errados (como mostra a história da ciência, acontece que uma minoria de um pode estar certa). Mas, no entanto, o quadro geral deve soar como um aviso para ser cauteloso, pois argumentos avançados em favor de certas posições podem ser possíveis, enquanto outras considerações podem apontar em direções alternativas igualmente possíveis sem constituir prova de “correção”. , Murphy diz,
11
Cf. as semelhanças dos agrupamentos de Tuinstra: vv. 1-8, 9-14 (15), (16) 17-21 (22), 23-31. Scherer (1999, 72-94, resumo 88-89). 13 Os próprios comentadores podem até apontar possibilidades divergentes dentro de suas próprias análises. Scherer (1999, 83-84), por exemplo, diz respeito aos vv. 17-23 como tal unidade, mas admite que o v. 22 não pode ser facilmente encaixado nela. Ele também admite que vv. 16 e 17 estão conectados no nível de paronomasia (אשת־חןe)איש חסד, embora insistindo que uma nova unidade, no entanto, começa com v. 17 por causa de sua conexão ética com os versículos que se seguem. Da mesma forma, Krispenz (1989, 55) considera vv. 17-21 como uma unidade próxima, mas, ao mesmo tempo, o v. 20 pode ser visto como conectado de maneira muito vaga com os versículos circundantes para caber. Whybray, além disso, mudou de ideia de três unidades menores nos vv. 4-6, 10-11 e 12-14 (comentário de [1972] 1994, 177, 179-181, incorretamente simplificado como vv. 4-6 e 9-14 por Heim [2001, 136]) para uma única unidade em vv. 3-14, seguido por ditos isolados nos vv. 15f. (1994, 96-97) – ambos (re)publicados no mesmo ano. 12
Introdução à Exegese do Capítulo 11
209
... não existe um princípio claro de organização. Mas há sinais de que os ditos foram agrupados. ... Todas essas características indicam, ainda que ligeiramente, um amplo senso de unidade entre grupos de dizeres que nos parecem bastante díspares. No entanto, os argumentos são frágeis e nem todos concordarão...
Em princípio, há espaço para diferentes leituras do texto, que pode, como a partitura de uma sonata, ser legitimamente executada de diferentes maneiras – sem contar o fato prático de que esgotar os detalhes envolvidos é tarefa de monografias, e não de comentários. Origem social A origem social de vários provérbios proeminentes pode ser observada no tema da justiça social. Não apenas a vida comercial como tal é representada, mas também o fato de que era necessário condenar os lucros comerciais injustos (v. 1). Isso mostra uma sociedade em que a especulação (v. 16b) e os truques comerciais (v. 26) eram abundantes. Tais práticas implicam uma sociedade que depende da venda de produtos agrícolas (v. 26). Portanto, um contexto urbano é pressuposto para a venda de alimentos produzidos pela pequena nobreza à população não-proprietária das cidades. De fato, vilas e cidades são explicitamente mencionadas nos vv. 10f. (קריהe)קרת. Nesse contexto, faz sentido a sapiencial insistência na justiça e na magnanimidade para com os outros (v. 24).14
14
Cf. Sandoval (2006, 145-148).
TRADUÇÃO E EXEGESE DO CAPÍTULO 11
Provérbios 11:1-8 Comércio justo e justiça geral 1 2 3 4 5 6 7 8
Balanças enganosas são uma abominação para o Senhor, mas um peso cheio tem seu favor. Uma vez que veio a arrogância, veio também a desgraça, mas com as pessoas modestas está a sabedoria. A inocência dos retos os conduz, mas a desonestidade dos traiçoeiros os destrói. A riqueza é inútil no dia da ira, mas a justiça salva da morte. A justiça do inocente endireita o seu caminho, mas pela sua maldade o ímpio cai. A retidão dos justos os livra, mas pelo [seu] desejo os traiçoeiros são enlaçados. Com a morte de um ser humano, a esperança perece, mas a expectativa construída na força humana já pereceu. Uma pessoa justa é resgatada da adversidade, e então uma perversa vem em seu lugar.
Bibliografia Dell 2006, 61; Hausmann 1995, 48-51, 56, 58; 281, 313; Heim 2001, 134-136; Home 2013, 240-246, 252-262; Hermisson 1968, 175; Krispenz 1989, 49-57; Millar 2020, 137-139; Pilch 2016, 37-39; Scoralick 76, 157, 162-169; Scherer 1999, 75-79.
Os versos iniciais já mostram o que Scherer diz de todo o capítulo, ou seja, que as linhas divisórias entre as seções ou grupos são difíceis de traçar com clareza. Isso também significa que a construção estrutural de tais grupos também é ilusória, porque seus limites são ilusórios. O que vários comentaristas notaram é que há pelo menos uma conexão ou associação frouxa entre os caps. 10 e 11, que é marcado pela proeminente palavra de ordem (רצוןfavor) em 10:32 e 11:1.15 Além disso, 11:1-2 pode ser considerado como uma espécie de introdução ao capítulo como um todo, uma vez que declara um princípio prático (comércio justo, v. 1) e um princípio básico (arrogância e humildade, v. 216). Há também um impressionante 15 Cf. Steinmann (2002, 549), que pensa que “Heim tem propositadamente para minimizar certos links para produzir seus agrupamentos de provérbios”, e considera este caso uma ilustração. Embora se possa dizer que os agrupamentos de Heim nem sempre são tão convincentes, deve-se dizer que, no entanto, ele reconhece esse vínculo, embora, em sua opinião, fraco (Heim [2013, 254]). 16 Veja o comentário em 1:2, vol. I, 56-57; o princípio também ocorre às 15:33; 16:5, 18; 18:12; 29:23.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
211
aliteração e assonância da vogal ô e da consoante n em רצונו, זדון e קלון nos dois versos, que Waltke identifica como uma ligação fonética. Os provérbios nos vv. 3-8 mostram uma colocação concêntrica. Os sinais que marcam isso são discerníveis, mas não testemunham uma unidade poeticamente unida. 3 4 5 6 7 8
Ethical contrast: ישרים:: בוגדים ( הוןfinancial strength) ( צדקת תמיםrhyme, assonance); waw + בopen v. b ( צדקת ישריםrhyme, assonance); waw + בopen v. b ( אוןstrength) Ethical contrast: צדיק:: רשע
Este esboço confirma a apresentação feita por Scherer,17 ou pelo menos aponta na mesma direção. No entanto, parece menos certo que detalhes finos sejam tão meticulosamente elaborados a ponto de sugerir uma delicada composição poética. Na minha opinião, os marcadores testemunham antes uma edição cuidadosa do que uma composição requintada. Scherer encontra um quiasma sutil no uso de צדקה e מות no v. 4, e מות e רשע no v. 7, respectivamente no final e no início desses versículos. Mas há uma incerteza textual no v. 7 (ver abaixo), enquanto um dos pólos quiásticos contém o substantivo abstrato do conceito positivo e o outro contém o substantivo pessoal do conceito negativo. Além disso, o fato de que vv. 4, 5 e 6 são claramente “três provérbios em louvor a (”צדקהDelitzsch, cf. Fox no v. 6), atravessam o padrão concêntrico. No entanto, a ordem concêntrica desses seis provérbios pode ser afirmada.18 11:1 Balanças enganosas são uma abominação para o Senhor, mas um peso cheio tem seu favor. O provérbio é um ditado clássico 4+3 que consiste em duas frases nominais. Ambos os hemistíquios têm um acento para cada palavra. Há dois genitivos no hemistich de abertura. O primeiro é um genitivo explicativo, uma vez que o nomen rectum em ( מאזני מרמהescalas de engano) explica que tipo de escalas se entende e pode, portanto, ser traduzido por um adjetivo. Em (תועבת יהוהabominação de Javé), o genitivo é subjetivo porque Javé é o sujeito da aversão. Cada elemento do paralelismo antitético tem uma contraparte precisa no respectivo hemistich oposto.
17 Scherer (1999, 75-79); cf. também no v. 3 abaixo para o agrupamento de Melanchthon dos vv. 3-8 por motivos temáticos. 18 A associação do uso do substantivo צדקה é mais forte nos vv. 5 e 6 do que entre estes e sua forma no v. 4, pois no v. 4 está no estado absoluto e no vv. 5 e 6 no estado de construção, além disso com rima e assonância nos dois últimos versos.
212 V. 1a balança de engano abominação para o Senhor
Tradução e Exegese do Capítulo 11 V. 1b completo19 pedra favorável terceira pessoa masculino singular sufixo
Neste ditado não há lacuna para o leitor preencher. Referindo-se a este versículo (e aos provérbios antitéticos em geral), Alter20 observa que “a força expressiva parece vir principalmente da correspondência enfática de termos opostos complementares, e não dos padrões interversos para o desenvolvimento do significado”. Ele compara o v. 1 com o v. 20, onde também ocorrem os opostos complementares “aversão a Javé” e “seu prazer”, porém com referência a conceitos gerais de intenções tortuosas (“coração”) e ação irrepreensível (“caminho”), enquanto os sujeitos e predicados nas duas sentenças nominais também são invertidos. De acordo com Alter, o poder metafórico exercido pelo par estereotipado de ódio e prazer entra em um jogo de definição mútua: o par indica tudo o que é torto e torto em oposição a tudo o que é inocente e completo. Este é um claro julgamento ético. Se o contraste no v. 1 for considerado à luz do jogo semântico no v. 20, o leitor pode inferir que pesos confiáveis em oposição a enganosos na prática comercial são uma manifestação de um princípio ético geral da vontade de Deus. Outro provérbio “contado duas vezes” observado por Snell21 e discutido em profundidade por Heim22 é 20:23. Como em 11:20, o predicado תעבת יהוה está em primeiro lugar, mas o sujeito é (אבן ואבן uma pedra e uma pedra, pedras mais pesadas e mais leves que pretendem ter o mesmo peso), e no segundo hemistich as balanças enganosas dizem ser (לא־טוב não é bom) em vez de favorável. Heim acha que as frequentes declarações sobre práticas de comércio justo e julgamento divino são evidências da importância do tema para o(s) editor(es) final(es) do livro. Ele critica Murphy por supor que a prática comercial injusta deve ter sido comum em Israel, já que é repreendida com tanta frequência. Não discuto a importância do tópico para o editor final, mas foi importante para outros também (cf. Lv 19:35; Dt 25:13-16; Os 12:8; Am 8:5-6; Mq 6:11). Tampouco contesto que os provérbios possam ser criados modelando-os em outros provérbios, mas a alegação de que isso deve ter sido feito pelo editor final parece-me orientado por um propósito. Neste caso, de acordo com Heim, foi feito para aumentar artificialmente o número de provérbios de comércio justo, de modo a “demonstrar aos leitores a importância que (correto, justo, ortodoxo), talvez influenciado pela tradução da Septuaginta com δίκαιον (justo); ambos destacam o aspecto moral, que, como aponta EE, já está inerentemente presente no texto hebraico. 20 Alter ([1985] 2011, 210-211). 21 Snell (1993, 38). Ele agrupa os ditos em sua categoria 1.2, viz. versos inteiros com duas palavras diferentes. Sua contagem é problemática, pois essa comparação mostra quatro palavras diferentes. 22 Heim (2013, 252-254).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
213
este tema tinha aos olhos daqueles que forjaram o livro de Provérbios em sua forma final.” O caso, no entanto, não foi provado. De qualquer forma, conto apenas cinco provérbios que entram em jogo para o propósito deste argumento (11:1, 20; 16:11; 20:10, 23). De acordo com Pilch,23 este provérbio está entre aqueles no livro sugerindo “que os seres humanos são incapazes de criar pesos consistentemente precisos” e que somente Deus pode determiná-los (cf. 16:11). Havia um padrão real para pesos, como pode ser inferido em 2 Sam 14:26. Se isso não fosse cumprido, era desonesto, pois se um peso muito leve for usado para vender um produto, isso significaria que os clientes recebem menos do que acreditam estar recebendo, e um peso muito pesado para medir o pagamento significaria que os clientes na realidade pagam mais do que pensam. Esta prática fraudulenta está sendo proibida. É justificável usar o termo “proibido”, não apenas com referência aos mandamentos do Pentateuco, mas também a uma declaração como 11:1. O uso da expressão תועבת יהוה, quer tenha conotações de culto ou não, mostra claramente a desaprovação divina da fraude comercial e o contraste deixa claro o que ele espera dos comerciantes. Quer seja usada a forma de uma declaração sapiencial no indicativo (“Wahrspruch”) ou venha como uma injunção sapiencial no imperativo ou jussivo, é um ato de fala didático que espera ser posto em prática.24 O fato de que isso é um ditado de Javé, bem como seus paralelos no Pentateuco e em outras fontes antigas do Oriente Próximo mostram que a esfera econômica da vida no mundo antigo de fato não é uma “instituição social independente” (Pilch), mas profundamente enraizada em consciência religiosa. Além do Pentateuco e dos profetas citados acima, também podemos comparar textos do Egito e da Mesopotâmia. Na Sabedoria de Amenemope encontram-se várias passagens comparáveis: Não mova a balança nem altere os pesos, Nem diminua as frações da medida; Não deseje uma medida dos campos, nem negligencie os do tesouro. O Macaco está sentado na balança, seu coração está no prumo; Onde está um deus tão grande quanto Thoth, Quem inventou essas coisas e as fez? Não faças para ti pesos deficientes, Eles são ricos em dor pelo poder de Deus. 23
Pilch (2016, 37-38). O tópico de instrução contido em declarações descritivas e não apenas em advertências é discutido na Introdução, Ensaio 2, e abordado no Ensaio 1. Em sua seção sobre “A ilocução do ditado sapiencial”, Luchsinger (2010, 301-315, esp. 310-311) usa 11:1 como um exemplo de como um dito contrastivo confronta o aprendiz com alternativas. O aspecto ilocutório exige que o aprendiz compare uma afirmação positiva com uma negativa, cuja função assertiva é transmitir uma injunção: “seja honesto nos negócios, não seja desonesto”. Luchsinger chama isso de apelo à capacidade do ouvinte de praticar o “controle voluntário”. 24
214
Tradução e Exegese do Capítulo 11 Se vires alguém que trapaceia, Mantém distância dele.25 ... Cuidado para não disfarçar a medida, Para falsificar suas frações; Não o force a transbordar, nem deixe seu ventre vazio. Meça de acordo com seu tamanho real, sua mão limpando exatamente. Não faça um alqueire com o dobro do seu tamanho, pois então você está indo para o abismo. O alqueire é o Olho de Re, Ele abomina aquele que apara; Um medidor que se entrega à trapaça, Seu Olho sela (o veredicto) contra ele.26
Na Mesopotâmia, o motivo dos pesos comerciais abrange mais de um milênio, como pode ser visto no Código Hammurapi (século XVIII) por um lado e no Hino Shamash (na biblioteca de Ashurbanipal, século VII) por outro: Se um comerciante emprestou grãos ou dinheiro com juros e quando ele emprestou com juros, ele pagou o dinheiro pelo peso pequeno e o grão pela medida pequena, mas quando ele o recebeu de volta, ele recebeu o dinheiro pelo peso [grande] (e) o grão pela grande medida [esse comerciante perderá] o que ele emprestou.27
e Aquele que manuseia a balança com falsidade, Aquele que deliberadamente muda os pesos de pedra (e) abaixa [seu peso], Fará a si mesmo mentir pelo lucro e então perderá [seu saco de pesos]. Quem manuseia a balança com verdade, muito...28
Em todos estes casos, o mesmo motivo com a mesma intenção comercial ocorre juntamente com a dimensão religiosa (também no Shamash Hymn, onde várias linhas são quebradas no final da citação, mas depois se diz que quem lida com a medida de forma justa é agradável à divindade). A Mishná (Baba Batra 5,10) leva tão a sério a questão das medidas e escalas que até prescrições são dadas para a limpeza desses utensílios por chefes de família comuns (uma vez por ano). Os lojistas devem limpar as medidas duas vezes por semana, polir os pesos uma vez por semana e limpar as balanças após cada pesagem (assim Rabban Simeon ben Gamaliel). Embora nem o v. 1 nem os outros provérbios relevantes ou a Torá sejam citados diretamente,29 eles são assumidos pelo argumento. Rabbenu Yonah 25 26 27 28 29
Amenemope XVII, 17 – XVIII, 7 (AEL II, 156-157; COS I, 119); cf. ANET, 423. Amenemope XVIII, 15 – XIX, 4 (AEL II, 157; COS I, 119-120). Codex Hammura 94-95 (ANET, 169; COS II, 342). Shamash II, 51-53; cf., após o hiato, III, 7 (ANET, 388). Pseudo-Ibn Ezra pula o provérbio e começa seu comentário de Prov 11 no v. 2.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
215
Gerondi (século 13), por outro lado, conecta diretamente 11:1 com 10:32. Interpretando a aversão a balanças enganosas como significando que elas estão erradas mesmo se não forem usadas, revelando intenções desonestas, ele aplica o princípio à “boca do ímpio” mencionado em 10:32b. À luz de 11:1, o versículo anterior deve significar que a própria intenção de falar coisas ofensivas é condenada, mesmo que o dano ainda não tenha sido causado.30 O ספר החימוך, uma exposição medieval dos 613 mandamentos da Torá (século 13) diz que pesos e medidas falsas merecem punição divina mais rigorosa do que a maioria, porque o usuário desonesto nem sabe quantas pessoas enganou e não pode fazer restituição.31 De acordo com o Vilna Gaon, o provérbio também se aplica a entidades espirituais . Não se pode medir com indulgência em seu próprio interesse e severamente no de outro (cf. Mateus 7:2; Marcos 4:24). A visão de Malbim sobre o contraste entre a honestidade e a desonestidade de que falamos aqui é que não há um terreno neutro entre elas. Evitar o que Deus detesta é uma ação positiva. Clemens Alexandrinus (século II)32 cita o provérbio de forma bastante criativa em um argumento sobre a origem da ética grega, notadamente a “Lei mosaica”, que para ele inclui Provérbios. Citando o provérbio completo, ele prossegue: “Com base nisso, Pitágoras exorta ‘não pisar na balança’, ao passo que professar heresias é chamado de ‘justiça enganosa’.” Portanto, é de Provérbios 11:1 que Pitágoras extraiu sua visão sobre a inaceitabilidade de se desviar da norma (o que equivale a “heresia”). O argumento sobre os deveres do clero desenvolvido por Ambrósio (século IV) é muito mais direto.33 Baseia-se em vários textos do Antigo Testamento, incluindo Pv 11:1 (e 20:10) e infere deles que não só deve estar livre de grandes iniqüidades, mas também de ações injustas que parecem comuns. Ele conclui a minori ad maiorem que, se práticas desleais no mercado são passíveis de punição, quanto mais não o seriam se encontradas nas fileiras do clero, supostamente ocupadas com o “desempenho do deveres de virtude”. Melanchthon retoma seu comentário neste ponto depois de pular seis versos. Ele relaciona 11:1a ao Decálogo: Praeceptum est de particulari iustitia, et de veritate in contractibus. Pertinet autem ad praeceptum Decalogi: Non furtum facies. Et comminatio saepe repetita, hic quoque; repeti intelligatur. Atrocia delicta puniuntur et in hac vita atrocibus poenis. (O preceito é sobre uma justiça particular, e sobre a veracidade no comércio. Portanto, diz respeito ao preceito do Decálogo: Não furtarás. Também se repete com frequência uma ameaça, também esta; por ser repetida entende-se; crimes graves são punidos ainda nesta vida, por punições severas.) Seu comentário parece referir-se ao v. 1a e ao restante do capítulo em geral. Aplicando o princípio da Reforma de usar as Escrituras para explicar as Escrituras, ele primeiro relaciona o engano comercial mencionado no provérbio ao Oitavo Mandamento em Êx 20:15 (“Não furtarás”) e depois ao princípio geral de que a punição 30 Da mesma forma, Nahmias (século XIV). Cf. Baba Batra 89b, onde uma medida fora do padrão é proibida em qualquer casa, mesmo se usada para outros fins que não sejam medições. 31 Cfr. Ginsburg ([1998] 2009, 196) por acompanhar as informações sobre as aplicações do motivo no século XIX pelo rabino polonês Yisrael Meir Kagan. 32 Strom II, 18 (ANF II, 365). 33 De Off Min III, 9 (NPNF II,10, 78); cf. De Vid XIII (NPNF II,10, 405), onde Prov 11:1 e 20:10 também são citados.
216
Tradução e Exegese do Capítulo 11
deve corresponder ao crime em questão. Uma vez que punições e recompensas não são mencionadas no v. 1, isso é mais naturalmente entendido à luz dos outros provérbios, onde esse é frequentemente o caso (cf. v. 21). Parece, portanto, que Melanchthon realmente considerou o versículo como uma espécie de introdução a todo o capítulo.
11:2 Uma vez que veio a arrogância, veio também a vergonha, mas com os modestos está a sabedoria. O maqqeph após a primeira palavra de cada hemistich parece convidar a uma leitura de 3+2 acentos no verso, mas isso não é necessário, uma vez que nenhuma sílaba enfatizada fica imediatamente ao lado uma da outra. Portanto, podemos aceitar a varredura de Gemser de 4+3, que dá ao primeiro hemistich um “ritmo de martelar” e, portanto, um impacto memorável (Fuhs). O a-hemistich consiste em duas sentenças verbais, ambas com o mesmo verbo, primeiro no Qal perfeito e depois no imperfeito com o waw consecutivo.34 Isso sugere uma associação contígua entre os eventos expressos por ambos. Waltke chama as cláusulas de “inseparáveis”, o que equivale a uma relação de causa e efeito: quando uma vem, a outra está fadada a vir também. O forte efeito da inconfundível assonância e aliteração dos dois substantivos que compõem os assuntos do verbo repetido בוא, viz. זדון e קלון,35 fortalece o vínculo. O segundo hemistich é uma cláusula nominal e, como afirma Waltke, o verbo בוא não é sintaticamente vazio, mas isso não impede que ideias não expressas nos hemistichs possam ser inferidas à luz dos respectivos outros hemistichs (veja abaixo). O uso do verbo בוא sugere a apresentação metafórica da arrogância e da desgraça como pessoas que vão a lugares juntas36 (Meinhold: gêmeos inseparáveis; Waltke: convidados e não convidados). O perfeito seguido pelo imperfeito consecutivo alinha os dois conceitos de perto (assim Bertheau, Delitzsch). Um anda de mãos dadas com o outro. Pode-se talvez chamar o primeiro hemistich 34 Cf. 6:10-11 e o quase idêntico 24:33-34, onde ocorre o perfeito de בוא com o waw consecutivo. Nesses dois casos, segue uma série de substantivos para preguiça e expressa qual é a consequência certa da preguiça. Em 18:3 a construção infinitiva de בוא é usada com a preposição ב, denotando proximidade temporal (IBHS 36.2.2b; GKC 114d), e seguida pelo mesmo verbo no perfeito (“Quando vier o ímpio, despreze também vem”). 35 Hermisson (1968, 175) está indubitavelmente certo de que essas palavras não apresentam nenhum caso para qualquer ligação regressiva a 10:32, uma vez que seu som não pode ser interpretado como paronomásia, cf. Boström (1928, 127). 36 Portanto, não é uma metonímia onde “arrogância” significa “homem arrogante”, o que é considerado provável por alguns comentaristas. A metonímia exigiria que “desgraça” representasse “homem da desgraça”, o que é estranho, pois um homem arrogante seguido por um homem desgraçado faz pouco sentido, enquanto a atitude de arrogância é de fato seguida pela experiência da desgraça. Cf. o uso metafórico do verbo בוא em 6:11, onde a pobreza “vem” como uma pessoa indesejável e perigosa. Em 11:2 um chega com o outro para fazer companhia ao ímpio.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
217
uma “mini-narrativa” (Clifford) ou uma “vinheta narrativa” (Fox), conforme descrito por Alter, mas não o provérbio inteiro. é solicitado a imaginar pequenas cenas uma após a outra, de modo que o segundo verso intensifique o primeiro verso. Isso geralmente acontece em versos baseados na equivalência, mas às vezes também em “um par de versos antitéticos, onde o cálculo moral de recompensa para os bons e retribuição para os maus é transformado em uma gangorra de narrativa em miniatura”.38 Mas no v. 2 o “ir junto” metafórico de dois conceitos é compactado em um único verso e dificilmente podemos imaginar uma cena em que um conceito domina o primeiro verso, seguido por uma cena no segundo verso onde o outro oscila a situação. Prefiro, portanto, concordar com a avaliação de Heim de que “[o] provérbio não é ‘contar uma história’... na metade do provérbio. O adjetivo *( נצועmodesto) ocorre apenas aqui no Antigo Testamento.40 O adjetivo pode, como aqui, ser usado nominalmente, ou seja, pode indicar uma pessoa modesta, mas não é um substantivo abstrato “modéstia”. Esta atitude ressoa com a exigência sapiencial básica da humildade em oposição à húbris, que é sine qua non para a aquisição da sabedoria,41 e, portanto, apresenta um paralelo antitético com a arrogância de que fala o primeiro hemistich (atitude arrogante :: pessoa modesta ). Os elementos constitutivos do paralelismo são novamente arranjados de modo a permitir ao leitor inferir o oposto de uma ideia por hemistich no outro hemistich correspondente. Assim: V. 2a arrogância desgraça a acompanha [arrogância uma marca de tolos]
:: → ←
V. 2b pessoas modestas [a honra os acompanha42] associam-se à sabedoria
37 O termo “vinheta narrativa” é utilizado e explicado por Alter ([1985] 2011, 212f. e 215f.). 38 Um dos exemplos de Alter é Provérbios 21:13: “Quem tapa os ouvidos ao clamor do pobre, / também clamará sem resposta.” Aqui duas pequenas cenas distintas podem ser imaginadas pelos leitores, onde a última retrata o que acontece (imperfeito) quando a primeira aconteceu (particípio). 39 Heim (2013, 255). Bertheau chama a consequência de “imediata” e Delitzsch de “quase simultânea”. 40 No hebraico Ben Sira a palavra também ocorre (por exemplo, 34:22 [correspondente à Septuaginta 31:22]; 42:8); de acordo com Yoder, o uso em Ben Sira sugere “sensação de equilíbrio”; Lucas: modéstia destinada “no sentido de autoavaliação adequada”. 41 Veja as notas introdutórias da passagem e o vol. I, 56-57. Vários comentaristas interpretam dessa maneira; o homem modesto não se superestima, evita antagonismos e por isso é sábio (Brinquedo); “reticência intelectual” como ingrediente importante da sabedoria (McKane); prudência como autocontrole modesto (Whybray); “sabedoria que emerge da humildade” (Perdue). 42 Da mesma forma, Meinhold, que compara 15:33, e Clifford.
218
Tradução e Exegese do Capítulo 11
O provérbio incita o leitor a preencher o que não está expresso: os arrogantes são tolos e os modestos recebem honra. Não é de admirar, então, que os tolos arrogantes sejam desonrados e os sábios modestos sejam honrados, visto que tudo isso está de acordo com as declarações básicas do princípio envolvido, como em 15:33; 16:5, 18; 18:12; 29:23. O primeiro hemistich sugere que a desgraça (e, portanto, por implicação, também a honra) é um assunto social, mas o que ela implica não é dito.43 Portanto, permanece geral o suficiente para ser universalmente aplicável (cf. 3:34 para um lado da equação). Vários comentaristas rabínicos interpretam a arrogância ( )זדון do v. 2a como pecado voluntário. Pecar deliberada e conscientemente é desafiar a Deus, o que é extrema arrogância. O Mezudat David acrescenta que tal forma de arrogância traz consigo sua própria vergonha, uma vez que embaraça também as pessoas ao seu redor. A ligação entre arrogância/modéstia e loucura/sabedoria é claramente sublinhada na exegese judaica. O Vilna Gaon, por exemplo, identifica os modestos como aqueles que silenciosamente ouvem seus professores e assim adquirem sabedoria, enquanto os arrogantes são aqueles que deliberadamente buscam a controvérsia por causa do argumento (da mesma forma Malbim). Portanto, os humanos têm dois olhos para ler a Torá escrita e dois ouvidos para ouvir a Torá oral, mas apenas uma boca para dar opiniões. A ligação entre vv. 1 e 2 é destacado pelo Midrash Tanchuma (século IV). Uma geração que usa pesos falsos deliberadamente (v. 1) será punida e envergonhada (v. 2) por ser atacada. Isso é inferido do fato de que a proibição de pesos falsos na Torá é imediatamente seguida pela menção da humilhação de Israel nas mãos dos amalequitas (Dt 25:13-16, seguido por Dt 25:17-18), assim como a crítica de balanças falsas em Provérbios é seguida pela menção de desgraça para os arrogantes. Embora não com uma citação direta do provérbio, a ideia da combinação de humildade e aprendizado também é expressa no Talmude. Rab Hanina bar Ida é citado como tendo dito que a Torá é comparada à água porque a água flui de um lugar alto para um lugar mais baixo, o que nos ensina que “as palavras da Torá perduram apenas com uma pessoa que tem uma mente modesta” (Taanit 7a ). Vários autores patrísticos citam o Livro dos Provérbios em conexão com arrogância, arrogância, orgulho e seus opostos (veja o comentário sobre os provérbios relevantes citados acima), mas Crisóstomo identifica diretamente a arrogância mencionada no v. 2 com insultos. Tomando ὕβρις como “insulto”, ele percebe a ambiguidade gramatical (insultos podem trazer desgraça para quem é insultado ou para quem o pratica) e, referindo-se ao paralelismo, declara que o sujeito do insulto é aquele que está desonrado. Melanchthon presta atenção ao verso de uma maneira um tanto tortuosa. De acordo com ele, quando as pessoas estão ocupadas com coisas comuns, com o tempo elas se tornam gradualmente descuidadas no que diz respeito ao temor do Senhor. Como mostra Êx 32:6, eles então se tornam negligentes na observância de sua vontade. Isso se deteriora, como pode ser visto no fato de que Israel primeiro se sentou para festejar, depois se levantou para brincar e, finalmente, tornou-se autoritário ao se voltar para o bezerro de ouro em vez de conhecer verdadeiramente a Deus. 43 Waltke menciona vários exemplos de consequências sociais concretas da arrogância, por ex. Gn 11:5-8; Nm 12:2, 10; 2 Crônicas 26:16-21; para o Novo Testamento, cf. também Mateus 23:12; Lucas 14:11; 18:14; Atos 12:22-23. Plöger compara a história em Dan 5, onde o rei arrogante (Dan 5:1-4) é considerado muito “leve” (Dan 5:27; קלל, a mesma raiz de )קלון e humilhado.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
219
Isso é hubris, pois a verdadeira sabedoria consiste em conhecer verdadeiramente a Deus (recte agnoscere Deum, cf. 9:10), e, portanto, a sabedoria deve ser manifestada na humildade de que fala o v. 2b.
11:3 A inocência dos retos os conduz, mas a desonestidade dos traiçoeiros os destrói. O provérbio antitético é bastante simétrico, três palavras com três ênfases em cada hemistich, com até mesmo as formas e significados em um alinhamento 1:1: V. 3a V. 3b característica positiva em status constructus :: característica negativa em status constructus substantivo positivo em o plural masculino :: substantivo negativo no plural masculino plural positivo verbo imperfeito com suff. 3 m. pl. :: verbo negativo imperfeito com suff. 3 m. pl.
No entanto, há uma questão textual. A última palavra do versículo é uma forma impossível conforme está no Ketib ( )וְ ָשׁ ֵדּם e deve ser lida י ְָשׁ ֵדּם44 com o Qere (apoiado por um fragmento hebraico do Cairo Geniza, o Codex grego Alexandrino, Orígenes e a Vulgata). Ainda assim, a tradução da Septuaginta se desvia do Texto Massorético, fato atribuído por alguns comentaristas à possível ignorância sobre o significado da rara palavra ס ֶלף: ֶ ἀποθανὼν δίκαιος ἔλιπεν μετάμελον, πρόχειρος δὲ γίνεται καὶ ἐπίχαρτος ἀσεβῶν ἀπώλεια (Quando o justo morre ele deixa arrependimento, mas a destruição dos ímpios acontece rapidamente e causa alegria)
Tanto o Targum quanto a Peshitta também mostram sinais de confusão,45 mas nenhum deles é de ajuda crítica do texto, exceto para confirmar a incerteza sobre especialmente a segunda metade do verso. Se, no entanto, aceitarmos o Qere, temos um paralelismo próximo que faz sentido. Waltke vê um par de provérbios nos vv. 3-4. Há de fato uma ordem quiástica de declarações positivas e negativas nos quatro hemistichs (v. 3a positivo, v. 3b negativo; v. 4a negativo, v. 4b positivo). Lido dessa forma, é possível entender o v. 4a como uma especificação do v. 3b (a riqueza da traição é de nº 44 Terceira pessoa do masculino singular imperfeito Qal de שדד com o sufixo da terceira pessoa do masculino plural; o sufixo causa o qamets hatuph (ver GKC 67n) Cf. BHQ, que aduz não apenas testemunhas textuais, mas também o paralelismo no verso, e observa a aparente tradução grega da palavra rara (ֶס ֶלף desonestidade) por ἀπώλεια (destruição). 45 O Targum dá uma tradução literal do primeiro hemistich, mas parafraseia o segundo, mostrando que também não sabia o que fazer com o hebraico: ( ונטלטלון בזוזי ונדכנון mas ladrões são levados e afastados). a Peshitta está ainda mais distante do texto hebraico, bem como do texto grego: ôÐĀé ¿ćàÎïx ÀÎã{ ¿çÂĀæ Àx ÁüÃé (A esperança do justo é edificada, mas o orgulho dos ímpios é destruído).
220
Tradução e Exegese do Capítulo 11
ajuda) e ver o v. 4b como uma intensificação do v. 3a (os justos são guiados para longe da morte). Mas os dois provérbios também podem ser lidos separadamente. A inocência dos justos é o agente de seu bem-estar. O substantivo abstrato ( תמהcompletude, irrepreensibilidade, inocência) é usado como uma metonímia. Não é uma qualidade abstrata para a pessoa que possui a qualidade como afirma Clifford,46 mas uma posição abstrata para os atos concretos pelos quais a inocência é manifestada (abstractum pro concreto). O verbo ( נחהliderar, guiar), aqui na terceira pessoa do feminino do singular Hiphil imperfeito com o sufixo da terceira pessoa do masculino do plural, é freqüentemente usado para o cuidado dado por um pastor ao seu rebanho47 e aqui sugere exatamente isso.48 Isso se encaixaria na conexão de Waltke do hemistich com o v. 4b, onde se diz que os justos são salvos da morte. Mas a conexão não é necessária para entender o v. 3, uma vez que a noção do pastor conduzindo seu rebanho em si denota cuidado positivo e inclui um motivo estabelecido de salvar as ovelhas da morte (cf. 1 Sam 17:34s.; Ezequiel 34: 1ss.; João 10:4, 11-15). O segundo hemistich contém o substantivo raro ( ֶס ֶלףcrookedness), que ocorre apenas aqui e em 15:4.49 Esta é uma descrição apropriada dos truques distorcidos de pessoas que enganam os outros (em oposição ao comportamento honesto e moralmente correto, que é muitas vezes descrito como “hétero”50). É a mesma desonestidade que causa sua destruição, como 28:10 ilustra graficamente. Ambas as metades do provérbio expressam o nexo ação-consequência. O lado negativo é bem conhecido dos ditados frequentemente citados de 26:27 e Qoh 10:8 (cf. Sl 7:16).51 O nexo não implica que não haja lugar para o envolvimento de Deus no positivo ou resultados negativos, já que é ele quem mantém a ordem do mundo como seu criador.52 46 Isso é impossível em vista do estado construtivo do substantivo com genitivo seguinte; “os inocentes dos retos” não faria sentido, mas “o comportamento/atos inocentes dos retos” é perfeitamente inteligível. O substantivo cognato (תמים pessoa inocente) não é usado no v. 3, mas ocorre dois versículos adiante. Scherer (1999, 78) percebe isso e o vê como parte de uma rede de palavras-chave em que i.a. uma conexão entre vv. 3 e 5 estão envolvidos. 47 Então Wildeboer, Oesterley, Gemser, Tuinstra; cf. Salmo 23; 31:4; 61:3; 73:24; 78:14, 78:53, 72; 107:30 e outros; cf. ISSO II, 53-55. O verbo também pode ser usado para instrução sapiencial (assim Meinhold, Fuhs, Yoder e outros; cf. 6:22), o que não é incompatível com a imagem do pastor (veja o comentário sobre 6:22, Vol. I, 276). 48 Um exemplo de metafonemia: a inocência representa atos inocentes (metonímia) e ao mesmo tempo é o pastor. Veja acima em 10:11 e as referências lá para Goossens e Radden. 49 O verbo (סלףPiel subverter, perverter) sugere distorção e torção (Raposa); no Antigo Testamento ocorre com mais frequência do que o substantivo cognato (por exemplo, Êx 23:8; Dt 16:19; Jó 12:19; para Provérbios, veja 13:6; 19:3; 21:12; 22:12). 50 A raiz ישר, como verbo e como adjetivo, ocorre frequentemente tanto como “reto” no sentido literal quanto como “certo”, “direto”; para este último, cf. 2 Reis 10:15; Pv 20:11; 21:8; veja ISSO I, 790-794. Veja abaixo a interpretação rabínica da questão. 51 O texto Qohelet, entretanto, menciona a escavação e a queda como uma possibilidade, não como uma necessidade (cf. GKC 107r). 52 Ver vol. I, 39-46 (Ensaio 4 sobre “retribuição”) e 19-28 (Ensaio 2 sobre o conceito de ordem).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
221
Às vezes, os rabinos se contentam em parafrasear o provérbio (por exemplo, Rashi, Hame'iri), mas às vezes isso acompanha observações perspicazes sobre a lógica das declarações contrastantes no verso. Yonah Gerondi expande a inocência ( )תמהe obviamente o faz à luz da desonestidade ()סלף. Ele explica תום, um cognato de תמה, em termos de (יושרcf. a nota acima em “direto”). Segundo ele, significa que o inocente ou inocente é perfeito. Visto que no caso dos humanos este é um julgamento moral, tal pessoa perfeita deve ser considerada como um ישר, uma pessoa justa que vive honestamente. Nesse contexto, ele vincula o caráter das pessoas ao seu objetivo. Caminhar em linha reta implica perceber um objetivo claro. Portanto, é essa franqueza irrepreensível que os conduz ao objetivo final positivo, não de forma tão elaborada, mas de forma comparável. A Mezudat David atribui a si mesmos o resultado positivo dos inocentes e o resultado negativo dos desonestos. Seus próprios atos trazem os resultados, que no caso dos desonestos é a perda de suas almas. Da mesma forma, Nahmias vê uma necessidade interna na natureza traiçoeira do בוגדים que os leva à sua própria destruição. No entanto, ele acrescenta que essa destruição não é apenas uma questão de sorte, mas é de fato uma retribuição divina. Portanto, aqui também não há nenhuma sensação de tensão entre o nexo ação-consequência e a retribuição divina. Pseudo-Ibn Ezra relaciona ֶס ֶלף com o uso do verbo סלףPiel em Êx 23:8 (um suborno “torna os negócios/palavras dos justos pervertidos”). Ele parece querer dizer que uma pessoa traiçoeira que corrompe uma pessoa justa será destruída.53 Em sua Epístola aos Efésios, Inácio54 alude ao segundo hemistich do provérbio enquanto adverte sobre os falsos mestres. Ele critica as pessoas perversas que usam o nome de Cristo traiçoeiramente (cf. )סלף בוגדים e assim espalham um falso evangelho. Isso levará à sua própria destruição, que virá repentinamente (talvez uma referência indireta a 10:25a). Crisóstomo comenta o provérbio tal como aparece na Septuaginta (“Quando o justo morre, ele deixa pesar, / mas a destruição dos ímpios acontece rapidamente e causa alegria”). Ele chama o provérbio de “uma correção” de Qoh 9:2 sobre o destino idêntico do justo e do ímpio.55 Embora Qohelet esteja certo de que a morte do justo e do ímpio é a mesma, a diferença se estabelece após a morte. Crisóstomo consegue isso lendo o grego v. 3 à luz de 10:7 (“A memória de um homem justo é uma bênção, / mas o nome dos ímpios apodrecerá”) e por uma interpretação forçada de duas perspectivas, viz . o arrependimento ou a alegria das pessoas com a morte dos justos e dos ímpios, respectivamente, e a alegria diante da morte e o arrependimento pela chegada da morte, que “sugere a ressurreição” para uma vida após a morte alegre ou terrível. Melanchthon leva vv. 3-8 como uma unidade sobre “a doutrina fundamental da providência”, que é: “Ao justo se faz o bem, ao ímpio se faz o mal”.56 Ele aborda a força do simples contraste no v. 3 como um problema para ser analisado na igreja. A questão para o intérprete é: se uma condenação tão clara é feita no 53 Pseudo-Ibn Ezra acrescenta uma explicação da difícil última palavra usando a forma alternativa com grafia plene e um pronome independente em vez do sufixo ()ישוד אותם . 54 Epístola Ef VII (ANF I, 52). 55 Cfr. a maneira como Crisóstomo neutraliza Qoh 9:16 com Prov 30:8 (veja em 10:4 acima). 56 Curiosamente, Waltke faz a seguinte declaração sobre os vv. 3-8 (também tomado como uma unidade por ele): “Os versículos 3-8 desenvolvem o tema da segurança somente por meio da justiça e a certeza de que a morte é o ‘não’ final de Deus para os ímpios.” Ele não se refere a Melanchthon e parece ter chegado a uma interpretação semelhante do impulso teológico geral do mesmo grupo de provérbios independentemente de Melanchthon.
222
Tradução e Exegese do Capítulo 11
versículo, como isso pode ser enquadrado com o fato de que existem tantos pecados horríveis deixados na igreja (seus exemplos são Aarão e Davi)? Sua resposta refere-se à oposição luterana entre lei e evangelho: segundo a lei todos estão condenados à destruição, mas segundo o evangelho alguns (aliqui) são justificados para escapar da condenação.
11:4 De nada vale a riqueza no dia da ira, mas a justiça salva da morte. O provérbio é um Siebener típico, aqui 4+3, com a partícula negativa como parte da primeira unidade de estresse. O verso está faltando na Septuaginta.57 É um paralelismo antitético simples que consiste em duas sentenças verbais cuja sintaxe é arranjada em um padrão quiástico: []ביום עברה Frase preposicional
[]ממות Prepositional phrase
הון
לא יועיל
Assunto
Predicado
תציל
וצדקה
Predicado
Assunto
O provérbio ecoa 10:258 (veja acima naquele versículo) e até tem a mesma base quiástica. Mas naquele versículo o a-hemistich carece de uma frase preposicional, que é compensada por uma frase nominal mais longa que compõe o sujeito, enquanto em 11:4 a frase preposicional “no dia da ira”59 fornece um elemento importante. Em primeiro lugar, recai sobre a tradição profética em que “o Dia do Senhor” é muitas vezes um dia em que se espera o julgamento e o castigo de Javé (cf. Is 13,9.13; Ez 7,19) e quando a riqueza ser inútil para salvar (Sf 1:14-18). Uma vez que o paralelo antitético é o poder salvador da retidão, a riqueza está implícita em ser obtida pela maldade (Whybray) e, portanto, tem a mesma qualidade que as riquezas mencionadas em 10:2 (negado por Tuinstra; Yoder pensa que a riqueza é “de alguma forma suspeito"). Em segundo lugar, a ira mencionada no primeiro hemistich não é apenas uma punição qualquer,60 mas demonstrada por EE); cf. A comparação de Delitzsch da tradução de ביום עברהpor ἐν ἡμέρᾳ ἐπαγωγῆς no verso fornecido com o uso de Theodotion de ἐπαγωγή (destino) para traduzir o hebraico (אדcalamity) em 27:10. 58 O par pertence ao Grupo 1.3 de Snell (“versos inteiros repetidos com três palavras diferentes” como ele os identifica); ver Snell (1993, 39). 59 Tuinstra lista frases semelhantes no Livro dos Provérbios: “o dia da vingança” (יום נקם, 6:34), “o dia do mal” (יום רעה, 16:4), “o dia da adversidade ” (יום צרה, 24:10; 25:19), “dia de calamidade” (יום אד, 27:10). 60 Alguns comentaristas não consideram a força do paralelismo tão forte e pensam que qualquer desastre pode significar (Murphy), ou mesmo punições repetidas (“Straftaten”, Plöger). Outros concordam que o “dia da ira” significa um “desastre com risco de vida” (Clifford, similarmente McKane) e ainda outros consideram ambos como possíveis (Waltke).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
223
o segundo hemistich é o castigo da morte (então Sæbø, Fuhs, Lucas; cf. Oesterley, que considera isso mais provável do que uma calamidade geral como em Jó 21:30). Assim, novamente temos um exemplo de um hemistich de abertura sendo desambiguado por uma releitura à luz do segundo hemistich:61 V. 4a riqueza sem valor [gerada pela maldade] no dia da ira [a ira traz a morte]
V. 4b a justiça salva da morte
Isso não significa que o provérbio se refira a um dia de julgamento escatológico em estilo profético (o que não é excluído por Van Leeuwen e considerado uma possibilidade por Waltke). Ao contrário do uso profético do conceito, os provérbios estão mais preocupados com o comportamento do indivíduo e suas consequências (Toy, Oesterley, Gemser, Meinhold, Tuinstra). O contexto do v. 1-8 sugere o que implica o foco na pessoa individual. Conforme argumentado nas observações sobre os links nos vv. 1-8 acima, esses versículos são um grupo de ditos sobre honestidade e retidão (cf. Delitzsch, Waltke e outros). Portanto, podemos concordar com Heim que a referência ao “dia da ira” aqui “estabelece uma forte ligação com a próxima e saliente palavra de Javé em Provérbios 11:1.”62 O princípio prático do comércio justo (v. 1), o princípio básico da modéstia (v. 2) e as idéias de retidão e retidão nos vv. 3, 5-8 dizem respeito às atitudes e ações éticas dos indivíduos na vida cotidiana. Nada disso revela um significado “oculto” ou “mais profundo” além do que os próprios provérbios dizem, mas fornece evidências de preocupação editorial em virtude da qual os ditos se reforçam mutuamente. O que o provérbio diz por si só pode ser melhor descrito em termos de sua função performativa.63 O provérbio afirma os limites da riqueza e o poder da justiça, o que significa que ele tem uma ilocução assertiva (função).64 Uma vez que a afirmação compromete-se a a realização de resultados específicos, buscando assim convencer o leitor/ouvinte, sua função também tem um lado comissivo (promissor)65 e um lado persuasivo (argumentativo ou incitante)66. Um único provérbio tem 61 O mesmo efeito é criado pelo paralelismo em 10:2, embora a ira mencionada em 11:4 acrescente uma dimensão da ira divina sugerida não mencionada em 10:2. No entanto, o efeito é o mesmo em ambos os casos, pois o paralelismo deixa claro que a questão é uma questão de vida ou morte. 62 Heim (2013, 217). 63 Na aplicação pragmática e crítica da teoria dos atos de fala, o uso de terminologia – como locução, ilocução, perlocução etc. – nem sempre é consistente (cf. RDLW III, 484486), daí as adições entre parênteses fornecidas aqui. 64 Cfr. Luchsinger (2010, 301). 65 De acordo com Luchsinger (2010, 315), a ilocução comissiva pode frequentemente ser vista onde os resultados do nexo ação-consequência são apresentados. 66 Luchsinger (2010, 313).
224
Tradução e Exegese do Capítulo 11
várias facetas como as facetas de uma gema lapidada e sua simplicidade não devem, portanto, ser subestimadas. Este fornece instrução por: (a) (b) (c) (d)
afirmando uma convicção do sábio, defendendo a compreensão dos limites da riqueza, prometendo recompensa pela prática da retidão e insistindo em seu ponto com um conceito profético sinistro.
O Talmude contém um exemplo notável de um “provérbio contado duas vezes”, ou seja, de Provérbios 11:4 e 10:2 (nessa ordem). A aspa dupla é atribuída a R. Johanan (Baba Batra 10a). Ele diz que a referência a (עברהira) em 11:4a mostra que a salvação da morte em 11:4b deve significar que a justiça salva alguém da punição de Gehinnom, enquanto o idêntico 10:2b significa que a justiça também pode salvar alguém de uma morte não natural neste mundo. Em ambos os casos, a discussão contínua (Baba Batra 10b) revela que צדקה é aqui entendido no sentido técnico posterior de “caridade”. 67 PseudoIbn Ezra também distingue entre dois tipos de morte, viz. aquela experimentada pelos ímpios e uma morte prematura, e pensa que ambos podem ser entendidos aqui. Na opinião de Yonah Gerondi, a riqueza obtida desonestamente não pode salvar seu dono do infortúnio, mas quando a ira de Deus é inflamada, nem mesmo a riqueza obtida honestamente pode salvar alguém dele. Somente צדקה como a doação de esmolas de caridade pode ganhar mérito suficiente para conseguir isso. Isso significa que o dinheiro pode, de fato, salvar alguém neste mundo e até mesmo no mundo vindouro, mas apenas quando é doado em um ato de beneficência.68 Um adendo positivo sobre o poder salvador do dinheiro também é acrescentado por Malbim. Em tempos de paz, os bens têm valor, mas não em tempos de ira de Deus, quando Deus pune com guerra ou pestilência. Crisóstomo não discute este versículo (nem discute os dois seguintes), mas comenta sobre 10:2 (veja acima). As Constituições dos Apóstolos69 (século IV) citam o versículo e o aplicam literalmente a quem tem dinheiro, mas não o usa nem o dá aos necessitados. Isso é interpretado como colocar a fé da pessoa no deus do dinheiro em vez de no Deus verdadeiro, o que estaria de acordo com a ideia básica de Tg 2:14-26.
11:5-6 5
A justiça do inocente endireita o seu caminho, mas pela sua maldade o ímpio cai. A retidão dos justos os livra, mas pelo [seu] desejo os traiçoeiros são enlaçados.
6
Esses dois provérbios (4+3, 3+3) são muitas vezes tomados como um par de provérbios,70 e com razão. Além da óbvia proximidade temática dos dois versos, também existem afinidades formais. 67
Cf. as notas e referências no comentário em 10:2. Ver Ginsburg ([1998] 2009, 198). 69 Const Apost IV, iv (ANF VII, 433-434). 70 Por exemplo Meinhold, Van Leeuwen, Murphy, Fuhs, Waltke, Tuinstra, Heim (2013, 262). Yoder até se refere no singular aos dois versos como um provérbio. Cf. mais Scherer (1999, 76), 68
Tradução e Exegese do Capítulo 11
225
Os respectivos a-hemistichs, bem como os respectivos b-hemistichs, são construídos de forma semelhante: V. 5a st. cs. de צדקהcom sing. adj. como substantivo; V. 6a st. cs. de צדקהcom pl. adj. como substantivo;
3º f. sing. impf. verbo; objeto com 3 m. sing. sof. 3º f. sing. impf. verbo; objeto é 3 m. pl. sof.
V. 5b waw + ;בsubstantivo (causa da queda) + genitivo no sufixo.; verbo impf.; sujeito V. 6b waw + ;בsubstantivo (causa da queda) + substantivo genitivo; verbo impf.; sujeito no verbo Além disso, as primeiras palavras de todos os quatro pontos apresentam casos de anáfora e jogos sonoros com consoantes (aliteração) e vogais (assonância): עתו/ – Há um problema textual com ובהות no v. 6b. Independentemente das diferentes possibilidades semânticas do substantivo הוה,71 a questão é que existem várias testemunhas da presença de um sufixo masculino plural, que, no entanto, falta no Texto Massorético. A Septuaginta tem τῇ δὲ ἀπωλείᾳ αὐτῶν (e em sua destruição), a Peshitta tem 1{ÍàÎð (em sua iniqüidade) e o Targum tem (בשלומיהון em suas retribuições). Conforme observado em EE, as várias traduções das versões mostram que cada uma tenta independentemente lidar com a difícil palavra הוה, mas também testemunham um texto hebraico com um sufixo pronominal da terceira pessoa do plural masculino. Se aceito, sugere que devemos ler ( ובהותם e através de seu desejo) e explicá-lo como uma “quase haplografia” de aparência semelhante ם e ( בEE, mas não mencionado em BHS). Isso, por sua vez, torna (בגדיםpessoas traiçoeiras) o sujeito gramatical do verbo passivo (ילכדוeles estão enredados) em vez do genitivo do substantivo anterior no estado de construção feminino ()ובהות. Assim: "[Mas] pelo seu desejo os traiçoeiros são enlaçados" em vez de "mas pelo desejo dos traiçoeiros eles são enlaçados". Toy prefere a emenda com o sufixo, argumentando que, caso contrário, o sujeito do verbo deve ser inferido pelo leitor. Fox também corrige desta forma e faz o mesmo ponto de que o único antecedente disponível para ילכדו é o ישרים do primeiro hemistich, o que produziria uma declaração ininteligível. Esta seria uma forma mais natural de entender o texto hebraico, embora seja possível inferir o sujeito do verbo passivo do genitivo que o precede (portanto, Pseudo-Ibn Ezra, Hitzig e Delitzsch72) em vez do ישרים do primeiro hemistich, que seria impossível. Mas, no último caso, o peso da evidência das versões para um mem com sufixo teria que ser ignorado, o que seria difícil de defender, especialmente à luz de quem não chama explicitamente os vv. 5-6 um "par", mas no contexto do padrão que ele detecta em torno deles, ele encontra os versos "alinhados um ao outro excepcionalmente próximos". Da mesma forma, Crispenz (1989, 50), que também considera vv. 5 e 6 intimamente conectados, apesar dos links para outros versículos no agrupamento que ela encontra nos vv. 3-6 71 Capricho (por exemplo, Mq 7:3 [então KAHAL]); desejo (Mq 7:3 [assim HALOT, KBL], Sl 52:9 [assim Delitzsch]), Pv 10:3 [veja o comentário sobre esse versículo acima]); engano (Pv 17:4); palavra (cf. ugarítico hwt, acadiano awātu); desastre (Pv 19:13, Jó 6:2; 30:13 [então Yoder]). 72 Hitzig (1858) primeiro se referiu a Gen 9:6 e Sl 32:6 e mais tarde foi seguido por Delitzsch (1874) com uma referência apenas a Gen 9:6, mas não a Hitzig.
226
Tradução e Exegese do Capítulo 11
independência.73 McKane e BHS propõem o plural, que não exigiria a mudança das consoantes e permite que a forma seja lida no estado absoluto (“mas pelos desejos os traiçoeiros são pegos”). Tuinstra opta por deixar o texto inalterado, mas seu apelo a 11:9 como uma construção comparável tem a desvantagem de que דעת (conhecimento) naquele versículo não precisa estar no status constructus e deve ser lido como um status absolutus. Pode-se afirmar com Dahood74 que a palavra aqui aparece como uma forma fenícia, onde o estado absoluto do singular feminino tem um ת, mas mesmo assim o v. 9 não fornece suporte, pois o segolato hebraico דעת deve ter um ת em ambos os casos. BHQ contempla “uma base” תוֹם para a forma, mas apenas nos tênues fundamentos indiretos de que, em 10:9 e 28:10 o Targum traduz תם/ תמם pela raiz שלם, que também usa aqui. Plöger propõe interpretar o verbo Niphal como um reflexivo, o que implicaria que o sujeito é o traiçoeiro (“mas na ganância do traiçoeiro eles se pegam”). Mas isso novamente não leva em conta as versões. Waltke considera possível que o Vorlage da Septuaginta pudesse ter o mem do sufixo, mas acha mais provável que, inversamente, o pronome tenha sido adicionado pela Septuaginta para facilitar sua tradução de הוהas ἀπωλεία (destruição). A maioria dessas propostas tem seus pontos fortes, mas, em minha opinião, são superadas pelo argumento de que tantas versões sugerem independentemente a perda de um sufixo. Além disso, a semelhança de ם e ב é uma boa explicação para um descuido de um copista hebraico. Isso é amplificado ainda mais pelo argumento de Fox de que o acento disjuntivo (rebiac mugrāš) é colocado em [ ובהות]ם para separá-lo da próxima palavra, de modo que não possa ser lido como parte de uma construção genitiva. Mas Delitzsch também percebeu a importância do sotaque e o interpretou de maneira diferente, viz. como uma indicação de que בהות é “a forma principal”. Depois de tanta atenção ao aspecto textual crítico do texto, pode ser considerado um pouco irônico que nem manter o Texto Massorético, nem reenquadrá-lo ou corrigi-lo faça uma diferença real no sentido da afirmação do provérbio. Portanto, é compreensível que vários comentaristas simplesmente coloquem o pronome “deles” na tradução, entre parênteses ou não, ou evitem emendar o texto, mas interpretem o versículo na mesma linha de qualquer maneira. No entanto, a responsabilidade do exegeta de levar a sério a crítica textual não é eximida por essa circunstância. Pelo contrário, ilustra que afirmações sobre o sentido de um texto não podem ser feitas de forma responsável se tais questões forem ignoradas.
Está claro desde o início que os dois versículos não estão apenas intimamente ligados, mas também associados aos outros nos vv. 1-8. Os “destinos contrastantes dos justos e injustos” (Fox) são especificados em termos de morte e destruição, por um lado, e salvação, por outro (Lucas). Que isso acontece nos vv. 5 e 6 fica claro a partir das construções genitivas com as quais ambos os versículos se iniciam. צדקת תמים e צדקת ישרים mostram que a justiça 73 Isso é aumentado ainda mais pela Vulgata, que não apenas latiniza o grego, mas traduz independentemente, in insidiis suis (em suas armadilhas). 74 Dahood (1963, 21). 75 Tanto quanto posso ver, Ewald (1837) foi o primeiro a sugerir que, embora a acentuação massorética “pareça” separar as palavras בגדים e ובהות, elas devem ser tomadas como uma construção genitiva. Delitzsch não se refere a ele, mas talvez esteja fornecendo uma justificativa para a declaração de Ewald.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
227
é central para a constituição moral tanto do “inocente” quanto do “reto”. O fato de תמים ser singular e ישרים ser plural tem efeito estilístico, mas não tem consequências para o significado, pois no singular se refere o tipo de pessoa e no plural os indivíduos que compõem a categoria em questão. Conforme o texto está, a forma singular de um e o plural do outro produzem um efeito de rima. Isso poderia ter sido criado deliberadamente na composição de um provérbio de dois pontos (um dístico em minha terminologia). Por outro lado, uma semelhança existente no som pode ter contribuído para que provérbios independentes fossem editados juntos. Em vista da completa equivalência das duas linhas também em outros aspectos (veja acima), é mais provável que os dois pontos tenham sido concebidos como um único provérbio (tão implicitamente Yoder). O צדקה falado aqui obviamente não é apenas uma qualidade estática. O que endireita o caminho de alguém e conseqüentemente salva as pessoas é praticar ativamente a retidão, ou seja, o comportamento de acordo com a ordem normativa.76 A metáfora do caminho ou caminho é freqüentemente usada para o comportamento humano (embora também para outros propósitos). 5. o caminho da vida é reto para a pessoa justa, o que, à luz do segundo hemistich, significa que ele é nivelado em vez de sem curvas (assim Ramaq). Ao contrário, o ímpio cai no caminho. A preposição ב pode significar que ele cai “em” sua maldade ()ברשעתו, mas também pode indicar a causa de sua queda (“através de” sua maldade).78). No primeiro caso, a metáfora seria que ele tropeça em uma armadilha (ou seja, maldade) ao longo do caminho, e no segundo implicaria que sua própria maldade o leva a encontrar obstáculos (cf. 4:19; 5:22; 15). :19; 22:5). O último deve ser preferido, pois (a) ele já é um רשע quando começa a andar e, portanto, não pode apenas encontrar maldade ao longo do caminho – a menos que caia em ainda mais maldade – e (b) uma causa para a adversidade é exigido pela força do paralelismo antitético que enfatiza uma causa para o bem.79 Yoder encontra um trocadilho no uso da palavra rara (הוהv. 6b). Relembrando os significados “desejo” e “desastre” para este substantivo, ela sugere que o ser." Veja H.H. Schmid (1968, 166ff.) e cf. em 1:3 no vol. I. 77 Veja a nota sobre a “metáfora do solo” do caminho, vol. I, 66-67. Diferentes lexemas são usados para esse fim no Livro dos Provérbios, por ex. דרך: 4:19; 5:8; 8:2; 9:15; 10:29; 11:20; 12:15; 13:6; 14:12; 15:9, 19; 16:2, 9, 25; 21:2, 8; 29:27; 30:19; 30:20 (Zehnder [1999, 294-385]); ארח: 5:6; 8:20; 10:17; 15:10, 24 (Zehnder [1999, 385-401]); נתיבה: 3:17; 8:20; 12:28 (Zehnder [1999, 420-425]). 78 Então Pseudo-Ibn Ezra, que explica בas ( בעבור por causa de): [ שיעשו ילכדוsic, plene] ( ובעבור הות בוגדים mas por causa do desejo dos traiçoeiros que eles praticam, eles são emaranhado). No entanto, Rashi adota a visão alternativa de ב: (ובוגדים בהוות ילכדוe os traiçoeiros serão apanhados na destruição). 79 Em ambos os vv. 5a e 6a o sujeito צדקה é enfatizado sintaticamente precedendo o verbo.
228
Tradução e Exegese do Capítulo 11
traiçoeiros são enredados por ( )בseu desejo, que então envolveria ser enredado em ( )ב um desastre.80 Isso lembra as duas possibilidades da frase preposicional correspondente no v. 5b, mas רשעהnão pode significa "ruína" ou uma punição comparável por ser perverso. Quem desejar manter a ambigüidade terá que concluir que os ímpios se tornam ainda mais perversos (Vilna Gaon, veja abaixo). Na minha opinião, a ambigüidade está no uso da preposição ב. Em virtude dos significados “por/através de” e “em/dentro” os leitores podem ser levados (e foram, como vimos) a considerar as possibilidades oferecidas pelo provérbio para que o compreendam e apliquem: • Os ímpios vencem à sua própria maldade e, portanto, só podem culpar a si mesmos.81 • Os ímpios caem em uma espiral descendente de maldade gerando maldade. • Desejo ou ganância82 é o que faz com que o traiçoeiro caia na armadilha. • Da mesma forma, os traiçoeiros são pegos por um desastre. • Talvez a conversa traiçoeira deles tenha desencadeado tudo. O leitor/ouvinte é convidado a considerar diferentes opções. O mesmo princípio vale para os dois a-hemistichs e para as duas linhas completas. Lê-los à luz uns dos outros revela um desenvolvimento do v. 5 ao v. 6. No v. 5a, a justiça nivela o caminho daqueles que a praticam. No v. 6a, essa ideia é aprimorada. Uma vez viajando no caminho reto, aqueles que praticam a retidão experimentam mais do que um progresso fácil, eles são salvos. Não é dito do que eles são salvos, mas Waltke pensa que o paralelo contrastante ()ילכדו sugere as armadilhas da morte e, portanto, é disso que eles são salvos. Isso parece provável à luz do verso no v. 4 imediatamente anterior ao verso duplo (cf. também o idêntico 10:2b), mas o texto também permite o resgate de outras formas de adversidade e danos ao longo do caminho. Isso também afeta os respectivos b-hemistichs. A “queda” geral ( )נפל dos ímpios no v. 5b é igualmente reforçada por uma especificação no paralelo v. 6b: aqueles que não têm justiça são apanhados nas armadilhas de várias adversidades, incluindo a morte. Esquematicamente pode ser apresentado da seguinte forma:
80 Da mesma forma Millar (2020, 137-138). Outro trocadilho envolvendo הוה é sugerido por Kselman (2002, 545f.), viz. os significados “desejo” e “palavra”, de modo que são sugeridas duas razões para a armadilha. Assim, os traiçoeiros são pegos por causa de seus desejos e de suas palavras. 81 Isso pode, por sua vez, representar o que Lam (2016, 16-86) chama de “o fardo do pecado”, significando que o pecado é metaforicamente concebido como algo que pesa sobre o portador; no caso de 11:5, esse fardo seria o que faria o ímpio cair. Lam (2016, 67) aponta, porém, que nenhum termo para peso ou peso ocorre aqui. 82 Pilch prefere a tradução “ganância”, que ele, como cientista social, considera “muito mais adequada ao mundo do comércio antigo”. Eu acrescentaria: no mínimo, ainda mais para o mundo do comércio atual.
Tradução e Exegese do Capítulo 11 V. 5 níveis de justiça caminho do inocente praticando a justiça
V. 6 a justiça salva a vida do justo praticando a justiça
pela maldade / em mais maldade o ímpio cai [adversidade incluindo a morte]
pelo desejo / no desastre os traiçoeiros são enredados [na adversidade incluindo a morte]
229
Se o paralelismo aumenta “fácil ir” para “ser salvo”, então “estar enredado” e “chegar a uma queda” significam não ser salvo, o que pode incluir até a morte. Assim, o provérbio não é apenas dois contrastes juntos formando um paralelismo equivalente no nível de um dístico, mas um elemento dinâmico é introduzido pelo progresso perceptível quando o segundo verso lança sua luz sobre o primeiro. O Mezudat David interpreta ambos os vv. 5b e 6b para afirmar que os ímpios cairão ou serão presos por sua própria maldade, o que significa que eles experimentarão o mesmo mal que projetaram para outras pessoas (cf. 26:27; 28:10; Qoh 10:8; Sl. 7:16) – da mesma forma, já Rashi. O Vilna Gaon, no entanto, pensa que a queda dos ímpios não resulta apenas de erros na Torá, mas principalmente de más ações anteriores, que concordam com a visão de que o mal gera ainda mais mal (cf. acima). Outras referências a interpretações rabínicas foram feitas nos locais relevantes nos comentários acima. Clemens Alexandrinus usa o v. 5a de uma maneira completamente diferente,83 notavelmente para apoiar sua visão de que um pecador, uma vez renascido, não pode pecar novamente. Ele cita a primeira parte do versículo (juntamente com uma referência a 13:6). Para ele, a proverbial retidão que faz um caminho reto significa o estado de permanecer sem culpa depois de receber o perdão, pois pedir perdão freqüentemente mostra uma aparência de arrependimento, mas não o arrependimento em si. Após o arrependimento, a pessoa é salva por meio do perdão misericordioso e não pela própria justiça (Clemens não cita o v. 6!), mas os salvos devem preservar seu status salutis por sua própria justiça, “pois a obediência está em nosso poder”.
11:7 Na morte de um ser humano a esperança perece, mas a expectativa construída na força humana já pereceu. As cinco palavras do v. 7a requerem cinco ênfases, mas um provérbio de 5+2 seria sobrecarregado com um versículo de abertura muito longo. Embora seja imprudente emendar um texto apenas com base no sistema métrico, há várias razões pelas quais uma emenda é necessária neste caso. Várias versões antigas e alguns manuscritos hebraicos mostram uma incerteza sobre o estado do texto, tentando dar sentido a um provérbio aparentemente ininteligível. Relacionado a 83
Strom II, 18 (ANF II, 361).
230
Tradução e Exegese do Capítulo 11
este é o uso de רשע como um adjetivo com אדם, que é pleonástico como o texto agora está.84 Na forma atual do Texto Massorético, é difícil entender: Na morte de uma pessoa perversa a esperança perece e a expectativa de potência morreu. Isso não pode ser interpretado como um paralelismo antitético, que é precisamente no que a Septuaginta o transforma: τελευτήσαντος ἀνδρὸς δικαίου οὐκ ὄλλυται ἐλπίς, τὸ δὲ καύχ ημα τῶν ἀσεβῶν ὄλλυται. (Quando um homem justo morre, a esperança não acaba, mas a jactância dos ímpios chega ao fim) Uma explicação atraente de como isso poderia ter acontecido é oferecida em EE. No último hemistich, a Septuaginta associa (אוניםforça) com (ָאוֶ ןmaldade),85 cf. Sl 94 [93]: 23, e lê (ותוחלתexpectativa) como (ותהלהlouvor, glória), que glosa com καύχημα. Isso fornece um paralelismo contrastante e sugere que os justos têm esperança de uma vida após a morte (cf. também 10:28 e 14:32 [EE]).86 Quanto ao primeiro hemistich, BHQ menciona a possibilidade de que uma versão anterior do O texto hebraico não tinha (רשעso Ehrlich, Scott, Plöger, Clifford, Waltke). Este é realmente o caso em dois manuscritos hebraicos, embora sejam de data posterior. Outros comentaristas (Toy, Oesterley, Gemser, Ringgren)87 acham que אדם é a palavra redundante, e ainda outros retêm o texto hebraico (Delitzsch, Scoralick,88 Yoder) ou não escolhem (Lucas). Na minha opinião, devemos aceitar o veredicto de Waltke, que רשע deve ser omitido “porque a evidência interna favorece sua omissão”. Isso será discutido mais adiante.
McCreesh89 mostrou que os padrões sonoros desempenham um papel importante no provérbio. Em ambos os hemistíquios há uma consonância óbvia dos sons b, t e d, bem como a assonância da vogal o. A única palavra que não participa do jogo sonoro é רשעno primeiro hemistich. Portanto רשע provavelmente não fazia parte do texto original e foi posteriormente inserido editorialmente por motivos de piedade,90 que “se encaixa perfeitamente no tema do provérbio com 84 As duas palavras ocorrem juntas em Jó 20:29; 27:13 (Yoder), o que, no entanto, não significa que este deva ser o caso em 11:7 também. 85 O mesmo acontece com Hitzig, tomando-o como um plural de abstração, embora ָאוֶ ן não ocorra no plural (McCreesh [1991, 139]). Na mesma linha, Pseudo-Ibn Ezra infere o significado do difícil אונים do mais fácil אוֶ ן. ָ Citando uma sugestão no BHS, Plöger considera possível que a palavra possa ter sido lida como אוילים e de fato traduzida de acordo (“Bosheiten”); cf. também Wildeboer. 86 Cfr. Oesterley; veja acima na recepção judaica e cristã de 10:28, e abaixo em 14:32. 87 Não Plöger como reivindicado por Whybray. 88 Scoralick (1995, 164-168). 89 McCreesh (1991, 138-140). 90 Fox acha improvável que o editor evidentemente ortodoxo desta coleção tenha incluído um provérbio “cético”, mas a “piedade ortodoxa” do editor também pode ser a razão para inserir רשע, talvez sob a influência de 10:28b , onde רשע é usado em uma expressão “piedosa” da mesma ideia.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
231
רשעomitido” (McCreesh). Neste versículo (אוניםforça, riqueza, virilidade) tem o sentido genérico (Waltke) ou significa força financeira (McKane, Murphy, Clifford,91 mas não a força da progênie (então Rashi, Malbim), uma vez que a progênie é gerada da potência viril, mas os filhos do falecido "não são eles próprios o robur virile" (Delitzsch). Portanto, a riqueza deve ser entendida como a fonte da expectativa. A terceira pessoa do singular feminino perfeito de אבד no final do verso , pode ser interpretado como um perfeito gnômico, ou seja, um perfectivo proverbial,92 em contraste com o imperfeito habitual do mesmo verbo no primeiro hemistich.93 O imperfeito seria, portanto, “usado para denotar atividade habitual sem valor de tempo específico” e ir com o perfeito gnômico concebendo “um estado ou evento universal como um evento único”. Fox) e a confiança depositada na riqueza 95 perece. O segundo hemistich também seria regido pela frase temporal [...] במות אדם no início do verso (então Hitzig) e forneceria uma especificação do primeiro hemistich, ou seja, que nenhuma riqueza pode oferecer esperança quando os humanos são confrontados com a morte. Mas o perfeito seguindo o imperfeito do mesmo verbo também pode ser lido de outra maneira. Como em ugarítico,96 o perfeito pode descrever um evento ou estado anterior a outro evento, como um mais que perfeito, futuro perfeito ou uma verdade geral.97 Então o provérbio conteria um elemento de contraste: Quando uma pessoa morre, o objeto de sua esperança naturalmente também morre, mas qualquer confiança na riqueza já terá perecido de qualquer maneira. Ou seja, pode-se alimentar todo tipo de esperança até o momento da morte, mas mesmo antes disso deve ficar claro que não se pode confiar na riqueza. Isso é mais apontado do que a alternativa, uma vez que o segundo hemistich não apenas aguça o primeiro, mas afirma um princípio de que a confiança na força/riqueza humana se foi com o vento, independentemente do momento da morte. O provérbio, portanto, começa a partir da mesma premissa de Qoh 9:4-5 (enquanto alguém pertencer aos vivos – e apenas por tanto tempo – há esperança [)]בטחון, mas evita a amarga ironia de Qohelet (“para os vivos sabem que devem morrer”) em favor de uma convicção que deixa espaço para uma confiança piedosa em Deus e não nas coisas materiais ou humanas (cf. 14:26; 29:25b; Sl 40:4; 42:6; 118 :8-9; 146:35; Is 40:3198). 91
Clifford aponta para “o contexto econômico estabelecido pelo v. 1 e elaborado no vv. 3-6. Ver IBHS, 30.5.1c; cf. GKC 106k. 93 Então IBHS 31.1.1e, no. 5 e 6; cf. GKC 107g. 94 IBHS 31.e 95 Ou outros aspectos da força humana, se o significado genérico de אונים for entendido. 96 Cfr. Held (1962, 281-290), Delekat (1972, 11-26) e Watson (1994, 242). 97 Ver GKC 106f, m-o. 98 Cfr. Lam 3:18-21, onde a esperança do pecador ()תוחלת também pereceu ()אבד, mas ele ainda está vivo e resolve colocar sua esperança em Yahweh. 92
232
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Portanto, o provérbio nunca precisou ter sua “ortodoxia” salva pela inserção de (רשע Texto Massorético) ou ser reescrito para dar aos justos uma esperança apesar da morte (Septuaginta). No entanto, tem sido interpretado assim em ambas as linhas de transmissão. Com a inserção de רשע, o texto hebraico acomoda o provérbio ao contexto sobre justiça e maldade. Agora afirma que os ímpios perdem toda a esperança no momento da morte e implica que os justos mantêm a esperança. Nesta forma editada, o Texto Massorético sugere a crença na vida após a morte,99 assim como a Septuaginta neste versículo, bem como em 10:28 e 14:32 (Raposa em EE). Pseudo-Ibn Ezra interpreta a esperança perdida da pessoa perversa como significando que sua esperança no mundo vindouro morre, enquanto Rashi relaciona a esperança do perverso com a da pessoa justa implícita e as interpreta em sua correlação mútua. Embora os ímpios possam ter influência durante sua vida, ela não tem efeito após sua morte e a confiança depositada neles prova ter sido inútil.100 Mas os justos acumulam mérito durante sua vida, que se torna uma fonte de esperança para o benefício de seus crianças. O Mezudat David vê o desaparecimento da esperança na morte como uma implicação de que ainda há esperança para os ímpios se arrependerem enquanto estão vivos, mas depois tudo está perdido para eles. O lado negativo desse entendimento compõe a essência da exposição do Vilna Gaon. Segundo ele, a esperança dos ímpios morre no sentido de que seus filhos não serão beneficiados com o mal perpetrado por seus pais. R. Bahya explica a presença de אדם junto com רשע por meio da etimologia. Visto que אדם tem um cognato no substantivo (אדמהterra) e o primeiro Adão foi feito da terra, o provérbio refere-se às atitudes e desejos “terrenos” nutridos pelos ímpios. Ao contrário das preocupações espirituais, todas elas morrem com essas pessoas e, portanto, não constituem nenhuma esperança. João Crisóstomo comenta a versão grega do texto. Uma vez que a Septuaginta já traz referências incorporadas aos justos e aos ímpios, bem como uma sugestão de vida além da morte, ambas as ideias constituem o esteio de sua exposição. A ideia da esperança não perecer remete o leitor para o tema da ressurreição, mas também para o futuro antes da morte e mesmo para os descendentes dos justos que – conforme a interpretação rabínica – se beneficiam da justiça do falecido.101 Crisóstomo também aceita que o justo pode manter uma boa reputação após a morte. Embora ele não diga se essa reputação é desfrutada no céu pelos falecidos ou na terra por aqueles que os conheceram, esta última é provável no contexto da menção explícita de Crisóstomo aos descendentes. 99
Da mesma forma McCreesh (1991, 140). Meinhold: Hitler e seus seguidores oferecem uma boa ilustração dessa interpretação. 101 “Nesse estágio”, comenta Hill (2006, 222), “Crisóstomo não pode evitar a questão da diferença na escatologia” entre o que ele chama de “crenças do Antigo e do Novo Testamento”. Ele parece culpar Crisóstomo por não reconhecer formalmente a diferença entre a esperança no futuro antes da morte e a esperança na vida após a morte. Mas não é certo – nem mesmo provável – que qualquer dimensão esteja faltando na versão grega deste provérbio e outros, como 10:28 e 14:32 (assim McCreesh [1991, 140], similarmente Fox em EE). A frase grega “a esperança não acaba” pode ser entendida como esperança para o mundo vindouro, mas também esperança para os descendentes dos justos ou uma boa reputação pela qual os falecidos são lembrados na terra. Todas essas possibilidades estão presentes na interpretação rabínica do texto hebraico e são expressamente consideradas por Crisóstomo com base na Septuaginta, de modo que ele não pode ser criticado por sua exegese. 100
Tradução e Exegese do Capítulo 11
233
11:8 Uma pessoa justa é resgatada da adversidade, e então um ímpio vem em seu lugar. O provérbio é um Doppeldreier exato com três ênfases em três palavras em ambos os hemistíquios. Cada meio-verso consiste em uma frase verbal, mas sintaticamente os dois estão relacionados de tal maneira que a situação descrita no segundo sucede a primeira não apenas temporalmente, mas também logicamente.102 Onde isso acontece, a associação entre as duas unidades muitas vezes pode ser traduzido como uma única sentença terminando em uma cláusula consequencial com waw consecutivo mais imperfeito. Este é o caso em nosso presente provérbio. צדיק מצרה נחלץ perfeito
תחתיו
ויבא רשע waw imperfect
Um justo é resgatado da adversidade e então = para que um perverso venha em seu lugar
Não apenas sintaticamente, mas também estilisticamente, os dois hemistíquios estão intimamente ligados por meio de uma ordem de palavras quiástica: 103 sujeito [seguido por frase preposicional] verbo
sujeito do verbo [seguido de frase preposicional]
Tudo isso tem consequências para o significado do provérbio. Se a segunda cláusula descreve o resultado do evento mencionado na primeira cláusula, o provérbio não pode significar que o ímpio sofre indiretamente pela salvação do justo.104 Visto que o resultado não pode ser a causa, o sofrimento do ímpio não facilita o resgate dos justos, mas o resgate dos justos desocupa um lugar na esfera da adversidade para os ímpios. Em 11:2a ocorre uma construção semelhante, mas apenas em uma parte do provérbio. É apropriado chamar o v. 8 em vez do v. 2 de “uma narrativa em poucas palavras” (Van Leeuwen), porque em 102 Consulte IBHS 33.2.1a para obter a regra e os exemplos: “Situações descritas com wayyqtl são, em sua maioria, temporais ou logicamente sucessivas ... Wayyqtl significa sucessão lógica onde uma implicação lógica de (uma) situação(ões) precedente(s)... é expressa.” Cf. Luchsinger (2010, 169), que aplica isso corretamente a 11:8, e Hermisson (1968, 142-143), que fornece uma extensa discussão de vários padrões semelhantes. 103 Cfr. também o efeito integrador da aliteração com צ no primeiro hemistich (Clifford), que, juntamente com a posição de abertura do sujeito ()צדיק, destaca a importância do justo. 104 Freqüentemente, comentaristas judeus tradicionais (por exemplo, Ramaq, Mezudat David), bem como expositores cristãos (por exemplo, Crisóstomo) interpretaram o versículo como sofrimento vicário dos ímpios pelos justos. Waltke objeta com razão que aqui é uma questão de “troca” no sentido de retaliação, não de substituição; da mesma forma Fuhs. Tuinstra aponta que o sofrimento vicário funciona de outra maneira, ou seja, os justos sofrem indiretamente pelos ímpios (por exemplo, Isa 53 e repetidamente no Novo Testamento, cf. Rom 8:32; Gal 2:20).
234
Tradução e Exegese do Capítulo 11
v. 8 pode ser identificado um enredo em miniatura em que a seqüência lógica corresponde a uma sucessão cronológica, enquanto no v. 2 as formas verbais indicam simultaneidade (Delitzsch).105 Plöger explica o caráter “factual” do provérbio como um postulado que atesta a crença inabalável dos sábios no princípio básico da ordem. Igualmente adequado é o comentário de Meinhold de que esta construção é a formulação de uma regra aplicável em geral, apresentando-a como se fosse um incidente que realmente ocorreu. na cova que ele cavou para outra pessoa (cf., por exemplo, 26:27; 28:10; Qoh 10:8; Sl 7:16).107 Meinhold aponta que o texto pelo menos sugere que a pessoa perversa é aquele que planejou a adversidade em que os justos devem ter caído primeiro para serem resgatados dela. Embora o ímpio caia na própria adversidade da qual o justo foi salvo, não se diz que o ímpio a escavou. No entanto, o צרה idêntico torna a sugestão de Meinhold compreensível, e poderíamos responder à pergunta de Murphy a esse respeito com a ajuda de Plöger. Murphy questiona se, em vista das “exceções óbvias” à simetria de ação e consequência,108 os sábios realmente atribuem grande importância a isso e pergunta se para eles talvez não fosse “mais uma esperança afetuosa”. Mas essas não são alternativas mutuamente exclusivas, pois uma esperança afetuosa significa dar valor ao que se espera. No mínimo, a menção recorrente da simetria confirma a convicção,109 de modo que Fuhs pode chamá-la de declaração de fé (“Glaubenssatz”). Devemos concordar com Clifford quando considera o verso uma variante do tema familiar de cair no próprio poço. Portanto, não é surpreendente que vários comentaristas (por exemplo, Meinhold, Van Leeuwen, Fox, Waltke) se juntem aos intérpretes tradicionais (veja abaixo) ao se referirem à ilustração do princípio fornecido pelo esquema de Hamã contra os judeus (Est 5:14; 7:10). ; 9:24ss.) e os oponentes de Daniel (Dan 6:23-25). Rashi conecta o provérbio ao verso anterior, entendido como um ditado sobre a morte dos ímpios. Ele parece querer dizer que o v. 8 apresenta a morte do ímpio como um evento que salva o justo. Em todo caso, isso foi entendido dessa forma no século XIX por Samson Raphael Hirsch,110 por exemplo, quando uma pessoa justa 105
Cf. o comentário sobre 11:2. Da mesma forma Tuinstra, que combina a formulação de Plöger e Meinhold. 107 Por exemplo Clifford, Moss; Whybray pensa que adicionar 21:18 à lista (portanto, por exemplo, Wildeboer) talvez seja exagerar, mas o impulso do segundo hemistich desse provérbio é o mesmo. 108 Toy certamente está certo ao dizer que o problema da não operação do princípio não é resolvido aqui. Mas é justo dizer que a reformulação categórica da condenação, apesar das dificuldades vividas na realidade atual, oferece uma “solução” para a discrepância do sofrimento dos justos, mais ou menos na linha de alguns salmos preocupados com a questão (por exemplo, Sl 37; 49; 73; cf. Oesterley). 109 Ver Ensaio 8.2, “Sobre o Conceito de Ordem” no Vol. I, 19-28 do comentário. 110 Ginsburg ([1998] 2009, 199). 106
Tradução e Exegese do Capítulo 11
235
rejeita uma oferta atraente, mas maligna, e uma pessoa perversa a aceita. O Mezudat David também vê desta forma, ou seja, que o julgamento divino não é apaziguado a menos que alguém tome o lugar da pessoa justa salva da punição. Da mesma forma, Ramaq, que diz que o perverso é punido “por causa do” justo ()בעבורו, para que este último possa se beneficiar da expiação. O Vilna Gaon enfatiza as ilustrações do provérbio no Livro de Ester e em Daniel (veja acima). Em sua escola, a noção de que Mordechai, Daniel e também os amigos de Daniel (Dan 3) se tornaram mais fortes após sua provação está ligada ao uso do verbo חלץ, que no Hiphil também pode significar “fortalecer” (cf. ... Is 58).111 Crisóstomo, que também cita Daniel como ilustração, evidentemente interpreta o provérbio como um exemplo de sofrimento vicário. Ele diz que as palavras ἀντ᾽ αὐτοῦ δὲ παραδίδοται ὁ ἀσεβής (em seu lugar o ímpio é entregue) significam que o ímpio é entregue, “não por seus próprios pecados, mas no lugar do justo, para que você possa aprenda que isso aconteceu de acordo com a sua justiça”. No entanto, parece difícil manter essa lógica em um contexto cristão, onde o sofrimento vicário dos justos pelos ímpios desempenha um papel invertido em Cristo. A menos, talvez, que se entenda Crisóstomo da mesma forma que o tratamento bastante superficial de Melanchthon com o provérbio. Melanchthon comenta apenas indiretamente sobre o v. 8 ao subsumi-lo sob a mensagem abrangente da unidade que ele vê no vv. 3-8, v. sob “a doutrina fundamental da providência”. Isto é: “Ao justo é feito o bem, ao ímpio é feito o mal,”112 que diz basicamente o mesmo que acabei de citar do comentário de Crisóstomo.
Provérbios 11:9-13 Sobre o aspecto ético do falar e do silêncio 9
Com sua boca o enganador destrói seu próximo, mas pelo conhecimento os justos são resgatados. Quando os justos vão bem, a cidade se alegra, e com a morte dos ímpios há júbilo. Pela bênção dos justos uma cidade é elevada, mas pela boca dos ímpios ela é derrubada. O insensato despreza o seu próximo, mas o homem de entendimento se cala. Quem anda por aí como caluniador revela um segredo, mas quem é confiável em espírito esconde um assunto.
10 11 12 13
Bibliografia Hausmann 1995, 54f., 125, 194-196, 202, 204; Hermisson 1968, 48f., 73, 159f.; Heim 2001, 134-138; 2013, 262-267, 271-272; Krispenz 1989, 165; Millar 2020, 117-118, 149-155; Pilch 2016, 39-40; Scoralick 186-189; Scherer 1999, 79-83.
Os comentaristas que - pelo menos em certa medida - consideram o agrupamento de provérbios estão divididos quanto à forma como os ditos no cap. 11 e, portanto, também em sua parte central devem ser demarcados. Entre outros fatores, é claro 111 112
Então Menachem Mendel Bendet, citado por Ginsburg ([1998] 2009, 199). Veja acima no v. 3.
236
Tradução e Exegese do Capítulo 11
tem a ver com pontos de vista diferentes sobre onde a cesura no final do grupo anterior deve ser vista (v. 8 ou v. 9 ou nenhum). Scoralick, por exemplo, trabalha com uma unidade nos vv. 8-17 como a seção de abertura de uma longa estrutura concêntrica que chega até 12:13.113 Principalmente com base em palavras de ordem e semelhanças temáticas, Heim114 encontra um agrupamento relativamente longo nos vv. “1 + 2-14,”115 enquanto Plöger, Meinhold e Waltke veem uma cesura no final do v. 15. Sæbø, por sua vez, leva o vv. 3-11 juntos, mas o chama de “agrupamento de versos muito complexo” que ele acha difícil de quebrar. Na minha opinião, Scherer fornece um argumento bem fundamentado para reconhecer um agrupamento menor nos vv. 913.116 Ele defende a coerência desses versículos com base em três “elementos constitutivos”. Primeiro, há uma tendência ao contraste ético (como o justo e o correto versus o enganador e o ímpio, ou as atitudes que apoiam o falar ou o silêncio no vv. 12s.). Isso está ausente no v. 14 e, portanto, marca uma cesura. Em segundo lugar, o nexo ação-consequência é voltado para as consequências de boas ou más ações para o ambiente social do agente (com ênfase no uso de palavras para “vizinho” e “cidade”).117 Finalmente, a concentração do tema da fala e do silêncio (“boca” e “calúnia”, assim como os atos de fala que expressam alegria ou desprezo e o silêncio que a eles contrasta). Além disso, há um efeito anafórico nos vv. 9-11, onde todo a-hemistich começa com a preposição ב e todo b-hemistich começa com וב. como para a frente. Por um lado, o verbo חלץNiphal, aparecendo tanto no v. 8 quanto no v. 9, cria o efeito de um slogan, enquanto a ideia do justo/íntegro escapando da adversidade também está presente no vv. 4-6, embora com outros verbos. Por outro lado, um elemento social também está presente nos vv. 14-15, enquanto o elemento do discurso é pelo menos sugerido no v. 14 também (ambos os lados dos quais Scherer concede). 11:9 Com a boca o enganador destrói o seu próximo, mas pelo conhecimento os justos são resgatados. O provérbio tem o padrão comum de 4+3 ênfases em tantas palavras e consiste em duas sentenças verbais. Como ambos fazem todo o sentido, não há 113
Scoralick (1995, 186-189, 196). Heim (2001, 134-137). 115 Cfr. Hermisson (1968, 175) e Lucas, que também veem a interrupção no final do v. 14. 116 Scherer (1999, 79-83 e 88 [resumo de sua visão de todo o capítulo]). 117 Scherer (1999, 82) também vê um padrão quiástico nas palavras-chave relevantes: vizinho (v. 9), cidade (v. 10), cidade (v. 11), vizinho (v. 12). 118 Isso traz automaticamente assonância e aliteração; cf. também o fato de que o v. 12 começa com a mesma consoante ()ב, embora não com a preposição. 114
Tradução e Exegese do Capítulo 11
237
preciso ler a primeira palavra como um status constructus ( פי em vez de ) פה para acomodar a Septuaginta, onde o genitivo plural é usado (ἐν στόματι ἀσεβῶν) e o hebraico ( ישחיתhe destrói) foi provavelmente lido como o substantivo (שחתpit) e, portanto, traduzido como παγὶς (armadilha).119 De qualquer forma, o grego diz o mesmo, mas cria uma metáfora para o dano causado pela boca de um humano a outro. O ָחנֵ ף é um canalha cujo comportamento covarde pode assumir muitas formas. Aqui ela se manifesta em palavras antissociais,120 o que significa que ele engana seu próximo. A duplicidade com que ele trata de seus negócios é particularmente clara no uso da palavra ר ַע,ֵ que é um vizinho em um sentido amplo de comunidade. clã ou povo da cidade em sua conversa astuta, nem mesmo quando isso significa destruí-los. Em contraste, os justos têm conhecimento, isto é, pertencem aos sábios.122 O segundo hemisfério é tecnicamente ambíguo. דעת pode estar no estado absoluto ou no estado de construção. Se for tomado como absoluto, os צדיקים são o sujeito gramatical do verbo passivo (יחלצו conforme traduzido acima); se tomado como construto, a palavra צדיקים torna-se seu genitivo e o verbo indefinido123 (“pelo conhecimento dos justos, as pessoas são resgatadas”). Visto que, mesmo assim, o sujeito indefinido implica as pessoas instruídas sozinhas ou em conjunto com outras, o sentido permanece o mesmo em ambos os casos. Porque ter conhecimento significa ser sábio, eles podem ver através da conversa fiada do enganador e evitar serem enganados por tal pessoa. Fox está certo ao apontar que o segundo hemisfério limita o escopo do primeiro “por mitigar o perigo implícito”. Mas ainda a antítese entre 119 Cf. BHS, onde essas leituras são mencionadas (não BHQ, onde apenas uma possível metátese de יצלחו para יחלצו é mencionada como uma explicação para “no caminho certo”, cf. 28:13). A Septuaginta tem, ἐν στόματι ἀσεβῶν παγὶς πολίταις, / αἴσθησις δὲ δικαίων εὔοδος (Uma armadilha está na boca das pessoas más, / mas o discernimento do direito eous está no caminho certo). 120 Tantas vezes na interpretação rabínica tradicional (veja abaixo); também Waltke; cf. ISSO I, 599 (Knierim); cf. Is 32:6; Jer 23:11, 15. 121 Pilch (2016, 201) descreve o termo como indicação de “uma extensão do grupo de parentesco de alguém”, uma unidade social em termos do que Pilch chama de “dentro do grupo” em oposição ao “fora -grupo." Hausmann (1995, 54-55) também aponta o efeito social (“Gemeinschaftsbezogenheit”) de tais ações, mas acrescenta que isso não ocorre com tanta frequência quanto os efeitos negativos para o perpetrador, que ela atribui à natureza didática do proverbial literatura. 122 Cfr. a advertência de Hausmann (1995, 9-10), de que o sábio e o justo (ou o tolo e o perverso) não devem ser identificados sumariamente, uma vez que os pares conceituais têm seus respectivos ambientes de sentido (“Sinnzusammenhänge”). Embora isso seja verdade como regra, o presente provérbio mostra que também não pode ser mantido de maneira muito estanque. A palavra דעת e não חכמה é usada aqui, mas o conceito de sabedoria ainda está presente e diz-se explicitamente que o justo tem a qualidade do conhecimento sapiencial. 123 Murphy refere-se ao GKC 144f para tal uso do sujeito indefinido, que é tecnicamente correto. Mas nesta leitura o sujeito indefinido do verbo passivo é “redefinido” pelo genitivo na frase preposicional que o precede – o sujeito impessoal deve ser entendido como aquele que tem conhecimento salvando a si mesmo ou a outros que se beneficiam de seu conhecimento ( cf. v. 11; 10:11; 12:6b, 18; Qoh 9:14-15); cf. também Hausmann (1995, 194-195).
238
Tradução e Exegese do Capítulo 11
os dois versos não são eliminados.124 O enganador ainda é a própria antítese do justo, enquanto o controle de danos por este último e o dano infligido pelo primeiro permanecem claramente antitéticos. O provérbio implica que os sábios estavam cientes de que o mal às vezes pode ser causado pelos ímpios, mas eles também sabiam que, em seu conhecimento, os sábios têm um antídoto para isso. Portanto, o provérbio pode realmente ser chamado de otimista, mas ao mesmo tempo também é realista. O motivo da palavra poderosa ocorre frequentemente na Bíblia, mas também em outras literaturas do antigo Oriente Próximo. A palavra dita por um ser humano ou por um deus pode ser positiva ou destrutiva. Exemplos do poder positivo da palavra divina são bem conhecidos da tradição bíblica da criação (por exemplo, Gen 1; Sl 33:6), e sua força destrutiva pode ser vista, por exemplo, nos lamentos de Jó (Jó 9:6; 26:11) e em hinos (Sl 148:8). Ilustrações de ambos os tipos são proeminentes em textos mesopotâmicos como o épico Enuma Elish sobre a criação e o Lamento pela Destruição de Ur. Por um lado, o poder constante da palavra divina é selado no final do Épico da Criação:125 Firme em sua ordem, seu comando inalterável, O pronunciamento de sua boca nenhum deus mudará.
Por outro lado, a destruição de Ur é retratada como uma tempestade “falada” por Enlil:126 Naquele dia a palavra – quem sabe o seu significado? – atacado como uma tempestade, A palavra de Enlil que serpenteia para a direita, conhece a esquerda, Enlil que decreta o destino, foi isso que ele fez.
Mas a tradição sapiencial está especificamente interessada em palavras humanas que podem ser positivamente vivificantes ou, como no provérbio atual, destrutivas. O princípio é sumariamente expresso na sucinta brevidade de 19:21a: A morte e a vida estão no poder da língua.
Existem muitas situações em que os seres humanos podem ter influência negativa e positiva na sociedade. As vítimas ou beneficiários da fala podem ser os próprios falantes ou outros com quem ou sobre quem eles falam.127 Em um mito egípcio da criação, o poder da fala em geral está expressamente relacionado ao processo de criação, no decorrer do qual a vida foi transmitida 124 Clifford chama isso de “um contraste sutil” e encontra os seguintes elementos: o que é expresso :: o que não é expresso; causa danos :: garante proteção; outros :: eles mesmos. No entanto, o texto também permite um genitivo no segundo hemistich, de modo que resta a possibilidade de outros serem incluídos no resgate. 125 Moriarty (1974, 349); ANET, 72. Cfr. também exemplos ugaríticos dados por Moriarty (1971, 353-354). 126 Moriarty (1974, 348); ANET, 614. 127 Para o Livro de Provérbios, cf. 10:11; 12:6, 13, 18; 13:2s.; 18:7. O exemplo mais completo do Novo Testamento do poder da fala humana para o bem ou para o mal é a série de metonímias, metáforas e comparações no argumento desenvolvido em Tg 3:1-12 (cf. Jr 9:3; Sl 64:3) .
Tradução e Exegese do Capítulo 11
239
através do coração (pensamento) e da língua (falar os pensamentos), que efetivamente deriva o poder das palavras humanas do reino divino. Assim é dito no assim chamado Mito de Origem de Memphis:128 Assim aconteceu que o coração e a língua ganharam controle sobre (todos os outros) membros do corpo.
Como a tradição bíblica, os preceitos de outras partes do antigo Oriente Próximo também mostram que a fala humana (palavra, boca, língua) é um poderoso fator social. Eles não estão no âmbito da investigação de Moriarty que acabamos de citar, mas são os mais esclarecedores para comparação com os aforismos bíblicos sobre a fala. Ilustrações da literatura egípcia, babilônica e judaica posterior, bem como referências, foram dadas anteriormente (veja acima, o comentário em 10:19). A maioria dos intérpretes rabínicos concorda que a destruição pela boca mencionada no provérbio refere-se à bajulação ou conversa simplória para induzir as pessoas a fazer o mal, de modo que sejam destruídas pelo caminho perverso para o qual foram atraídas (Rashi, Gerondi, Nahmias, Vilna Gaon ) ou por calúnia depois (Hame'iri). Gerondi e Nahmias apontam para o contraste com a pessoa justa que pode ver através de tal engano e, portanto, não é pega. Rashi e o Vilna Gaon129 interpretam o דעת dos justos como seu conhecimento da Torá, para o qual Rashi pode citar um comando específico da Torá, Dt 13:9, onde é proibido aceder àqueles que induziriam alguém a se desviar do caminho do Senhor. Comentando sobre a tradução da Septuaginta do primeiro hemistich (“Uma armadilha está na boca das pessoas perversas”), Crisóstomo faz o que Hill chama de “uma referência enigmática ao 'governante'”. da virtude não só do indivíduo, mas também dos outros. Portanto, ele ordena que os ímpios sejam punidos e toda a cidade destruída. O que está claro é que ele vê o enganador do v. 9a como “o governante” que destruiu as pessoas. É possível que isso se refira à punição da cidade de Antioquia em 387 pelo imperador Teodósio por sua violação das efígies imperiais, como menciona Hill131. Nesse caso, a punição indiscriminada do imperador a culpados e inocentes é criticada com a ajuda do provérbio, mas a referência, no entanto, permanece intrigante. Melanchthon retoma seus comentários de versos individuais neste ponto e parafraseia o provérbio como uma advertência:132 Admonitio est, ut prudenter caveantur fucati amici. Et pertinente huc multa dicta: Tuta frequensque via est per amici fallere nomen, Tuta frequensque licet sit via, crimen habet. 128
Moriarty (1974, 351); ANET, 5. O Vilna Gaon lê as duas primeiras palavras como um substantivo qualificado por um particípio com função adjetiva, ou seja, בפה חנף é “por uma boca lisonjeira”, veja Ginsburg ([1998] 2009, 199). Isso não influencia a substância de sua interpretação. 130 Colina (2006, 4). 131 Colina (2006, 222). 132 Cfr. Introdução, Ensaio 2 sobre “Aprendizagem no Indicativo” para uma discussão sobre o uso de declarações (“Wahrsprüche”) como um modo de instrução ou ensino e admoestação na literatura sapiencial. 129
240
Tradução e exegese do capítulo 11 Praecipue vero nocet simulatio, hoc est, sophistica in corruptelis doctrinae. Sempre autem in sophismatibus, vera aliqua, esplêndida e plausibilis sententia proponitur ut aditus sit speciosus, et Invitet auditores. (A advertência é que devemos ser cautelosos com amigos fingidos. Muitos ditados abordam isso: É uma maneira comum de enganar [as pessoas] usando o nome de “amigo”. Mas, embora possa ser comum, ainda é um crime. 133 A imitação é especialmente prejudicial quando é sofista na falsificação da doutrina, pois nos sofismas sempre é apresentado um ditado verdadeiro, esplêndido e plausível, de modo que aceitá-lo parece bom e convidativo para os ouvintes.
Melanchthon, portanto, aplica o veredicto negativo do provérbio sobre o engano destrutivo por pessoas insinceras para advertir contra aqueles que usam palavras atraentes para suas falsas doutrinas teológicas.
11:10-11 10 Quando os justos vão bem, a cidade se alegra, e com a morte dos ímpios há júbilo. 11 Pela bênção dos retos uma cidade é elevada, mas pela boca dos ímpios ela é derrubada. A maioria dos comentaristas134 concorda que esses dois ditados são um par de provérbios. Como observa Waltke, isso não se deve apenas ao tema semelhante, mas também às palavras de ordem, sinônimos e sintaxe. Em primeiro lugar, podemos observar o estreito paralelo rítmico entre os dois provérbios. Ambos têm quatro acentos no primeiro hemistich e três no segundo, ambos têm quatro palavras no primeiro e três no segundo hemistich,135 e ambos têm dez sílabas no primeiro e nove no segundo hemistich. Esquematicamente: Versículos:
10a
10b
11a
11b
Tensões:
4
3
4
3
Palavras:
4 [5]
3 [5]
4 [5]
3 [5]
10
9
10
9
sílabas:
Isso anda de mãos dadas com os padrões sonoros de ב־ e וב־ para abrir os respectivos versos a e b (veja acima sobre a aliteração e assonância, incluindo a de צדיקים, ישרים e )רשעים, e a repetição de palavras 133 Uma citação de Ovídio, Ars amatoria I, 585-586, na típica moda classicista de Melanchthon. 134 Incluindo exegetas rabínicos tradicionais como Ramaq, Ralbag e Malbim. 135 Isto é, se as palavras escritas forem contadas como unidades ortográficas; se cada lexema for contado independentemente da convenção escrita, a contagem permanece simétrica, ou seja, cinco palavras em cada hemistich de ambos os versos (indicados por colchetes na tabela).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
241
(קריה/ קרתe )רשעbem como o uso de sinônimos ( צדיקe )ישר. Além desses fenômenos, a sintaxe dos dois pontos é bastante paralela: 136 ב־+ st. cs. ( )טוב+ gen. ()צדיקים
3rd pers. f. sg. impf. ( )תעלץsubj. ( וב־ )קריה+ inf. cs. + gen. ( )רשעיםpredicate
ב־+ st. cs. ( )ברכת+ gen. ()ישרים
3ª pess. f. sing. impf. ()תרום
obj. ()קרת
וב־+ st. cs. + gen. ( )רשעיםpredicate
Tais características formais137 não apenas mostram que os dois pontos formam um par, mas também enfatizam a coincidência temática do dístico. Uma leitura superficial é suficiente para ver que o v. 11a fornece a razão para o que é declarado no v. 10a, enquanto o v. 11b faz o mesmo em relação ao v. 10b. Em ambos os casos, o segundo hemistich fornece informações que agregam valor à compreensão do primeiro pelo leitor, de modo que o paralelismo dos pontos completos dentro do dístico é aumentativo em vez de sinônimo. O uso de ב com טוּב é temporal (quando), mostrando que uma cidade se alegra quando as coisas vão bem para os justos. Em Provérbios, o substantivo טוּב ocorre apenas aqui. Pode significar bem-estar material (propriedade, ativos, por exemplo, Gn 24:10; Jó 20:21) ou bem-estar em geral (cf. Jó 21:16) e, em alguns casos, aproxima-se do conceito de bênção,138 o que adequar o paralelismo com v. 11a admiravelmente. A cidade inteira139 se regozija140 quando os justos recebem o que lhes é devido em termos do nexo de ação e consequência. Por outro lado, há gritos de alegria quando os ímpios perecem, o que deve significar que toda a população se deleita com a morte daqueles que devem sofrer o que lhes é devido. Em nenhum dos casos é dito por que a alegria coletiva é expressa, mas os exegetas tradicionais ofereceram várias sugestões (veja abaixo). McKane comenta: “Tuas viveram para si mesmas e devem morrer para si mesmas...”, mas o versículo não aprova nem desaprova o júbilo. O provérbio é descritivo.141 Nem a alegria pelo sucesso dos justos nem a celebração da morte dos ímpios são prescritos. Em 24:17 136
Cf. Waltke, que no entanto apenas descreve os respectivos a-versets. Surpreendentemente, o olhar filologicamente treinado de Schultens não observou nada disso e não encontrou nada de interessante no dístico, pois ele o traduz para o latim e retoma seu comentário no v. 12. 138 Assim QUE I, 662-663; cf. Salmos 27:13; 65:5; especialmente 128:5. 139 O substantivo relativamente raro קריה e o cognato (קרתv. 11) ocorrem com mais frequência em Provérbios do que o comum (עירTuinstra: 7 vezes a 4). Neste verso é usado como metonímia para os habitantes da cidade. Portanto, Luchsinger (2010, 219-220) está certo ao dizer que קריה cumpre “dupla tarefa” por ser o sujeito implícito do substantivo de ação רנה. Mas ele não está certo ao questionar a sugestão hipotética de Alter ([1985] 2011, 211-212) de que “lamento” pode ser esperado em vez de “júbilo”, uma vez que Alter quer dizer que o efeito surpresa da alegria em vez do lamento demonstra o “enquadramento adequado de percepção familiar que o provérbio pretende alcançar”. 140 O verbo עלץ pode indicar tanto o sentimento interno de alegria quanto sua expressão externa, a última das quais é paralela a רנה no v. 10b. Portanto, o segundo significado deve ser preferido neste provérbio. 141 Isso permanece verdadeiro mesmo que Scherer (1999, 80-81) esteja certo ao detectar um elemento de “contraste ético” tanto neste versículo quanto no próximo. A presença de conceitos éticos (“Begriffspaare”) não faz do dizer uma injunção. 137
242
Tradução e Exegese do Capítulo 11
ambos os hemistíquios proíbem expressamente a alegria pela queda do inimigo (cf. também 25:21s.),142 mas Meinhold nega qualquer tensão entre esse provérbio e o v. 10. Segundo ele, 24:17 é sobre uma questão de animosidade pessoal ( nesse caso, regozijar-se é errado), enquanto o v. 10 implica que o ímpio que cai é uma figura de liderança pública (por essa razão, ele pensa, regozijar-se não é apenas aceitável, mas até mesmo necessário). Uma observação sobre a celebração do infortúnio O fato de o v. 10b envolver líderes comunitários não precisa necessariamente estar implícito, mas pode estar. De qualquer forma, o pensamento adicional de Meinhold é questionável, ou seja, que a sociedade “deve” (sua palavra) se alegrar com a queda dos poderosos ímpios ou então ser culpada do mesmo mal. Sua referência aos embaraçosos grupos de alemães que se encolheram silenciosamente em 1945 em vez de se alegrar com a queda dos criminosos (“Verbrecher”) pode ser uma sensibilidade histórica compreensível referindo-se a Hitler e seus ajudantes malignos. Embora as declarações indicativas – incluindo este provérbio – possam, sem dúvida, levar os alunos a seguir o curso certo (por exemplo, o v. 9 ou o v. 3 imediatamente anterior), é difícil inferir um imperativo para Schadenfreude a partir da observação no v. 10b. Se isso fosse legítimo, que fundamento haveria para julgar o júbilo nas ruas de Londres pela morte de Margaret Thatcher, comportamento especificamente defendido nas calçadas com as próprias três palavras usadas nesse hemistich? Quem decide quais figuras públicas podem ser classificadas como pessoas boas ou más? Parece-me que o provérbio não está de forma alguma pedindo para se deleitar com o infortúnio, mas está descrevendo o que Dickens evocou em suas cenas dos pobres comemorando a morte de um Ebenezer Scrooge sem coração. Isso é de fato o que acontece nas sociedades. Aqueles que observam o fato apontado a eles pelo sábio, são de fato motivados pelo indicativo, mas então são levados a aprender com ele para seu próprio benefício,143 como Ebenezer fez - e mudou de רשע para צדיק .
Os paralelos formais entre vv. 10 e 11 discutidos acima acentuam a afirmação de que, como estão, o v. 11 dá a razão ou explicação para o v. 10 (Fox, Lucas). O primeiro hemistíquio do v. 10 sugere a questão de por que uma cidade inteira144 se regozijaria se os justos dentro dela experimentassem prosperidade. A primeira metade do ponto seguinte acrescenta vários detalhes adicionais que fornecem os ingredientes com os quais o leitor pode forjar uma resposta. Primeiro, os justos são pessoas íntegras (então Sæbø) que são abençoadas por isso. Em segundo lugar, a bênção (singular feminino) eleva (terceira pessoa do singular feminino Qal imperfeito 142 Yoder lista exemplos tanto do reconhecimento quanto da condenação de Schadenfreude na Bíblia. 143 Parece-me que Volz (1911, 148) tem um semelhante, embora interpretação não idêntica. Ele diz que o sábio aqui afirma quais são as consequências de certas atitudes na vida e que a opinião pública é uma força a ser reconhecida. Segundo ele, isso demonstra o interesse da sociedade humana na ordem moral de uma comunidade. 144 Neste ponto, Pilch nos lembra que o que é chamado de “cidade” geralmente era apenas uma aldeia com uma pequena população. Como a dinâmica de grupo é mais forte em comunidades pequenas do que em grandes, o comportamento e as conquistas dos indivíduos impactariam o resto de sua “cidade”. Sobre os níveis populacionais e a vida na cidade, cf., mais adiante, McNutt (1999, 152).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
243
de )רוםuma cidade. Enquanto a cidade é o assunto no v. 10, ela é o objeto no v. 11 e, portanto, algo está sendo feito. Isso só pode significar que a bênção dos justos se estende ao resto da cidade. Além disso, a frase é gramaticalmente ambivalente (da mesma forma que Van Leeuwen). Pode significar que tanto a bênção recebida pelo justo (genitivus objectivus) quanto a bênção concedida pelo justo (genitivus subjectivus)145 eleva a cidade. Em ambos os casos, toda a comunidade se beneficia, seja por causa da solidariedade social146, seja porque os justos concedem algumas de suas próprias vantagens à comunidade em geral. Dependendo do tipo de bênção, esta pode ser de natureza material ou prestígio ou ambos. A possibilidade de duas leituras reforça a partilha da comunidade na bênção de alguns dos seus membros (cf. Rm 12,15; 1 Cor 12,26). Da mesma forma, o segundo hemistich do v. 10 sugere a questão de qual seria o motivo para se alegrar com a ruína dos ímpios. A segunda metade do v. 11, por sua vez, fornece um ângulo a partir do qual o leitor pode responder a isso. Como os ímpios falam coisas que são destrutivas para a cidade e, portanto, destroem147 suas possibilidades de prosperar, seria natural que os afetados expressassem prazer pela eliminação da ameaça. O conceito de “bênção” (v. 11a) ainda precisa ser considerado. Leuenberger descreve ברכה como a força que traz bem-estar, garantindo ou protegendo assim a vida e, portanto, “bênção” também pode envolver a transmissão desse poder.148 No entanto, isso não é verdade apenas nos casos em que a raiz ברך é usado, mas também onde o conceito subjacente é usado, mesmo quando expresso por outras palavras. No Antigo Testamento, isso é frequentemente associado ao tema da salvação ou resgate,149 o que torna insustentável a estrita separação entre “bênção” e “salvação” defendida por Westermann150. Portanto, é bastante 145
O paralelismo da “boca” dos ímpios (v. 11b), favorece, como observa Waltke, que a bênção (v. 11a) seja algo falado pelos retos. Uma cidade é assim prejudicada pelas palavras dos ímpios e beneficiada pela bênção concedida pelos justos. 146 Cfr. Pilch (2016, 201); também McNutt (1999, 76, 78f.; mais 198 sobre o bem-estar coletivo de uma “estrutura de comunidade local” no século V). Fuhs chega a sugerir que a bênção dos justos significa que não se deve falar apenas de justiça, liberdade e solidariedade, mas que isso deve ser praticado concretamente no dia-a-dia. Na minha opinião, o sábio, no máximo, deixa tais conclusões para serem elaboradas por seus alunos/leitores por conta própria com base em sua declaração de fato. 147 Cfr. הרס em 14:1; 29:4; 2 Sam 11:25; Is 14:17; Jr 1:10. Contrastando esse verbo com רום no primeiro hemistich, Luchsinger (2010, 263) encontra uma metáfora de orientação física no verso, presente nos “conceitos bipolares” de “acima” e “abaixo”. 148 Leuenberger (2008, 9-11). Essa visão é derivada de Keller (1971, 354 e seg.) e, finalmente, de Pedersen ([1926] 1959, 182). 149 Veja Loader (2012b, 163-179, particularmente 164-165); por exemplo. as histórias da matriarca ameaçada em Gênesis 13:10-20; 20:1-18; 26:1-16; o motivo da bênção com alimento na história de José (cf. Gn 45, 7, 10ss.); a história da libertação de Israel do Egito (por exemplo, Ex 1:20s.) e a jornada pelo deserto (Ex 14:30; 17:1-7 etc.); o Livro de Rute; Salmos 107:2-21; 109:21-28. 150 Westermann (1985, 88f.; também seu estudo anterior de 1968, passim, especialmente 32f.).
244
Tradução e Exegese do Capítulo 11
natural entender o v. 11b como significando que a cidade não apenas compartilha dos benefícios materiais ou sociais usufruídos pelos justos, mas ao mesmo tempo é salva de ser dilacerada pelos ímpios. Isso, novamente, se encaixa bem com o paralelismo antitético 151 entre a primeira e a última metade do v. 11. Cf. acima em 10:6f. pela benção falada e concreta; 10:22 e seu contraponto em 10:4 e 13:4 sobre a questão se os humanos cooperam na bênção (ver também Van Leeuwen sobre esta questão). Na Septuaginta, o par de provérbios é condensado em um ponto que consiste no primeiro hemistich do v. 10 e no segundo hemistich do v. 11: ιν δὲ ἀσεβῶν κατεσκάφη. (10a Pelas boas obras de pessoas justas uma cidade é endireitada, 11b mas pela boca dos ímpios ela é derrubada) Em si isso já ilustra a estreita associação do que o texto hebraico tem como dois pontos. De Waard152 atribui a possibilidade de reduzir as duas linhas em uma ao “forte paralelismo entre 10a e 11a”. Se ele estiver certo em inferir ainda mais de 8:3; 9:3, 14 que o tradutor provavelmente não sabia o significado da palavra קֶרֶת, o colapso das duas linhas teria sido intencional para superar esse problema. No entanto, uma explicação é possível sem recorrer a tal suposição. O colapso de duas linhas em uma provavelmente ocorreu por um salto do olho do tradutor de קריה no final do v. 10a para קרת no final do v. 11a (finalizações semelhantes, homoioteleuton). ocorrem em alguns manuscritos da Septuaginta (Codex Vaticanus e Codex Sinaiticus), possivelmente fornecidos por Theodotion (Toy).
Oesterley encontra o conteúdo dos vv. 10-11 “importante do ponto de vista da data desta coleção.” Segundo ele, “[o] que se diz sobre a cidade se alegrar com a prosperidade dos justos etc. só poderia se aplicar a cidades israelitas governadas por si mesmas, ou seja, a tempos pré-exílicos. Ele afirma isso em oposição a Toy, que pensa que encontramos a cidade-estado do período grego na Palestina refletida nesses versículos. Mas Oesterley assume que os justos/retos devem ser governantes pagãos, o que tornaria o v. 11a uma expressão impensável. Embora o dístico seja bastante compreensível como um ditado pré-exílico, também havia cidades do período helenístico nas quais – segundo a própria Osterley – os anciãos judeus participavam do governo. Portanto, nada conclusivo sobre a datação pode ser extraído desses versículos. 151 Tanto o v. 10 quanto o v. 11 são antitéticos, de modo que a pergunta feita por Scoralick (1995, 20) deve ser respondida positivamente. Os elementos contrastantes são boa sorte :: falecimento e bênção :: queda. Mesmo que o v. 10b tenha “júbilo” como paralelo de “regozijar-se” no v. 10a, o paralelo semântico funciona “dentro da antítese” e, portanto, é “perfeito”, como Alter ([1985] 2011, 211) coloca. 152 QB, 41*. 153 Da mesma forma Fox em EE, embora ele use terminologia diferente; Whybray simplesmente chama isso de “acidental”.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
245
Na Mezudat David, a alegria pública (v. 10a) é interpretada pelo argumento indutivo de que as pessoas justas compartilham o que desfrutam com outras pessoas. Gerondi aborda o problema de uma possível contradição entre o v. 10b (alegria pela ruína de outra pessoa) e Levítico 19:17, onde é proibido odiar o irmão ()אח. Sua solução é que não há contradição, uma vez que o ímpio ( )רשע não pode ser considerado como o “irmão” do justo, que, supõe-se, são os que gritam de alegria.154 O Vilna Gaon considera a ligação entre as duas metades do v. 10 estão em seu relacionamento sucessivo. Isso é digno de nota porque ele expressamente interpreta isso como uma questão de um ato de salvação conectado com um ato de bênção (veja acima a nota sobre Westermann). Para ele, isso é ilustrado pela história do êxodo, onde Deus primeiro salva seu povo e concede o bem a eles (v. 10a) e depois pune seus inimigos no mar (v. 10b).155 Rashi tem uma interpretação criativa do verso. lendo קרת (cidade) como (תקרהteto). Isso significa dizer que, se os reis são bons, o teto do templo é mantido alto (= não destruído) e a cidade não destruída. Tanto o Mezudot quanto o Vilna Gaon interpretam a bênção do v. 11a como referindo-se à bênção dos justos que estão no poder na cidade. Deve, portanto, significar que as autoridades conduzem toda a população no caminho certo, o que resulta em benefício de toda a cidade e, portanto, a “eleva”. O Vilna Gaon interpreta a “boca” dos ímpios (v. 11b) como os decretos perversos emitidos por eles, implicando que eles estão no poder e conduzem a população no caminho errado.156 Crisóstomo não pressupõe que as boas ações benéficas de os justos os identificam como autoridades da cidade. Segundo ele, nada é obstáculo para uma cidade se nela houver gente boa e justa, o que é uma afirmação geral referente aos habitantes em geral. Ele enfatiza que a sabedoria sozinha não é suficiente e que deve ser acompanhada pela virtude (que para ele não é o mesmo que sabedoria). Sua observação a seguir revela que ele está comentando sobre um texto grego no qual os dois pontos foram restaurados, e não sobre o texto da Septuaginta com telescópio (veja acima no Codex Vaticanus, Codex Sinaiticus e Theodotion). Ele diz que o autor do provérbio “vai além para dizer o mesmo novamente”. Isso só pode se referir aos vv. 10b e 11a, porque Crisóstomo acrescenta que a população se beneficia tanto do mal (v. 10b) quanto do bom comportamento (v. 11a). Como alguns dos rabinos, Melanchthon aceita que as pessoas cujas ações influenciam o destino de toda uma cidade são as autoridades no poder. Ele infere uma liminar da declaração indicativa: Gubernatio debet imitari voluntatem Dei, iustitiam tueri & punire sceleratos, ut Rom. 13 perspicue dicitur ... (O governo deve expressar a vontade de Deus, para manter a justiça e punir os infratores, como é expressamente dito em Rom 13 ...) 154 Cf. Sanh 39b, onde o v. 10b é citado com referência à gritaria ( )רנהna morte do malvado Rei Acabe (cf. 1 Reis 22:36). Aqui o Talmud tem Jose b. Hanina declara que o próprio Deus não se alegra com o infortúnio dos ímpios – que, como até mesmo o exército egípcio perseguidor de Ex 14, ainda são sua criação – mas ele permite que outros se regozijem com o mesmo. 155 Cfr. Ex 14. Ele encontra um exemplo semelhante na homenagem a Mardoqueu (Est 6:10) e na subseqüente punição do inimigo, Haman (Est 7:10). 156 Aqui um texto no Talmud pode ser comparado; cf. Ginsburg ([1998] 2009, 201). Kidd 40a diz que os justos têm bons pensamentos que levam Deus a edificar a cidade. Não é assim com os ímpios, pois Deus considera um bom pensamento como uma boa ação, mas não um mau pensamento, que deve se tornar uma má ação antes de ser punido.
246
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Para Melanchthon, não é apenas uma descrição de um estado de fato, nem mesmo um empurrão sugestivo para a preferência pela justiça sobre a maldade, mas ele interpreta explicitamente em termos de Rom 13 (: 1-7) e, portanto, apropria o dístico para um cristão compreensão do governo deduzindo uma prescrição de uma descrição.
11:12-13 12 O insensato despreza o seu próximo, mas o homem de entendimento se cala. 13 O caluniador anda por aí revela o segredo, mas o fiel de espírito esconde o assunto. Como no dístico anterior, a maioria dos comentaristas é da opinião de que esses dois versículos pertencem um ao outro. A semelhança temática é fácil de ver, uma vez que espalhar rumores desfavoráveis sobre os outros contrasta com manter silêncio ou confidencialidade (cf. Meinhold) sobre tais coisas. V. 12 consiste em duas sentenças verbais e tem um padrão rítmico de 3+3. Embora Gemser prefira essa varredura, ele também considera 4+3 possível, mas isso exigiria duas sílabas tônicas adjacentes em חס`ר]־[ל`ב. Assim, apenas o segundo maqqeph (não o primeiro em ]־[לרעהו157 )בז deve ser mantido, a menos que se aceite um padrão de acentuação de 2+3 (o que é possível, mas improvável porque cinco sílabas para uma acentuação parecem muitos). Para o v. 13, Gemser opta por um padrão 4+4 totalizando um acento por palavra. Mas isso também causaria duas sílabas adjacentes com ênfase, desta vez até duas vezes e em estreita proximidade ( מגל`ה ]־[ סו`דe )ונאמ`ן]־[רו`ח. Portanto, é melhor digitalizar 3+3 e manter uma unidade de ênfase em ambos os casos em que o maqqeph indica que era isso que os massoretas pretendiam. Ao contrário do v. 10-11, não há um padrão de som claro que contribua para a ligação dos vv. 12-13.158 O verbo בוז é um cognato de בזה, onde o primeiro no Qal significa mostrar desprezo (muitas vezes, como aqui, encontrado no Livro de Provérbios com a preposição ל, cf. 6:30 ; 13:13; 14:21; 23:9; 30:17) ou ter desprezo (com o acusativo, também em Provérbios, cf. 1:7; 23:22 e possivelmente como conjectura em 27:7); onde a última raiz ocorre no Qal com ל ou com o acusativo, significa ter desprezo (15:20; 19:16; cf. Sl 22:25; 51:19 e o particípio em Qoh 9:16) . A forma consonantal do verbo no v. 12a pode ser perfeita. Também deve ser notado que todos os verbos no v. 13 e, de fato, dos seis verbos no dístico, todos exceto o último no v. 12 são particípios. 158 Waltke diz que há: “A aliteração de ḥārēs ‘derrubar’ e ḥāraš ‘manter silêncio’ também liga os versos.” Mas isso talvez deva ser atribuído a um erro de leitura; o primeiro verbo é o Niphal da raiz hrs com h e não ḥ, e as sibilantes s e š também não são as mesmas, de modo que apenas o r é comum às duas formas como estão. Em qualquer caso, hrs ocorre no v. 11, que não faz parte do dístico em discussão e, portanto, não é relevante para a unidade dos vv. 12-13.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
247
ou particípio, embora o perfeito fosse vocalizado com um patah em vez de um qamets (cf. Zc 4:10). Como o verbo é acompanhado por um imperfeito habitual no segundo hemistich, ele deve ser tomado como um particípio com qamets, não com maqqeph e qamets hatuph como se fosse um infinitivo absoluto (cf. Cant 8:7).159 A frase do v. 12a é ambíguo. Pode ser uma sentença nominal (“quem despreza seu próximo é um insensato”) ou uma sentença verbal (“um insensato despreza seu próximo”). O paralelismo com o v. 12b mostra que o último deve ser preferido: a pessoa compreensiva fica quieta e a pessoa insensata deixa escapar desprezo. É sobre o que os dois tipos normalmente fazem (particípio e imperfeito habitual), e a ênfase está em suas ações, e não em maneiras de reconhecê-las. O contraste é destacado pela ordenação quiástica do paralelismo. verbo tipo de pessoa
tipo de pessoa verbo
Além disso, lido à luz do primeiro hemistich, o segundo adquire a implicação de que a pessoa sensata pode de fato sentir desprezo por outra pessoa, pois a diferença entre os dois tipos não é se eles desprezam ou não alguém (que pode de fato merecê-lo), mas se eles mostram isso ou não. O tema é, portanto, uma ventilação desconsiderada de tais opiniões, em oposição a um silêncio prudente sobre elas, e não tanto sobre o momento certo para falar ou “uma palavra a seu tempo” (15:22). O v. 13 confirma que o tema é fala e silêncio. Ele o faz especificando os dois opostos com a adição de uma variação de ambos, viz. sair por aí espalhando calúnias sobre assuntos confidenciais versus a sabedoria de não trair assuntos delicados falando sobre eles (דבר pode significar “coisa” e “palavra”). רכיל pode se referir tanto à calúnia quanto à pessoa que a espalha, o que fica especialmente claro com o particípio de הלך e sem preposição (“que anda por aí como caluniador”).160 O סוד pode ser uma deliberação confidencial entre humanos (por exemplo, 15:22; Salmos 64:3; 111:1) ou no conselho divino (por exemplo, Jó 15:8; Jer 23:18, 20); também pode significar o resultado de tal deliberação, seja entre Deus e os humanos (por exemplo, 3:32; Sl 25:14) ou apenas entre humanos (por exemplo, 11:13; 20:19; 25:9; Sl 83:4) . Neste versículo, o significado é obviamente uma situação confidencial envolvendo humanos. Isso pode ser resumido da seguinte forma: 159
Veja acima sobre o argumento do ritmo. Assim também em 20:19, cf. Jr 6:28. Enquanto Bühlmann (1976, 241) enfatiza o elemento de falar demais, Hausmann (1995, 204-205) aponta a relação de muita conversa e o consequente aumento da chance de revelar segredos (da mesma forma, Scherer [1999, 81] e Plöger. 160
248
Tradução e Exegese do Capítulo 11
V. 12 o insensato despreza o seu próximo
→ →
V. 13 aquele que anda caluniando revela um segredo
homem de entendimento fica quieto
→ →
o confiável em espírito esconde um assunto
Cada elemento do primeiro ponto é complementado por um elemento do segundo, que fornece manifestações concretas dos motivos mais gerais do primeiro verso. Neste dístico, o segundo membro do paralelismo fornece novas informações que se relacionam com o primeiro, mas não no sentido de abrir uma nova dimensão em que o provérbio possa (também) ser lido. Em vez disso, fornece um refinamento do primeiro conjunto de elementos, oferecendo instâncias concretas de como o princípio geral se manifesta.161 Assim, o homem insensato (v. 12a) costuma caluniar os outros (v. 13a), o que ilustra o fato de que ele despreza seu próximo (v. 12a). Isso é provado pela maneira como ele trai a confidencialidade ou revela o que é prejudicial aos outros (v. 13a). O oposto é verdadeiro para o homem com entendimento (v. 12b), em quem se pode confiar (v. 13b). Ele sabe como lidar com a virtude do silêncio (v. 12b), que se manifesta como a capacidade de ser discreto em assuntos que podem ser dolorosos ou prejudiciais para os outros (v. 13b). Isso pressupõe que certas coisas não devem ser tornadas públicas, mas não exclui que outros contextos possam de fato exigir que o prudente fale (cf. o frequentemente citado antilogion de 26:4-5, que estabelece o princípio de preferência por falar ou silêncio em relação a diferentes circunstâncias). Os dois pontos de nosso dístico são totalmente antitéticos dentro de si mesmos, cada b-hemistich contendo dois elementos contrastantes para os respectivos blocos de construção contrastantes em cada a-hemistich: V. 12 V. 13
homem insensato calunioso
:: ::
compreensivo homem confiável
despreza revela
:: ::
fica quieto esconde
No entanto, como um dístico eles não são antitéticos, mas juntos dizem a mesma coisa.162 Não no sentido de que o v. 13 repete o v. nível (terminologia de sabedoria como חסר־לב e )תבונה, e então especificado e ilustrado no nível ético (terminologia como נאמן־רוח163). 161 Cfr. também a comparação entre 11:13a e 20:19a por Heim (2013, 263-267, esp. 265). Ele aponta que em 11:13 as palavras הולך רכיל abrem o primeiro hemistich e assim enfatizam a generalização extraída deste comportamento específico. Mas em 20:19 (um dos “provérbios contados duas vezes” de Snell [1993, 45]) a expressão termina o primeiro hemistich e, portanto, destaca o caráter da pessoa em questão. 162 Waltke comenta sobre o paralelismo: “O emparelhamento sugere que a calúnia (v. 12a) está enraizada no desprezo (v. 13a), enquanto o silêncio prudente (v. 12b) está enraizado em um espírito fiel (v. 13b)”. Isso contém o que provavelmente é um lapsus calami, uma vez que a calúnia ( )רכיל é mencionada no v. 13a e o desprezo ( )בוז no v. 12a. 163 Para a associação entre o sapiencial e o ético, cf. Scherer (1999, 59, 81), que o destaca como um insight importante.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
249
O motivo da pessoa silenciosa (v. 12) é um ideal sapiencial na Ensinança Egípcia de Amenemope, onde é, juntamente com o motivo da honestidade, parte do tema principal sobre o qual se concentra toda a obra. 164 Encontra-se na forma de declarações, bem como injunções, por exemplo: 165 Não divulgue suas palavras para os outros, nem se junte a alguém que abre seu coração. (XXII,13-14) O ideal do “verdadeiro calado” já ocorre no prólogo (2.7) e várias vezes mais: O verdadeiro calado, que se mantém afastado, é como uma árvore crescida num prado. (VI, 7-8) Mas todos os silenciosos no templo, eles dizem: “A bênção de Re é grande!” Agarre-se ao silêncio, então você encontrará a vida. (VII, 7-9) O barco dos gananciosos é deixado [na] lama, enquanto a barca dos silenciosos navega com o vento. (X, 10-11) A ideia de não espalhar rumores sobre (v. 13) ocorre várias vezes nas Palavras de Achiqar, onde assume a forma de injunções:166 Quem ouviu uma palavra, mas não a revela, olha, isso é precioso para Shamash. (Col. 6, l. 93) Meu filho, não tagarelar muito até que você revele cada palavra que vem à sua mente ... Mais do que toda vigilância, vigie a sua boca e endureça o seu coração sobre o que você ouve, pois uma palavra é como um pássaro, e quando ele o solta, o homem não o recaptura. (Col 7, l. 96-98) Um bom vaso esconde uma palavra em seu coração e um quebrantado a deixa sair. (Col 7, l. 109) A recepção judaica tradicional do dístico mostra uma variedade de perspectivas. Comentando sobre (חסר־לבv. 12a), Gerondi interpreta a “falta de coração” como um déficit de bom caráter (desprezar as pessoas), bem como de compreensão. Por outro lado, um homem compreensivo não responde a um insulto porque estaria abaixo de sua dignidade fazê-lo. Rashi encontra o tipo de pessoa mencionado no v. 12b exemplificado em Saul que, quando foi ungido como rei e foi insultado por homens perversos, ficou calado como um mudo (1 Sm 10:27). Pseudo-Ibn Ezra apenas acrescenta a frase כאשר יבוזו אתו 164
Introdução a Amenemope, AEL II, 147; COS I, 115 (escrito por Lichtheim). Ver AEL II, 159, 151, 153; 1; COS I, 129. Pelo contrário, o homem de muitas palavras, cf. XII, 1–XIII, 9 (AEL II, 153-154; COS I, 118; ANET, 422-424). 166 ANET, 428, 429. 165
250
Tradução e Exegese do Capítulo 11
(quando o insultam) ao verso, mostrando que ele compartilha dessa opinião. Ramaq vai na mesma direção ao afirmar que um homem de entendimento prefere sofrer os insultos do que insultar ou mesmo responder em troca. Mas Hame'iri é bastante pragmático ao comentar que a estupidez de insultar um vizinho reside no fato de que isso pode fazer com que o receptor se torne um inimigo e retalie na mesma moeda quando tiver a chance. Malbim estende a sabedoria do silêncio para significar que o homem de entendimento não se curva para responder aos insultos, mesmo quando sabe como responder.167 No século 14, o v. 13 foi entendido literalmente e como uma referência aos segredos da Torá. Ralbag pensou que uma pessoa de espírito fiel (v. 13b) esconderia o segredo da Torá daqueles que não são dignos dela, enquanto o mal pode ser causado se for revelado (v. 13a) a uma pessoa irresponsável. Mas Nahmias (século 14) viu o versículo como um aviso para não confiar em mexericos e apenas confiar em pessoas fiéis. O Mezudat David também se apega ao significado literal sobre mexeriqueiros, mas estende o v. 13b para significar que uma pessoa realmente fiel mantém todas as coisas que lhe são ditas em segredo, independentemente de terem sido contadas em sigilo ou não.168 O aspecto interessante no comentário de Crisóstomo sobre esses versículos não é tanto sua percepção do conteúdo, mas a forma que ele identifica. Para ter certeza, ele reconhece o elemento de autolesão no v. 12a (comparável a Hame'iri, veja acima) e interpreta o v. 13 como a revelação pública de um segredo pessoal, o que concorda com o texto grego ( βουλὰς ἐν συνεδρίῳ [conselhos na assembléia]). Mas ele observa a comparação de dois opostos para que o leitor possa escolher um e evitar o outro. Hill169 aponta que Crisóstomo raramente notou a característica estilística do paralelismo e só começou a fazê-lo em 10:31 em seu comentário. Parece que agora ele está se abrindo para a figura. Melanchthon parece comentar o v. 12b sob a influência do v. 13b (que também atesta sua proximidade). Ele diz: ... prudens tegit probra. (... o homem prudente cobre coisas difamatórias) Prudens (o prudente) é esperado onde o hebraico se refere ao homem de entendimento ( )תבונות no v. 12b, mas o verbo ( יחרישmantém quieto) é glosado por tegit probra (cobre coisas difamatórias), que é derivado do v. 13b. Melanchthon, portanto, reduz o texto em uma espécie de paráfrase, que ele expõe teologicamente como uma liminar que proíbe palavras difamatórias e uma diretiva para defender a boa reputação dos outros. Notavelmente é a vontade de Deus discriminar entre boas e más reputações, ou seja, de pessoas honestas e desonestas. Ele compara com as famosas palavras de Jesus, “não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt 7:1 par.). O V. 13 também é visto como uma injunção: Hoc dictum damnat perfidiam patefacientem arcana. (Este ditado condena a divulgação traiçoeira de segredos)
167 Cfr. em Yonah Gerondi acima; a ideia também é mencionada no Talmud (Shabat 88b), embora com referência a Jz 5:31, não Prov 11:13. 168 A mesma ideia é encontrada no Talmude, Baba Batra 28b: “Seu amigo tem um amigo e o amigo do seu amigo tem um amigo”, o que aponta para o perigo de falar sobre alguém pelas costas dessa pessoa ainda pode chegar aos ouvidos de aquele de quem se fala. 169 Colina (2006, 223).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
251
Como illuminatio, Melanchthon, sempre o especialista humanista em literatura clássica latina e grega, cita Sêneca com a mesma facilidade com que cita Jesus: Fides sanctissimum humani pectoris bonum est.
11:14 Onde não há planejamento, o povo cairá, mas há segurança na abundância de conselheiros. O provérbio tem duas orações com verbos, a primeira um imperfeito e a segunda um particípio. A organização rítmica é, como em ambos os versos anteriores, 3+3.171 Waltke leva vv. 14-15 juntos com base no fato de que esses dois versículos sobre a ação prudente mantêm o equilíbrio com os dois versículos anteriores sobre o silêncio prudente. Plöger encontra uma conexão entre v. 14a e vv. 12-13 no fato de que a dimensão corporativa do comportamento agora entra em foco, enquanto os versículos anteriores estavam preocupados com a dimensão individual. Tais afinidades não podem ser negadas, mas o escopo temático do v. 14 é mais amplo do que o motivo do discurso e contém aspectos políticos e militares que justificam sua própria consideração. Dito isso, é útil notar o contraste redacional criado entre o v. 14 e os versículos que o cercam, ou seja, entre o nível público (v. 14) e o nível individual ou pessoal, não apenas para trás (vv. 12-13 ), mas também para a frente (v. 15172). O provérbio tem uma organização quiástica em que uma frase preposicional introduzida por ב fica na primeira e na última posição, com o predicado de ambas as frases nas duas posições intermediárias:173 Uma frase preposicional ()באין תחבלות B predicado ()ותשועה
B predicate ()יפל־עם A prepositional phrase ()ברב יועץ
Como aponta Waltke, as partes A estabelecem as condições e as partes B estabelecem as consequências. A correspondência invertida enfatiza o paralelismo antitético tanto das condições quanto das consequências. Ambos os hemistíquios do verso ou um deles aparecem em vários outros lugares do livro. Todo o provérbio é duplicado em 15:22,174 o primeiro hemistich 170
Lucius Annaeus Seneca, Epistulae morales ad Lucilium LXXXVIII, 29. Gemser considera 4+4, mas isso resultaria novamente em duas sílabas tônicas adjacentes e necessitaria eliminar o maqqeph e uma sílaba o completa em vez de um qamets hatuph em ל־עם ָ יִ ָפּ. 172 Cfr. Ploger, que chama v. 15 uma espécie de reflexão tardia (“Nachsatz”) para vv. 14. 173 Cfr. Heim (2013, 268), que se refere ao arranjo das “classes do discurso” em ambos os hemistichs. 174 Snell (1993, 40). 171
252
Tradução e Exegese do Capítulo 11
em 29:18a, e o segundo hemistich em 24:6b.175 Fox apela para o paralelo em 24:6 para determinar o significado específico de נפל neste versículo, sugerindo que tem uma conotação militar e, portanto, alude a uma derrota,176 o que tornaria o significado “estratégia” natural para תחבלות. Isso é possível, mas não necessário. Em 11:14 uma dimensão política é igualmente natural. A palavra também ocorre em 1:5, onde o contexto da educação em geral mostra que significa as habilidades necessárias para navegar pela vida. ) sugere a população de uma cidade em vez de um estado.178 Se formos invocar comparações com outros provérbios, o contexto imediato (vv. 10, 11) convidaria pelo menos a considerar essa possibilidade (assim Fuhs). Além disso, se escolhêssemos as opções militares para todas as três palavras discutidas (תחבלות, עם, )תשועה, ainda poderíamos dizer com Clifford que o versículo “oferece uma metáfora da guerra aplicável ao cotidiano”. vida." Mas o termo תחבלות vai ainda mais longe como “uma expressão metafórica para experiência política – a capacidade de conduzir o navio do estado através de águas turbulentas – e é indispensável para a sobrevivência de uma comunidade em um mundo perigoso” (McKane, similarmente Whybray ). As versões antigas interpretam o hebraico de maneira semelhante, por ex. a Septuaginta: οἷς μὴ ὑπάρχει κυβέρνησις, πίπτουσιν ὥσπερ φύλλα, σωτηρία δὲ ὑπάρχει ἐν πο λλῇ βουλῇ. (Aqueles que não têm direção caem como folhas, mas a salvação está disponível com muito conselho) A palavra grega κυβέρνησις (direção, navegação) é semanticamente muito parecida com a raiz hebraica (חבלver em 1:5),179 enquanto σωτηρία (salvação ) pode expressar tanto o ato de salvar quanto o estado de ter sido salvo. O mesmo vale para (תשועהlibertação, segurança). O grego βουλή (conselho) faz um resumo180 do substantivo hebraico 175
Para essas três repetições, ver Heim (2013, 267-273, 273-278, 278-282), que também aponta as semelhanças no vocabulário entre 24:6 e 20:18b; além de uma discussão completa das intrincadas relações cruzadas entre todos eles, ele oferece uma visão geral esquemática útil na p. 268. Ver mais adiante a gravação de Snell (1993, 43 [para 24:6b], 48 [para 20:18b], 49 [para 29:18a]). 176 Ele também aponta que o sujeito ( )עם pode se referir especificamente ao exército (cf. Jz 20:10; 1 Sm 14:17; 2 Sm 10:10; 2 Rs 13:7); assim também Clifford e outros, enquanto Heim (2013, 267) apela para o paralelo em 24:6 em apoio ao significado de “vitória” em um sentido militar para תשועה. 177 Então Wildeboer, Gemser, Whybray e outros em 1:5; cf. vol. Eu nesse versículo. A palavra ocorre apenas no Livro de Provérbios (1:5; 11:14; 12:5; 20:18; 24:6) e em Jó 37:12. Meinhold argumenta que o versículo se refere às condições de liderança tanto em tempos de paz quanto em tempos de guerra. Ansberry (2011, 80-81) aceita a possibilidade de aplicação geral, mas enfatiza a relevância do provérbio para a corte real. 178 Entre os paralelos mencionados, 15:22 não é militar e 29:18 usa (חזוןvisão) em vez de (תחבלותhabilidade, planos, estratégia). Para עם neste sentido, cf. Gn 19:4; 1 Sam 9:13; Jr 29:16. 179 A Vulgata aqui tem o substantivo gubernator (piloto, líder; portanto, governador): “Onde não há governador, o povo desmorona”. Da mesma forma, a Peshitta tem um substantivo que indica a pessoa que desempenha a função em vez da função em si (cf. EE): ¿æüÂËã (líder, administrador), “Um povo que não tem líder, cai”. 180 Possivelmente revelando “falta de entusiasmo pelos administradores régios” (EE).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
253
(particípio) יועץ, embora a palavra hebraica não precise significar um conselheiro real e também possa se referir a alguém que dá conselhos particulares (12:20) ou que serve a uma comunidade dessa maneira (Is 1:26; 3: 3; cf. Delitzsch). O singular representa o plural com (ברבWaltke: o singular para o plural na enumeração 181).
Levando em consideração o exposto, o provérbio não deve ser interpretado apenas como um ditado militar, mas sim como uma declaração sobre o princípio da liderança por conselho de múltiplas perspectivas e, portanto, aplicável a múltiplas situações (Yoder). Nem todos os comentaristas concordaram com o princípio, como atestado pelo comentário menos democrático no comentário de Hitzig de meados do século XIX: “Viele Köche verderben den Brei” (equivalente ao inglês “[Too] many cooks estragar o caldo”) . Yonah Gerondi entende que o provérbio se aplica ao governo em geral, incluindo defesa contra inimigos. Portanto, muitos conselheiros e conselhos completos são necessários. Rashi encontra um significado mais profundo no תחבלות tomado como a compreensão e o arrependimento concomitante que o povo judeu precisa em tempos de conflito. Isso não nega o aspecto militar, mas afirma que um inimigo só pode ser vencido pela compreensão dos pecados que causaram a ameaça em primeiro lugar. As autoridades do século 18 interpretam com exposições diretas do tipo peshat. O Mezudat David requer preparações militares sólidas para a batalha. O Vilna Gaon também presta atenção à dimensão militar, mas se concentra na questão de por que uma palavra com sentido plural como (רבmany) combina com um substantivo singular como (יועץconselheiro). Por um lado, um único comandante do exército não pode supervisionar todos os aspectos, o que exige a ajuda de muitos oficiais. Por outro lado, muitas opiniões divergentes podem confundir o Exército, que exige um único comandante-em-chefe para tomar a decisão final, mas bem informada. Essa visão equilibrada obviamente não é a mesma que a observação um tanto cínica de Hitzig citada acima. Clemens Alexandrinus (c. 150-215)182 cita o grego v. 14a em apoio à sua persuasão de que a razão é o princípio governante para guiar a alma. Ele também usa outros conceitos do provérbio para fortalecer seu argumento. “Aqueles que não têm orientação caem como folhas”, mas isso é evitado onde a razão é o piloto que guia o navio da alma. Para ele, nem tanto as pessoas que orientam quanto a faculdade racional do ser humano é a que se refere o provérbio. Crisóstomo (c. 347-407) explica a comparação grega de cair “como folhas” (hebraico עם mal interpretado como a preposição כ com עלה [folhas], então EE). A ausência de uma boa direção torna inevitável que as folhas caiam como se fossem de uma árvore estéril. Ele trabalha explicitamente com a ideia do piloto em um navio, pois menciona que a forte ondulação do oceano exige um bom timoneiro. Portanto, uma comunidade irá afundar/cair tão inevitavelmente quanto um navio sem direção ou folhas em uma árvore estéril. Para ser salvo, então, é preciso não apenas conselhos, mas uma abundância deles. O provérbio é usado por João Cassiano (c. 360-435) como comprovação bíblica do valor da discrição. Assumindo que “orientação” significa orientação para a discrição, ele cita o v. 14a de acordo com a Septuaginta para mostrar que a falta de (orientação para) discrição acarreta uma queda.183 181 IBHS 7.2.2b; GCK 123b (nomen unitatis). No entanto, veja abaixo a explicação original de um singular com “muitos” pelo Vilna Gaon. 182 Strom II, 11 (ANF II, 359). 183 Confer. II, 4 (NPNF II,11, 311). Cassiano também cita outros versículos do Livro dos Provérbios (25:28 e 31:3 LXX), que ele parece ter conhecido bastante bem, mesmo que os tenha usado de forma um tanto trabalhosa (aqui, por exemplo, o grego 31:3, que para ele se refere ao vinho espiritual que deve ser apreciado com conselho).
254
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Philipp Melanchthon oferece uma perspectiva totalmente protestante. Ele traduz o primeiro hemistich, Absque magistratibus ruet populus. (Sem magistrados um povo cai)184 e comenta: Prior pars damnat ἀναρχίαν. Altera pars prohibet Tyrannidem. Ibi est salus, ubi multa est consilia, id est, ubi non ad unius arbitrium & cupiditatem omnia fiunt, sed ubi valet autoritas fidelium hominum, qui judicare possunt. (A primeira parte condena a anarquia. A outra parte proíbe a Tirania. O bem-estar está onde há muito conselho, isto é, onde nem tudo acontece segundo o arbítrio e o prazer de uma pessoa, mas onde a autoridade de pessoas fiéis que são capaz de julgar, é forte) Para ele o provérbio indicativo equivale a um comando ético que expressa a vontade de Deus (Deus vult...). Sem mencionar explicitamente a ordem da igreja, sua exegese acomoda princípios protestantes típicos da política da igreja, viz. nenhuma indiferença carismática em relação à ordem necessária na administração dos assuntos da igreja e nenhuma aceitação episcopal da tirania do “governo de um só ou de alguns”.
11:15 Quem dá fiança por estranho sofrerá grande dano. mas quem odeia compromisso com aperto de mão sente-se seguro. Em sua forma massorética, o provérbio tem uma organização rítmica de 3+3, embora a varredura de Gemser de 4+3 também seja concebível se alguém ignorar o primeiro maqqeph e reter o segundo. O verso consiste em uma frase em cada hemistich, o segundo dos quais tem dois particípios, um carregando o sujeito (שׂ ֹנֵ א, o odiador) e o outro o predicado (בּוֹט ַח, ֵ sente-se seguro). O primeiro hemistich contém vários aspectos interessantes. As palavras de abertura (רוֹע ַ ֵ ַ)ר ע־י são frequentemente corrigidas para ler רוֹע ַ ֵ( ר ַֺע־יToy, BHS, Plöger, Meinhold, McKane, Whybray e outros), mas Wildeboer mantém o patah e, corretamente, na minha opinião, descreve a forma como “um adjetivo adverbial no acusativo”, com o mesmo efeito do infinitivo absoluto. Waltke também mantém a vocalização massorética e chama a construção de “acusativo interno” enquanto trata o verbo como ativo (Qal), com o que Yoder parece concordar (embora ela não mencione Waltke).185 Vários comentaristas apontam o uso notável de 184 Cfr. a Vulgata: ubi non est gubernator populus corruet (Onde não há governador, o povo desmorona). Melanchthon não se preocupa em traduzir o segundo hemistich. 185 Duas notas adicionais sobre o v. 15a: Primeiro, o Qal teria sido (יֵ ַר עcf. Gen 21:11s.; GKC 67p) e a forma no texto massorético só pode ser Niphal (Wildeboer explica a morfologia Niphal como uma analogia do Niphal dos verbos ayin-waw). Em segundo lugar, referindo-se em seu comentário à sua Sintaxe Hebraica (IBHS 10.2.1g), Waltke rejeita a explicação de ַר ע como um equivalente de um infinitivo absoluto, mas no último trabalho ele mesmo afirma que o acusativo interno, que ele aceita neste caso, assemelha-se a um infinitivo absoluto e a acusativos adverbiais.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
255
aliteração neste hemistich (assim, por exemplo, Meinhold, Murphy, Clifford, Yoder).186 Embora a característica estilística semelhante de assonância possa ser encontrada nos sons o e e do v. 15b, não é tão forte quanto a combinação de aliteração e assonância no primeiro hemistich, resultando em mais ênfase na advertência negativa do que em sua contraparte tranquilizadora. O paralelismo é organizado em um quiasma sintático com os predicados nas laterais envolvendo os sujeitos: Um predicado ()רע־ירוע
B subject ()כי־ערב זר
B subject ()שנא תקעים
A predicate ()בוטח
Os predicados são os opostos uns dos outros, assim como os sujeitos, de modo que ocorre um paralelismo antitético. Ser prejudicado :: sentir-se seguro e ser fiador :: odiar atestar. Mas precisamente por essa razão, ambas as metades dão o mesmo conselho, viz. não ser fiador. O tema é um favorito no livro, tanto nos provérbios curtos (veja também 17:18; 20:16; 22:26-27; 27:13) quanto nos poemas (6:1-5). No Cap. 6 é difícil dizer com certeza quem é o credor e quem é o devedor,187 mas em nosso provérbio atual não é esse o caso. Enquanto no poema o conselho é dado a um jovem que já se meteu na situação, aqui apenas uma descrição dessa situação é dada em termos gerais. A dura realidade é que alguém que presta fiança será muito maltratado. Mas, em termos pragmáticos, a dura imagem funciona como um alerta para ficar longe de tais práticas. Da mesma forma, a imagem positiva no segundo hemistich funciona para apresentar o lado atraente de abster-se do empreendimento arriscado. Pois somente assim o jovem aluno pode se sentir seguro.188 Os dois particípios juntos sugerem estabilidade. Eles evocam uma imagem de segurança duradoura, desde que se evite atestar um זר, ou seja, uma pessoa que não se conhece. Este pode ser um estrangeiro (Meinhold), mas também pode ser um israelita desconhecido do fiador (Plöger). O provérbio e seus paralelos sugerem a questão de por que um princípio tão intransigente é tão proeminente sem qualquer menção de bondade para com aqueles que realmente precisam de assistência financeira, especialmente à luz da solidariedade dentro de uma tribo ou clã. De fato, a preocupação social e o repúdio ao descuido ocorrem 186 Yoder chama o jogo sonoro no v. 15a de “assonância”, do qual há de fato um elemento presente (um jogo de vogais no uso duplo do a curto e do ā longo) . Meinhold encontra a aliteração na repetição quádrupla de ר e na repetição tripla de ע e pensa que alude a (רעbad), embora deva ser observado que ַר ע não é apenas aludido, mas explicitamente presente de qualquer maneira. 187 Em 6:1 o verbo é usado com a preposição ל, que pode ser entendida como dar fiança “para” ou “em nome de”; em 11:15 o mesmo verbo é usado com um acusativo simples; veja o comentário sobre 6:1-5 no vol. I. 188 בטח, como Fox aponta, não significa "estar seguro", mas "ter confiança", "estar confiante". Assim, designa uma disposição interna, e não uma condição externa.
256
Tradução e Exegese do Capítulo 11
freqüentemente na literatura de sabedoria (cf. 3:27-28; 11:24, 26; 14:21, 31; 17:17; 21:26; 27:10; Sir 29:1, 2, 20). Enquanto a muito antiga Instrução Sumeriana de Shuruppak (c. meados do 3º milênio aC) 189 contém a mesma advertência com a mesma fundamentação das advertências em Provérbios (cf. Tuinstra), a sabedoria judaica muito mais recente de Ben Sira combina a advertência com uma visão mais indulgente sobre fiança em Sir 29:14-16. No mesmo espírito do Targum de 11:15 (veja abaixo), Ben Sira até elogia a fiança, mas imediatamente acrescenta uma passagem sobre os perigos da prática (Sir 29:17-20).190 Pilch (2016, 210) explica isso como um exemplo do “ideal” contrastado com o “real” no antigo Oriente Próximo e também como um caso do fenômeno da “incoerência normativa”, o que significa que as circunstâncias conflitantes e até contraditórias de um determinado caso são cuidadosamente consideradas em a esperança de ajudar uma decisão que teria um resultado positivo.191 Claro, tudo isso não pode ser imaginado sem que as pessoas falem umas com as outras, mas parece ir longe demais sugerir com Meinhold que o versículo acrescenta uma espécie de apêndice ao motivo de falar nos versículos anteriores (cf. vv. 13s.).192 O versículo foi transmitido de forma diferente na tradição textual grega. A Septuaginta tem: πονηρὸς κακοποιεῖ, ὅταν συμμείξῃ δικαίῳ, μισεῖ δὲ ἦχον ἀσφαλείας. (Um homem mau faz travessuras sempre que encontra um homem justo e odeia notícias de segurança) A Eclética Edição de Provérbios fornece uma explicação convincente para o grego, começando com o mal-entendido do tradutor de רע como “homem mau” (πονηρός) . Isso exigiu um antônimo para criar um paralelismo antitético equilibrado, para o qual δίκαιος foi escolhido. No segundo hemistich ἦχος (som, relatório, notícia) compreensivelmente estava relacionado com (תקעsom, sopro) e o particípio בוטחestava associado com o substantivo (ֶבּ ַטחsegurança). A Peshitta segue o grego no primeiro hemistich, mas no segundo hemistich passa a dar a razão para o mal do homem fazer o mal: ÁüÃêà èÚÃêäà ¿çéy âÔã (porque ele odeia aqueles que esperam na esperança). O pensamento por trás dessa tradução parece ser semelhante ao que é expresso expressamente em tantas palavras pelo Targum, onde é dito: “O homem mau prejudica o homem justo porque ele é fiador de um estranho” ()מטול ???? . Para o Targum, aqueles 189 Instrução de Shuruppak, l. 19: “Você não deve responder por alguém: esse homem terá um controle sobre você” (Black, Cunningham et al. 1998-2006). 190 Ver vol. I, 257 pelo texto e tradução. 191 Volz (1911, 174-175) tende nessa direção quando cita o provérbio como evidência do “medo natural” dos jovens de se identificar com aqueles que sofrem e retêm, com base em Mt 25:31ss.; Pv 15:26; 19:22; 25:20, que os éticos judeus e cristãos os encorajaram a superar tal medo. 192 Da mesma forma Sæbø; mas Scherer (1999, 83) aponta que não palavras, mas o aperto de mãos é constitutivo para estabelecer uma transação de garantia (cf. 6:1; 17:18; 22:26).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
257
que colocam sua esperança em Deus são pessoas que, por bondade, prestam fiança até mesmo para estranhos em necessidade. Quem prejudica essas pessoas gentis deve, portanto, ser perverso, enquanto aqueles que correm riscos o fazem confiando em Deus para ajudá-los se sofrerem como resultado de sua bondade. Em termos da explicação oferecida por Pilch, o texto hebraico e o Targum refletem os lados opostos no espectro da “inconsistência normativa”. Na recepção rabínica clássica, o verso é muitas vezes entendido literalmente, mas também há casos de interpretação metafórica. Gerondi reconheceu a dificuldade moral imposta por uma compreensão literal da exigência de bondade para com os necessitados. Ele fornece um exemplo de consideração cuidadosa dos aspectos conflitantes de uma situação para chegar a uma solução satisfatória em uma determinada situação (“inconsistência normativa”). Ele aponta para o conflito que surgirá se o devedor estranho renegar, mas também para o mérito de uma pessoa boa que atesta um estranho e está disposta a sofrer a perda em caso de inadimplência do devedor. Em essência, isso deve ser considerado como um ato de caridade. No entanto, Gerondi também adverte para não se apaixonar por aqueles que se aproveitam da bondade dos outros. Rashi fornece uma interpretação metafórica, viz. que o fiador é realmente aquele que se comprometeu com a idolatria e aqueles que dão um aperto de mão são pessoas que se ligam a sedutores para o pecado. Mas outros intérpretes se apegam a uma leitura realista simples sobre a tolice de atestar pessoas não confiáveis (Ramaq) ou mesmo amigos, seja por escrito ou com um aperto de mão (Mezudat David). Na tradição cristã, João Cassiano193 cita esse provérbio (como faz no v. 14) em conexão com o valor da discrição. Argumentando a partir do texto da Septuaginta, ele explica a companhia de um homem mau com um homem justo como o diabo que engana por meio da associação com uma pessoa boa. Para ele, o segundo hemistich significa que o homem mau odeia o som do “vigia”, ou seja, as advertências dos pais. Para Crisóstomo, o primeiro hemistich significa que os ímpios não lucram com a companhia dos justos e, assim, mostram que odeiam a “casa” de segurança onde os justos se encontram. Mas Melanchthon, referindo-se ao seu autor clássico favorito, Cícero, volta a apontar sobriamente o perigo da falsa confiança no mundo pecuniário e a sabedoria de não confiar universal e cegamente.
11:16 Uma mulher bonita conquista honra e homens durões conquistam riquezas. Este curto provérbio (três ênfases no primeiro hemistich e dois no segundo) fornece um bom exemplo do poder polivalente de uma forma simples.194 Ele pode ser lido de várias maneiras e pode, portanto, significar várias coisas quando usado em diferentes contextos. Isso também pode ter sido uma dificuldade para a Septuaginta com o provérbio como um todo, de modo que fez duas linhas dele adicionando um verso após o primeiro hemistich hebraico e outro antes do último (veja abaixo). 193
Confer I, 20 (NPNF II,11, 305-306). Mieder (2004, 132) chama o fenômeno de “a poli-semanticidade dos provérbios como ‘einfache Formen’ (formas simples);” cf. também Berlim ([1985] 2008, 98-99). Yoder considera viável mais de um entendimento (notavelmente, charme versus violência e um contraste baseado em gênero entre mulheres e homens), mas o constrói na polivalência da conjunção וas “e” ou “mas” (cf. abaixo em [c] sobre as observações de Whybray sobre o )ו. 194
258
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Um outro efeito da “poli-semanticidade” é a tentação de simplificar o texto a fim de “melhorar” o que é percebido como um paralelismo ruim no uso de עריצים (homens fortes, durões, violentos), lendo ( חרוצים homens diligentes) no início do segundo hemistich.195 A segunda palavra na combinação (אשת־חןmulher da graça) é um genitivus qualitatis, denotando a qualidade da graça pela qual uma mulher é definida. O genitivo pode especificar tanto a aparência quanto o caráter que encontram favor e, portanto, influenciam a beleza da mulher (cf. Sir 9:8) ou suas graciosas características internas (cf. a expressão semelhante אשת־חיל em 12:4; 31:10 ; Rute 3:11). As opções de interpretação do hebraico são mais bem facilitadas apresentando-as em uma tradução parafrástica: (a) Uma bela mulher obtém estima e homens durões obtêm riquezas (b) Uma bela mulher obtém celebrações e homens violentos se apropriam de riquezas (c) Uma mulher graciosa obtém honra e homens poderosos obtêm riqueza (d) Uma mulher graciosa obtém honra e homens diligentes196 obtêm riqueza
– É simplesmente um fato que a beleza feminina é altamente valorizada e que a dureza masculina compensa – Mulheres bonitas usam sua beleza para angariar glória e homens brutais usam violência para enriquecer – Mulheres com decoro interior são estimadas e homens com poder tornam-se ricos – Um a mulher com decoro interior é estimada e os homens trabalhadores tornam-se ricos
A opção (a) considera o versículo como uma declaração de fato:197 Na sociedade humana, mulheres bonitas são aplaudidas em termos adulatórios,198 enquanto a força sensata dos homens lhes traz lucro. Fox tem duas objeções a essa leitura, viz. que não haveria razão para limitar a primeira parte às mulheres, uma vez que tipos de comportamento, e não tipos de pessoas, estão sendo contrastados, e segundo que a mulher seria colocada em má luz pela implicação de que ela é ávida por honra. Mas nenhuma das objeções é convincente. Não é um contraste, mas uma afirmação factual sobre efeitos típicos de homens e mulheres na sociedade. Em segundo lugar, ser bonito não é um tipo de comportamento, de modo que primeiro é preciso assumir que 195 So Gemser, Ringgren, Fox (em seu comentário, mas não em EE), BHS (mas não BHQ), enquanto Oesterley concorda que “é bastante claro que o texto está fora de ordem” e que a Septuaginta “conservou, de qualquer forma, um eco do texto verdadeiro”. Delitzsch, no entanto, acha que ler חרוצים interrompe o paralelismo. 196 Leitura (חרוציםhomens diligentes) em vez de (עריציםhomens violentos e poderosos). 197 Cfr. 10:15; 18:11, onde uma declaração semelhante, embora não a mesma, é feita (pessoas ricas são fortes, não: pessoas fortes ficam ricas). Uma declaração factual é feita sem avaliação ou julgamento moral. Da mesma forma, Hausmann (1995, 152f.), que pensa que a informação didática sobre uma mulher “funcional” não era importante para os sábios porque seus alunos não precisavam chegar a um acordo com ela. 198 Em Pv 29:23, o verbo תמך com o objeto כבוד é usado dessa maneira, viz. que os humildes de espírito “obtenham honra”. Eles não o agarram ou se apropriam dele, mas simplesmente o recebem.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
259
a mulher deve ser considerada como usando sua beleza em todas as circunstâncias (cf. opção (b) abaixo) e então considerar isso questionável.199 Fox está certo ao dizer que o versículo não contrasta “tipos de mulher”, mas também não contrasta tipos de seres humanos em geral. O que interessa não são os tipos humanos nem atos específicos de mulheres e homens, mas o que pode ser o resultado de certas características no caso de ambos os sexos. Nesta leitura, nada é prometido às mulheres vaidosas e aos homens violentos, mas afirma-se o que tem efeito de facto na sociedade, tanto no que diz respeito às mulheres como aos homens. Mesmo aqueles não particularmente interessados nas imagens cultivadas em Hollywood sabem muito bem que a heroína deve ser bonita e o herói deve ser machista, mas o fenômeno em si é tão antigo quanto as montanhas. A opção (b) também lê o versículo como uma observação de fato (assim Van Leeuwen e Lucas). Embora não seja necessário ler o primeiro hemistich como implicando que uma mulher usa sua beleza, é possível e válido fazê-lo. O verbo תמך pode significar “agarrar”, “agarrar” (cf. Pv 3:18; 4:4; 29:23) e nesta leitura significaria que a mulher bonita tem uma maneira de confiar em sua beleza para aproveitar um bônus para si mesma.200 Não seria então um ato ad hoc como o de Ruth em sua situação difícil, mas uma forma de manipular as pessoas por motivos ocultos. Da mesma forma, os homens do segundo hemisfério não seriam apenas resolutos e mercantis, mas brutais e violentos em sua busca por riquezas. Essa leitura seria um crescendo da opção (a) e, embora sugira uma dureza criticada e contestada em outra parte de Provérbios,201 nesse caso não é censurada, nem tolerada ou recomendada. Van Leeuwen pensa que o provérbio é “provavelmente uma observação perspicaz” na linha da opção (b), mas a perspicácia que ele detecta corretamente no versículo sugere mais do que exclui outras possibilidades. A opção (c) depende de uma nuance alternativa no significado do substantivo חן. Também pode significar “graça” e o genitivo consequentemente qualificaria a mulher como uma mulher com decoro e propriedade (veja acima). dado a Rute por Noemi e o sucesso que teve quando Boaz primeiro teve calafrios com ela em sua cama (חרדQal, Rute 3:8) e depois a elogiou, acrescentando um elogio esplêndido e uma promessa de fazer o que ela deseja. A expressão usada por Boaz (אשת חיל, Rute 3:3-4, 11; cf. Prov 12:4; 31:10) é muito semelhante à usada neste provérbio ()אשת חן. Embora uma “mulher de substância” não seja sinônimo de “uma mulher de graça”, características de seus significados se sobrepõem. Não há dúvida quanto ao uso premeditado de apelo feminino por Rute, nem quanto à sua honra e estima na tradição de Israel. 200 Millar (2020, 153-155), enfatiza essa opção, que, diz ela, “afirma cinicamente que pessoas más obtêm coisas boas”. Como uma das várias possibilidades, isso ilustra perfeitamente a “abertura” em que seu estudo se concentra. 201 Por exemplo 21:13; 22:16; 28:27; cf. 31:8; 11:25; 19:17; 22:9; cf. também Tuinstra sobre seu uso com os conceitos paralelos de “inimigo” em Jó 6:23, “mau” em Jó 15:20, “brutal” em Salmos 86:14 e “mau” em Jeremias 15:21. 202 Esta leitura representa o espírito de 31:30, embora חן seja usado como sinônimo de (יפיbeleza física) e a mulher da graça seja chamada de אשת־חיל.
260
Tradução e Exegese do Capítulo 11
o paralelismo faria sentido se עריצים fosse entendido em seu tom mais suave de significado, ou seja, homens fortes ou poderosos (cf. Jer 20:11). Neste caso, o comportamento da mulher é o que lhe traz estima aos olhos da sociedade, enquanto o poder de um homem forte é o que lhe traz כבוד, que também pode significar “peso”, “importância”. Mulheres graciosas são respeitadas (cf. 12:4; 19:14) e homens poderosos carregam peso (cf. 10:15; 18:11). Mas, como uma variante dessa opção, também pode ser entendida como contrastando a graça gentil da mulher203 com a crueldade temível encontrada nos homens.204 Mesmo assim, nenhuma avaliação está necessariamente implícita, mas pode ser entendida dessa forma.205 Waltke encontra significado no fato de que o primeiro sujeito é singular e o segundo plural: “O maior ganho de uma mulher solteira sobre homens ferozes (pl.) sinaliza a superioridade da 'graça' sobre a força bruta.” A superioridade da graça sobre a força bruta é certamente um motivo possível, especialmente à luz de sua colocação redacional diretamente ao lado do v. 17, onde é defendida a preferência da bondade à crueldade. Mas o uso do singular e do plural não é necessário para trazer essa ideia e pode ser atribuído ao papel social da mulher principalmente dentro de sua própria família, enquanto o papel do homem é definido pela companhia dos mais velhos na comunidade (cf. 31:23 , 27). A última opção (d) entende o primeiro hemistich da mesma forma, mas tenta construir o que é percebido como um paralelismo melhor, emendando ( עריצים homens fortes) no segundo hemistich para ( חרוצים homens diligentes). Nesta submissão, uma característica moral da mulher é paralela a uma característica moral do homem. Consequentemente, nenhum contraste entre qualidades femininas gentis e masculinas severas é pretendido, mas um aspecto positivo de ambos os sexos seria mencionado. Vários comentaristas mencionados acima corrigem o texto dessa maneira, e a dificuldade interpretativa subjacente também pode estar na raiz do texto ampliado encontrado neste ponto da Septuaginta. A Septuaginta acrescenta dois hemistichs entre o primeiro e o último hemistichs do texto hebraico, criando assim dois pontos completos com um claro paralelismo em ambos, viz. primeiro sobre as mulheres e depois sobre os homens: γυνὴ εὐχάριστος ἐγείρει ἀνδρὶ δόξαν, θρόνος δὲ ἀτιμίας γυνὴ μισοῦσα δίκαι α. 203
Cf. a avaliação positiva de uma boa mulher em 12:4, em 18:22 até em termos religiosos. Cf. Ezequiel 28:7; Sl 37:35. Waltke pensa (עריציםo feroz) está “ligado com” (אכזריo cruel) no v. 17, mas Scherer (1999, 83) vê a ligação em vez do v. 15 com base em motivos econômicos (fiança e fortuna). Uma vez que ambos podem ser discutidos, eu diria que isso fala em favor do princípio composicional mais flexível que apresentei na Introdução (ver Introdução, Par 2). 205 Cfr. Whybray, que acha que o ו pode possivelmente ser um waw aedequationis (GKC 161a), significando “como homens enérgicos adquirem riquezas, assim uma mulher encantadora ganha honra”, e assim transformando o provérbio em um conselho sobre a escolha de uma esposa. 204
Tradução e Exegese do Capítulo 11
261
(Uma mulher graciosa traz honra para um homem, mas uma mulher que odeia a justiça é um trono de desonra. Homens preguiçosos carecem de riqueza, mas os viris são sustentados pela riqueza) A mulher é uma fonte de honra ou desonra principalmente para ela marido (então Delitzsch, Meinhold, Hausmann; 206 cf. 12:4; também 1 Coríntios 11:7). Os “homens viris” (ἀνδρεῖοι) podem ser interpretados como representantes de homens que agem como deveriam, o que, à luz do paralelismo com os homens preguiçosos (ὀκνηροὶ) do hemisfério anterior, deve significar que eles não são preguiçosos. No entanto, isso não exige uma emenda do texto hebraico para um substantivo que significa “homens diligentes” ()חרוצים, precisamente porque a palavra grega usada é “viril” e pode indicar que o tradutor tinha עריצים no texto hebraico antes dele.207 Mesmo naquele caso, ele ainda interpretou isso como o oposto da indolência nos homens e, portanto, aumentou o versículo para corresponder à conhecida crítica sapiencial da preguiça e elogio à diligência (cf. 10:4, 5; 12 :24, 27; 21:5a).208 Essa interpretação é apoiada pela Peshitta, que segue a Septuaginta ao adicionar as duas meias-linhas, mas entende que o grego ἀνδρεῖοι significa o mesmo que o hebraico עריצים, pois diz que “os poderosos (¿çÚþï) sustentam o conhecimento”.
As várias opções de leitura disponíveis têm um efeito extensor e um efeito limitador. Por um lado, o fato de mais de um entendimento ser possível amplia o potencial de aplicação do provérbio. Por outro lado, cada uma dessas possibilidades limita a pretensão latente das outras de serem “a” leitura correta. As opções limitam umas às outras da mesma forma que as declarações opostas de um antilogion explícito como 26:4-5. No último caso, as opções são claramente definidas (responda a um tolo :: não responda a um tolo), de modo que ambas sejam verdadeiras e possam ser usadas com bom efeito, conforme as diversas circunstâncias exigirem. Um é anexado ao outro e assim o estende, enquanto – por isso mesmo – limita qualquer pretensão de absoluto que possa ter. Mas em um provérbio “poli-semântico” como 11:16, a borda é mais uma borda “suave” do tipo Schengen209 do que uma borda claramente desenhada e cercada como 26:4-5. No entanto, é bastante real e a responsabilidade recai sobre o leitor/ouvinte em reconhecer as diferentes possibilidades de aplicação em diferentes circunstâncias e selecionar a mais apropriada. O provérbio pode ser usado para criticar ou advertir contra uma femme 206 Cf. Hausmann (1995, 149-153). Cf. Hatton (2008, 107-109) sobre a reação do tradutor; ele também pensa que tal reação ao v. 16 (chamado “Ondulações ao redor de Provérbios 11:16”) continua além do v. 22; veja abaixo a exegese dos vv. 24 e 26. 207 Assim também Millar (2020, 152). 208 Cfr. Tov ([1990] 1999, 46), que pensa que o tradutor não entendeu seu Vorlage hebraico e, portanto, acrescentou os dois hemistichs. Na minha opinião, esta é uma explicação muito razoável, independentemente da sugestão de Driver (1951, 180) no sentido de que עריץ pode ter um significado em bonam partem, para o qual ele aduz o árabe عرض, expressando uma “vigorosa atividade” e refere-se ao Salmo 37:35. Ao contrário da opinião de Waltke de que em hebraico a palavra só tem um “sentido ruim”, Jer 20:11 mostra que ela pode de fato ser usada em um sentido positivo, pois ali o próprio Deus é comparado a “um herói forte” ( )כגבור עריץ que ajuda o profeta. 209 Escrito antes do Brexit e do Covid-19.
262
Tradução e Exegese do Capítulo 11
fatale (cf. 2:16-19; 5:3-5) e os impiedosos ricos (cf. 10:15; 18:11, 23), mas igualmente bem para descrever realidades sociais; pode ser usado para sugerir o valor superior das qualidades interiores, ou para apontar as vantagens de usar as próprias capacidades (cf. 10:4; 13:4; 21:5; 24:33-34) – como no caso de uma mulher como a ancestral real Rute, embora os provérbios não fossem destinados principalmente ao consumo feminino. Sob essa luz, o papel do leitor/ouvinte em dar vida ao provérbio é tão importante quanto o do colecionador ou editor. A pragmática de seu uso o faz significativo, na medida em que a simples afirmação pode assumir a função de crítica social ou de injunção. Apesar da forma de uma declaração no indicativo em vez de um julgamento ou injunção, a aplicabilidade do provérbio em situações da vida real o torna útil para aprender no indicativo.210 O tratamento rabínico do provérbio cobre um amplo espectro de possibilidades e parece refletir alguma incerteza do que fazer com isso. Com base nas edições de Rashi, Malbim e outros, Rosenberg211 suspeita que a censura desempenhou um papel nos comentários sobre o verso. Yonah Gerondi constrói uma ligação inteligente com Dt 1:29, onde a raiz ערץQal é usada significando “ser intimidado”, de modo que o עריציםaqui se torna aqueles que intimidam os outros. É assim que eles “sustentam” sua riqueza. Negativamente, pode-se assim dizer que eles não entendem que a honra vem da humildade e não da intimidação, o que pelo menos é sugerido pela “graça” da mulher na primeira metade do provérbio. Na opinião de Rashi, porém, a mulher de que se fala aqui tem uma referência completamente diferente. Para ele, ela se refere a Israel212 que “se aproxima” de Deus e da Torá (תמך é entendido como “alcançar” em vez de “agarrar”). No século XIX, esse tipo de interpretação foi levado adiante por Malbim, que vê a mulher graciosa como uma metáfora para a alma humana sábia. Segundo o Mezudat David, a mulher é respeitada por suas virtudes e sustenta sua honra fazendo mais boas ações, enquanto os homens fortes sustentam sua riqueza para não perdê-la, o que parece estar relacionado ao que chamei de opção (d) acima. A ideia de suporte é explicitamente explicada em Pseudo-Ibn Ezra, segundo quem תמך aqui significa ( סמךsuporte), mas ele apenas o usa para interpretar o primeiro hemistich. Homens fortes “se aproximam da riqueza” para não perdê-la. Crisóstomo apenas comenta a mulher que, segundo a Septuaginta, honra o marido, e o faz lembrando a seus leitores que a virtude também pode ser praticada pelas mulheres. Ele apenas menciona Débora (Jz 4:5) e “a mulher que ensinava a Apolo”, mas nem mesmo menciona o nome dela (de acordo com Atos 18:26, foi Priscila quem, junto com seu marido Áquila, ensinou a Apolo). Quanto à segunda metade do verso da Septuaginta, ele a interpreta como não deplorando nem a riqueza nem a pobreza. Melanchthon também é bastante breve em seu comentário sobre o provérbio hebraico, citando apenas o primeiro hemistich. “Uma mulher que é considerada com honra é graciosa” (Mulier quae tuetur honorem gratiosa est) o lembra de um ditado que diz que as boas maneiras são uma recomendação melhor do que a forma externa. Sem citar as palavras do segundo hemisfério, ele afirma ser lembrado também de que os negócios ativos precedem a riqueza. Seus comentários são quase tão polivalentes quanto o próprio texto. 210 211 212
Veja a Introdução, Ensaio 2. Rosenberg ([1988] 2001, 64). Segundo Malbim, a mulher é uma metáfora da alma sábia.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
263
11:17 O homem bondoso recompensa a si mesmo, mas o cruel prejudica a sua própria carne. O verso é um provérbio antitético simples que consiste em 4+3 batidas em sete palavras. Em uma cláusula classificatória, o predicado normalmente precede seu sujeito213 (então Waltke, seguindo Toy). A alternativa (“Quem recompensa a si mesmo é um homem de bondade”214 é teoricamente possível, mas o objeto ausente (“outros”) no primeiro hemistich torna isso altamente improvável. O paralelismo dos dois hemistichs também apóia a decisão de não se afastar da ordem sintática usual, já que o segundo hemistich seria difícil de entender se dissesse que “aquele que fere sua própria carne é uma pessoa cruel”.
גמל נפשו
assunto
predicado
אכזרי subject
ועכר שארו predicate
Em cada caso, um particípio Qal seguido por um substantivo com sufixo masculino singular produz o efeito integrador de assonância. O substantivo (אכזריpessoa cruel, cf. 5:9; 12:10; 17:11) tem uma contrapartida na construção genitiva איש חסד (homem de bondade), que, portanto, deve ser um genitivo atributivo indicando uma qualidade pelo qual o status constructus é tipificado.215 De acordo com Clifford, “[nós] normalmente pensamos em bondade e crueldade como afetando principalmente os outros, mas o ditado chama a atenção para o efeito que elas têm sobre aquele que as pratica”. É assim, mas em seu contexto antigo o provérbio está de pleno acordo com a visão usual de que uma boa ação leva a um bom resultado e uma má ação a um mau resultado para os respectivos praticantes, seja como resultado do dano físico, social , ordem psicológica ou moral das coisas (Wildeboer, Murphy; Van Leeuwen chama as consequências do comportamento para os responsáveis de “tipo bumerangue”; da mesma forma, Waltke). Portanto, pode ser chamado de uma breve declaração do nexo ação-consequência. Existem muitos exemplos no Livro dos Provérbios (cf. entre outros 10:24; 25:16-17). como na tradução da Septuaginta de חסד neste provérbio (ἐλεήμων [mostrando bondade]), e o equilíbrio entre ação e consequência é claro. 213 214 215 216
Ver IBHS, 8.4.2. Esta opção já era preferida por Ralbag no início do Renascimento. Cf. IBHS, 9.5.3b; GKC 128s. Cf. Par 8.4 na Introdução ao vol. Eu, especialmente 44-46.
264
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Neste versículo, os substantivos (נפשsoul) e (שארflesh) são usados como sinônimos. O primeiro pode se referir à garganta (cf. 27:7; Is 5:14; Jr 4:10; Sl 63:6) e, portanto, sem surpresa, ao ser que respira (cf. Gn 2:7) ou aos seres vivos geralmente (cf. Gen. 1:20), mas também é freqüentemente usado para expressar a própria identidade do eu (cf. Gen. 27:4, 25; Levítico 26:11, 30). O segundo substantivo ()שאר, particularmente com o sufixo, pode significar a carne ou o corpo (cf. Ex 21:10; Mi 3:2), mas também o eu de uma pessoa e, como Fox aponta, um parente de sangue ( cf. Lv 18:6; 25:49; português “carne e sangue”). Se o último também estiver presente aqui, isso significaria que a pessoa cruel prejudica sua própria família (assim Fox, que julga o uso da palavra como um duplo sentido intencional). Se for esse o caso, o paralelismo diluiria a sugestão para se tornar apenas muito indireto, uma vez que o paralelo próximo נפש no primeiro hemistich significa apenas que a ação ou atitude repercute no agente pessoalmente (da mesma forma Waltke).217 Além disso, o substantivos נפש e שאר são fortes precisamente porque demonstram a associação muito próxima entre – e até mesmo a identidade de – o sujeito de uma ação e o receptor de sua consequência. McKane e Tuinstra acham que o provérbio expressa a visão de que “o que é bom para o indivíduo é bom para o todo”. O princípio é auto-evidente para a personalidade corporativa no antigo Israel e não precisa ser tratado como um provérbio. A questão não é a dinâmica da integração social e os efeitos das ações sobre os outros, mas os efeitos das boas ou más ações sobre os próprios praticantes (da mesma forma Meinhold, Whybray, Murphy, Clifford).218 De acordo com Van Leeuwen, “o problema ético do amor-próprio encontra sua proporção e resolução” no provérbio. O ditado certamente não propõe o amor-próprio como força motriz para as ações de alguém – ou seja, fazer o bem aos outros e evitar prejudicar os outros por mero interesse próprio. Isso iria contra o substantivo (חסדsolidariedade, bondade amorosa) e não seria um contraste adequado para a atitude contrária da (אכזריpessoa cruel). Nem o interesse próprio é repudiado,219 mas neste provérbio é um motivo de apoio para 217 Neste versículo, Rashi interpreta נפש como um “próximo” (veja abaixo). Tuinstra compara Gn 12:5, mas ali נפש refere-se a seres humanos vivos adquiridos como escravos, não parentes; cf. Levítico 22:11. Um paralelo melhor e decisivo é encontrado em 1 Sam 18:3, segundo o qual Jônatas amava Davi como a si mesmo (;)נפשוcf. também 1 Sam 20:17; KAHAL, s.v. Embora (עכרharm) também seja usado no v. 29 e em 15:27 com referência à própria casa (portanto, Raposa; também cf. 15:6), mas nesses casos é feita referência explícita ao בית , o que não é o caso aqui. 218 Isso é ainda mais destacado pela observação feita por Scherer (1999, 84) de que, à luz de todos os argumentos, a ideia de Plöger de que o provérbio defende a relação correta entre o julgamento das próprias possibilidades de um indivíduo e o objetivo almejado (“ das rechte Verhältnis der Selbsteinschätzung eigener Fähigkeiten zu dem Ziel, das man anstrebt”) parece bastante forçado. 219 Pelo contrário, o interesse próprio é implicitamente aceito como normal. O amor-próprio é até mesmo o critério pelo qual o amor pelos outros seres humanos pode ser medido (Lv 19:18; cf.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
265
demonstrar a estreita simetria de ação e consequência. Nesse nível, pode ser percebido como uma motivação ou advertência relativa a boas e más ações, respectivamente. A tradição rabínica mostra muito terreno comum na interpretação do provérbio. Gerondi entende os dois hemistíquios como fundamento para moderação em questões de exigências corporais. Uma vida miserável enfraquece a própria carne e, portanto, também a alma, porque o serviço adequado a Deus se torna impossível (o oposto do ideal ascético). Portanto, a pessoa deve ser gentil consigo mesma para poder guardar o mandamento da bondade para com os outros. Da mesma forma, o Mezudat David retrata uma figura severa como Scrooge que vive como um avarento para acumular riqueza e que, portanto, também é cruel com os outros. Também Hame'iri, Ramaq e Nahmias tendem nessa direção. Mas Rashi prefere ver uma referência a parentes em ambos os hemisférios. נפש, bem como שאר, são considerados referências à família. O uso de Êx 22:24 em emprestar dinheiro aos pobres “com você” ( )עמך é visto como implicando família imediata e, portanto, para apoiar esta interpretação (assim como Rashi, bem como o Talmude Babilônico220). PseudoIbn Ezra combina o uso de גמל com seu uso em Dt 17:23, onde se refere ao amadurecimento de amêndoas comestíveis ()שקדים, e diz que o verbo significa fazer boas ações, provavelmente dando comida aos necessitados . Por outro lado, o homem cruel vai atrás do desejo da carne (שאר é igual a בשר, que por sua vez é a carne comestível dada ao povo de Israel, mas chamada שאר em Sl 78:20). A pessoa gentil dá, sua contraparte segue seu próprio desejo. Na tradição cristã, o provérbio não parece ter atraído muita atenção, mas, onde atraiu, foi interpretado de maneiras completamente contrastantes. Ainda assim, há alguma afinidade com a ideia rabínica de esmola associada ao primeiro hemistich. Crisóstomo vê o provérbio como uma injunção à esmola e, ao mesmo tempo, uma boa forma de instrução. Quando uma pessoa faz uma boa ação, deve ser feita como se ela mesma fosse o destinatário de uma boa ação e permaneça bem disposta. Por outro lado, aquele que não faz caridade prejudica sua carne, mas não sua alma. A punição leve leva ao conselho de não exagerar, o que não é saudável! Leão I (†461, papa de 440) cita o primeiro hemistich em apoio à sua convicção de que a oração pelo perdão é melhor sustentada pela esmola e pelo jejum.221 Um milênio depois, Melanchthon segue um caminho completamente diferente. Embora ele não se refira a Rashi, ele pensa de acordo com a visão deste último de que o versículo se refere à família. Para Melanchthon, o provérbio é uma evidência de que Deus imbuiu a natureza com o impulso de primeiro abraçar a própria casa (família). Da mesma forma, os seres humanos têm a tendência incutida para que possam ser lembrados do amor de Deus “pelo Filho e por nós” (erga filium & erga nos).222
Mateus 19:19; 22:32); Jesus também usa o mesmo princípio como injunção para ser bom para os outros (Mateus 7:12; Lucas 6:31). Consequentemente, não é a força motriz da bondade, mas um parâmetro pelo qual a bondade pode ser ilustrada. 220 Baba Metzia 71a; Ginsburg ([1998] 2009, 204). 221 Sermo XVI, 2 sobre o Jejum do Décimo Mês (NPNF II,12, 124). 222 O pronominal da primeira pessoa do plural nos não deixa claro se Melanchthon significa “nós, humanos” ou “nós, fiéis”, mas, dado seu histórico humanístico, o primeiro é provável.
266
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Uma nota sobre incertezas sobre grupos de provérbios na segunda metade de Provérbios 11 Vários comentaristas consideram 11:18-19 como um par223 formando uma quadra224 (na minha terminologia, um dístico),225 enquanto outros rejeitam a ideia em princípio.226 Se estes versos fazem parte de um grupo maior, é discutido por Krispenz,227 que afirma que há um “certo consenso” de que um grupo de provérbios de alguma forma existe “dentro dos vv. 16-22”, mas simultaneamente sustenta que “a demarcação exata de tal grupo é controversa”. Essa formulação em si já denuncia o quão precário era o “consenso” ainda na década de 1980, quando ela escreveu seu livro (cf. também a inconsistência de Toy que acabamos de citar). A breve pesquisa abaixo mostrará de fato uma tendência entre os comentaristas de ver algum terreno comum entre os vv. 18-19 e os versículos circundantes, mas também uma incerteza sobre como traçar os links e fornecer fundamentação para isso. A imagem sugerida pela tabela parece confirmar minha sugestão de que há indícios de agrupamento, mas que tantos argumentos mutuamente contrastantes e conflitantes podem ser oferecidos para justificar diferentes expansões em seu alcance e proporções dentro deles que é melhor aceitar uma generalização. propensão editorial para reunir provérbios amplamente relacionados sem um esforço para construir composições grandes e intrincadamente estruturadas. Somente onde a coesão formal e a coerência temática são fortemente manifestadas é que esses pares, agrupamentos ou grupos devem ser identificados. Tal caso está presente em 11:18-19. Heim228 Lucas
11:15-21 11:15-21, enquanto vv. 18-21 expande o v. 17 especificamente
valsa
11:16-22, consistindo em subgrupos vv. 16-17, 18-19 e 20-21
Hermisson229 11:17-21 Krispenz230 11:17-21, mas vv. 16 e 22 poderiam possivelmente (“könnten”) formar um quadro adicional Meinhold 11:17-21, mas vv. 16 e 22 constituem um quadro Scherer231 11:17-23, mas pode-se também vincular vv. 16-17; vv. 18-21 são especificamente Fox éticos
11:18-19
223 Por exemplo Hildebrandt (1988, 207), Heim (2001, 142) e, com alguma hesitação, Meinhold (como parte de uma unidade nos vv. 17-21). 224 Por exemplo Fox (ele geralmente aplica esse termo a uma unidade composta por dois versos). 225 Contar os hemistíquios/versículos como “linhas” fornece as quatro unidades necessárias para constituir uma quadra. Contando os versos completos como “linhas”, chegamos a uma combinação de duas linhas, que a meu ver é correta (cf. Vol. I, 2-4). 226 Por exemplo Toy e Oesterley, ambos alegando que isso seria contrário ao uso desta coleção, que, como já vimos, é incorreto e, portanto, constitui um petitio principii. No entanto, isso não impede que Toy vincule vv. 18 e 19 juntos. 227 Krispenz (1989, 53): “Über die Existenz einer Spruchgruppe innerhalb der Verse 16-22 besteht... ein gewisser Konsens, wobei die genaue Abgrenzung der Gruppe strittig ist.” 228 Heim (2001, 142; 2013, 286). 229 Hermisson (1968, 175). 230 Krispenz (1989, 55). 231 Scherer (1999, 83-84).
Tradução e Exegese do Capítulo 11 Toy Plöger Whybray Fuhs Ringgren Scoralick232
267
11:18-21, mas uma conexão entre vv. 18 e 19 é injustificado 11:18-21, mas com uma conexão especial entre os vv. 18 e 19 11:18-21 11:18-21, novamente como parte de 11:18–12:3 (não confundir com Scoralick) 11:18-21 mais 23 11:18–12:3, novamente como parte de 11:8–12:13
Van Leeuwen 11:19-20, “talvez” também com um link para v. 18
11:18-19 18 O ímpio gera um salário enganoso, mas o que semeia a justiça [gera] uma verdadeira recompensa. 19 Na verdade, a justiça conduz à vida, mas quem persegue o mal chega à morte. Gemser considera o ritmo dos dois pontos, respectivamente, como 4+4 e 3+3 batidas. Sua varredura no v. a varredura, uma vez que nenhum acento nas sílabas adjacentes entra em jogo. Se o sentido pode ser feito de כן, três batidas no primeiro hemistich seriam tão possíveis quanto no segundo hemistich e, portanto, nenhum maqqeph levando ao padrão menos provável de 2 + 3 seria necessário. Mas quatro tempos nas quatro palavras do v. 18a tropeçam no problema de ênfase em sílabas imediatamente adjacentes em פעלת שקר, e é por isso que os massoretas os combinaram corretamente com um maqqeph para formar um tempo. Portanto, o v. 18 deve ser lido como 3+4 e o v. 19 como 3+3. A coesão dos versos é aparente na organização quiástica em que todos os quatro hemistíquios participam: V. 18
A רשע
B צדקה
V. 19
B צדקה
A רעה
Fox toma a primeira palavra do v. 19 ()כּן ֵ como um “advérbio de proporção”, significando “assim”233 (cf. 1:19; 6:29; 24:14; 26:19; 30:20 ), o que para ele significa que o v. 19 foi escrito pelo editor para elaborar o v. 18. Estabeleceria a relação com o versículo anterior no sentido pretendido por Fox, mas também a opção 232
Scoralick (1995, 192-196, entre 182-197). Waltke opta por ֵכּ ןI, um substantivo (o que é certo, verdade), usado como uma “resposta de confirmação”, que pode ser glosada por “de fato”; em oposição a um “advérbio dêitico”, ֵכּ ןII (então, assim); cf. Josué 2:4 e hebraico moderno para “sim”; veja também HALOT e KAHAL (com algumas reservas quanto à opção de texto crítico para leitura ( בןson). 233
268
Tradução e Exegese do Capítulo 11
de Waltke, ou seja, ֵכּ ן como um substantivo usado como uma declaração de confirmação. Além da ligação formal, as metáforas econômicas do v. 18 (salários, recompensas, agricultura) são generalizadas no v. 19 (questões de vida e morte), de modo que ambos os versículos são bem coerentes tematicamente. Além disso, Scoralick234 mostrou que tanto os argumentos formais quanto os temáticos podem ser confirmados também negativamente: Como o tema social termina no final do v. 17, o v. 18 faz um novo começo, e falta coesão formal com o que vem antes . Existem algumas questões críticas de texto em ambos os versículos. A Septuaginta235 lê a primeira palavra do v. 18b como um substantivo (זֶ ַר ע, σπέρμα [semente]) em vez de um particípio Qal ()ז ֵֹר ַע236 e a primeira palavra do v. 19a como (בן υἱός [filho]237). A leitura com kaph, no entanto, faz sentido, enquanto “filho da justiça” teria que ser interpretado como um genitivo qualitativo não atestado, significando “um homem justo”. Além disso, o paralelismo com a preposição repetida ל seria enfraquecido (veja abaixo). Pela mesma razão, não precisamos aceitar uma leitura que deriva כן da raiz ( כוןbe steadfast).238 R.B.Y. Scott lê um particípio Hiphil מבין e traduz “aquele que discerne o que é certo”, mas não oferece nenhuma justificativa ou evidência.
Clifford aponta que, “na primeira leitura”, o v. 18a é ambíguo. Ele tem em mente que פעלה pode significar tanto “trabalho” quanto “salário”. Portanto, tanto o trabalho/atos quanto os salários ganhos podem ser enganosos. No entanto, há ainda outro aspecto da ambigüidade, a saber, que o engano pode custar as vítimas do perverso, mas também pode prejudicar o próprio perpetrador. Quando relemos o primeiro hemistich à luz do segundo, torna-se possível desambiguar o verso em um sentido especial, viz. não determinando qual significado é pretendido, mas que ambos são pretendidos, de modo que o verso é mais multinível do que meramente ambíguo. O segundo hemistich mostra que as ações (semeadura) têm um efeito positivo para o executor, porque sua recompensa ou “salário” (a colheita nos termos da metáfora agrícola239) é segura e confiável ()אמת. Suas ações justas (semeadura) implicam justiça feita aos outros, mas trazem para si uma renda estável como recompensa. Leia sob esta luz, o 234 da pessoa perversa.
Scoralick (1995, 192). Assim também a Peshitta e Targum. 236 Cfr. v. 21b, onde o substantivo ocorre com o plural צדיקים. 237 Assim também a Peshitta e evidências de manuscritos hebraicos menores; a leitura é aceita por Alter. 238 Assim, Yoder e Clifford (seguindo Ehrlich), mas comentaristas anteriores como Gemser e Ringgren também mantêm o texto massorético com base nessa derivação (Gemser postula um sentido ativo de “esforço”, cf. Jó 31:15). Delitzsch, seguindo Rashi, mantém o texto, mas traduz “justiça genuína”, o que é contestado por Meinhold ao sugerir que enfraquece a ideia de justiça quando é qualificada dessa maneira, como se pudesse conter outras características além de genuína. 239 Vários comentaristas comparam Os 10:12 como uma ilustração para o uso de semear e colher como uma metáfora para ações e seus resultados posteriores; cf. Pv 22:8; Os 8:7; 10:11ss.; Sl 126:6. O motivo também está presente no Novo Testamento, por ex. 2 Coríntios 9:6; Gl 6,7 e, de modo mais geral, a série de parábolas sobre semear e colher em Mt 13. 235
Tradução e Exegese do Capítulo 11
269
“obra de engano” deve ser o oposto de justiça e ter um efeito prejudicial sobre os outros (ele os engana com sua obra tortuosa). Mas também deve designar o que ele mesmo recebe como resultado (ele sofre autoengano porque, em virtude do paralelismo, o resultado deve ser o oposto de um salário confiável). O jogo de palavras referido por Yoder ([ שקרengano] e [ שכרsalário]) é um bom jogo sonoro,240 mas um trocadilho realmente inteligente é constituído pelas duas maneiras pelas quais o v. 18a pode ser entendido. O paralelismo ativa ambos os níveis, ação e consequência. V. 18a o homem que é perverso (para os outros) faz uma obra de engano [resultado negativo para si mesmo]
:: → ←
V. 18b aquele que semeia a justiça (para os outros) [faz] uma recompensa confiável (para si mesmo)241
No v. 19, novamente é possível obter a desambiguação lendo o primeiro hemistich à luz do segundo. A preposição ל ocorre em ambas as metades e indica direção no v. 19b, mas não necessariamente no v. 19a. A justiça é “para” a vida no sentido de que serve à vida. Mas depois do verbo de movimento (רדףperseguir, esforçar-se depois), a preposição indica direção. Em virtude do paralelismo, a mesma preposição da primeira metade adquiriria um matiz adicional de significado e sugeriria que a justiça alcança a vida, ou seja, está a caminho de atingir seu objetivo, que é alcançar a vida (da mesma forma, Waltke sugere a idéia de perseguir como em uma caçada). Evoca, assim, a metáfora do caminho, caminhando e alcançando o fim último, que vai bem com a metáfora da semeadura e da colheita no verso anterior, ambas referindo-se a atos e suas consequências. Se esta interpretação estiver correta, também vai bem com כן como uma afirmação (sim, de fato), que por sua vez sublinharia que o v. 19 não apenas confirma o v. 18, mas também o aprimora ao expandir seu escopo concreto para o máximo. Embora não seja um paralelo direto, há um pensamento semelhante na Sabedoria Egípcia de Amenemope.242 O que você tem, basta. Se as riquezas chegarem até você por meio de roubo, elas não passarão a noite com você. Chega o dia, eles não estão na sua casa, O lugar deles é visto, mas eles não estão lá...
240 Os detalhes foram apresentados por McCreesh (1991, 150-151), que demonstrou como a paronomásia principalmente com sibilantes, mas também com qoph/kaph, resh e taw pode ser vista. 241 Os colchetes comuns indicam o que está implícito nos substantivos; colchetes indicam o que é fornecido em v. b de v. a ou em v. a de v. b. 242 Amenemope IX, 15-20; AEL II, 152; COS I, 118; cf. Yoder.
270
Tradução e Exegese do Capítulo 11
A passagem de Amenemope especifica o “trabalho traiçoeiro” geral, como é chamado no provérbio hebraico, como roubo. Fica claro que nenhuma “recompensa constante” pode advir disso. Na mesma linha da ideia de automutilação do provérbio, o próprio culpado descobre na manhã seguinte que na verdade se enganou. Rashi explica o v. 18 simplesmente: os ímpios ganham salários para si mesmos, mas estes são uma ilusão ( )שקרporque eles serão apenas passageiros, mas os justos receberão uma recompensa que certamente ( )אמת virá no final. Certos manuscritos interpretam ֶשׂ ֶכר como uma cerca de peixes, que com certeza captura muitos peixes e, assim, fornece uma recompensa confiável e copiosa.243 Quanto à difícil primeira palavra do v. ”, cf. Nm 27:7, onde se diz que as mulheres falaram “certo” ()כן. O Targum, Radaq e outros explicam ֶשׂ ֶכר com duplo segol como um equivalente do mais comum ָשׂ ָכר com duplo qamets (recompensa). Uma interpretação interessante é encontrada no Midrash sobre Provérbios, Capítulo 11.244. Uma vez que a afirmação do v. 19 de que as buscas do mal levam à morte não pode ser entendida literalmente (as pessoas não perseguem deliberadamente seu próprio mal), deve significar que as pessoas que vivem sem o devido atenção à Torá causam danos a si mesmos relevantes no momento de sua morte, que é então amplificado para significar danos a suas próprias almas. Crisóstomo segue a leitura grega do v. 19 como uma referência a um filho (υἱὸς; hebraico)בן. Filhos nobres (de ambos os sexos, acrescenta ele!) Nascem dos piedosos como recompensa por sua piedade.
11:20-21 20 Abominação para o Senhor são os perversos de coração, mas agradáveis a ele são os retos em seus caminhos. 21 Certamente, o ímpio não ficará impune, mas o justo escapará. A relação entre esses dois provérbios não é diferente daquela entre o par anterior. Onde o v. 19 mostra os resultados lógicos dos atos humanos antitéticos mencionados no v. 18 como sendo vida ou morte, o v. 21 fornece os resultados lógicos das disposições humanas antitéticas mencionadas no v. 20, viz. escapando ou não ficando impune. No nível formal, no entanto, o dístico anterior estava inter-relacionado transversalmente (veja acima), enquanto as antíteses dos hemistichs nos vv. 20 e 21 são integrados por meio de um paralelismo reto “sinônimo” de ponto cheio: V. 20
Um negativo
::
B
positivo
[antitético]
⎫ ⎪
⎬ V. 21 See More
243 244
Um negativo
::
B
Rosenberg ([1988] 2001, 64). Visotzky (1992, 60).
positivo
[antitético]
⎪
⎭
"sinônimo"
Tradução e Exegese do Capítulo 11
271
No v. 20 há duas sentenças nominais, ambas colocando o predicado primeiro e o sujeito em segundo.245 V. 21 tem duas sentenças verbais, ambas no radical Niphal, e aqui a ordem sintática é quiástica primeiro hemistíquio e sujeito-predicado no segundo). Há, portanto, uma simetria estrutural e uma coerência de conteúdo nos dois versos, o que já nos autoriza a considerá-los um dístico. Uma análise mais atenta também revela uma simetria no ritmo. V. 21a é um dos quatorze casos na Bíblia Hebraica onde um ר tem um dagesh forte.246 Nesse caso, a duplicação incomum tem a ver com a organização rítmica do ponto. Quando um monossílabo é precedido por um assim chamado milcel,247 então a duplicação da primeira consoante do monossílabo é um dagesh forte conjunctivum,248 significando que ele se liga à palavra anterior para formar uma batida tônica. Essa instância é única porque o monossílabo não apenas começa com uma consoante que geralmente não é dobrada, mas também porque a própria palavra anterior já está conectada à partícula negativa לא por meio de um maqqeph. Portanto, temos três palavras formando uma batida, precedidas por uma palavra repetida com preposição formando dois acentos: לא־ינקה רּע׳
ליד׳
יד׳
Seguindo o apontamento massorético, o ritmo, portanto, tem o mesmo padrão em ambos os pontos, ou seja, duas vezes um Doppeldreier (3+3, 3+3) e não um Siebener duas vezes (4+3, 4+3), conforme afirmado por Gemser, o que ignoraria o que acabou de ser discutido.
V. 20. O que Yahweh considera uma abominação (תועבת יהוה, novamente um genitivo subjetivo como no v. 1) é um critério para julgar o que é bom e o que é mau. O termo pode ser usado em sentido genérico (cf. Sl 107:18), mas muitas vezes tem uma referência cultual (cf. Dt 7:25; 12:31; 17:1; Ez 22:11), bem como uma extensão estendida senso moral, como aqui (cf. v. 1; 3:32; 15:8; 21:27; Sl 5:9).249 Embora uma referência a Deus não tenha necessariamente que acompanhar o uso do תועבה- ideia, o fato de que pode e neste verso explicitamente o faz, sublinha a dimensão religiosa do julgamento negativo da desonestidade. Fox destaca o importante ponto de que temos aqui evidências de que a motivação para as pessoas fazerem o bem não é apenas a perspectiva de recompensa e evitar a punição, mas também o amor a Deus e o desejo de agradá-lo. No segundo hemistich, 245 A ordem sintática é o oposto do que nos dois hemistichs de. v. 1, onde תועבת יהוה e רצונו também são usados. No semelhante 12:22, a ordem na segunda metade é invertida para sujeito-predicado. 246 Os outros são: 20:22 com a mesma palavra, também 3:8; 14:10; 15:1, onde outras palavras são usadas; 1 Sam 1:6; 10:24; 17:25; 2 Reis 6:32; Jr 39:12; Ezequiel 16:4 (duas vezes); Hb 3:13; Cant 5:2. 247 Uma palavra com sua ênfase natural na penúltima sílaba, ao contrário de milrac, onde a ênfase está na última sílaba. A observação de Margolis (1911, 42) – em crítica ao GKC 29a – de que “[n]o caso de uma vogal longa na penúltima, a acentuação oscila entre milrac e milcel”, só se aplica a formas verbais com waw consecutivo. 248 Ver GKC 20a, 22s. 249 Para uma discussão sobre o grupo de palavras formado pela raiz תעב, cf. ISSO II, 1051-1055.
272
Tradução e Exegese do Capítulo 11
a referência pronominal (sufixo masculino singular da terceira pessoa) explicitamente conecta Deus ao lado positivo da equação também. Deus é o sujeito que sente o ( רצוןfavor), que pode ter novamente um sentido genérico (quando algo é considerado aceitável, cf. Sl 104:34), mas também um culto (cf. Ex 28:38; Lv 1 :3; 19:15) ou uma referência ética (cf. 16:7; Deut 33:11; Qoh 9:7 et al.).250 O outro lado da moeda apontado por Fox seria que Deus não apenas distribui retribuição mecânica, mas também sente afeição ou satisfação por aqueles que são justos. Esses dois hemisférios novamente contribuem mutuamente um para o outro: V. 20a V. 20b coração torto (disposição interior) → [quem age de maneira correta também deve ter um coração reto] [um coração tortuoso também age de maneira tortuosa] ← caminho reto (ações externas )
A implicação da afirmação negativa sobre o caráter interior (v. a) é que ações positivas (v. b) brotam de um caráter positivo; e a implicação da afirmação positiva sobre um modo de vida concreto (v. b) é que um caráter negativo (v. a) tem como corolário uma prática desonesta. Há, portanto, um alinhamento de atitude interna e manifestação externa no que costumamos chamar de nexo de ação e consequência, com certeza, tanto no lado humano quanto no divino. Boas e más ações são tanto uma questão da sensibilidade interior dos humanos quanto recompensa e punição são uma questão do sentimento de Deus.251 Nesse sentido, podemos concordar com o julgamento de Clifford de que as duas metades do v. da vida humana”, e com a afirmação de Fuhs de que, em matéria de julgamento divino, a metáfora do caminho conecta o pensamento e a ação humana. V. 21: O Midrash Mishle e várias outras interpretações judaicas consideram a expressão (יד ליד de mão em mão) como uma indicação de insinceridade ou ações mutuamente exclusivas (veja abaixo). Mas uma interpretação mais natural e, portanto, convincente segue uma série de exegetas desde o século XIX que tomam a expressão no sentido em que é usada em 16:5b, onde é claramente uma afirmativa,252 isto é, uma forte segurança. Os ímpios certamente não ficarão impunes (cf. 250
AQUELE II, 812. É assim que Agostinho (De perf ius hom IX, 20) e outros interpretaram o provérbio; Veja abaixo. 252 So Bertheau, Hitzig, Ewald, Delitzsch, Toy, Gemser, Plöger, Meinhold, Waltke et al. O Midrash Mishle faz com que o rabino Joshua mantenha a afirmação (“com certeza”, veja Visotzky [1992, 61]). Meinhold explica esta interpretação com o uso da mão no fechamento de um acordo, cf. v. 15 e 6:1; assim já Schultens, que pensa em um negócio envolvendo uma herança post posteros, citando o uso árabe da mesma palavra, ( یدhand), para o efeito. A expressão também ocorre em 16:5, onde, como no v. 21, é fortemente negado que aquele que tem uma atitude errada escapará da punição ()לא ינקה. Em 16:5, o “altivo de coração” é chamado (תועבת יהוה uma abominação para o Senhor), como o “perverso de coração” na primeira linha do dístico vv. 20-21. 251
Tradução e Exegese do Capítulo 11
273
Ex 21:19 e Nm 5:19, 28, 31 para o uso de נקהNifal em sentido legal). רע deve ser um substantivo, não o adjetivo freqüentemente atestado.253 Em virtude do paralelismo, a afirmação também é transportada para o segundo hemistich: o homem mau certamente não será declarado inocente (tanto o verbo quanto רעsão masculino singular, o princípio do mal teria sido feminino, )רעה. Vários comentaristas apontam que a forma forte da negação de que a punição será afastada indica uma consciência de que a realidade muitas vezes prova o contrário. No entanto, a justiça será mantida de alguma forma para que qualquer discrepância seja eliminada (cf. também v. 31). Esta é uma convicção baseada na fé e não na investigação das realidades da vida. Nas palavras de Van Leeuwen: “A frase afirma a justiça suprema de Deus, não com base na observação empírica, mas com base na natureza de Deus”. O assunto da segunda sentença no v. 21 é uma questão de alguma diferença de opinião. Às vezes, o זרע צדיקים é interpretado como os descendentes dos justos que escaparão do perigo por causa de seus méritos (por exemplo, McKane, Murphy, Clifford, Whybray, Fox, Yoder). Mas outros o entendem como um genitivo de espécie (assim Delitzsch,254 Wildeboer, Toy, Oesterley, Meinhold, Scoralick,255 Fuhs, Waltke, Moss).256 A última parece ser a melhor escolha (a) à luz do uso da frase em Isaías 1:4; 65:23 (o princípio também ocorre em Salmos 24:6; 112:2, onde o substantivo דור é usado da mesma forma), e (b) visto que a introdução da descendência neste ponto é, embora não impossível , no entanto desmotivado (então Plöger). Quando o paralelismo dos dois pontos no dístico é levado tão a sério quanto o paralelismo dos hemísticos dentro deles, fica claro como o fenômeno aumenta a força da dimensão religiosa no par. Uma vez que o primeiro verso lança sua luz sobre o segundo, a questão do exterior e do interior tanto na mente humana quanto na divina לב/mente não pode ser fatorada fora do que é dito sobre escapar ou não escapar da punição. A atitude interior e a convicção, o pensamento e a intenção desempenham um papel tão constitutivo quanto as ações para determinar a que זרעpessoas pertencem, que “espécies” são ou em que tipo de caráter devem ser classificadas – e é isso que determina se elas ir livre ou não. 253 Pseudo-Ibn Ezra sublinha isso sugerindo que a palavra “homem” deve ser entendida antes de “mal” ()איש רע. 254 Delitzsch o chama de “genitivo de aposição”. 255 Scoralick (1995, 67). Referindo-se à leitura da Septuaginta ὁ δὲ σπείρων δικαιοσύνην (quem semeia a justiça), Heim (2001, 139) pensa em “práticas de negócios saudáveis”, mas o fato de que a Septuaginta aqui traduz o texto hebraico do v. 18 é melhor explicado por Plöger como inquietação sobre a introdução imotivada de זרע entendido como “descendência” (veja abaixo). 256 A Septuaginta escapa da questão recorrendo ao hebraico do v. 18: “aquele que semeia a justiça receberá uma recompensa fiel” (ὁ δὲ σπείρων δικαιοσύνην λήμψεται μισθὸν πιστόν; cf. BHQ, *41).
274
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Na tradição rabínica, Gerondi encontra a ideia de diferentes tipos de caráter presente não apenas no v. 21, mas já no v. bom, portanto de caráter perfeito. Tal perfeição pode ser adquirida pelo esforço intelectual se a pessoa não for naturalmente inclinada para isso. O que descobrimos acima como sendo a importante correlação entre atitude interna e ação externa é bastante explícito na Mezudat David, onde os desonestos são aqueles cujos corações são inconsistentes com suas ações. Isso é obviamente influenciado pelo paralelismo no texto bíblico, uma vez que um coração “torto” implica que as ações exteriores inconsistentemente pretendem ser justas. Uma interpretação semelhante é encontrada no Midrash, onde, no entanto, é baseada no uso duplo de יד como as primeiras palavras do v. 21 e combinada com a leitura alternativa de יד ליד como uma afirmação. Quem peca com uma mão ( )יד e faz o bem com a outra, certamente não escapará da punição.257 Rashi pensa que יד ליד significa que a punição virá da mão de Deus para a mão do pecador, presumivelmente significando punição direta, enquanto a Peshitta e o Targum258 pensam que se refere à punição de Deus pelo alongamento desfavorável de uma mão humana contra o próximo. Quanto à “semente” do v. 21, a tradição judaica prefere a visão de que significa a descendência dos justos, o que é uma ideia bem estabelecida, uma vez que se acredita que os filhos se beneficiam dos créditos ganhos pelas boas ações de seus pais ( assim o Midrash, cf. Berachot 7a e LevRab 36:3; o Vilna Gaon ainda especifica que isso é válido por quatro gerações259). Crisóstomo (347-407) toma o v. 21 como uma ilustração do que significa ser de “caminhos tortuosos” (a Septuaginta tem ὁδοί [caminhos, não coração]). Colocar a mão na mão de acordo com ele significa suborno. Ele então mostra apreço pelo paralelismo – com o qual muitas vezes não é creditado – ao concluir que a “outra pessoa” (o piedoso) indica o oposto de um suborno. Importante também é que Crisóstomo faz uma de suas raras referências a Deus em relação às palavras dos sábios israelitas. Evitar caminhos tortuosos não é apenas uma questão conhecida por experiência, mas pela vontade de Deus.260 Agostinho (354-430) destaca o motivo da irrepreensibilidade no contexto de seu antipelagiano Tratado sobre a Perfeição Humana. Ele inclui uma citação livre do v. 20 entre uma série de textos bíblicos sobre a necessidade de ser irrepreensível, o que em sua opinião equivale à prática da justiça e ser santo como Deus é santo (Lv 11:44; 1 Pe 1:15 ).261 O asceta contemporâneo Sulpitius Severus (c. 360-420)262 interpreta a irrepreensibilidade na perspetiva do ideal ascético cristão, nomeadamente em defesa da pureza da vida cristã, especialmente da virgindade. Ele combina o motivo de ser perfeito ou “imaculado” com a ideia de que o v. 20b contém o motivo do amor de Deus por tais pessoas que têm “coração santo”. Melanchthon entende יד ליד como os ímpios dando apertos de mão uns aos outros, constituindo assim um negócio perverso (opus perversum) por conluio entre si (inter se conspirante). Embora eles tenham definido 257
Visotzky (1992, 61). A Peshitta tem: züÐ âï zËÙs ÕýÎãx (que estende a mão contra seu companheiro); e o Targum tem quase o mesmo: (דמושיט אידא על חבריהquem estende a mão contra seu companheiro). 259 Ginsburg ([1998] 2009, 208). 260 Crisóstomo parece ter antecipado as visões modernas em pelo menos um aspecto: ele considerava a ética de Provérbios como uma combinação de experiência principalmente humana e, secundariamente, de revelação divina e, portanto, não fala dos sábios como “profetas” (cf. Hill [2006 , 223]); veja também abaixo em 12:3. 261 De perfecte iustitiae hominis IX, 20 (NPNF I,5, 166). 262 De virginitate XI (NPNF II,11, 63). 258
Tradução e Exegese do Capítulo 11
275
contra a verdade por entrarem em tais negócios, eles não ficarão impunes, enquanto a descendência dos justos escapará.
11:22 Um anel de ouro no focinho de um porco – uma bela mulher que abandona o bom senso. A visão de Hermisson de que este provérbio se sustenta por si só263 é repetida por vários outros comentaristas (por exemplo, Plöger, Scherer,264 Sæbø e outros). O que é direto neste provérbio intrigante é pelo menos a falta de uma antítese (cf. também v. 16) e seu ritmo simétrico: quatro palavras carregando uma ênfase cada uma em ambas as metades (4+4). Consiste em dois hemisférios desconectados por uma conjunção. Por conta própria, cada um deles pode ser lido como um anacoluthon separado (ditado incompleto):265 Um anel de ouro no focinho de um porco ... Uma mulher bonita, mas que abandona o bom senso ...
No entanto, como eles estão próximos um do outro, o leitor/ouvinte percebe imediatamente um paralelismo entre as duas metades. Isso é reforçado ainda mais pelo ritmo simétrico e pela concentração de efeitos sonoros (principalmente sibilantes e bilabiais e por uma concentração de vários sons a).266 Oesterley parece ter percebido esses dois aspectos ao afirmar que “não pode haver uma comparação” enquanto, no entanto, descreve “algo muito incongruente” comum a ambos e, portanto, sustenta que “eles indubitavelmente pertencem um ao outro”. Essa proximidade os torna um símile, que pode ser transmitido por paralelismo tanto quanto por partículas especiais como כ e כן.267 Como Berlin aponta com outros exemplos, a estrutura dos meio-versos os identifica imediatamente como um símile , embora não haja marcações além do paralelismo. A função persuasiva do paralelismo em pequenos ditos sapientes é trabalhada por Luchsinger. metade. São as unidades como tais – neste caso, dois hemisférios – que se relacionam entre si. Ou seja, a afirmação A como um todo é um paralelo semântico ao todo da afirmação B. O princípio poderia
Hermisson (1968, 175). No entanto, isso já foi enfatizado por Hitzig. Scherer (1999, 84). 265 Teoricamente, o primeiro hemistich também pode ser lido como uma frase nominal (um anel de ouro está no focinho de um porco), mas no contexto de todo o verso, onde faz parte de um stich, isso obviamente não é pertinente. 266 Cfr. a análise detalhada de McCreesh (1991, 108-109). 267 Descrito e ilustrado por Berlin (2008, 100-102). 268 Luchsinger (2010, 322-324), com exemplos como 18:22; 20:1, 20 e outros. 269 Landy (1984, 81): “A estabelece uma tensão e expectativa, que B resolve.” 264
276
Tradução e Exegese do Capítulo 11
ser ilustrado cum grano salis considerando um símile como “morto como um prego”, que transmite a falta de vida sem se preocupar com as outras características do prego, como seu material metálico, capacidade de manter juntas as tábuas das portas, estabilizar a entrada ou o que a distingue das outras unhas. Da mesma forma, o símile no provérbio não precisa que cada elemento separado no primeiro hemistich tenha uma contraparte própria no segundo como se fosse uma alegoria com sua exposição. Se tentarmos ligar cada elemento individual no v. 11b com um elemento correspondente no v. 11a, isso deixará (necessariamente, ao que parece) vários problemas autogerados sem solução – e um resultado final que também pode ser alcançado sem esforço. No entanto, algumas tentativas sérias nessa direção foram feitas e precisam ser examinadas, particularmente um artigo engenhoso de Heim dedicado ao provérbio.270 Ele fornece uma visão geral de várias contribuições desde o final do século XIX e chega à conclusão de que a “equação entre o porco e a mulher” não é o que proclama o provérbio. Eu estaria inclinado a concordar, embora acrescentasse: nenhum outro par de motivos individuais deveria ser igualado. No entanto, Heim fornece uma análise detalhada dos elementos constituintes em cada hemistich e os relaciona um por um a um elemento correspondente no hemistich alternativo. Segundo ele, a ordem das palavras no primeiro hemistich corresponde exatamente à ordem das palavras no segundo. O anel representa a mulher; ser feito de ouro representa sua beleza; sua localização no focinho do porco representa seu afastamento; o porco representa “por discrição”. A abrangente tabela271 de Heim pode ser resumida da seguinte forma: Primeiro hemistich
segundo hemisfério
anel
mulher
dourado
lindo
focinho
ela virando
porco
da discrição
É difícil ver como tais correspondências precisas podem ser mantidas. “Virar” (o particípio feminino de )סור tem que representar “focinho”, que em si parece forçado. O porco deve ser paralelo à discrição, o que realmente seria contrário ao símile, porque o animal impuro é o que menos pode ser. Heim parece um pouco desconfortável com isso, já que ele tem o símbolo do porco para “por discrição” (grifo meu). Mas isso é artificial, porque o particípio de סור está no estado de construção, de modo que (טעם discrição) deve ser um genitivo objetivo. O problema não pode ser disfarçado adicionando uma preposição inglesa “from”272 a “discretion” para que pareça que o porco representa estar ausente 270
Heim (2008, 13-27). Heim (2008, 24). 272 A preposição מן, que muitas vezes acompanha o verbo סור, está faltando aqui, de modo que o uso do verbo no Qal deve ter um objeto direto, neste caso o genitivus objectivus טעם (verbos intransitivos como [סורdesviar-se] pode frequentemente ser usado de forma transitiva; para outros exemplos, cf. Gn 34:2; Nm 5:13,19; 2 Sm 2:22; 13:14; Ezequiel 23:8; veja também a ilustração dada no 271
Tradução e Exegese do Capítulo 11
277
da discrição (discrição[-]). Esta função já foi atribuída ao elemento anterior (virar = focinho). O esforço para isolar os elementos em um hemistich de modo que cada um possa receber uma função especificada por um elemento parceiro no próximo hemistich não funciona. Portanto, não é surpreendente que Fox, que concorda com a maior parte da exposição de Heim, discorde neste ponto. Segundo ele, toda a construção do genitivo סרת טעם representa o focinho e o porco representa o marido. No entanto, Fox vê isso da seguinte forma: primeiro hemistich
segundo hemisfério
anel
mulher
dourado
lindo
localização no focinho
falta de discrição
porco
marido
Mas isso também implica dividir uma construção genitiva ( )באף חזירem partes para obter uma correspondência precisa: a primeira metade (focinho) é a expressa falta de discrição da mulher e a segunda metade da mesma construção (porco) é a do marido identificação não expressa com o animal impuro. Isso parece forçado pela necessidade e tem que lidar com várias dificuldades. Primeiro, atribuir duas funções apenas ao porco parece artificial para mim. Força parte do porco (focinho) a representar o caráter deficiente da mulher e, simultaneamente, o julgamento deficiente do marido. Além disso, o problema não pode ser camuflado referindo-se a parte do porco como um “local” – se o porco é o marido, seu nariz não pode ser outra coisa. Em seguida, mesmo que a intenção seja apresentar criticamente o suposto marido como um tolo (por ter uma esposa assim), a metáfora não seria apenas sarcástica, mas tão repulsiva que ultrapassaria seu propósito. Em todo caso, finalmente, um piercing no nariz é uma joia feminina,273 não masculina. A imagem seria incompreensível, pois presumiria que um homem poderia usar um piercing no nariz com dignidade em diferentes circunstâncias, o que não é o caso. Tampouco se poderia afirmar que o piercing no nariz se tornaria então um anel para controlar um animal difícil, porque isso daria à mulher insensata uma função bastante sensata e, em todo caso, não foram usados piercings no nariz, mas ganchos274 para esse fim.
O que é convincente na visão de Heim e Fox, é que o ditado adverte os jovens a não escolher uma esposa apenas por sua beleza. hebraico bíblico por Coleman [2016, 286]). Daí minha tradução “descartar” = abandonar / ir embora. 273 Veja Gn 24:22, 30, 47; Is 3:21; Ezequiel 16:12; Os 3:21; cf. NIDB 3, 304-305; EJ 16, 479; AuS V, 349. 274 So Toy; ַחחdifere de (נֶ זֶ םÊx 35:22); Is 37:29; 2 Reis 19:28; ח]וֹ[ח ַ (espinho, gancho) para animais (Ezequiel 19:4; Jó 40:26) e cativos (2 Crônicas 33:11//2 Reis 19:28); também (וָ וgancho), ִצנָּ הe (ִס ָירהrespectivamente gancho de espinho e farpa, Am 4:2); cf. NIDB 2, 885; EJ 2, 173. 275 Heim (2001, 20ff.), para quem a mulher não é denegrida pelo ditado, faz muitas referências às mulheres em Provérbios, especialmente em termos de sua aplicação de todo o livro como “contexto interpretativo ” para o provérbio. Cf. 18:22; também Senhor 7:26; 25:21-22; 26:13-15. Veja Hausmann (1995, 153) para uma visão contrastante da visão do livro sobre as mulheres, e Stewart (2016, 50-52) sobre as várias leituras possíveis possibilitadas pela parataxe do provérbio.
278
Tradução e Exegese do Capítulo 11
mulheres irritantes (cf. 5:3-14, 20; 6:23-35; 7:1-27; 12:4; 14:1; 19:13; 21:19; 22:14; 25:24; 27 :15f.; Sir 9:8-9) que deveria ser indiscutível. Mas isso é claro quer se siga a linha de Heim e Fox ou não, como este último reconhece. No entanto, o fato de uma esposa poder ser chamada de guirlanda ou coroa de seu marido (12:4) não deve ser exagerado para se tornar uma “metáfora do solo”. Uma coroa não é um piercing no nariz, que, de qualquer maneira, não é usado por um homem. A metáfora não deve, portanto, ser diluída, estendendo-a a proporções tão genéricas que se tornem qualquer adorno e, simultaneamente, reduzida em escopo para se tornar um piercing no nariz. A sabedoria humana amplamente aceita sobre a determinação da qualidade interior de uma mulher é expressa com mais força pela própria negatividade do provérbio (cf. Volz, Whybray, Clifford, Waltke, Heim, Fox, Sæbø). Volz mostra de Ben Sira que a beleza feminina em si é apreciada entre os sábios (cf. Sir 26:1618; 36:27), mas isso é relativizado pelo insight de que a integridade interior a substitui (cf. Prov 31:10ss., particularmente v. 30 e 1 Pe 3:3-4). Da mesma forma, a advertência do provérbio também pode falar às mulheres.276 O particípio feminino Qal de סור sugere que a mulher que se afasta dos sentidos também pode optar por não descartá-los. Nos termos da norma do provérbio, uma mulher deve cuidar de suas qualidades interiores não menos do que de sua beleza física. Uma mulher ideal deveria ter o senso, o decoro e o julgamento que o טעם envolve, pelo qual Davi elogia Abigail (1 Sam 25:33, portanto Tuinstra). Em resumo, pode-se dizer que Delitzsch estava certo ao chamar o paralelismo do provérbio nem antitético nem sinônimo, mas “emblemático”. Isto é, uma figura é esboçada no primeiro hemistich para aparecer como o emblema atraente de uma ideia, e no segundo hemistich um ditado esclarecedor é fornecido como uma espécie de assinatura. Todo o ditame anacolútico do v. 22a evoca uma imagem integrada de um porco com um anel de ouro no focinho – por mais embelezado277 que o focinho do porco seja, ele está manchado de sujeira. Então, todo o anacoluto do v. 22b explica a imagem, fornecendo o gatilho para a imagem sórdida que o olho da mente deve ver quando um jovem olha ou pensa em uma mulher bonita, mas fútil. Os dois hemisférios se apoiam mutuamente: o primeiro meio-verso é melhor compreendido à luz do segundo, e o segundo recebe sua nitidez do primeiro.278 276 Stewart (2016; 50) reconhece a resistência do provérbio paratático a “ conclusão”, o que significa que pode ser lido de várias maneiras. 277 Cfr. Polônio sobre a carta de Hamlet a Ofélia (Hamlet, Ato 2/2, 110-111): “Essa é uma frase doentia, uma frase vil, ‘embelezada’ é uma frase vil.” 278 Cfr. McCreesh (1991, 108) que, em sua terminologia, diz: “A comparação é alcançada pelo simples alinhamento de ambas as imagens, uma em cada dois pontos, sendo dois pontos a predicados de dois pontos b” [sic]. Para a ideia de nitidez transmitida pelo segundo hemisfério, ver também Alter ([1985] 2011, 176).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
279
A interpretação judaica tradicional do provérbio não teve problemas em interpretar o porco com um anel de ouro como uma imagem, mas muitas vezes o aplicou de forma criativa. No Midrash Mishle, a interpretação direta é oferecida de que um porco adornado com um anel de ouro em seu focinho não será adornado pelo anel, mas o anel será sujo pelo porco fuçando na sujeira. Isso é acompanhado por uma interpretação simbólica adicional, viz. que, se um estudante da Torá se relacionar com uma mulher duvidosa, ele desvalorizará a Torá (מקלקל )תורתו. Várias variantes desta interpretação são encontradas em outras exposições rabínicas. De acordo com Rashi, uma pessoa que abandona a Torá (não apenas por se relacionar com uma prostituta) pode ser comparada a uma bela mulher que abandonou a Torá. Possivelmente influenciado por esses pontos de vista, o Mezudat David também acha que o adorno externo de uma mulher só é eficaz onde há qualidade interna. Assim, alguém que foi dotado de sabedoria, mas faz mau uso dela em detrimento dos outros, faz o mesmo que uma mulher que usa sua beleza para o pecado como um porco que estraga um anel de ouro.279 Pirqe Abot 6:2 fornece uma aplicação inicial de a imagem do provérbio para o estudo da Torá. Quem não estuda a Torá é repreendido ()נזוף, após as letras iniciais de נזם זהב e a letra final de באף. Clemens Alexandrinus (século II)280 leva um brinco no focinho de um porco para ilustrar o que é a beleza para uma mulher sem discrição. A lógica que se segue é interessante – uma pessoa que pensa que o ouro embeleza um ser humano é inferior ao ouro e, portanto, não é seu mestre. Além disso, mulheres excessivamente luxuosas desonram a verdadeira beleza como uma porca polui um anel de ouro. Em uma passagem repleta de citações de Provérbios, 11:22 é usado nas Constituições dos Apóstolos para castigar mulheres que são armadilhas para seus maridos (com, entre outros, Qoh 7:26; Prov 12:4 de acordo com a Septuaginta). 281 João Crisóstomo também tem uma interpretação literal: uma bela mulher sem gosto suja sua beleza como um porco sujará um enfeite colocado em seu focinho. Mas ele também acrescenta uma lição de moral extra, dizendo que uma mulher sensata pode aprender com uma mulher bonita, mas tola. Nesse caso, ela aprende o que é a verdadeira beleza (ou seja, não a beleza externa). E, se a tola também é rica, a sábia não tão rica aprende a não desejar o que lhe falta. Gregório de Nissa cita o v. 11a junto com Mateus 7:6 (pérola pisada nos pés dos porcos) para ilustrar que a “coisa preciosa” chamada virgindade é arruinada quando a discórdia na alma a mina.282 E João Cassiano283 usa o provérbio em um maneira análoga à crítica dos rabinos aos estudantes de Torá que não abandonam o pecado. Para ele, todo o versículo se aplica a quem lê as Sagradas Escrituras e até as memoriza, mas não abandona os “pecados carnais”. Melanchthon é franco: Sententia est, maius ornamentum sunt boni mores quam forma. O ditado é que a boa moral é um ornamento melhor do que a forma [externa].
279 Da mesma forma, Malbim; de acordo com o Talmud (Yoma 86a), onde é dito que um estudante de Tanach e Mishná que é desonesto e descortês, denuncia a si mesmo e àqueles que o ensinaram. Cf. Ginsburg ([1998] 2009, 209). 280 Protrepto XI (ANF II, 285). 281 Const Apost I, iii (ANF VII, 395). 282 De Virg XII (NPNF II,5, 363). 283 Confer. XIV, 16 (NPNF II,11, 443).
280
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Uma segunda nota sobre incertezas sobre grupos de provérbios na segunda metade de Provérbios 11 Como vimos na primeira nota acima (anterior à exposição do v. 18), várias propostas sobre grupos de provérbios nos versículos restantes também foram feitas. Mas aqui também eles diferem tanto quanto à extensão das unidades quanto às razões de sua demarcação. O resumo dado na tabela abaixo descreve tais argumentos, aos quais o seguinte pode ser adicionado: De acordo com Scoralick,284 11:27 é o centro de uma unidade concêntrica (11:8–12:3) na qual os temas dos versos anteriores recorrentes, mas com mais atenção ao mundo exterior, em particular ao comportamento social e a um certo equilíbrio entre “cidade” e “campo”. Fuhs concorda com a demarcação geral proposta por Scoralick e também considera 11:27 o centro, mas difere em seu agrupamento interno dentro do padrão concêntrico como ele o vê, embora ele também faça observações sobre o motivo social proeminente. A imagem sugerida pela tabela novamente parece confirmar minha sugestão de que há indícios de agrupamento, mas que muitos argumentos podem ser oferecidos para justificar proporções diferentes dentro deles, que a aceitação de um princípio editorial geral para reunir provérbios amplamente relacionados é mais convincente do que tentar encontrar composições poéticas sofisticadas que possam ser definidas de acordo com os critérios selecionados. O que se segue é apenas um esboço contendo ideias amplamente formuladas: Scoralick285 Fuhs
11:27 o centro de uma unidade concêntrica 11:8–12:3 11:27 o centro de uma unidade concêntrica 11:8–12:3
Heim286
11:22-31 aglomerados: 22-27 (justo, perverso), 28-31 (parcialmente plantar imagens)
Meinhold Plöger Fox Waltke Lucas
11:23-27 + 28-30 + 31; cf. Ringgren, início diferente e estrutura interna 11:23-27 um subgrupo dentro dos vv. 23-31, que está parcialmente conectado frouxamente 11:23-27 v. 23 expandido em 24, reforçado pelos vv.25-27; dúvidas sobre v. 24b 11:23-27 vv. 23 + 27a unem a unidade; טוב-slogan + generalização 11:23-27 unidade temática sobre generosidade; טוב-palavra-chave
Hermisson287 Krispenz288 Tuinstra
11:23-31 vs. 23+24-26; 27 geral, 24-26 links para 28; 30 links para o v. 28 (árvore) 11:23-31 sem argumento, apenas tabela, mas aponta ברכה no vv. 25, 26 11:23-31 relação de ação e consequência de longo prazo
Sæbø
11:24-29 sobre o uso ético da propriedade, “possivelmente” com um link no v. 23
Brinquedo Whybray Scherer Ringgren Van Leeuwen
11:24-26 argumento vago, tema “liberdade” :: “avareza” 11:24-26 critica Plöger, mas também usa o argumento-paradoxo para vv. 24-26 11:24-26 unidade temática com “propriedade” + “generosidade” (1999, 85) 11:24-26 e 11:27-31 grupos vagos, comprovação na verdade uma paráfrase 11:22-23 e 11:24 -26 mas a ligação do v. 23 para trás não é clara
diferenças internas
284 Scoralick (1995, 196-197); cf. a discussão geral começando minha exposição do cap. 11. 285 Scoralick (1995, 196-197, dentro de 182-197). 286 Heim (2001, 142). 287 Hermisson (1968, 175). 288 Krispenz (1989, 166).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
281
Waltke mostra que vv. 23 e 27 enquadram o grupo (slogan ;)טוב os ecos tanto ele, seguindo Meinhold, quanto a menção de Fox entre os vv. 25//24a, 26//24b, podem ser facilmente vistos. Mas há também uma colocação concêntrica destes versos: V. 23 V. 24 V. 25 V. 26 V. 27
esforço positivo (-)טוב esforço negativo entregando - retendo apenas o paralelismo "sinônimo" na série, links para vv. 24, 26 reter - dar esforço positivo (-)טוב esforço negativo
Provérbios 11:23-27 Esforço e resultados paradoxais 23 O desejo do justo é apenas o bem, a esperança do ímpio é a ira. 24 Há quem espalhe e se multiplique mais, e quem se abstenha do que é certo apenas para sua perda. 25 O que abençoa será engordado, e o que reanima certamente será reanimado. 26 Quem retém o grão, o povo o amaldiçoa, mas a bênção é para a cabeça do que vende o grão. 27 Quem segue o bem [na verdade] busca favor, mas quem vai atrás do mal – sobre ele virá. Bíblia. Dell 2006, 60f.; Hatton 2008, 107-109; Hausmann 1995, 62, 221, 225, 228, 388f.; 232, 313; Heim 2001, 142-146; Hermisson 1968, 175; Krispenz 1989, 166; Pilch 2016, 41; Scherer 1999, 84-86; Scoralick 1995, 195-197; Stewart 2016, 135141.
Pesando o que foi resumido na nota, bem como na tabela e no esboço acima, deve-se dizer que este não é um poema com textura estreitamente unida. Há uma certa semelhança na associação das ideias logicamente conectadas de esforço e seu resultado frequentemente paradoxal. Mas o que os versos têm em comum não mostra progressão nem desenvolvimento conceitual. Embora certos padrões possam de fato ser vistos, acho difícil reconhecer uma composição poética sofisticada nesses versos (o que não implica, é claro, um julgamento sobre a qualidade poética dos próprios provérbios individuais). A estrutura concêntrica nos vv. 23-27 é visivelmente perceptível, mas cada um dos provérbios dentro do grupo pode, no entanto, também ser lido e entendido por si só e sem recorrer aos outros.289 Portanto, a conclusão é que eles são provérbios por direito próprio que foram bem editados juntos , e sua interpretação deve, conseqüentemente, ser considerada nos dois sentidos.
289
Da mesma forma Dell (2006, 60-61).
282
Tradução e Exegese do Capítulo 11
11:23 O desejo do justo é apenas o bem, a esperança do ímpio é a ira. À primeira vista, o ditado parece relativamente simples. Existem duas frases nominais e um ritmo claro de 3+3 (so Toy, Gemser). Os dois hemistíquios formam um paralelismo antitético óbvio, mas de uma maneira interessante. Cada palavra no primeiro hemistich é paralela a cada palavra correspondente no segundo, mas o primeiro par (תאוה, "desejo" e תקוה, "esperança") tem uma relação congruente.290 אך־טוב
צדיקים
desejos
::
::
//
עברה
רשעים
תקות
O contraste gira em torno da afinidade de duas palavras que expressam a antecipação de duas perspectivas antitéticas. Portanto, o sentido abrangente do paralelismo é antitético, mas mesmo assim precisa da presença de palavras não antitéticas. Como no provérbio anterior, não há conjunção na forma do waw usual ou outra partícula (por exemplo, 10:26) e as duas declarações são unidas apenas por sua proximidade.291 Costuma-se dizer que o versículo chama 11:7 para mente, e às vezes que lembra 10:28 (por exemplo, Murphy e Yoder), enquanto Waltke o considera como uma intensificação de 10:28. No entanto, a comparação com 10:28, que é muito mais impressionante do que a comparação com 11:7 não apenas em termos de conteúdo, mas também de forma, não é tratada como um “provérbio contado duas vezes” por Snell (1993) nem é visto como tal por Heim (2013). A comparação desses dois provérbios também se refere às questões críticas do texto referentes ao v. 23, de modo que faz sentido começar com um esboço das semelhanças e diferenças dos dois provérbios. Estes podem ser resumidos da seguinte maneira: 10:28
11:23 תוחלת צדיקים שמחה ותקות רשעים תאבד
תאות צדיקים אך־טוב תקות רשעים עברה
A expectativa do justo é alegria, O desejo do justo é apenas bondade, mas a esperança dos ímpios perecerá. a esperança dos ímpios é a ira.
290 Toy até os declara idênticos, embora ele traduza תקותpor “expectativa” em 11:23b e 10:28b e תוחלתem 10:28a como “esperança”. Eles não são totalmente sinônimos, mas congruentes, eles se relacionam entre si em um estado de concordância/correspondência. Na figura, // significa congruência e :: contraste. Cf. A análise de Waltke e o argumento desenvolvido abaixo. 291 Cfr. acima no v. 22 e as referências dadas lá.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
283
Semelhanças: Ambos os provérbios são sobre o צדיק e o רשע. Ambos são antitéticos. Ambos são sobre perspectivas para o futuro. Ambos antecipam um resultado positivo para os justos. Ambos antecipam um resultado negativo para os ímpios. Ambos consistem em três palavras por hemistich.292 Ambos têm um padrão rítmico de 3+3. Diferenças: O lugar de (תוחלתexpectativa) em 10:28 é ocupado pela palavra mais aguda תאוה (desejo) em 11:23.293 Onde 11:23 tem a frase abrangente (אך־טובexclusivamente o que é bom) , 10:28 tem (שמחהalegria). Em 10:28 há uma sentença nominal e uma verbal, mas 11:23 tem duas sentenças nominais. O lugar do verbo (אבד perecer) em 10:28 é ocupado pelo substantivo עברה (ira) em 11:23.294 Nosso presente provérbio começa com uma declaração polivalente. A sentença nominal pode significar que o desejo do justo em si é apenas bom. Ao contrário da pessoa má, que deseja o mal e o planeja continuamente,295 a pessoa justa deseja que apenas coisas positivas aconteçam, o que é um bom desejo de se ter. Também pode ser entendido como significando que a pessoa justa deseja praticar ativamente apenas o bem (então Waltke; também Pseudo-Ibn Ezra, que fornece o infinitivo לעשותantes [ טובe também antes )]עברה. Em terceiro lugar, pode significar que ele deseja um bom resultado desejando aos outros o que é bom para que assim contribua para o benefício da sociedade. Tuinstra acha que os desejos dos justos levarão a um bom fim, o que é possível, mas improvável à luz do verbo implícito “ser” na frase nominal. Da mesma forma, ele conta a combinação maqqeph אך־טוב como um. Este ponto e vários dos seguintes são observados por Waltke. 294 Essa diversidade é o ponto focal da questão crítica do texto mencionada acima. A Septuaginta traduz a palavra por ἀπολεῖται como se fosse a terceira pessoa do singular feminino Qal perfeito ou o singular feminino Qal particípio de (עברpassar), ou do verbo (אבדperish), que poderia ser atribuído à influência de 11:7, onde אבד ocorre tanto no imperfeito quanto no perfeito. No entanto, o verbo עבר nunca é traduzido por ἀπόλλυμι (BHQ, EE). אבד ocorre em um manuscrito hebraico medieval, que pode estar sob a influência de 10:28 e 11:7. Mesmo que tal influência seja assumida, as várias intensificações ainda favoreceriam a retenção do texto massorético. O mesmo poderia ser dito sobre a proposta de Driver de ler ָע ְב ָרה sob influência siríaca como um verbo que significa “passar” (Driver [1940, 174]). 295 So Lyu (2012, 65) e Stewart (2016, 138-140); ambos citam Fox (1994, 241), que enfatiza que o ímpio não apenas pratica o mal, mas também “se deleita” nele. Cf. 4:16; 6:14a; 21:10, 15; Sl 36:2-5; Miq 2:1-2; a mesma lógica se aplica ao tolo, cf. 15:21. 292 293
284
Tradução e Exegese do Capítulo 11
é possível que ele deseje uma boa recompensa para si mesmo. Todos os cinco são possíveis, mas neste versículo a adição de (אך apenas, exclusivamente) torna o último menos provável porque não faz sentido ter que excluir a possibilidade de que uma pessoa às vezes deseja conscientemente o que é ruim para si mesma (embora isso pode acontecer sem que ele perceba [cf. no v. 17 acima]). Isso não quer dizer que o “modelo do desejo” nem sempre funcione como uma “fonte interna de motivação”,296 pois o justo também pode ser motivado pela alegria do próprio empreendimento sapiencial (cf. 10,3; 12,20). ; 15:23; Sl 119:14, 16, 24, 77 e passim) e um mau caráter pode experimentar alegria em seu oposto (cf. 15:21). Tal como está, o segundo hemisfério diz que a esperança dos ímpios “é” a ira. Isso obviamente não significa que uma pessoa perversa nutra uma esperança masoquista de receber a ira. Portanto, deve ser irônico em vez de jocoso, como Fox o chama, uma vez que o jocoso sugere frivolidade e falta de intenção séria. A alternativa irônica é muito séria. Se o melhor que ele pode esperar é a ira, então um רשע é realmente sem esperança, portanto sua é “esperança” entre aspas. Significaria o mesmo que 10:28b, mas com a nitidez adicional da ironia. Pode-se argumentar que o tradutor da Septuaginta leu אבדה, 297, mas também pode ser - ou até mais provável - que ele simplesmente não entendeu a ironia e ficou perturbado com o problema assumido de que ninguém esperaria ser o objeto da ira, seja divina ou humana. Se agora considerarmos o paralelismo e o compararmos com o que encontramos acima em 10:28, a retenção do texto massorético será suportada. 11:23 o desejo do justo é fazer o bem [não experimentará a ira]
→ ←
11:23b “esperança” dos ímpios [que não fazem o bem] se manifestará como ira
Longe de exigir um texto reparado, fornecendo um paralelo “melhor” para o primeiro hemistich, o substantivo no final é muito sensato e revela um paralelismo mais rico do que o que um texto corrigido lendo “perece” ou “falece” ofereceria. Neste provérbio, o primeiro hemistich contribui para o segundo, revelando que o oposto de um buscador de אך־טוב é um não-bom que tem apenas a ira pela frente, apesar de qualquer esperança que possa ter em vão. Isso pode ser imposto a ele por seus companheiros humanos injustiçados ou por Deus. E o segundo hemisfério contribui retrospectivamente para o primeiro, sugerindo que os justos não precisam temer nenhuma ira. 296 Stewart (2016, 137). Ela analisa o poder de motivação exercido por desejos de todos os tipos e descreve detalhadamente como isso funciona para induzir ações positivas e negativas, bem como várias tipologias de desejo (2016, 130-169). 297 Cfr. acima sobre a questão crítica do texto.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
285
Embora 10:28 tenha um verbo simples no final e sem ironia, funciona exatamente com a mesma estrutura paralelística: 10:28a expectativa do justo é alegria [não perecerá]
→ ←
10:28b a esperança dos ímpios [a alegria esperada permanece inatingível] perecerá
O primeiro hemisfério contribui com a sugestão para o segundo de que os ímpios esperam infrutiferamente alcançar o mesmo que os justos certamente alcançarão. O segundo hemisfério contribui com a ideia para o primeiro de que a alegria da expectativa dos justos é permanente.298 Assim, a ira em 11:23b é de fato mais intensa do que a ideia geral de perecer mencionada por sua contraparte em 10:28b. Da mesma forma, a expectativa de um resultado positivo no futuro (10:28a) é intensificada pelo forte desejo de um estilo de vida sapiencial (11:23a), enquanto a alegria de esperar (10:28a) é intensificada pela ideia de sendo ocupado exclusivamente pelos bons (11:23a). Parece-me que esta conclusão apóia a tese de Lyu sobre a retidão como uma virtude que é praticada. :23), veja o comentário em 10:28 acima e a referência dada ali. De acordo com Yonah Gerondi, אך mostra que uma pessoa só é justa quando essa pessoa eliminou todos os desejos, exceto o desejo de fazer o bem. Isso não implica um veredicto negativo sobre riqueza ou poder, mas apenas sobre o desejo de obter tais coisas (o que equivale ao oposto do poder motivacional do desejo identificado por Stewart no próprio Livro dos Provérbios, cf. acima). Assim, essa opinião é compatível com a ideia de que coisas como poder e riqueza podem ser usadas para fazer o bem sem que elas mesmas sejam objetos de desejo. A mesma visão é defendida por Pseudo-Ibn Ezra, Radaq e o Mezudat David, que interpretam o segundo hemistich como significando que os ímpios querem praticar a ira. Eles esperam se tornar alvos da ira, não seus objetos. Por outro lado, Rashi dá uma explicação bastante literal: a esperança perversa da ira no sentido da ira sofrida no Gehinnom. Isso parece enfatizar a qualidade irônica do provérbio – os ímpios não esperam literalmente acabar no Gehinnom, mas as esperanças prejudiciais que eles têm os farão experimentar a ira divina do Gehinnom. O Vilna Gaon dá uma guinada explícita à mesma ideia, explicando תקוה como uma esperança de realização imediata, que enfrentará a ira de Deus, pois eles não alcançarão o que desejam. Ginsburg300 comenta sobre a proeminente atenção rabínica a אך no provérbio, referindo-se a Qohelet Rabbah 1:34 (sobre os muitos desejos não realizados na morte). Ele afirma que o advérbio mostra implicitamente que o justo exclui tudo, exceto as necessidades mais básicas, 298
Veja a discussão acima em 10:28. Lyu (2012, passim) ilustra isso em termos do conceito de desejo (2012, 62) e em termos de seu oposto irônico de “virtude mal direcionada” (2012, 64). 300 Ginsburg ([1998] 2009, 209). 299
286
Tradução e Exegese do Capítulo 11
enquanto os ímpios nunca se cansam. Assim se multiplicam seus desejos e, portanto, também os insatisfeitos. Isso necessariamente causa raiva em si e perda de qualidade de vida. Com base no primeiro hemistich, João Crisóstomo afirma que o desejo em si não é mau, pois o desejo do justo de fazer o bem não pode ser mau. Ele não considera que luz é lançada sobre sua interpretação pelo Décimo Mandamento sobre cobiçar/desejar (Êx 20:17)301, seja como uma dificuldade ou como um apoio. Seria de se esperar tal reflexão à luz da convicção de Crisóstomo de que a proibição do desejo pela propriedade alheia faz parte da lei natural inata,302 que ele poderia ter usado para fundamentar sua declaração sobre o provérbio. O que é mau, segundo ele, é o desejo do mal. As esperanças dos ímpios, por outro lado, não dão em nada (seguindo a Septuaginta lendo ἀπολεῖται para) עברה. Philipp Melanchthon (1550) simplesmente deixa o verso sem comentários, como também fez com 10:28.303
11:24 Há quem espalhe e se multiplique mais, e quem se abstenha do que é justo para sua perda. Este provérbio não é apenas ambíguo, mas profundamente polivalente, tanto em si mesmo quanto em relação ao seu contexto. O padrão rítmico é 4+3 (portanto, Gemser) em vez de ternário (como sugerido por Toy), o que também atesta o fato de não haver maqqeph na primeira metade para unificar dois acentos. אך com maqqeph no segundo hemistich também ocorre no verso anterior e pode, portanto, ser aduzido como suporte para a opinião de Riyqam de que os dois provérbios estão conectados (cf. também Scherer304 e Waltke). Os particípios em ambas as metades do verso são carregados pelo único (ישexistência), que normalmente é traduzido por “há”. Isso sugere a existência real de situações reais como as aqui descritas, mas também que sua ocorrência é generalizada e não limitada a um caso específico. Do ponto de vista textual, a transmissão do Texto Massorético não mostra nenhuma incerteza, mas as versões antigas parecem ter ficado confusas com a possibilidade de que o versículo possa ser interpretado tanto como uma manifestação do nexo ato-consequência quanto como uma contradição dele. Várias formas são encontradas para contornar o que eles percebem como um problema. A Septuaginta relega o ditado à esfera da agricultura,305 tornando assim 301 Em Êx 20:17 a Septuaginta usa a mesma raiz para o verbo (ἐπιθυμεῖν, hebraico)חמד como para o substantivo no provérbio (ἐπιθυμία, hebraico) תאוה. 302 Ad Pop Ant Hom 12,9 (NPNF I,9, 421-422). Para Crisóstomo, Deus “implantou na natureza” (φυσικὸν ἐγκατέθηκε) as leis da consciência encontradas em vários mandamentos do Decálogo. Embora ele não mencione explicitamente o último mandamento, ele considera o mandamento do sábado uma exceção. 303 Cfr. Loader (2017) sobre essa peculiaridade como uma característica de todo o comentário dos Provérbios de Melanchthon. 304 Scherer (1999, 85). 305 Os particípios σπείροντες (aqueles que semeiam) e συνάγοντες (aqueles que colhem), ambas as vezes precedidas por εἰσὶν para o real (v. 24a) e elidido (v. 24b) יש.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
287
seu impacto direto: quanto mais você semeia seu próprio grão (τὰ ἴδια σπείροντες), mais você colherá, mas se você apenas quiser colher, não haverá nada (20:4; cf. 19:15). A Peshitta segue a Septuaginta na primeira metade, mas constrói o segundo hemistich em torno do ponto focal da propriedade: há quem apanhe o que não é seu (ÍáÙx ĀÙs{ ÿçÃã ¿ćàxx), mas acha que vale pouco.306 O Targum moraliza o v. 24b: “[A]quele que se refreia da justiça” ()חשיל מן תריצותא, é aquele que no final experimentará deficiência. O mesmo acontece com a Vulgata, ao fazer a primeira meia linha dizer que algumas pessoas que dividem suas propriedades (presumivelmente para caridade) ficam mais ricas, enquanto aquelas que se apropriam dos bens de outros sempre se encontram em necessidade.
Mas nem o moralismo nem a desambiguação de tais “soluções” são necessários. O provérbio pode ser lido de várias maneiras. Não é necessariamente um ditado sobre espalhar sementes, isto é, semear, como é interpretado pela Septuaginta e outros (cf. Van Leeuwen, Murphy). O verbo פזרPiel pode ser usado com vários tipos de objetos, como humanos (Joel 4:2; Sl 89:11), ossos (Sl 53:6) e geada (Sl 147:16), ou pode ser usado sem objeto no sentido de prover generosamente (Sl 112:9, paralelo com [נתןgive]). Não é normalmente aplicado ao processo agrícola de espalhar as sementes, mas o significado genérico pode ser entendido nesse sentido, particularmente quando lido no contexto do v. 26. No segundo hemistich, outro problema interpretativo é criado pela frase (מישרdo que é certo).307 A frase pode ser entendida como o comparativo מןcom (ישרmais do que o que é certo). Isso implicaria então que alguém pode deixar de dar aos necessitados o que é necessário para seus próprios interesses, mas não mais do que isso.308 Mas também pode significar “mais do que o necessário”, isto é, “mais do que a medida normal”, cf. . Jó 33:23 (então Oesterley, Ringgren, Plöger, Meinhold, Tuinstra). Nesse caso, a ideia seria que, mesmo que alguém economizasse muito, ainda assim poderia haver perdas ou danos. O provérbio hebraico pode assim ser entendido como significando: (a) Quem espalha sementes ou investe em negócios descobre que o ganho é maior do que o investimento feito, e quem cautelosamente retém despesas agrícolas ou comerciais necessárias, tem um resultado deficiente. (b) Quem dá generosamente encontra lucro aumentado, e quem retém parte da caridade correta descobre que isso leva à sua própria deficiência (cf. 28:27). 306 Colher onde não se plantou parece ter sido um fenômeno não desconhecido no antigo Oriente Próximo, cf. Mateus 25:24, 26; Lucas 19:21s.; João 4:38; Lev. 26:16; Jó 31:8. Em Mateus 25:24 e Lucas 19:22, os mesmos verbos para “semear” e “coletar” são usados como na Septuaginta de Provérbios 11:24 (σπείρειν e συνάγειν), bem como sinônimos θερίζειν (colher; também João 4: 38) e διασκορπίζειν (dispersão). 307 Fox entende מישר como “por honestidade”. Embora o substantivo possa de fato significar “honestidade” (cf. 14:2; 1 Reis 9:4), não está claro por que, neste provérbio, a honestidade deveria ser o motivo para salvar, especialmente quando o primeiro hemistich é sobre abertura. lateralidade (Clifford). 308 Parece-me que a rejeição de Waltke do comparativo “( מן mais do que”) em favor de seu uso ablativo (“de”) ainda produz o mesmo sentido: não se deve reter a quantidade ou o volume certo exigido pelo carente.
288
Tradução e Exegese do Capítulo 11
(c) Quem espalha bens ainda pode acabar com mais do que tinha, e quem ainda economiza mais do que o normal ainda pode acabar com prejuízo. A leitura de (a) seria uma observação do que ocorre na realidade econômica, expressa em termos agrícolas. Essa é a ordem natural das coisas e o resultado é esperado em ambos os casos de paralelismo. Assim entendido, o provérbio encoraja a ousadia econômica bem fundamentada e desencoraja a timidez econômica irresoluta. Isso não seria um verdadeiro paradoxo e no máximo conteria um elemento que parece um paradoxo (espalhar uma pequena semente para uma grande colheita). Ler (b) seria uma inculcação de generosidade e seria uma instância antitética direta do nexo ação-consequência. Quem é caridoso é recompensado e quem não é deve pagar com o próprio prejuízo. A leitura de (c) expressaria o verdadeiro paradoxo dos limites sapienciais: às vezes acontece ()יש309 que, ao contrário da expectativa, nenhuma perda ocorre quando as coisas estão espalhadas, enquanto também acontece que salvar com tanta cautela não proteger contra perdas. Todos os três são possíveis – o primeiro é um entendimento muito antigo do provérbio. Tanto quanto posso ver, a última leitura não desempenha um papel, pelo menos não um papel significativo,310 embora vários comentaristas falem do provérbio como um ditado paradoxal (por exemplo, McKane, Murphy, Clifford, Van Leeuwen, Waltke, Fox e outros), e Millar,311 discutindo o que ela chama de “uso múltiplo” do provérbio, mostra que essa leitura pode emitir um “grito indignado” contra a injustiça ou mesmo um “comentário cínico” sobre a realidade. Por fim, a leitura (c) diz o mesmo que o famoso Qoh 11:1 lido, como deveria ser, junto com o menos famoso versículo seguinte.312 Espalhar pão/bens sobre a água pode parecer arriscado,313 mas ainda pode ser encontrado novamente (impossibilidade imperfeita, GKC 107r). Por outro lado, se alguém tomar precauções de segurança dividindo o potencial de risco, como fez Jacó em Jaboque (Gn 32:7-8), mesmo sete ou oito vezes, ainda não poderá garantir a eliminação da perda e simplesmente não sabe 309
Cf. a notável semelhança com a formulação egípcia citada abaixo. McKane entende que “dispersar” significa “colocar dinheiro para trabalhar”, o que é apoiado pela interpretação de Qoh 11:1-2 que sugiro (veja abaixo), embora ele não se refira à passagem Qohelet. Da mesma forma, ele vê Pv 11:24b como uma referência ao acúmulo excessivo de dinheiro. McKane, no entanto, acha que a primeira metade do provérbio provavelmente deveria ser tomada como uma postura de filantropia. Mas veja Yoder, que se refere a Qoh 11:1-2 e cuidadosamente distingue entre uma leitura do provérbio como um dito sobre generosidade e um paradoxo. Ela parece pretender sua referência a Qoh 11:1-2 como suporte para a ideia de generosidade. Delitzsch não se refere à passagem Qohelet, embora em sua exposição desta última (1885), ele ofereça uma exposição semelhante. 311 Millar (2020, 154). 312 Ambos os versos estão conectados quiasticamente. Embora o v. 1a e 2a contêm imperativos e vv. 1b e 2b contêm cláusulas כי correspondentes, a correspondência cruzada temática é óbvia: risco → sucesso, nenhum risco → calamidade, enquanto seria de se esperar o contrário. 313 שלח no intensivo Piel, não Qal; cf. os riscos do comércio marítimo em Alexandria no século IV. 310
Tradução e Exegese do Capítulo 11
289
se a catástrofe pode anular todas as medidas de segurança.314 Portanto, pode-se concordar com Fox que o provérbio contém uma lição, viz. “como um aviso contra o excesso de confiança na própria indústria e acuidade.” Ele acrescenta exemplos do mesmo insight do Egito, por exemplo, do Papyrus Insinger: 315 Há alguém que vive com pouco para economizar, mas fica pobre. Há alguém que não sabe, mas o destino dá (a ele) riqueza. Não é o homem sábio que economiza que encontra um excedente. Nem é quem gasta que fica pobre.
E da Instrução de Ankhsheshonq:316 Há alguém que salva e não lucra. Todos estão nas mãos do destino e do deus.
No contexto do v. 26, as duas primeiras leituras são compreensíveis e válidas. Tomada isoladamente, a terceira leitura expressa os limites da sabedoria. Os sábios de fato aplicaram o que chamamos de nexo de ação e consequência como regra básica, mas também sabiam que isso não pode explicar tudo. É um princípio útil para a educação, mas tem seus limites (cf. 10:22; 16:33; 19:21; 20:24; 21:1). . I e este Volume.318 A interpretação rabínica geralmente tende para a opção (b), por exemplo Rashi, Nahmias (século XIV, Espanha), o Mezudat David, o Vilna Gaon e Malbim, que tomam esta opção em sentido literal (cf. o mesmo princípio no Talmude Babilônico, Kethuboth 67b). Mas muitas vezes também é entendido como disseminar a Torá em vez de dinheiro, por ex. Ralbag, que notou que um professor aumenta em conhecimento quanto mais ele ensina seus alunos (cf., no Talmud, Berachoth 63a, onde as idéias de disseminação e retenção aplicadas à Torá são atribuídas ao famoso Hillel [ver também Makkoth 10a para uma ideia semelhante]). A desvantagem do mesmo princípio é expressa pelo Midrash Mishle, notavelmente que um professor que nega às pessoas ao seu redor seu conhecimento da Torá descobrirá que seu próprio conhecimento é diminuído. Clemens Alexandrinus319 cita o ditado ao defender a partilha dos bens terrenos e tornar-se justo na eternidade. Esta citação é interessante porque 314
Carregador (1979, 67). Pap Insinger VII, 13-16 (AEL III, 191). 316 Instr Ankhsheshonq XXVI, 7-8; AEL III, 179. Lichtenberger (AEL III, 184) também chama este caso (e uma série de ditos semelhantes) de “série de paradoxos” e os compara a paradoxos semelhantes no Papyrus Insinger, todos os quais datam do período helenístico. 317 Ver Loader (2013, 365-383) sobre a adesão sapiencial a um princípio ordenado, apesar do conhecimento de sua incapacidade de explicar paradoxos, e o valor pedagógico de manter a regra e sua restrição (2013, 377-378). Sobre a polivalência dos provérbios em geral e a impossibilidade de atribuir valor absoluto aos ditos categóricos, cf. von Rad (1970, 170) O valor didático de manter o nexo como regra também é enfatizado por Freuling (2004, 107), seguido por Fox. 318 vol. I, 39-46; também a Introdução ao vol. II, § 2.3.7, e § 6 sobre a relevância dos Provérbios. 319 Strom III, 6 (ANF II, 391). 315
290
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Clemens o liga explicitamente ao Salmo 112:9, onde o mesmo verbo hebraico é usado para “espalhar”/“dar” como no provérbio (veja acima). Em seu Tratado sobre esmolas, Cipriano320 cita brevemente o provérbio em uma crítica teológica àqueles que não praticam boas obras (sc. caridade) e assim escolhem preservar a riqueza em vez de servir a Cristo. Crisóstomo reconhece que a forma grega do provérbio sugere a irregularidade do nexo ação-consequência e então fornece uma justificativa para isso. Segundo ele, isso acontece para evitar que as pessoas pratiquem a virtude apenas com o objetivo de enriquecer, de modo que o façam por opção. Com isso ele busca possibilitar a convivência com as discrepâncias na doutrina sem ter que abrir mão dela. Evagrius Ponticus lê a antítese grega do provérbio de semear (σπείροντες) e colher (συνάγοντες) como um contraste entre aqueles que semeiam no Espírito e aqueles que colhem na carne. Os primeiros ceifam a vida, os segundos, a corrupção (cf. Gl 6,8).321 Filipe Melanchthon dá ao provérbio uma típica reviravolta protestante. Ele parafraseia todo o provérbio com uma frase, danti dabitur (ao doador será dado), o que também implica o aspecto negativo presente no segundo hemistich. Mas depois afirma que se trata de uma doutrina sobre os bens mundanos que “confirma a fé” (fides confirmanda). No estilo típico da Reforma, Melanchthon exclui qualquer interpretação que envolva a ideia de retribuição por boas obras. Os seres humanos não recebem coisas boas como recompensa por suas ações, mas apenas pela graça de Deus com base na fé – e tudo o que é recebido, nada mais é do que uma confirmação da fé (sola fides).
11:25 O que abençoa será engordado, e o que reanima certamente322 será reanimado. O verso tem um ritmo de 3+3. Desviando-se da tendência em Pv 10-15, o paralelismo não é antitético.323 Toy o chama de “sinônimo”, assim como Fuhs, embora ele qualifique afirmando que a segunda metade concretiza a primeira. Em vez disso, o paralelismo nos dois hemistíquios é complementar na medida em que as duas sentenças verbais compartilham metáforas da esfera agrícola (“engordar” e “dar água”) e porque o “abençoar” geral da primeira metade é especificado como “refrescar” em o segundo. O genitivo “( נפש־ברכהpessoa/alma da bênção”) é um genitivo objetivo, indicando que o genitivo ( )ברכהé o objeto transmitido pelo sujeito lógico ()נפש, de modo que a pessoa em questão dispensa bênção.324 Quem concede 320
Tratado VIII, 17 (ANF V, 481). Gohl (2017, 45). 322 Sobre a partícula enfatizada גם, veja Labuschagne (1966, 193-203). 323 Em Prov 11, há mais quatro exceções, viz. vv. 7, 22, 29, 30, então Heim (2013, 281). No entanto, é possível interpretar a Vulgata qui inebriat negativamente, uma vez que inebriare significa “embriagar-se” e figurativamente “satisfazer-se com a umidade”. Nesse caso, o v. 25b significaria “aquele que se embriaga ficará embriagado”; isso pode ser o que Leo I († 461) significa (cf. Reg Past XXV [NPNF II, 12, 53]). 324 Wildeboer: “eine Seele, die Segen verbreitet;” Waltke não nega isso, mas opta por chamá-lo de genitivo “do objeto mediado para significar dispensar a bênção divina aos outros” (cf. IBHS 9.5.2d), enfatizando assim a dimensão religiosa de receber e depois dispensar a bênção de Deus , embora Javé não seja mencionado. 321
Tradução e Exegese do Capítulo 11
291
bênção para os outros, será “engordado”. A metáfora da gordura conota bem-estar (cf. 13:4; 15:30; 28:25; Dt 31:20; Sl 23:5b325) e é uma especificação da bênção (geral) dispensada a outras pessoas. Scherer326 distingue entre ברכה neste versículo e ברכה no v. 26. Segundo ele, a palavra no v. 25 carrega apenas a noção de magnanimidade humana, enquanto seu paralelismo com “maldição” no v. elemento de magia religiosa (ver abaixo no v. 26). O segundo hemistich apresenta uma questão de texto crítico. A última palavra יוראé traduzida de forma diferente pelas versões antigas.327 Na Septuaginta, apenas as duas primeiras palavras gregas do versículo estão próximas das duas primeiras palavras do Texto Massorético. O siríaco derivou os verbos do segundo hemistich do hebraico (אררmaldição)328 e o Targum da raiz ירהII (regar, encharcar, molhar). Toy propõe “talvez” emendar para um Hophal de רוה, mas na verdade deixa o texto inalterado e assume um desenvolvimento interno das vogais.329 Fox emenda a última palavra para ירוא = ירוה, raiz ( ), um resultado final mais ou menos equivalente ao alcançado por Meinhold, Tuinstra, Waltke e outros, deixando o texto inalterado e derivando a forma de ירה II Hophal (Plöger, Meinhold, Tuinstra, também Schipper que prefere a vogal ū para o pré-formativo) ou Hiphil interno (Waltke). Na minha opinião, o texto não deve ser alterado, mas sim interpretado de acordo com as linhas propostas por Ben Zvi.
Discutindo metáforas de água relevantes para sua representação de sabedoria e aprendizado em termos de água (cf. 10:11; 13:14; 14:27), Ben Zvi330 aponta para “o duplo significado da raiz ' ירהágua (como um verbo )'/'ensinar'” e cita o v. 25b como exemplo, “que claramente evoca uma imagem de 'regar' ou 'chover' enquanto ao mesmo tempo transmite um sentido de ensino.” Sua interpretação do provérbio é que ele “pede à comunidade que conceitue o ensino como 'água', e o professor tanto como recipiente quanto distribuidor de 'água', isto é, sabedoria”. dois hemistichs de Sl 23:5b contêm as raízes que expressam as metáforas em uma emenda proposta para Prov 11:25 (isto é, יוראemendado para ירוהou explicado com o desenvolvimento vocálico de Toy [veja abaixo]): “Você faz minha cabeça gordura [דשנתPiel, ungir] com óleo, meu copo está transbordando [”]רויה. 326 Scherer (1999, 86). 327 Aqui a Septuaginta tem um provérbio diferente (ψυχὴ εὐλογουμένη πᾶσα ἁπλῆ, ἀνὴρ δὲ θυμώδης οὐκ εὐσχήμων [Toda alma abençoada é sincera, mas um homem de cabeça quente não é gracioso]). A Peshitta tem um segundo hemistich diferente (ÕàĀæ u{ ¿ÔÚà{ [e quem amaldiçoar será amaldiçoado também]); o Targum também difere na segunda metade ([ ומן דמ]א[לף אף הוא יליףe aquele que ensina aprenderá ele mesmo]). 328 As propostas em BHS tanto para מרוה quanto para יורא aceitam esta linha para uma possível reconstrução do texto, enquanto BHQ explica a primeira como uma derivação de ארר e a segunda como uma instância de metátese. 329 Ele argumenta: o Hophal poderia ter se desenvolvido de י ֶֹרה > יָ ֶרה > יָ ֶרו > יָ ְרוֶ ה. Então a grafia com א deve ser considerada como uma variante da grafia com ( הsome, por exemplo, BHS e Hausmann [1995, 232] preferem ler com ה em vez de com )א. Isso parece inspirado na proposta de metátese de Delitzsch e Wildeboer ()י ֶֹר א > יָ וְ ֶרה > יָ ְר וֶ ה. 330 Ben Zvi (2014, 19-20). 331 Para um paralelo um pouco mais distante, cf. Atos 3:6-8; cf. também o mesmo princípio e o motivo do transbordamento em Lucas 6:38 (Oesterley).
292
Tradução e Exegese do Capítulo 11
Não precisamos escolher entre os motivos de dar para beber e ensinar, pois as duas raízes (ירהdá para beber e ensinar) se adequam admiravelmente à metáfora da água como sabedoria. Mais uma vez, a polivalência de um provérbio se manifesta em um ditado conciso. O apontamento massorético, bem como o motivo nos outros provérbios citados acima, se encaixam muito bem. Isso fornece um corolário para a ideia de receber e distribuir bênção, conforme proposto por Waltke para o primeiro hemistich. Também está relacionado com a visão targúmica e rabínica de que ensinar Torá traz aprendizado não apenas para os alunos, mas também para o próprio professor332 (veja a discussão da interpretação judaica do v. 24, referindo-se ao uso da ideia por Ralbag e o Talmude). Aquele que dá de beber (a sabedoria da Torá) tem sua sede de aprender saciada (ver Riyqam). Desta forma, as declarações complementares de ambos os meios-versos confirmam e fortalecem uma à outra. Este ditado é um exemplo tão claro do clichê danti dabitur (ao doador será dado) quanto, de acordo com Philipp Melanchthon, o provérbio anterior. Isso explica em parte como Melanchthon poderia pular o comentário no v. 25 e apenas retomar seu comentário no v. 26. Mas os comentaristas cristãos anteriores prestaram atenção ao provérbio. Em uma exposição do Sl 67, Agostinho333 cita o primeiro hemistich segundo a tradição da Septuaginta (“Toda alma abençoada é sincera/simples”). Ele o usa para reforçar sua visão de que os piedosos atribuem bênçãos a Deus sem se apegar às coisas terrenas (o que parece ecoar o hebraico).334 O provérbio aparece em várias homilias de Crisóstomo.335 Em uma homilia sobre Atos 2:37, cita a versão grega do provérbio (juntamente com Pv 10:9) para argumentar que a simplicidade entendida como retidão inclui a prudência. Na homilia sobre Atos 13:16-17, ele cita o segundo hemistich da Septuaginta (ἀνὴρ δὲ θυμώδης οὐκ εὐσχήμων) para defender a paixão. Finalmente, em sua homilia sobre João 7:1-2, ele menciona o mesmo verso como um dos “encantos calmantes extraídos da Sagrada Escritura” para usar contra a tentação de responder à agressão com agressão, interpretando aqui θυμώδη como “ira”. Na mesma linha, o contemporâneo mais jovem de Crisóstomo, João Cassiano, usou essa formulação para apoiar sua censura ao “pecado da raiva”.336 A interpretação judaica tradicional é mais direta. Rashi interpreta o (נפש־ברכהuma pessoa de bênção) como alguém que sempre abençoa financeiramente e, portanto, é uma pessoa generosa. O Mezudat David segue esse exemplo e promete aos financeiramente generosos uma recompensa de riqueza para si mesmos. O segundo hemistich é explicado por Rashi como a provisão de alimento suficiente para os pobres (Nahmias ainda mais concretamente: os famintos) e, portanto, ser alimentado. No Targum 332
Cf. o comentário sobre 1:5 (Vol. I). Exp Ps lxvii, 3 (NPNF I,8, 281). 334 Cfr. também o Const Apost IV, xxxv, onde o sujeito e o predicado do v. 25a são trocados: “toda alma generosa é abençoada” (ANF VII, 413). Em seu comentário, Crisóstomo nega explicitamente isso. Segundo ele, o provérbio não diz: “Uma alma simples é abençoada”, mas “uma alma abençoada é simples”, significando que ele é abençoado por ser de substância única sem maldade. 335 Hom VII in Act Apost, 3 (NPNF I,11, 48); Hom XXIX na Lei Apost (NPNF I,11, 186); Hom XLVIII em Ev Joh, 3 (NPNF I,14, 173). 336 Inst Coen VIII,1 (NPNF II,11, 257). 333
Tradução e Exegese do Capítulo 11
293
interpretação (fornecendo e recebendo aprendizado), veja acima sobre a dimensão textual crítica do provérbio. O Vilna Gaon dá uma exposição muito literal: Quem constantemente serve à felicidade dos outros, abençoando-os, faz com que comam bem. Como recompensa, sua comida será abençoada com boa digestão para acompanhar a riqueza. Talvez se possa encontrar uma percepção do impacto mútuo dos hemistichs paralelos em uma aplicação semelhante da ideia feita no Talmud (Baba Batra 9b): irrigação de terras agrícolas (dar para beber, segundo hemistich) produz lucro; da mesma forma, os generosos são abençoados (primeiro hemistich) e podem continuar o bom trabalho.
11:26 Ao que retém o grão, o povo o amaldiçoa, mas a bênção é para a cabeça do que vende o grão. O provérbio é um provérbio direto antitético ritmicamente expresso em um Siebener sapiencial característico (4+3 acentos) e organizado em um quiasma de conceitos: retenção de grãos ()מנע בר
::
curse ()יקבהו
blessing ()ברכה
::
selling grain ()משביר
O padrão x é alcançado por meio de um casus pendens337 no primeiro hemistich, o que permite que o objeto seja colocado na primeira posição (pendens, “suspenso”) e depois seja retomado pelo sufixo pronominal masculino singular da terceira pessoa no verbo ()יקבהו. Ao mesmo tempo, as extremidades externas desse quiasma correspondem transversalmente aos sinônimos no v. 24, de modo que o vv. 24-26 são integrados em uma unidade mais compacta nos vv. 23-27 (veja a discussão acima, antes da exegese do v. 23). Isso é preenchido pelo que Scherer chama de “thematische Verflochtenheit”, isto é, conceitos entrelaçados intimamente relacionados entre si. Em sua descrição, “v. 24a recebe uma explicação mais detalhada nos v. 25ab e v. 26b. Da mesma forma, o v. 26a apresenta uma explicação em desenvolvimento do v. 24b”. . Ele provavelmente se refere à combinação dessas consoantes em palavras únicas, uma vez que o som r também ocorre em ראש (v. 26b), enquanto o som b também ocorre em (יקבהוv. 26a). Os sons b e/ou r ocorrem em cada palavra do v. 26b, e, 337 Veja GKC 143b; IBHS 4.7b. Mesmo que Niccacci (1990, 148) possa estar tecnicamente correto com sua afirmação lingüística de que o casus pendens “não ocupa realmente a primeira posição da cláusula, mas é colocado fora dela... e a referência a ele é geralmente feita por um anafórico ou pronome resumtivo”, o uso estilístico da construção na primeira posição do ponto serve claramente para a formação de uma figura quiasmática de estilo. 338 Scherer (1999, 85). Essas conexões, ou aspectos delas, também são mencionadas por diversos outros comentadores, como Plöger, Meinhold, Van Leeuwen, Waltke, Lucas, Schipper e outros.
294
Tradução e Exegese do Capítulo 11
com o total de quatro vezes para cada um dos dois sons no provérbio como um todo, contribuem para um efeito de coerência. Reter grãos obviamente significa acumulá-los sem vendê-los, o que é exigido pelo particípio antitético Hiphil de )משביר( שברno segundo hemistich. Este verbo é provavelmente um denominativo do substantivo II ( ֶש ֶברgrão); 339 o Qal significa “comprar” (cf. Gn 41:57; 42:2, 3, 5; 47:14) e o Hiphil “oferecer à venda”, geralmente comida (cf. Gn 42:6; Dt 2 :28; Am 8:5s.). Em nosso provérbio, o uso da palavra é absoluto, mas o paralelismo com o primeiro hemistich deixa claro que a mercadoria é grão. O uso frequente da raiz na história de José dá mais plausibilidade à declaração de Fox com base em Gen 42:6 de que Joseph era um משביר. Gn 41:57) Por outro lado, aquele que retém a oferta manipula a demanda e faz subir o preço, o que equivale ao oposto do conselho dado em 3:27 (cf. Jó 22:7). é perfeitamente compreensível que a nação ()לאום, viz. opinião pública,341 iria amaldiçoá-lo, cf. (כל־עם הארץtodo o povo da terra) que teve que comprar de José (Gn 42:6). É igualmente compreensível que as pessoas (comuns) (העם342) fossem coletivamente gratas pela salvação de suas vidas por meio das políticas agrícolas de José (Gn 47:25). Embora as passagens relevantes na narrativa de José não forneçam réplicas dos cenários retratados no provérbio, elas iluminam ambos. Scherer343 aceita a visão de Whybray de que a bênção no v. 25 se relaciona com a gratidão normal pela benevolência humana, mas pensa que tanto a bênção quanto a maldição no v. 26 contêm um elemento de magia religiosa, já que maldição e bênção são instrumentos dos impotentes. Isso é concebível, mas não baseado em evidências textuais. De acordo com Van Leeuwen, a maldição e a bênção são essencialmente orações a Deus, que 339 Delitzsch deriva II שברde I (שברquebrar), uma vez que o grão é esmagado, o que é pensável, mas não demonstrável. O substantivo freqüentemente ocorre na história de José (Gn 42:1, 2, 19, 26; 43:2; 44:2; 47:14), assim como o verbo nas conjugações Qal e Hiphil (ver referências em o texto principal). 340 Deve-se acrescentar, porém, que José não apenas vendeu grãos, mas também os acumulou e os vendeu com enormes lucros à medida que a crise piorava (Gn 41:48s.; 47:13-26). Uma vez que Tuinstra se refere ao último texto junto com Am 8:4-8, ele também parece ter notado o elemento de especulação na política de Joseph. 341 Cfr. 24:24 para o motivo da maldição coletiva sobre aqueles que praticam a injustiça. Schultens traduz universa natio (toda a nação) e, com referência a Orígenes, sugere que a nuance é a de uma conglutinatio (um pacto entre indivíduos), para reagir “todos de uma só mente e com uma só voz” (una omnium mente ac voce ). Isso estabelece o equilíbrio entre Fox, que diz que לאום se refere apenas a uma nação como um todo, e Delitzsch, que diz que esse é o caso nos profetas, mas não aqui ou em 24:24. 342 Pseudo-Ibn Ezra explica o menos conhecido לאום do Texto Massorético pelo substantivo mais conhecido עם. 343 Scherer (1999, 86).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
295
é apoiado por contextos mais explícitos como 2 Sam 16:10-11 (maldição) e Rute 2:20; 3:10 (bênção) e Dt 28 (ambos). Em qualquer caso, o envolvimento explícito de Javé no tópico relacionado de 11:1 mostra que a sabedoria não carece de uma base religiosa para sua preocupação sócio-econômica. Tuinstra e Schipper citam o Babilônico Shamash Hymn, onde a maldição do povo recai sobre os vendedores de grãos que praticam a injustiça, embora a manipulação especulativa de suprimentos não esteja em questão neste caso:344 O comerciante que pratica trapaça enquanto segura a medida de milho, Quem pesa o milho pelo padrão mínimo, mas exige uma grande quantidade em reembolso, A maldição do povo o alcançará antes de seu tempo ... Para Rashi, o Midrash Mishle e Ralbag, o grão mencionado no provérbio representa a Torá. A maldição, portanto, está sobre a cabeça daquele que retém (= não ensina) a Torá para aqueles que precisam de seu alimento e a bênção é para aquele que fornece a Torá. Por outro lado, Ramaq, Pseudo-Ibn Ezra e o Mezudat David interpretam literalmente a retenção e venda de grãos. Ramaq promete aos comerciantes que resistem à tentação de explorar os outros em tempos de escassez uma recompensa no Mundo Vindouro. O Mezudat deixa claro que é inaceitável esperar um aumento nos preços antes de vender, mas também é um expoente da interpretação simbólica, viz. dando sabedoria a quem precisa. Cipriano (c. 300)345 cita o provérbio como um de uma série para mostrar que desejar posses é errado. As Constituições dos Apóstolos, referindo-se ao v. 26 antes do v. 25.346, ignoram a primeira metade e transformam a segunda em bênção para aquele que dá ofertas aos sacerdotes e faz o bem aos pobres. Atanásio347 faz o oposto, citando a primeira metade para mostrar que uma pessoa que negligencia e esconde a graça é expulsa como uma pessoa ingrata. Gregório de Nazianzo (329-389)348 usa o provérbio no sentido literal para ilustrar como aqueles que controlam os bens em uma cidade do interior usam as dificuldades dos outros para seu próprio lucro. Ambrósio (339-397) tem toda uma seção sobre lucros e venda de grãos349 e logo no início apela ao primeiro hemistich como suporte para sua afirmação de que “obter um aumento no preço não é um sinal de simplicidade, mas de astúcia”. Crisóstomo também interpreta literalmente e apóia a legitimidade de pessoas amaldiçoando outras apelando para o fato de que o apóstolo Paulo também usou uma maldição (Gl 5:12). Vários séculos antes de Rashi (1040-1105) e Ralbag (1288-1344), Leão I († 461)350 já usava o provérbio de maneira simbólica semelhante, viz. argumentar que aqueles que se abstêm de pregar por modéstia excessiva, retêm o alimento espiritual que pode salvar a vida de outras pessoas. Mas Melanchthon, novamente, volta-se para o significado literal como uma liminar para a venda justa de grãos aos necessitados em tempos de fome. 344 O Hino a Šamaš, ll. 112-114; Lambert ([1960] 1975, 133); as linhas são omitidas no ANET. Schipper também se refere à presença do motivo no Codex Hammurapi §§7075). 345 Adv Iud III, 61 (ANF V, 550). 346 Const Apost IV, xxxiv (ANF 7, 413). 347 Páscoa Carta III, 2 para AD 331 (NPNF II,4, 513); cf. abaixo em 12:11-12. 348 Oratio XLIII (NPNF II,7, 407). 349 De Off Min III, vi (NPNF II,10, 73). 350 Reg Past XXV, Admonitio 26 (NPNF II,12, 53).
296
Tradução e Exegese do Capítulo 11
11:27 Quem segue o que é bom [na verdade] busca favor, mas quem vai atrás do mal - sobre ele virá. Como o verso anterior, este contém um paralelismo antitético direto que consiste em 4+3 acentos nos respectivos hemistíquios. Ambas as metades começam com um particípio Qal mais objeto, seguido por um verbo imperfeito mais outro objeto. particípio Qal
objeto
verbo imperfeito
objeto
v. 27a
שחר
טוב
יבקש
רצון
v. 27b
דרש
רעה
[]תבוא
][נו
O princípio positivo no primeiro hemistich é expresso por duas palavras: טוב (o que é bom em geral) e (רצוןfavor), o último estreitando o princípio geral contido no primeiro. Em contraste, o princípio negativo no segundo hemistich é expresso por apenas um termo ()רעה, que é, portanto, usado em ambos os seus significados, ou seja, o mal planejado para os outros e o problema que virá sobre o perpetrador como punição por isso ( Van Leeuwen: “infelizmente ambíguo;” similarmente Murphy e Clifford). Assim, רעה no sentido de “mal” é o objeto do terceiro verbo para “buscar” ()דרש, e no sentido de “problema” é o sujeito antecedente da terceira pessoa do singular feminino no imperfeito Qal do verbo בוא. No provérbio, os verbos do campo semântico “buscar” se amplificam. • שחרPiel sugere uma busca proposital de algo específico (cf. 1:28; 7:15; 8:17; 13:24; também Salmos 63:2; 78:34); ocorre no Qal apenas aqui e tem o mesmo significado que o Piel. O radical Qal dos verbos no radical D ocorre ocasionalmente.351 Por esta razão, EE deve concordar com o fato de que não há nenhum problema crítico de texto com a forma. Além disso, Waltke aponta o efeito estilístico de usar o particípio Qal neste provérbio, viz. por uma questão de assonância com os particípios Qal abrindo vv. 26, 28 e 29. Ainda mais óbvio é o efeito imediato da o-e-assonância nas primeiras palavras de ambos os hemistichs do mesmo provérbio ( שׁ ֵֹחרe )ד ֵֹרש. • בקשPiel denota procurar por algo concreto do qual o buscador não sabe o paradeiro, e quando o objeto é abstrato, denota esforço com cuidado.352 Portanto, não há necessidade de seguir Driver353 e Whybray 351 E.g. דּ ֵֹברfor ( ְמ ַד ֵבּרfalar) e קוָ ֹוfor *( ְמ ַקוָּ וesperar); cf. QB. A Septuaginta tem τεκταινόμενος (quem inventa), supondo ח ֵֹרשׁ para שׁ ֵֹחר. Aquila tem ὀρθρισμόϛ (madrugada), pressupondo (ַשׁ ַחרamanhecer). 352 QUE I, 333-334. 353 Motorista (1967, 108). Para uma crítica mais aprofundada, ver Heim (2001, 143), que considera a proposta desnecessária e especulativa – corretamente, na minha opinião.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
297
quando eles derivam o verbo neste verso do acadiano baqāšu (ser grande) e o interpretam como um homônimo que significa “ampliar”. • דרשQal é pesquisar, investigar algo, principalmente resumos ou ideias.354 Implica, portanto, colocar um esforço específico no empreendimento. De tudo isso, fica claro que algumas pessoas buscam propositadamente o que é bom para outras pessoas, o que é confirmado pelo paralelo com o “mal” no segundo hemistich (assim Delitzsch, enquanto Schipper descobre que a conexão entre ação e consequência é apenas “ suposto” [“vorausgesetzt”] no v. b). Sem premeditação, tal esforço acaba por encontrar favor – seja o favor dos humanos que se beneficiaram ou de Deus que aprova, ou ambos. Em outras palavras, quem busca o bem para os outros descobre no final que a busca também foi boa para quem busca. Por outro lado, aqueles que procuram e planejam o mal para os outros descobrem que o objeto de sua busca se torna o sujeito do que lhes acontece. Após o primeiro hemistich, o paralelismo evoca a imagem do buscador do mal encontrando o que procura – um monstro perigoso se voltando contra aquele que o perseguiu. Esta é uma das expressões claras do equilíbrio de ações e suas consequências tão típicas da literatura de sabedoria (cf. 26:27; 28:10; também 10:24; Qoh 10:8; Sl 7:16; veja a Introdução § 6). Enquanto a palavra de ordem טוב no vv. 23 e 27 marcam o anel externo no grupo de provérbios definido acima (antes do v. 23), o conteúdo do v. 27 resume o vv. 24-26355 (não apenas v. 24a e vv. 25-26 [Raposa]). V. 27a: quem busca o bem [na verdade] busca favor – [23a, 24a, 25ab, 26b] V. 27b: mas quem vai atrás do mal – sobre ele virá – [23b, 24b, 26a]
Apesar de as segundas intenções não fazerem parte da “busca do bem”,356 os resultados favoráveis não são negados ou avaliados negativamente. Stewart mostrou que a perspectiva de resultados favoráveis forma a substância da motivação pedagógica em Provérbios. Isto é particularmente verdade quando o que ela chama de “modelo do desejo” é invocado para persuadir os jovens a aceitar o conselho daqueles que os ensinam.357 No entanto, isso não pode ser chamado simplesmente de 354
ISSO I, 461. Respectivamente o anel externo do arranjo concêntrico (vv. 23 e 27) e o anel interno em torno de seu centro (vv. 24 e 26 em torno do v. 25). 356 Isso é enfatizado por Waltke, que diz que “os benevolentes servem aos necessitados de acordo com os desejos do coração”, que “eles são piedosos porque buscam o favor de Deus” e que “o provérbio adverte seu público a ser como Jesus, que andou fazendo o bem e foi recompensado com a vida eterna (cf. Mt 25:35, 36; Tg 1:27.)” A ideia de Jesus ser recompensado com a vida eterna por suas boas ações em minha opinião vai longe demais, mesmo com o Referências do Novo Testamento, que não afirmam isso e talvez sugiram uma formulação defeituosa por parte do comentarista. 357 Ver Stewart (2016, 138-141) e seu relato da “forma de motivação” fundamental (2016, 114-125). Deve-se ressaltar, porém, que suas várias referências ao ensaio de Gemser (1953, 50-66) sobre “a cláusula do motivo” refletem o uso que ele faz da palavra “motivo” no sentido de “substanciação” (provavelmente sob o influência de sua língua materna holandesa), não de 355
298
Tradução e Exegese do Capítulo 11
“eudemonismo”, a busca do próprio bem-estar como o bem maior, como muitas vezes pode ser encontrado em avaliações anteriores da literatura sapiencial. É um dispositivo pedagógico argumentativo para levar os jovens a agir virtuosamente, o que inclui mais do que interesse próprio, como o temor do Senhor (1:7; 9:10; 14:2; 16:6; 30:3). ,358 justiça não recompensada (16:8),359 modéstia de caráter (16:19), amor (15:17) e respeito (22:2; 29:13).360 De acordo com Rashi, a primeira metade do verso refere-se a desejando o bem para os outros no sentido de conduzi-los no bom caminho, também por meio da repreensão, que busca a reconciliação com Deus para eles e assim sua aceitação por Deus. O Midrash Mishle interpreta “buscar o que é bom” como “falar bem”; quando as pessoas falam bem dos outros, os anjos falam de seu mérito a Deus. O Vilna Gaon resolve a questão da motivação para fazer o bem ligando טוב com os mandamentos de Deus, que são “bons”. Assim, busca-se a vontade de Deus (a boa Torá) e não a própria. Então Deus cumprirá os desejos de alguém (cf. Aboth 2:4). As diversas possibilidades de palavras do campo semântico de “buscar” são exploradas por Malbim. Uma vez que שחר está relacionado a שׁ ַחר, ַ que se refere ao vermelho do dia que vem ao amanhecer e ao anoitecer, significa que dia após dia deve-se buscar o bem. Esforço constante é necessário para contrariar o instinto natural de fazer o mal. Mas também pode implicar vontade, ou seja, a vontade deliberada de fazer o bem contra a inclinação natural de fazer o mal. O mal vem facilmente (como mostra o verbo בוא), mas o esforço contínuo é necessário para fazer o bem. Como בקש também pode se referir à oração (como em “buscar o Senhor”), esse esforço é uma questão de oração, que resultará na ajuda de Deus para alcançar a vontade de fazer o bem (cf. Shabbath 104a).361 O segundo meio-verso geralmente é apenas parafraseado (Radaq, Mezudat David), como Melanchthon faz com todo o provérbio, enquanto Crisóstomo o deixa sem comentários.
11:28 Quem confia na sua riqueza, cairá, mas os justos brotarão como a folhagem. O verso é um Siebener com um acento por palavra (assim como Gemser; como Toy chega a 3+3 não está claro para mim). Consiste em duas sentenças verbais, a primeira das quais é construída com um casus pendens participial e o sujeito pronominal seguinte. Isso é notavelmente semelhante ao v. 27b imediatamente anterior, onde um casus participial pendente com o seguinte objeto pronominal é encontrado “incentivo”. No entanto, em Provérbios, trata-se de estimular os jovens, em vez de dar razões pelas quais uma ação é correta. 358 Isso não nega que o temor do Senhor também possa ser visto em conexão com a recompensa, mas mostra que o valor do primeiro não reside no segundo. Cf. Hausmann (1995, 267), que enfatiza especialmente 14:2 como manifestação do papel central do “componente ético”. 359 Cfr. a crítica de Hausmann à suposição de Ringgren de que o sábio de 16:8 provavelmente, no entanto, espera uma recompensa pecuniária seguinte, Hausmann (1995, 336). 360 Hausmann (1995, 92) aponta corretamente que esses provérbios são interpretados de tal forma que não se concentram no bem que pode resultar para os piedosos (nem mesmo em 19:17), mas em sua relação com os desafortunados. 361 Ginsburg ([1998] 2009, 212).
Tradução e Exegese do Capítulo 11
299
(porque nesse caso o resultado negativo do mal é causado pelo mal que prende seu próprio perpetrador, enquanto no v. 28a o assunto do mal também é o assunto da queda).362 O sujeito plural e o verbo no segundo meio-verso sugere que o uso consistente do singular no primeiro meio-verso implica uma distributiva (“todo aquele que confia em sua riqueza”). O paralelismo é novamente de particular importância para a interpretação do provérbio. Waltke chama isso de paralelismo “impreciso” e Fox fala de paralelismo “imperfeito”,363 ambos se assemelham ao que prefiro indicar esquematicamente: 11:28a quem confia na riqueza [quem não é justo] cai [diferente de uma folha que brota]
→ ← ←
11: 28b [quem não confia na riqueza] o justo brota como uma folha
A releitura do primeiro hemistich à luz do segundo revela um paralelismo antitético bem construído, no qual a segunda metade fornece as informações que faltam na primeira metade,364 mas também o contrário, pois as informações do primeiro hemistich também preenchem a lacuna no segundo. Essas lacunas (indicadas por colchetes acima) fornecem espaço para implicação, que não é mera suposição subjetiva, mas pode ser derivada de elementos explícitos no texto por meio da força coesiva do paralelismo. Como o paralelismo é antitético, a antítese do personagem que confia em sua riqueza deve ser uma pessoa que não confia em sua riqueza; uma vez que o último é chamado de justo, o primeiro deve ser o oposto e, portanto, não justo, isto é, um רשע. lutando pelo bem :: Y buscando o mal (v. 27); Y a queda dos que confiam na riqueza :: X o florescimento dos justos (v. 28). Uma conexão entre esses provérbios também foi observada entre os intérpretes rabínicos, cf. Ginsburg ([1998] 2009, 212; ver abaixo), mas negado por Plöger, enquanto a inter-relação dos versos na proximidade é interpretada de forma diferente por outros, como Fuhs e Waltke. Heim (2001, 146) também aceita uma relação entre vv. 27 e 28, mas inclui vv. 29-31 no grupo. Ainda assim, cada provérbio é um ditado perfeitamente sensato, independentemente de tais afinidades; cf. acima “Uma segunda nota sobre incertezas sobre grupos de provérbios na segunda metade de Provérbios 11” (após o comentário no v. 22). 363 Para Fox, tal provérbio é “desarticulado” (Fox et al. [2004, 165-177]). Parece desconexo, mas muitas vezes - como em 11:28 - é perfeitamente pensado, o que também é o cerne do argumento de Fox; cf. sua crítica ao comentário de Murphy sobre o fenômeno em 11:2 (p. 169): “Seria mais correto dizer que a linha B pega a antítese, mas apenas no rebote.” Isso está de acordo com o que defendo em vários pontos do comentário, não apenas onde se encontram antíteses, mas também em outras formas de paralelismo. O significado é que a “lacuna” ou “disjunção” entre paralelos envolve o envolvimento do leitor no processo de fornecimento de significado (por exemplo, p. 168). 364 Da mesma forma Plöger, embora ele pareça considerar a lacuna no primeiro hemistich como uma deficiência. 365 Cfr. Scoralick (1995, 242), que é bastante enfático a esse respeito e identifica aqueles que confiam em sua própria riqueza com os perversos plenamente integrados à sociedade e não meros criminosos periféricos.
300
Tradução e Exegese do Capítulo 11
prospera (= brota) e seu oposto cai, o motivo da queda é colorido pela imagem do brotar. A imagem da folhagem no segundo hemistich sugere, portanto, que a queda mencionada na primeira metade é melhor compreendida como uma folha que cai do que a queda de uma casa (Waltke) ou uma árvore (Fox) ou uma pessoa tropeçando (Yoder, referindo-se a 4:19; 22:14; 28:10). A objeção de Waltke de que o verbo (נפלfall) não é usado com folhas, pois seu sujeito é fraco. Primeiro, não precisa ser usado assim, porque aqui um verbo para o fenômeno natural oposto (brotar) é usado para indicar humanos experimentando o oposto de uma queda. Isso sugere uma imagem negativa (não o verbo נפלper se) para o primeiro hemistich. Em segundo lugar, se os humanos podem sofrer uma queda com este verbo, então deixa como metáforas para aqueles humanos366 também podem. O que eles poderiam fazer de outra forma para chegar ao chão? Nos primeiros elementos do paralelismo são evidentes as lacunas antitéticas e seu preenchimento. O justo deve ser alguém que não confia em sua riqueza, e aquele que confia em sua riqueza não pode ser justo. Se a recompensa do justo é postulada por uma comparação botânica367 expressando o brotar da vida em um arbusto ou árvore, então a retribuição de sua contraparte será mais pensada em termos relacionados do que em termos de construção de um edifício. Se as folhas não caírem em outro lugar ()נפל, seria um argumento do silêncio afirmar que isso não pode ser implícito aqui. Embora as referências de Waltke a (נבלmurchar) e (נדףNiphal, ser soprado) sejam precisas,368 elas não excluem a imagem de uma folha caindo neste provérbio - especialmente à luz do ponto de Tuinstra de que as coisas podem realmente ser disse cair ()נפל das árvores (fruto em Nah 3:12). pelas Versões, é desnecessário (portanto, a maioria dos comentaristas posteriores, mas não a Versão Padrão Revisada). Isso não melhoraria o paralelismo, mas o prejudicaria, uma vez que seria previsível, enquanto a “queda” mais genérica abre possibilidades e convida o leitor a cooperar para determinar o que o provérbio significa. Van Leeuwen faz a sugestão emocionante de que as traduções variadas para o som semelhante “murchar” (yibbol) e “cair” (yippol) talvez reflitam um trocadilho no texto hebraico. De qualquer forma, o trocadilho agora existe de fato graças aos leitores que chamaram a atenção para ele.
O provérbio evidentemente contrasta dois tipos de pessoas e, em particular, o que lhes acontece. O casus pendens na primeira metade coloca em primeiro plano um tipo específico de contraparte para o צדיק genérico. A pessoa que confia em sua riqueza é um tipo específico de רשע. Se o específico se mostra em contraposição ao genérico de seu oposto, este é necessariamente visto pelo prisma do )כ é chamado no primeiro hemistich. 367 Isso não é realmente uma metáfora, como Luchsinger (2010, 190) afirma, uma vez que a partícula comparativa כ é usada; cf. v. 30, onde a ausência de כ faz uma metáfora completa da imagem botânica para a vida. 368 Respectivamente Sl 1:3; Is 1:30; 34:4; 64:5; Ezequiel 47:12 (para ;)נבלLv 26:36; Jó 13:25 (para) נדף. 369 Cfr. a combinação de folhas e frutas na exposição rabínica do provérbio (veja abaixo). 370 Então Ewald, seguido por Wildeboer e outros; mencionado no BHS, mas não no BHQ.
Tradução e Exegese do Capítulo 11
301
o antigo. A lógica da oposição requer que o leitor entenda que a categoria geral de justos não confia em sua própria riqueza. Esta lacuna no segundo hemistich é então preenchida pela informação fornecida pelo primeiro hemistich.371 Além disso, a proeminência do motivo da confiança ( )בטח é indicada pela construção do casus pendens. Mantendo a pessoa que constrói sua confiança na riqueza no caso pendente e, em seguida, ligando-a à terceira pessoa do verbo masculino singular por meio de outro pronome da mesma pessoa ()הוא, a construção enfatiza fortemente a ideia (cf. Waltke, que parece fazer uma sugestão semelhante entre parênteses). Queda pode significar morte (cf. 1:19), mas não necessariamente. Também pode assumir a forma de se desfazer nas esferas sociais (cf. 16:18s.) ou outras esferas não especificadas (cf. 11:5-6). A riqueza pode ser uma bênção (cf. 3:14s.; 8:18; 13:8; 14:24; 18:11), mas também é efêmera (cf. 10:2; 11:4; 23:4-5 ). Assim, não a riqueza em si é vista desfavoravelmente, mas colocar a confiança nela, uma vez que somente Deus deve ser o objeto de confiança (assim Schipper, que se refere a 3:5; 16:20; 28:25; 29:25).372 A mesma ideia também é encontrada em Ben Sira: “Não confie em sua riqueza” (Sir 6:2a). Mas é muito antigo, como mostram as máximas do vizir egípcio Ptahhotep (3º milênio aC): Não confie em sua riqueza Que veio a você como um presente de deus.373 A interpretação de Gerondi parece entender o provérbio em termos da inter-relação dos dois hemisférios. O brotar de uma folha é levado de volta ao primeiro hemistich e se transforma em seu oposto. Segundo ele, uma folha cresce mais rápido que um fruto, o que significa que os justos serão rapidamente salvos de suas dificuldades. Não há menção de adversidade no segundo hemisfério, mas há no primeiro (chegando a uma queda). Assim, a ideia de adversidade é, por sua vez, transportada para o segundo ponto, o que permite a Gerondi interpretar o rápido crescimento de uma folha como o rápido resgate da adversidade do justo. Por outro lado, a ideia de rapidez que Gerondi encontra em פרח, projetada para a primeira metade e entendida como significando que quem coloca sua confiança na riqueza rapidamente a perderá. O Vilna Gaon pensa que a possibilidade de queda está implícita no segundo tempo, o que obviamente é sugerido por נפל no primeiro tempo. Mas quando uma folha cai no outono, ela brota novamente na primavera, o que significa que os justos brotarão e prosperarão mesmo que eles também caiam. Uma vez que isso implica que o justo também pode cair, pode ser aplicado para resolver o problema de que o nexo de ação e consequência nem sempre funciona com precisão mecânica. O rabino Bahya ben Asher (Espanha, século XIII) interpreta o primeiro hemistich 371 Cf. Sl 92: 13-16, onde imagens botânicas e brotos verdes também expressam que os justos (צדיק, פרח, também com כ-comparação, v. 13,) confiam em Javé como sua rocha inabalável ( v. 16) e experimentar bem-estar (v. 15, [רענניםgreen]). 372 Hausmann (1995, 53) afirma que a confiança equivocada é rejeitada no v. 28, mas nega (n. 125) que mesmo uma injunção indireta para colocar confiança em Javé pode ser vista neste versículo. A declaração indicativa certamente não é uma injunção (“Aufforderung”), mas, como mostram as referências dadas por Schipper, a implicação de que a confiança deve ser depositada em outro lugar só pode significar Yahweh. 373 Ptahhotep, Maxim 30, linhas 432-433 (AEL I, 71; ANET, 414 tem uma tradução diferente: “não seja avarento com sua riqueza”).
302
Tradução e Exegese do Capítulo 11
à luz das afirmações anteriores sobre aqueles que procuram prejudicar os outros.374 Para ele, eles também são as pessoas que confiam em sua própria riqueza e caem ou, nos termos do v. 27b, encontram o que queriam fazer aos outros. Para Ramaq, esse tipo de נפל significa cair nas mãos de seus perseguidores. Crisóstomo interpreta a versão Septuaginta, onde o segundo hemistich não tem imagens botânicas e lê: ὁ δὲ ἀντιλαμβανόμενος δικαίων, οὗτος ἀνατελεῖ (mas aquele que apóia os justos, ele surgirá) Segundo ele, quem confia s em riqueza morrerão sem colher o frutos do seu trabalho, enquanto o ajudante do justo se levantará em sabedoria. Melanchthon oferece uma interpretação de uma frase, contendo uma ideia encontrada no pensamento do rabino Bahya: Confidens suis divitiis, sæpe alios iniuste opprimit. (Quem confia em suas próprias riquezas, muitas vezes oprime injustamente os outros)
11:29 Quem perturba a sua casa adquirirá vento, e o tolo se tornará escravo do sábio de coração. A linha consiste em uma frase nominal e uma verbal com três batidas de estresse cada (assim como Toy). Gemser escaneia como 4+4, mas isso exigiria que as duas últimas palavras de ambos os hemistichs tivessem acentos em sílabas adjacentes em vez de formar um acento cada, como o maqqeph indica em ambos os casos. De acordo com Oesterley, o versículo “parece” conter dois provérbios independentes (o que equivaleria a dois monósticos), mas ele não oferece nenhum argumento de apoio. O paralelismo é chamado de “sinônimo” por Toy, mas a segunda metade, que de fato pode ser considerada como reafirmando o ponto geral da primeira, também leva seu pensamento adiante. similarmente Meinhold), o Texto Massorético não é suspeito. Dificuldade de entender a ideia de danificar uma casa não é o mesmo que um problema crítico de texto. BHS não tem justificativa para dublar todo o verso do texto criticamente “corrompido” (com o que o BHQ não concorda). As versões atestam essa dificuldade, mas, no entanto, traduzem o particípio hebraico עוכר na primeira frase para sugerir uma pessoa agindo de maneira tola em relação à sua família. Isso pode ser facilmente visto no caso da Peshitta, que mostra sua incerteza sobre o significado do particípio no primeiro hemistich. Ele oferece notavelmente duas traduções do mesmo versículo e, assim, faz um trístico (na minha terminologia, um ponto com três unidades, e não um terceto, que é um grupo de três pontos conectados) do verso:376 374
Veja a nota acima sobre as conexões entre os provérbios notados pelos rabinos. Fuhs também chama o paralelismo de “sinônimo”. Waltke, segundo quem a segunda afirmação “aumenta” o infortúnio de que fala a primeira, chama o paralelismo de “sintético”; da mesma forma, Van Leeuwen encontra uma “mais descida” no segundo tempo. 376 Veja EE, que argumenta, em minha opinião de forma plausível, que a apresentação siríaca do v. 29 mostra traços de influência tanto dos textos gregos quanto dos hebraicos. O grego deve ter 375
Tradução e Exegese do Capítulo 11
303
? ? zÎçÃà ÎÃþæ fÀĀð zĀÚ ¿çÂx (a i) fÀÎÑæ (Quem edifica a sua casa com engano deixará gemidos aos seus filhos) ? f¿Ð{ă zÎçÃà ÇáóæfzĀÚà¾Ý ¿ćàx (a ii) (Quem não fica sossegado em sua casa deixará o vento para seus filhos) f¿ćäÚÞÑà ÁËÃï À{Íæ ¿ćáÞé{ (b) (E o tolo será um escravo do sábio) Se alguém pode prejudicar ( )עכרseu próprio corpo (cf. v. 17), ele também pode fazê-lo para sua família (15:27, com as mesmas duas palavras),377 que incluiria seus filhos, escravos e propriedades como um todo (Waltke: sua “bens móveis”). Van Leeuwen refere-se a 19:14 como evidência de que uma casa é uma herança (e acrescenta que deve ser edificada com sabedoria de acordo com 24:3-4), o que é pertinente à interpretação deste provérbio.
Fox discute a questão de quem é o encrenqueiro do primeiro hemisfério. A Septuaginta parece favorecer uma interpretação de que é um filho como um herdeiro em potencial, dizendo que "ele herdará" (κληρονομήσει), não "ele legará". A Peshitta deixa bem claro que deve ser o pai, pois fala de um pai deixando algo para seus filhos. No texto hebraico, pode ser o pai de família, mas também pode ser seu filho. • Se for o pai, isso implicaria que de alguma forma ele não faz justiça à sua casa, ou seja, sua família, servos e propriedades (assim Meinhold, Plöger, Murphy, Waltke, Schipper e a maioria dos comentaristas mais antigos, como Hitzig, Delitzsch , Wildeboer e Toy). O pai então adquire vento, ou seja, nada (cf. Qoh 1:14; Jr 5:13). Neste caso, נחל tem o significado de “adquirir” (por exemplo, Nm 26:55; Js 16:14), “possuir” (por exemplo, Êx 34:9; Sl 82:8) ou “tomar posse de” (por exemplo, Êx 23:30; Is 57:13). O pai teria então criado um mero sopro de vento de sua propriedade anterior e se encontrado em um estado de ruína financeira.378 Alternativamente, o Qal também pode significar que o pai, como resultado de suas ações inadequadas, agora pode apenas legar vento = nada para seu filho, embora o Hiphil preferisse ser esperado nesse caso. De qualquer forma, essas alternativas se resumem à mesma situação fática. • Se, por outro lado, o encrenqueiro for um potencial beneficiário da herança, ou seja, um filho, ele receberá o vento como herança em vez de uma família próspera (cf. o ideal em 31:10-31). Então o verbo נחל levaria à interpretação de “casa” como “crianças” (cf. o particípio συμπεριφερόμενος [sendo adaptado para, em sintonia com], que exige que as pessoas estejam de acordo com). O hebraico ינחל foi possivelmente lido como Hiphil (legar), mas o Qal (herdar), também pode ser usado para o significado anterior (veja as notas abaixo em )נחל. 377 Clifford menciona Acã (Josh 7:25) e Saul (1 Sam 14:29) como exemplos de um “criador de problemas” ( )עכר de uma entidade coletiva. 378 Isso é expresso com o Qal de (נחל, que ocorre quatro vezes no Livro dos Provérbios, cf. AQUELE II, 55). O hifil de (נחלcf. 8:21; 13:22; Jer 3:18; 12:14; Zc 8:12) significaria "levar" ou "dar como herança", embora o Qal também possa ser usado para este significado (Nm 34:17s.; Js 19:49); ver KAHAL, s.v. נחל, para detalhes e outros exemplos.
304
Tradução e Exegese do Capítulo 11
significa "herdar" ou "receber como herança". Ele reconhece que (ביתו com o sufixo masculino singular da terceira pessoa) sugere o pai como dono da “casa”, enquanto, por outro lado, o filho, e não o pai, esperaria uma herança. Uma vez que o verbo não necessariamente significa que uma referência específica é feita a uma herança sendo transferida para um filho, ambas as leituras são possíveis ou relevantes (como Fox as chama). Em ambos os casos, a pessoa que causa o problema deve arcar com o resultado de sua própria criação. No entanto, o que torna atraente a leitura de Riyqam é que a relação dos dois hemisférios entra em foco. Se o עוכר for um dos filhos do pai que causa conflito sobre a questão da herança,380 ele não herdará nada (primeiro hemistich). Além disso, ele será visto como um tolo estúpido (אויל, cf. em 1:7 no Vol. I) e será submetido à administração da propriedade por alguém que é “sábio de coração” 381 (segundo hemistich). Não se diz expressamente que este é um escravo que agora se torna senhor do tolo, nem se diz expressamente que o tolo é o encrenqueiro, mas isso é sugerido pela inter-relação dos dois hemistíquios – exatamente como a inversão social entre um escravo ( )עבד e um filho problemático ( )בן מביש no contexto da administração de uma propriedade ( )נחלה é retratado em 17:2. 382 Isso seria uma verdadeira desgraça, pois os escravos que governavam seus superiores sociais normalmente seriam desaprovados (cf. 19:10). Se um escravo inteligente é necessário para lidar com os assuntos da propriedade, isso implica que o pai está morto e que os distúrbios fraternos muito familiares (raiz) עכר a respeito de uma herança se estabeleceram (cf. Gen 27, o que mostra que isso pode começar mesmo quando a morte do pai ainda está iminente). A situação extraordinária também pode ser refletida na sintaxe do segundo hemistich, que tem o sujeito ( )אויל na posição inicial, dividindo assim a locução predicativa em duas: לחכם־לב... ועבד. Isso aumenta a ênfase em “escravo”, como se fosse uma imagem muito incomum para contemplar, “e um tolo realmente se torna escravo de uma pessoa sábia”. Dessa forma, a função do provérbio seria pintar um quadro dissuasor das consequências de Isso também é expresso no Qal do verbo. cf. KAHAL, s.v. נחל. Pilch também parece pensar em termos de um filho que almeja uma herança, já que ele fala do comportamento tolo como algo que “pode custar a um encrenqueiro sua herança”. No entanto, nem aqui nem em 19:10 Pilch comenta sobre a circunstância excepcional de escravos governando os assuntos de seus superiores sociais. Cf. Whybray, que considera o provérbio uma ilustração da “situação precária da classe social de onde vêm esses provérbios”. 381 חכם־לב. Cf. 10:8; 14:33; para a oposição de חכםto (אויל como aqui), cf. 12:15; 17:28; para כסיל, cf. 3:35 e para סכל, cf. Qoh 2:19. 382 Tuinstra aponta que um texto sapiencial do Cairo Geniza (IX, 3f.) menciona que os tolos precisam ser governados por pessoas sábias. Aqui, porém, os sábios não são considerados escravos ou ex-escravos. 379 380
Tradução e Exegese do Capítulo 11
305
problemas egoístas dentro das famílias. Teria como objetivo ser um desincentivo, alertando contra as “consequências perigosas” da “busca por ganhos egoístas ou prejudiciais”. Ele descobrirá que seus meios secam de modo que ele fica com o vento = nada. Do segundo hemistich Gerondi infere que os filhos de tal pessoa seriam inferiores e até se tornariam escravos dos sábios, porque nunca aprenderam a riqueza da Torá. Rashi inverte o sujeito e o predicado do primeiro hemistich e interpreta: אדם עצל שינחל רוח תמיד ואינו יגע בתורה ולא במלאכה סוף עוכר את בני ביתו שאין להם מה לאכול (Um homem preguiçoso que sempre herda o vento e não vem para A Torá ou uma ocupação acabará por perturbar os filhos de sua casa, pois não haverá nada para eles comerem). , se tornará um fardo para sua família porque eles não terão nada para comer devido ao seu fracasso. Isso torna o provérbio uma declaração muito simples, quase banal, sobre as consequências da preguiça. O Mezudat David interpreta de maneira comparável, tornando o sujeito um homem preguiçoso, mas então interpreta engenhosamente o vento ( )רוח como discórdia. O vento que herda como consequência de sua preguiça é a discórdia de sua família desnutrida. Pseudo-Ibn Ezra afirma sobriamente que o escravo encrenqueiro é o tolo em oposição ao sábio de coração, o que parece ter a intenção de evitar que a ordem incomum das palavras signifique “um escravo será um tolo para o sábio de coração”. Ramaq mantém a ordem natural das palavras hebraicas: aquele que perturba sua família por sua má conduta, acabará não tendo nada. Ralbag, por sua vez, toma metaforicamente a casa como referência ao próprio homem (preguiçoso). Assim, ele prejudicará sua própria pessoa. Para a leitura inovadora dada por Riyqam, veja acima.384 O manuscrito de Patmos do comentário de Crisóstomo está com defeito em 11:29-12:3. Mas Hill385 fornece substitutos dos comentários catena que sugerem que a primeira metade do provérbio aconselha um homem a passar o tempo no interesse de sua família em casa, enquanto a segunda metade sugere que os escravos também podem ter bom senso e devem procurá-lo. Tomás de Aquino386 usa o provérbio junto com o Salmo 48:21 (Hebreus 49:21) como um texto substanciador para argumentar que é lícito matar pecadores. O argumento é que um pecador se afastou da ordem da razão (cf. אוילno segundo hemistich) e caiu no "estado servil de bestas" (cf. עבדcom )אוילtestificado pelo salmo e, portanto, pode ser morto como um animal. O provérbio leva a uma extensa discussão de Melanchthon, que afirma (com referência a Homero e Virgílio) que o provérbio é destinado a pessoas mal-humoradas (morosus), imprudentes (praefractus) e polêmicas (contenciosos). Estes são 383 Stewart (2016, 138), escrevendo sobre um aspecto negativo do que ela chama de “modelo de desejo” no Livro de Provérbios. 384 De 11:29 a 12:19 não há nenhum comentário ou explicação no Midrash Mishle (cf. Visotzky [1992, 141]). 385 Colina (2006, 122, 223). 386 Tomás de Aquino, Sum Theol II, ii, 64, 2.
306
Tradução e Exegese do Capítulo 11
indivíduos intolerantes que causam a mais terrível discórdia, muitas vezes de origens insignificantes. Eles perturbam “sua casa” e descobrirão que colhem vento, ou seja, discórdia incurável (discordias insanabiles) com ramificações privadas e públicas. Essa compreensão do motivo do “vento” no provérbio é surpreendentemente semelhante à encontrada no Mezudat David.
11:30 O fruto do justo é árvore de vida, e o sábio escraviza as almas. Van Leeuwen comenta que “uma solução totalmente satisfatória [para os problemas deste provérbio] ainda precisa ser encontrada”. Uma solução perfeita parece ilusória, mas talvez seja possível progredir nessa direção. Começando com o padrão rítmico, o primeiro hemistich pode ter três ou quatro acentos, dependendo se alguém concorda com o maqqeph conectando פרי e צדיק. Uma vez que não há nenhuma razão convincente para emendar ( ַצ ִדּיקpessoa justa) para ( ֶצ ֶדקretidão), não é necessário conectar as duas primeiras palavras em uma única unidade tônica e o padrão é, conseqüentemente, 4+3.387 Dois outros comentários críticos do texto ainda precisam ser feitos. A primeira diz respeito à penúltima palavra, que aparece com um שׂ errado no Codex Leningradensis ()נפשׂות, mas com o שׁ correto no Codex Aleppo, no Cambridge Ms 1753 e em muitos outros. O שׂ é obviamente um lapsus calami e geralmente é reconhecido como tal. A segunda questão diz respeito à última palavra, que às vezes é lida como (חמסviolência), por ex. BHS, Toy, Oesterley (com algumas reservas), Gemser, McKa